por Nikolai Berdyaev
(1935)
Um estado espiritual
1. O que a palavra realmente significa?
2. Ela permanece inexplicada, embora tenha sido muito usada e muitas vezes mal aplicada.
3. Mesmo quando usada superficialmente, é uma palavra com um poder mágico próprio e sua profundidade precisa ser sondada.
4. A palavra designa um estado espiritual, uma direção da alma, uma consciência peculiar do ser.
5. Não é uma condição social nem econômica; no entanto, é algo mais do que psicológico e ético - é espiritual, ontológico.
6. O estado de ser burguês sempre existiu no mundo.
7. Sua imagem imortal está para sempre fixada nos evangelhos com sua antítese igualmente imortal, mas no século XIX ela atingiu seu clímax e reinou suprema.
Sociedade escravizada
1. Embora a sociedade de classe média do século passado seja tão falada no significado socioeconômico superficial do termo, ela é burguesa em um sentido mais profundo e espiritual.
2. Essa mentalidade de classe média amadureceu e escravizou a sociedade e a cultura humanas no auge de sua civilização.
3. Sua concupiscência não é mais restrita pelas crenças sobrenaturais do homem, como era em épocas passadas.
4. Ela não é mais mantida em limites pelo simbolismo sagrado de uma cultura tradicional mais nobre.
5. O espírito burguês se emancipou, expandiu-se e finalmente foi capaz de expressar seu próprio tipo de vida.
Denuncistas
1. Mas, mesmo quando o triunfo da mediocridade estava completo, alguns pensadores profundos o denunciaram com força intransigente.
2. Carlyle, Nietzsche, Ibsen, Leon Bloy, Dostoievsky, Leontiev, todos previram a vitória do espírito burguês sobre uma cultura verdadeiramente grandiosa, sobre as ruínas da qual estabeleceria seu próprio reino hediondo.
3. Com força e fogo proféticos, esses homens denunciaram as fontes espirituais e os fundamentos morais da classe média e, repelidos por sua feiura, sedentos por uma cultura mais nobre, uma vida diferente, olharam para a Grécia ou para a Idade Média, para a Renascença ou para Bizâncio.
Um Novo Tipo
1. A história fracassou, não existe progresso histórico.
2. O presente não é de forma alguma uma melhoria em relação ao passado.
3. Um período de alto desenvolvimento cultural é sucedido por outro em que a cultura se deteriora qualitativamente.
4. A vontade de poder, de bem-estar, de riqueza triunfa sobre a vontade de santidade, de gênio.
5. As maiores realizações espirituais pertencem ao passado, a espiritualidade está em declínio e um período de declínio espiritual é um período de ascendência burguesa.
6. O cavaleiro e o monge, o filósofo e o poeta foram substituídos por um novo tipo - o conquistador, organizador e comerciante burguês ganancioso.
7. O centro da vida é deslocado e transferido para sua periferia; a ordem hierárquica orgânica da vida está sendo destruída.
Leon Bloy
1. Um daqueles cuja rebelião contra o espírito burguês foi mais intransigente e amarga foi Leon Bloy, o notável e pouco conhecido escritor católico francês.
2. Bloy, que viveu toda a sua vida sem ser reconhecido e em extrema miséria, escreveu um livro extraordinário, A Exegese dos Lugares Comuns, que é um exame minucioso dos lugares comuns da sabedoria burguesa.
3. Ele faz uma interpretação metafísica maravilhosamente espirituosa dos pronunciamentos que são a regra de vida burguesa.
4. Assim, em "Dieu ne demande pas tant" - Deus não pede tudo isso - ele se esforça para penetrar nos movimentos secretos do coração, da mente e da vontade de um burguês para expor sua metafísica e misticismo especulares.
Os ditos de Leon Bloy
1. O burguês, mesmo quando é um bom católico, acredita apenas neste mundo, no conveniente e no útil; ele é incapaz de viver pela fé em outro mundo e se recusa a basear sua vida no mistério do Gólgota.
2. A magnífica superioridade do burguês baseia-se na incredulidade, mesmo depois de ter visto e tocado.
3. Não na total impossibilidade de ver e tocar devido à incredulidade.
4. O burguês é um idólatra escravizado pelo visível.
5. O negócio é o Deus absoluto do burguês.
6. Foi o burguês que crucificou Cristo; no Gólgota, ele separou o mundo de Cristo, o dinheiro dos pobres.
Os pobres e o dinheiro
1. O pobre e o dinheiro são grandes símbolos para Bloy
2. Há um mistério no dinheiro, sua misteriosa separação do espírito, e o mundo da classe média é governado por esse benefício do espírito em relação ao dinheiro.
3. A classe média se opõe ao absoluto, é destrutiva da eternidade.
4. Um burguês pode ser religioso, e essa religiosidade da classe média é mais odiosa aos olhos de Bloy do que o ateísmo.
5. Quantos desses idólatras burgueses ele descobriu entre os "bons católicos" - o Senhor Cristo é muito decorativo nas lojas.
6. Leon Bloy estuda o burguês médio, mas o problema pode ser aprofundado.
7. Nos graus mais elevados de uma vida espiritual, o espírito burguês paralisa todo movimento espiritual e extingue o fogo que é a própria essência do espírito.
O espírito burguês
1. O burguês está buscando a conquista do mundo e Jesus lhe diz: "Ai de vocês, porque amam os lugares mais altos nas sinagogas e as saudações nas praças".
2. E seus interesses neste mundo são repudiados por Jesus nas palavras: "Não procures o que hás de comer, nem o que hás de beber... porque todas estas coisas procuram as nações do mundo".
3. Cristo disse àqueles que ele escolheu: "Se vocês fossem do mundo, o mundo amaria os seus, mas como vocês não são do mundo, o mundo os odeia."
4. O mundo é o espírito burguês; não é a criação de Deus, o cosmo que o Filho de Deus não pôde negar, mas a escravidão e a sobrecarga da criação de Deus pelas paixões e pela concupiscência.