por Adriano Erriguel
(2023)
I
Hoje é difícil admitir, mas em seus primórdios, o fascismo italiano não prenunciava o curso desastroso que acabaria tomando para a história da Europa.
Emergindo do caos como uma onda de juventude, o fascismo pertencia a uma era revolucionária na qual, diante de velhos problemas, novas soluções estavam surgindo. Em seu momento de fundação, o fascismo italiano se apresentou como uma atitude em vez de uma ideologia, como uma estética em vez de uma doutrina, como uma ética em vez de um dogma. E foi o poeta, soldado e condottiero Gabriele D'Annunzio que esboçou, da maneira mais enfática, aquele possível fascismo que nunca poderia ser, e que acabou dando lugar a um fascismo real que não cumpriu suas promessas iniciais de galopar, da maneira mais obtusa, em direção ao abismo.
Poeta laureado e herói de guerra, exibicionista e demagogo, megalomaníaco e histriônico, nacionalista e cosmopolita, místico e amoral, ascético e hedonista, viciado em drogas e erotomaníaco, revolucionário e reacionário, com talento para o ecletismo, a reciclagem e o pastiche, o gênio precursor da encenação e das relações públicas: D'Annunzio foi um pós-modernista avant la lettre cujas obsessões parecem surpreendentemente contemporâneas. O incêndio que ele ajudou a iniciar levaria muito tempo para se extinguir, mas nada jamais seria o mesmo. Por que deveríamos nos lembrar desse homem amaldiçoado hoje?
Talvez porque, em uma atmosfera monocórdica de correção política, transgressões domesticadas e pensamento desnatado, figuras como ele funcionem como um contramodelo e nos lembrem de que, afinal de contas, a imaginação pode de fato chegar ao poder.