30/05/2020

Aleksandr Dugin - Coronavírus e os Horizontes do Mundo Multipolar: As Possibilidades Geopolíticas da Epidemia

por Aleksandr Dugin

(2020)



A pandemia mundial do coronavírus tem enormes implicações geopolíticas. O mundo nunca mais voltará a ser o mesmo. No entanto, é cedo para dizer que tipo de mundo irá se tornar. O surto não passou: nem sequer alcançou o auge. As perguntas mais importantes permanecem sem resposta:

– Que tipo de perdas a humanidade sofrerá em última instância, quantas mortes?

– Quem poderá deter a propagação do vírus, e como?

– Quais são as consequências reais para aqueles que ficaram doentes e os que sobreviveram?

Ninguém pode responder essas perguntas com exatidão, e portanto, nem sequer podemos imaginar vagamente o dano real. No pior dos casos, a pandemia conduzirá a uma grave diminuição da população mundial. No melhor dos casos, o pânico será prematuro e sem fundamento.

Porém, já nos primeiros meses da pandemia, algumas mudanças geopolíticas globais já são bastante óbvias e em grande medida irreversíveis. Não importa como se desenvolvam os eventos posteriores, algo mudou na ordem mundial de uma vez por todas.

27/05/2020

Hans Thomas Hakl – Deificação como Tema Central nas Obras Esotéricas de Julius Evola

por Hans Thomas Hakl

(2018)




Os Primeiros Anos


Os esforços de Evola para superar as condições ordinárias da vida podem ser detectados quando ele ainda era um homem jovem. Isso logo o levou a uma exploração de reinos transcendentais não circunscritos por limites materiais.  Em sua "autobiografia espiritual", escrita em 1963, ele observou que seu impulso decisivo para a transcendência "se manifestava" nele "desde os primeiros anos".[1] Isso também pode ser visto claramente em seu período artístico, de 1915 a 1923, quando se tornou um dos mais renomados dadaístas da Itália. Em sua brochura “Arte astratta” [Arte Abstrata], escrita em 1920, quando tinha 22 anos, ele o expressou da seguinte maneira: 

“Eu vejo a arte como uma criação desinteressada que vem da consciência superior de um indivíduo e é, portanto, capaz de transcender as paixões e as cristalizações que são baseadas em experiências comuns, e que é independente delas”.[2]

Outro sinal do anseio de Evola pela transcendência é a recorrência do simbolismo alquímico em sua arte abstrata.[3] Esse desejo de ser diferente do homem comum também se manifesta em sua luta por uma autossuficiência absoluta do Eu como condição necessária para a liberdade genuína. Não depender de nada fora de si mesmo era o seu objetivo último.  Foi o jovem filósofo italiano Carlo Michelstaedter (1887-1910) que o guiou nesta direção, e Evola continuou a trabalhar para este fim pelo resto de sua vida. “Assim” - dizia ele – “o valor real só se encontra naquilo que existe para si mesmo, que não demanda o princípio da vida interior e do poder pessoal de nada ou ninguém – na autarquia”.[4]

23/05/2020

Israel Lira - A Origem Medieval da Quarentena

por Israel Lira

(2020)



No mundo contemporâneo, e agora mais do que nunca com a atual pandemia, estamos acostumados com os termos isolamento e quarentena, conceitos de diferentes escopos, aliás. Nosso governo, no entanto, optou pela noção abrangente de “isolamento social obrigatório”, que nos remete às declarações de nosso próprio presidente, que, ao se referir a esta idéia, argumentou que preferia o uso desta, à palavra quarentena, devido à carga cognitiva que ela traz consigo. Sem prejuízo disso, não muda o fato objetivo de que estamos em quarentena, e aí vem precisamente a distinção, que geralmente é abordada no plano internacional. Para citar um exemplo específico, a Divisão de Saúde Pública do Estado de Delaware, diferencia o isolamento da quarentena pelo sujeito a quem é imposta a ação restritiva, ou seja, quando o sujeito é uma pessoa infectada por alguma doença contagiosa, o confinamento da mesma ocorre para impedi-lo de infectar outros. Em outras palavras, o sujeito ativo do isolamento é uma pessoa infectada, e o sujeito passivo que se busca proteger com essa ação é a pessoa saudável. Não obstante, é esta última que nos remete à quarentena, que está ligada ao isolamento em situações pandêmicas, e é quando o sujeito passivo torna-se ativo, ou seja, objeto de cumprimento de restrições.

21/05/2020

Gabriele Adinolfi – Para Além do Populismo: Por um Partido Estratégia

por Gabriele Adinolfi

(2019)



O forte avanço do Vox na Espanha levou a um governo minoritário de esquerda que acentuou as tensões. Não é assim tão diferente do que está acontecendo na Itália, França e Alemanha.

Hoje estamos assistindo a uma "crise de representatividade" da classe dominante (progressista e burguesa), diante das demandas dos desiludidos da globalização expressas no "populismo". Entre a primeira e os segundos se situa o poder econômico, que não é completamente unitário e se articula em função das necessidades do momento histórico. 

Esta divergência em três níveis cria um impasse aparente. No plano do poder real, que, mais do que estratégias, exprime orientações, temos a classe política vetusta e obsoleta, que, ancorada no "Estado profundo", trava uma guerra civil abstrata, mas constante, evocando e provocando fantasmas e climas de urgência, e os representantes do populismo, que avançam nas urnas mas sem nada expressar de concreto.

15/05/2020

Seyla Benhabib – A Crítica de Carl Schmitt a Kant: Soberania e Direito Internacional

por Seyla Benhabib

(2011)


I. Os Ventos da Guerra – Por Quem Eles Sopram?


Em 1922, Carl Schmitt publicou “Teologia Política: Quatro Capítulos sobre o Conceito de Soberania”[1]. Republicado em 1934 com um novo prefácio de Schmitt, este texto, junto a “O Conceito do Político” (1932) e “Crise da Democracia Parlamentar” (1923)[2], estabeleceu Schmitt como um dos principais críticos do projeto democrático liberal. Schmitt documentou não apenas a transformação sociológica do parlamentarismo liberal no governo de grupos e comitês de interesses especiais que eventualmente solapavam os parlamentos de funcionarem como corpos deliberativos. Ele também apontou as falácias racionalistas do liberalismo até seus “conceitos-limite” – die Grenzbegriffe – serem descobertos. Estes conceitos-limite, na perspectiva de Schmitt, constituíam as bases secretas e impensadas sobre as quais a estrutura do Estado moderno se apoiava. A soberania é um desses conceitos-limite; governo por discussão, e a pressuposição de que todas as opiniões eventualmente convergirão através da deliberação até um resultado racional, estão entre as outras pressuposições inquestionadas do liberalismo.

As críticas sociológicas e filosóficas de Schmitt se provaram formidáveis e inspiraram pensadores da direita e da esquerda. De Otto Kirchheimer e Walter Benjamin a Hans Morgenthau e Leo Strauss, até Chantal Mouffe e Ernesto Laclau[3], bem como muitos outros em nossos tempos, Schmitt é a éminence grise a quem nos voltamos quando o projeto liberal-democrático está em crise. Não há necessidade aqui de documentar o extenso renascimento schmittiano que floresceu na Europa e nos Estados Unidos nas últimas décadas. Ao invés disso, eu gostaria de relembrar brevemente algumas teses da “Teologia Política” de Schmitt para poder demarcar as continuidades e as descontinuidades entre preocupações contemporâneas que podem ser reunidas sob a “teologia política” e as próprias preocupações de Schmitt.

11/05/2020

Daniele Perra - Os Caminhos de Retorno no Século XX

por Daniele Perra

(2018)



Em uma carta datada de 1933 dirigida a Carl Schmitt para o parabenizar pelo sucesso da terceira edição de "O Conceito do Político", Martin Heidegger se felicitava com o grande jurista por ter mencionado o Fragmento 53 de Heráclito: "O conflito, de todas as coisas pai, de todas as coisas rei, de alguns fez deuses, de outros homens, de alguns servos, de outros homens livres”. Além de demonstrar sua gratidão por não ter deixado de fora nenhum termo no fragmento e, em particular, a palavra "Basileus" (rei), o filósofo alemão admitiu ter mantido durante anos uma interpretação particular do breve dito heraclítico: uma interpretação, em sua própria maneira de ver, intrinsecamente ligada ao conceito de Verdade. Ao mesmo tempo, porém, Heidegger revelou a Schmitt que ele próprio estava em meio a um conflito e que qualquer projeto literário na época seria de importância secundária.

Parece imediatamente evidente que no fragmento heraclítico com o termo "pòleimos" (conflito) não se dá a entender exclusivamente o conflito armado (a jihad inferior ou exterior na tradição islâmica) mas também e sobretudo um conflito interior (a jihad superior) voltado para o aperfeiçoamento do ser humano de modo a torná-lo verdadeiramente homem e, portanto, cada vez mais próximo do divino. Portanto, para Heidegger, esse conflito não era outro senão o esforço do eu que o levará àquilo que ele mesmo definiu como um corpo a corpo consigo mesmo, a abandonar o ensino por vários anos, mas também, mais tarde, a produzir as suas obras maduras mais importantes: O “Nietzsche” e “Caminhos da Floresta”. Assim como Heidegger, que identificava no "Einkehr" (recolhimento) o primeiro passo no caminho do "Ruckkehr" (retorno) como o único caminho filosófico viável numa época em que a metafísica foi pervertida na sua anti-essência, o Imã Ruhollah Khomeini reconheceu como a introspecção e a auto-reflexão eram as condições essenciais para o início da luta interior e a ascensão até Deus. De acordo com o Imã, a autodisciplina, a contemplação e a auto-análise eram os pré-requisitos para cada buscador da Verdade que luta contra si mesmo na sua jornada espiritual rumo ao caminho do "despertar" (yaqzah).

05/05/2020

Marco Maculotti – Jacques Bergier e o “Realismo Mágico”: Um Novo Paradigma para a Era Atômica

por Marco Maculotti

(2019)



Jacques Bergier (1912-1978) - jornalista, escritor e engenheiro francês, nascido numa família de judeus russos - é mais conhecido pela sua escrita a quatro mãos com Louis Pauwels “O Amanhecer dos Magos: Introdução ao Realismo Fantástico” (1960), um compêndio a meio caminho entre uma obra de ficção científica distópica e um tratado esotérico capaz de unir, de forma mais ou menos coerente (e, sobretudo, bastante fascinante), temas limítrofes tão distantes uns dos outros, como a alquimia, as civilizações desaparecidas, o nazismo esotérico, o socialismo mágico, a horrível mitopoiese de H.P. Lovecraft e Arthur Machen, a Terra Oca e as teorias teosóficas de Madame Blavatsky.

A "via" que Bergier, "divulgador científico, perito em narrativas do Imaginário, cientista ‘de esquerda’ que havia participado na Resistência e tinha estado nos campos de concentração alemães", propôs seguir foi precisamente o do chamado "Realismo Fantástico" (ou "Mágico"): um novo método de investigação em que o conhecimento científico mais avançado (incluindo a física quântica) estava destinado a se fundir com antigos corpora sapienciais, muitas vezes de natureza secreta e iniciática (pense nas vertentes alquímica, hermética e teosófica), bem como com os estudos fortiani sobre o paranormal e a ficção científica de escopo cósmico do novo século. Do ponto de vista de Pauwels e Bergier, como escreve Gianfranco de Turris:

"Não havia diferença substancial entre teorias e hipóteses sustentadas na ensaística científica e nas histórias da imaginação: tudo podia ser colocado no mesmo nível... Além disso, mais ou menos abertamente, eles sustentavam a tese de uma espécie de ‘complô mundial’ que, desde tempos imemoriais, buscava impedir tais ligações e, portanto, a descoberta de novas verdades, a fim de manter a humanidade em níveis cognitivos inferiores.”

Este último é um tema que Bergier tratou sobretudo em sua obra “Os Livros Malditos”, onde ele chega a postular a existência de uma seita de "Homens de Preto" tão antiga quanto a própria civilização, que por milhares de anos tem sido usada para ocultar, queimar e retirar de circulação certos textos considerados particularmente prejudiciais pelas implicações que poderiam fazer surgir na mente dos leitores mais exigentes. Estes enigmáticos "Homens de Negro", que conceitualmente são muito pouco distintos dos famosos Men in Black trazidos à atenção do público norte-americano por ufólogos e também por Hollywood, teriam planejado entre outras coisas a destruição da Biblioteca de Alexandria, inspirado a Santa Inquisição em sua tristemente famosa "caça às bruxas", persuadido os chefes de Estado a ilegalizar as sociedades secretas, promovido a censura, ordenado a prisão de gênios e inovadores e finalmente formulado o chamado "segredo iniciático", que se violado pode até levar à imolação nas mãos dos confrades e superiores.