25/08/2014

Aleksander Dugin - Igor Strelkov: O Nome do Mito Russo

por Aleksandr Dugin


Devemos compreender que o papel de Igor Strelkov é fundamental. Que é um tipo de idealista russo, de conservador e verdadeiro patriota que destruiu o abismo entre princípios e ações; este abismo que é o flagelo paralisante do nosso patriotismo. Quando os russos percebem agudamente que os seus valores estão sendo ridicularizados, que os seus interesses estão sendo vendidos, e que o seu governo está sendo apropriado não pelo melhor, mas pelo mais ignóbil, o que eles fazem? Eles anseiam, lamentam, culpam as elites intelectuais (como por Augustin Cochin), bebem, claro, e formam movimentos menores os quais o Sistema desmembra rapidamente. Os mais apaixonados mergulham em brigas, agressões, juntamente com violência sem sentido e sem sacrifício. Alguns são subornados para propósitos técnicos da oposição, outros ficam sob a curadoria da polícia e do serviço secreto. Este é um círculo vicioso. Ninguém atinge o inimigo real, ninguém afirma os próprios propósitos, ninguém percorre todo o caminho até o fim, com firmeza e com a cabeça erguida. Depois se sacrificam jovens, nacionalistas russos, nacionais-bolcheviques ou os "partisans de Primorsky", morrendo em batalha ou acabando presos, sem propósito nem significado. Isso não aflige ninguém. Os filisteus russos continuam com seus sonhos de todos os dias. Outros passam décadas em palavrório sem sentido e ostentação. Uma visão patética.

E é então que Strelkov aparece. Russo. Severo. Ingênuo e tímido. Um idealista. Com princípios. Em tempos de paz, algo que provável não se demanda e que parece de alguma forma fora de lugar. E assim ele vai para as linhas de frente da Guerra do Povo (Narod - em russo, Volk - em alemão). Por sua própria vontade. Assim, ele quebra os grilhões da impotência, a névoa de medo, o desespero e a depressão da incapacidade de traduzir ideais em ação. Tivesse ele ficado na Criméia ou sido morto nos primeiros dias defendendo Slavyansk, não teríamos aprendido nada sobre ele. Foi assim que outras grandes pessoas caíram: foram heróis, também, assim como ele é, outros russos, tendo rompido os grilhões das trevas. Alguns deles eram meus amigos. Mas Strelkov resistiu a isso e criou um exército. Ele se tornou o centro de nossas esperanças, nossa vontade e nossa transformação. Os outros não foram menos bons, corajosos e um pouco desairosos como todos os russos, mas foi Strelkov que tocou em algo dentro da nossa alma, dentro do nosso sentimento nacional. E o mito russo brilhou sobre ele, a nossa sede de um herói. Ele estava simplesmente cumprindo o seu dever. Sim. Mas este não é o dever de um profissional ou de um homem que encontrou-se em circunstâncias difíceis apanhado pelo destino. Este é o SEU dever. Este é seu dever como RUSSO, que superou a apatia, o medo, a indiferença e a apreensão. É esse, precisamente, o ponto: Strelkov fez tudo ELE MESMO. Isto é o que é mais importante: era ELE MESMO. E através dele, nós nos aproximamos de NÓS MESMOS. Nós vimos do que nós somos realmente capazes. Os soldados que lutaram no Afeganistão e na Chechênia também foram heroicos. Mas eles não foram para lá por sua própria vontade. Eles cumpriram um tipo diferente de dever, em nome do que é o Estado. Strelkov, por outro lado, realizou um dever chamado de Ideia. A Idéia Russa. Ele rompeu as barreiras dentro da nossa alma. Ele nos emancipou. Strelkov corrigiu algo em nós e o curou. Nós pensamos que isso não seria mais possível: um destemido Guerreiro Russo Ortodoxo se dirigir a uma Guerra Sagrada pela sua própria vontade. Mas ele o fez. E começou a vencer. E com cada um de seus triunfos, com cada instrução da linha de frente, fomos nós que fomos vitoriosos. A Rússia triunfou.

Esta não é uma questão das suas convicções políticas ou mesmo das suas virtudes como um comandante militar. É algo muito mais profundo do que isso. Ele se tornou o nosso mito. E ele já não pertence a si mesmo, ao serviço militar, ou ao Estado, mas apenas a este mito, o mito russo sobre o que nós uma vez fomos e, como se vê, podemos ser novamente a qualquer momento.

O ódio de Strelkov é aquele por uma raça inimiga, não no sentido biológico, mas no sentido espiritual. A raça dos tecnólogos, vigaristas, burocratas, manipuladores e comerciantes. Werner Sombart costumava dizer que existem dois tipos de pessoas: a raça dos comerciantes e a dos heróis. A Europa da Modernidade é o resultado do triunfo dos comerciantes (capitalismo) sobre a raça dos heróis (Idade Média). Strelkov é a Idade Média Russa. Afinal, a própria Ortodoxia não pode ser "moderna": esta seria uma paródia, um simulacro. Ela poderia ser Antiga ou Medieval. A "Modernidade" é o patrimônio do Anticristo. Assim, Strelkov advém daquilo que é uma vez passado. Mas não daquilo que uma vez passou e não é mais, mas sim do que realmente foi e continua sendo, como o núcleo de nossas almas, como um centro arcano da identidade Russa.

Ainda precisamos compreender na totalidade o que Strelkov realmente significa para nós. Mas o tipo de raiva que ele inspira em todos os tipos de espíritos malignos, o tipo de inveja que figuras rasas experimentam com ele, o ódio que ele provoca no Ocidente e na junta, tudo aponta para o fato de que ele não é um acaso. Mais uma vez, não como uma pessoa, num nível individual, mas como o portador do arquétipo russo. Um verdadeiro russo compreende tudo sobre Strelkov. Ele somos nós. Um Narod (Povo - Volk). Um Narod que está despertando.

Eu realmente gostaria de pedir a quem ouve as minhas palavras que trate desta figura com carinho. Ele é nossa herança cultural de enorme valor. É por isso que muitos o queriam matar, livrar-se dele, minimizar a sua importância e o vulgarizar, e agora o derrubar ainda mais. Se permitirmos que isso aconteça, nós somos inúteis.

Os Mitos devem ser defendidos, na maneira que Strelkov lutou e está lutando pela Novorússia, pela Grande Rússia, e por cada um de nós.

Que Cristo esteja contigo, Igor…

12/08/2014

Andrea Virga - O Conceito do Político de Carl Schmitt como Paradigma da Teoria Política do Fascismo

por Andrea Virga



Este ensaio, traduzido do inglês, foi preparado como um relatório para o curso de Teoria Política, realizado no Instituto de Estudos Avançados IMT Lucca pelo Dr. Antonio Masala.

«A Guerra é o pai de todos e o rei de tudo» – Heráclito

«Se o homens fossem bons, as minhas visões seriam perversas;
mas os homens não são bons» – Carl Schmitt

Introdução

Este artigo se concentra no ensaio “O Conceito do Político”, de Carl Schmitt, interpretando-o como uma das mais importantes conceitualizações do fascismo visto de seu interior. Antes de prosseguirmos na análise e no debate dessa tese, algumas premissas devem ser levadas em consideração e discutidas. Primeiro de tudo, um resumo deste ensaio é apresentado, com uma abordagem filológica cuidando da sua elaboração pluri-decenal. Sendo este um trabalho essencialmente didático, irá em sua extensão delinear a teorização de Schmitt, que depois será discutida em detalhes.

Em segundo lugar, um breve esclarecimento sobre conceitos relacionados ao Fascismo, ao Nacional Socialismo, à Revolução Conservadora e ao Movimento Alemão (Deutsche Bewegung) é necessário, a fim de evitar confusões sobre esse ponto. A terceira parte deste artigo concentra-se, em seguida, sobre como o tratado de Schmitt pode ser relacionado com o conceito de Fascismo. Algumas objeções sobre essa tese são respondidas e uma resposta final é fornecida, visando estabelecer uma perspectiva teórica sobre ambos, Schmitt e fascismo.

Primeira Parte: Sobre o “Conceito do Político”

Carl Schmitt nasceu em 11 de julho de 1888, em uma família católica de classe média de Plettenberg, na Vestfália. Estudou direito em Berlim, Munique e Estrasburgo, procedendo então em uma carreira acadêmica nesta área em várias universidades e escolas de administração de negócios. Ao ser excomungado por casar novamente após o divórcio, ele toma uma abordagem mais heterodoxa em doutrinas políticas, mas a Doutrina Social Católica e a tradição política mantiveram uma importante influência sobre ele. Apesar de sua formação conservadora e da sua amizade pessoal com outros autores conservadores revolucionários importantes (como Ernst Jünger e Martin Heidegger), trabalha como conselheiro jurídico para os governos de Weimar, oferecendo relevantes conselhos sobre a ascensão de Hitler, antes de aceitar e abraçar a norma Nacional-Socialista em 1933.

A sua primeira edição de "O Conceito do Político" (Der Begriff des Politischen), baseada em palestras realizadas na Deutsche Hochschule für Politik, em Berlim, foi publicada como um artigo submetido para a revista "Archiv für und Sozialwissenschaft Sozialpolitik" em 1927 [1]. No próximo ano, apareceu como uma monografia [2]. Foi então revisada nos anos seguintes, contabilizando comentários e críticas (especialmente de Leo Strauss), até que foi publicada novamente em 1932, com um ensaio sobre “A Era das Neutralizações e Despolitizações” [3]. Após trinta anos, em 1963, Schmitt preparou uma nova edição para este trabalho, adicionando um novo prólogo e três "corolários" [4]. No mesmo ano, ele publicou a "Teoria do Partisan" (Theorie des Partisan) [5], como uma série de notas complementares sobre o conceito do político. As referências aqui são principalmente para a edição definitiva, embora simultaneamente tenha em conta a evolução filológica do texto.

Sumário

De acordo com o jurista alemão (capítulo 1), o conceito de Estado, descrito como «o estatuto político de um povo organizado vivendo em um território fechado», pertence propriamente à esfera do Político. O Estado pode coincidir com o Político, contanto que ele seja distinto da sociedade, e outras esferas (religião, cultura, economia, educação) sejam neutralizadas e despolitizadas. No entanto, na sociedade democrática moderna, essas esferas são elas mesmas orientadas politicamente. Então não podemos mais falar de um Estado distinto, uma vez que ele se confunde com a sociedade, e cada aspecto da sociedade cai no domínio do Político. Este conceito é melhor definido (cap. 2) como a distinção básica entre amigo (Freund) e inimigo (Feind). Toda decisão política, por sua própria natureza, envolve a individuação de uma tal distinção. Um inimigo não precisa ser mau (esfera moral) ou feio (esfera estética) ou prejudicial (esfera econômica): ele só precisa ser estrangeiro (Fremd) e alienígena.

Mesmo que o liberalismo - argumenta Schmitt (cap. 3.) - tenha tentado reformular o inimigo como um concorrente econômico ou um adversário filosófico, ele continua a coincidir com o inimigo público (do latim, hostis), e não o rival privado (inimicus). Não é necessariamente ódio, como ocorreria entre indivíduos rivais, mas sim uma forte oposição política, incluindo as possibilidades da guerra e da morte física. A própria guerra pressupõe uma decisão política a priori, que decide contra quem se deve lutar. Por esta razão, no Estado total, onde tudo é Política, todas as partes da sociedade - o Estado, os partidos, as igrejas etc - estão em estado de conflito permanente. Seu caráter político os faz considerar uns aos outros como inimigos ou amigos. Caso contrário, um mundo pacífico, sem guerras e conflitos, seria necessariamente um mundo sem política. Intervir ativamente em cessar as guerras só levaria a uma guerra escatológica, em que o inimigo não seria simplesmente derrotado, mas aniquilado.

Ele continua (cap. 4), explicando que cada conflito nas outras esferas pode definitivamente se tornar um conflito político, e que a soberania de uma unidade política depende da sua habilidade para vencer o conflito. Por exemplo, se os conflitos religiosos ou a luta de classes prevalecessem contra o Estado, este deixaria de ser realmente soberano (como foi o caso da falha de Bismarck em subjugar Católicos e Socialistas). As teorias liberais de Estado têm notoriamente descrito e apelado para uma sociedade pluralista, onde os indivíduos estão ligados a várias associações diferentes em competição entre si. Este tipo de sociedade e de Estado, devido à sua rejeição conceitual de unidade política, está aquém do conceito real do Político, uma vez que a existência de associações concorrentes levaria necessariamente ao conflito, isto é, para a política.

Com esta teoria política, Schmitt estabelece as bases (cap. 5) para a jus belli, que é o direito do Estado, como unidade política, em fazer guerra contra inimigos externos, bem como para a jus vitae ac necis, que é o direito do Estado de impor a pena de morte para os inimigos internos, que são considerados como hors la loi, ou seja, excluídos das leis do Estado. A guerra não é justa em si mesma, de qualquer modo, mas a sua justeza jaz no direito de um Estado ou de um povo em declarar os seus inimigos e em fazer guerra contra eles. Renunciando a fazê-lo, como uma declaração de não ter inimigos (pacifismo), resultaria apenas nesse ser o objeto das escolhas de outro alguém. Outra consequência deste conceito do Político (cap. 6) é a pluralidade necessária de Estados, uma vez que um único Estado mundial significaria o fim do conflito (e da política). Portanto não poderia a humanidade existir como uma unidade política. Como consequência, o apelo à humanidade em uma guerra, feita por um Estado ou por uma Liga dos Estados, levaria necessariamente a uma desumanização total do inimigo, uma vez que ele acabaria lutando contra a humanidade.

A teoria antropológica de Schmitt, descendo desses conceitos, contesta (cap 7.) a bondade natural do ser humano, o que é, ao contrário, afirmado por liberais e anarquistas a fim de justificar as suas teorias políticas - se os homens são bons, então Estado é ou desnecessário ou perigoso. Fato é que essa antropologia levaria a teorias não-políticas, que são ou a negação anárquica do Político ou a subordinação liberal do Político às esferas econômicas e sociais. Por outro lado, as filosofias autoritárias (por exemplo, Maquiavel, Hobbes, Fichte, De Maistre, Donoso Cortés, Hegel) admitem uma maldade natural do ser humano, o que levaria à bellum omnium in omnes. Os conflitos, que ocorrem naturalmente entre os homens, são, portanto, as origens do Político.

Por fim, Schmitt acusa (cap. 8) o liberalismo de ter substancialmente negado o Político em favor da polaridade entre a sociedade econômica e a ética individual. Este individualismo promove então uma negação geral e uma desconfiança do Estado, que é apenas tolerado como uma garantia para a liberdade, e da política, que é considerada como violenta. No entanto, ele não pode fornecer uma teoria política alternativa real. Mesmo que a continuada luta do liberalismo contra o Político tenha resultado em um avanço ideológico progressivo desta teoria, apesar das estruturas políticas do passado, não pode eliminar totalmente a realidade do Político. Na verdade, a última guerra do liberalismo contra Estados não-liberais surge definitivamente como uma guerra da humanidade contra um inimigo desumanizado.

Adendos

Em edições posteriores, Schmitt sentiu a necessidade de explicar mais claramente a sua teoria. No ensaio de 1929, "A Era das Neutralizações e Despolitizações", ele se concentra no progressivo estabelecimento histórico do liberalismo durante a Idade Moderna. Considerando que o pensamento político no século XVI ainda estava ligado à teologia, posteriormente se refere à metafísica (século XVII), em seguida, à moralidade (século XVIII), à economia (século XIX), e, finalmente, à técnica (século XX). Segundo o autor, este longo processo de neutralização, instado pela necessidade de separar o partidarismo violento das Guerras de Religião, trouxe a ilusão contemporânea de um Estado neutro e agnóstico. Acredita-se agora que a técnica poderia ser uma base neutra para a política, mas a sua neutralidade, na verdade, significa que ela pode ser usada por qualquer um, qualquer que seja o conteúdo político. Este verdadeiro culto da técnica contém em si mesmo um significado metafísico. Portanto, argumenta Schmitt, as decisões políticas são em todo caso necessárias para a política, não obstante a aparente despolitização do mundo contemporâneo.

Outras explicações são dadas em três curtos sucessivos "corolários". O primeiro (1931) analisa os diferentes significados de "neutralidade", com uma distinção entre um conceito negativo, que impede uma decisão política, e um conceito positivo, que a admite. No primeiro caso, temos ideias como o laissez-faire econômico, o Estado como uma instituição burocrática, e a igualdade de oportunidades e paridade entre todos os diferentes partidos políticos e movimentos, quaisquer sejam os seus objetivos. No segundo caso, a neutralidade significa objetividade no que diz respeito às leis estabelecidas, renúncia aos interesses egoístas, a subordinação de contrastes internos à unidade do Estado e objetividade relativamente a conflitos em outro Estado.

O segundo (1938) esclarece qual é a relação entre a guerra e o inimigo. No século de Schmitt, a guerra é menos uma "ação" do que um "estado". Ela cresce da total hostilidade com relação ao inimigo. Nesse tipo de guerra total contemporânea, quem começa uma guerra é criminalizado como agressor, como aconteceu no final da Grande Guerra. Ao mesmo tempo, o conceito de "amigo" acabou por significar apenas "não-inimigo", de modo que a "paz" também é tudo aquilo que não seja “guerra” strictu sensu. A possibilidade de um estado intermediário entre a paz e a guerra real, como a guerra econômica ou a diplomacia agressiva, não é admitido. Além disso, uma efetiva declaração de guerra real torna-se indesejável, uma vez que causaria de ser visto como uma agressão, mesmo existindo previamente um estado de hostilidade. É por esta razão que a guerra total não faz distinção entre as forças militares e civis. Mesmo o conceito de neutralidade é necessariamente dependente do equilíbrio de poder entre Estados beligerantes e neutros.

O terceiro corolário (1950), escrito após a obra-prima de Schmitt "O Nomos da Terra" [6], é sobre a diferença entre o direito internacional e o direito do Estado. Após o declínio do chamado jus publicum europaeum (direito público europeu), que regulava a política internacional na Europa entre a Paz de Vestfália (1648) e o Tratado de Versalhes (1918), formas privadas de direito internacional têm surgido. Por conseguinte, deve ser feita uma distinção entre o direito dos povos originários (Völkerrecht), ajustando as relações entre os Estados, e o novo direito internacional (Internationales Recht) como um direito derivado do common law britânico em consideração a relações exteriores e intercâmbios econômicos.

Por fim, Schmitt escreveu um prólogo geral para a edição de 1963 de "O Conceito do Político", em que, retrospectivamente, descreve o seu trabalho como uma tentativa de definir o político e as suas relações com os conceitos de Estado e de política. Sua reflexão baseia-se num desafio percebido como provocado pela crise do sistema dos estados modernos na europa pós-Vestfália, após a Grande Guerra, e a emergência da guerra total e revolucionária, em vez da anterior guerra limitada. Ele avança mencionando o debate sobre o problema que ele levantara, discutido não apenas por historiadores e juristas, mas também por teólogos [7]. Na soma de tudo, ele averigua o defeito principal no seu trabalho, no fato de ter se tornado difícil identificar amigos e inimigos na era da guerra assimétrica, remetendo o leitor para a sua mais recente "Teoria do Partisan", como uma adição efetiva.

Segunda Parte: Algumas Notas sobre o Fascismo Alemão

O Movimento Alemão

Nesta parte, uma distinção deve ser feita entre diferentes termos relacionados. Em primeiro lugar, "Movimento Alemão" é uma tradução de "Deutsche Bewegung", uma expressão que se originou no século XIX para definir as peculiaridades da filosofia moderna alemã, especialmente o Idealismo Alemão (Fichte, Schelling, Hegel) [8]. Em seguida, foi expandido para incluir as tendências contemporâneas da poesia (Goethe, Schiller, Hölderlin), arqueologia (Winckelmann) e estudos alemães (Herder, os irmãos Grimm), bem como os nacionalistas alemães precoces (Arndt, Fichte, Jahn) [9]. Tornou-se, portanto, um nome para o processo de desenvolvimento moderno da identidade nacional e cultura alemãs [10].

Da mesma forma, a expressão foi amplamente utilizada nos anos 20 por grupos da extrema-direita alemã para incluir todos os partidos e movimentos que se opuseram à república de Weimar. Outros sinônimos difundidos eram "Movimento Nacional" ("Nationale Bewegung") e "Oposição National" ("Nationale Opposition"), bem como, desde 1933, "Revolução Alemã" ("Deutsche Revolution") e "Revolução Nacional" ("Nationale Revolution"). Mais tarde, durante o governo nacional-socialista, opositores e conservadores nacionalistas e resistentes, cuja ação teria clímax com o Atentado de 20 de julho (N.Trad.: conhecida por Operation Walküre), foram definidos como "Oposição Nacional". Portanto, o Movimento Alemão, como uma definição de política, inclui não só os revolucionários conservadores, mas também os nacionais-socialistas e os monarquistas de estilo antigo e nacionalistas, organizados em partidos como o DNVP (N.Trad.: Deutschnationale Völkspartei - Partido Nacional do Povo Alemão) e o DVP (N.Trad.: Deutsche Völkspartei - Partido Popular Alemão).

Fascismo e Nacional Socialismo

Desde o seu aparecimento na cena política, tem havido pouco consenso entre os estudiosos a respeito de uma definição adequada da ideologia fascista [11]. Durante muito tempo, prevaleceram pontos de vista sobre o fascismo como um movimento essencialmente reacionário, carente de substância intelectual, equivalente a uma reação extrema desencadeada pelo capitalismo financeiro. No entanto, desde os anos 60, uma nova geração de historiadores, como Renzo De Felice, na Itália [12] e Ernst Nolte na Alemanha [13], tem refutado estas teses superficiais, contribuindo para uma mais complexa e precisa interpretação e reconstrução do fascismo como uma ideologia própria. Um exemplo notável é constituído pelas pesquisas de Sternhell sobre a extrema-direita francesa no final do século XIX, que tem sido particularmente convincente em estabelecer uma genealogia do fascismo, remontando às suas origens ideológicas [14]. De acordo com o historiador israelense, o fascismo nasceu na França como uma síntese entre a direita legitimista, monarquista e nacionalista, por um lado, e o sindicalismo revolucionário e revisionismo socialista de esquerda, por outro.

O Fascismo pode ser caracterizado com uma instância política igualmente anti-liberal e anti-comunista, um nacionalismo radical, uma abordagem corporativa à economia recusando tanto a luta de classes quanto a livre-concorrência, e uma visão de mundo espiritual combinada com uma abordagem política modernista, revolucionária e palingenética [15]. Seguindo esta abordagem teórica, o Fascismo não se limita à experiência italiana de Mussolini, mas pode ser usado para definir um número maior de regimes, partidos e movimentos, mesmo fora da Europa e depois da Segunda Guerra Mundial. Ao passo que tenha se inclinado para o imperialismo em países industriais maduros, assumiu, ao contrário, uma postura anti-imperialista nos países em desenvolvimento. Os estudos de A. James Gregor, que tem relacionado o fascismo com outras “ditaduras desenvolvimentistas" em outros países, especialmente na Ásia, África e América Latina [16].

No caso da Alemanha, o nacional socialismo é, sem dúvida, uma espécie de fascismo, mas com algumas peculiaridades. A principal diferença reside no conceito de raça (Rasse), que é central para o Nacional Socialismo, enquanto no fascismo convencional isso é algo apenas marginal. Mesmo que possam haver posições ou medidas racistas, o conceito de raça não está destinado a ser a base para a política. O Estado Nacional-socialista existe como uma expressão de um Povo racialmente definido (Volk), e o próprio Führer é uma encarnação do espírito do Povo (Volksgeist). Por outro lado, o fascismo italiano considerou a Nação como um produto do Estado, de forma coerente com a filosofia política neo-idealista de Gentile [17]. O movimento nacional-socialista teve o seu antecessor na Era Guilhermina, no Partido Social Cristão de Adolf Stoecker, compartilhando posições nacionalistas antissemitas, anti-católicas, anti-monarquistas e anti-capitalistas. Ele logo afirmou a si mesmo como o único partido fascista real na Alemanha, opondo partidos nacionais-conservadores.

Revolução Conservadora na Alemanha

Afora estes partidos políticos, haviam no mundo de língua alemã uma série de grupos, círculos, revistas e autores que compartilhavam posições nacionalistas, bem como uma oposição radical à Constituição republicana de Weimar. As suas diferentes visões ideológicas eram mais semelhantes ao fascismo do que ao nacional socialismo (aparte da área völkisch). No entanto, eles não tinham uma organização real em um partido de massas com um líder carismático, uma vez que eles tinham concepções predominantemente aristocráticas (ou mesmo semi-democráticas) de autoridade. Eles operavam principalmente tanto em think-tanks culturais (por exemplo, George-Kreis, Tat-Kreis) ou em lobbies políticos (por exemplo, Herrenklub, Juniklub) e como grupos paramilitares (ex.: Stahlhelm, Freikorps).

A definição de "Revolução Conservadora" foi primeiramente reivindicada, neste contexto, pelo escritor Hugo von Hofmannsthal [18], e em seguida foi bastante difundida, sendo usada por outros autores como Hans Zehrer [19] e Edgar Julius Jung [20]. Franz von Papen, em seu famoso discurso de Marburg (N.Trad.: discurso contra o nacional socialismo de 17 de junho de 1934), fala de "Konservative revolution" referindo-se ao Movimento Alemão [21]. A locução está definitivamente estabelecida com o livro de Rauschning "A Revolução Conservadora" [22], descrevendo a oposição nacionalista à República de Weimar e à ascensão de Hitler ao poder. No entanto, o primeiro trabalho acadêmico a lidar explicitamente com a expressão Revolução Conservadora apareceu depois da guerra, como tese de doutorado de Armin Mohler em Filosofia, discutida com Karl Jaspers na Universidade de Basileia [23]. Nos últimos anos, isto acenderia um longo debate sobre a própria noção de Revolução Conservadora e sobre seu significado [24].

Estudiosos distinguem entre diferentes tendências dentro da Revolução Conservadora. Mohler descreve cinco deles. Na extrema direita, a área völkisch estava fortemente interessada com o neopaganismo e o racismo e refere-se a um passado mítico germânico. No centro, Jovens Conservadores (Jungkonservativen), protestantes e católicos, apoiavam uma renovação do antigo Reich, a fim de reafirmar a Alemanha Tradicionalista no centro da Europa. Na ala da esquerda, Nacionais-revolucionários (Nationalrevolutionäre), incluindo a extrema esquerda Nacional Bolchevique, visavam a uma modernização e militarização radical de uma nova Alemanha prussiana socialista, alinhada com a União Soviética. A cena se completa com as Ligas da Juventude (Bündisch Jugend), um movimento escoteiro orientado nacionalmente, e com o Movimento Camponês (Landvolksbewegung), sobretudo ativo no norte da Alemanha, por volta de 1930.

Terceira Parte: Carl Schmitt como um Teórico do Fascismo

Schmitt em seu tempo

Quanto ao impacto político deste texto, há um fato aparentemente obscuro, mas extremamente relevante: em 1933, "O Conceito do Político" foi publicado em Hamburgo pela Hanseatische Verlagsanstalt (HV) [25]. Esta editora foi fundada em 1920 pelo sindicato nacionalista Deutschnationale Handlungsgehilfenverband ("Associação Nacional Alemã de Agentes de Comércio"). Através da aquisição de editoras menores e revistas, cresceu rapidamente para se tornar um meio estabelecido promovendo e apoiando o Movimento Nacional da Alemanha em todas as sua nuances ideológicas [26]. Entre os numerosos ensaios e panfletos, há também obras-primas filosóficas, como uma nova edição de Johann Gottlieb Fichte para os "Discursos à Nação Alemã" (1922), e da primeira emissão para "O Trabalhador" (1932) de Ernst Jünger. Embora a HV tenha sido sobretudo relacionada com o Herrenklub e outros círculos da Juventude Conservadora, também hospedou escritos Völkisch (por exemplo, Wilhelm Stapel, Erich Albrecht Günther) e autores Nacionais Revolucionários (como Ernst Niekisch e Ernst Jünger).

Desde os anos 30, a editora HV, originalmente ligada ao DNVP (Partido Nacional do Povo Alemão) e ao KVP (Partido Conservador Popular - Konservative Volkspartei), começou a apoiar mais o NSDAP, movendo a se tornar uma das editoras mais importantes durante o Terceiro Reich, aumentando a sua taxa de títulos publicados por ano de 36, em 1933, para 185, em 1936. Portanto, a publicação do ensaio de Schmitt era um claro sinal de reconhecimento do seu trabalho e de sua importância para o Movimento Nacional. Essa visão é reforçada pelo fato de que a primeira tradução italiana, sob encargo do historiador Delio Cantimori, ele próprio um fascista de esquerda com posições nacionais-revolucionárias [27], incluiu "O Conceito do Político" em uma antologia de escritos políticos, chamado "Princípios políticos do Nacional-socialismo" ("Principi politici del nazionalsocialismo") [28], com o objetivo de representar os principais dogmas da ideologia nacional-socialista.

Quanto à adesão pessoal de Schmitt ao regime de Hitler, aconteceu, em certo sentido, independentemente da ideologia nacional-socialista. Até 1933, ele era a favor da defesa da República Alemã contra a eversão comunista e nacional-socialista. De qualquer forma, ao distinguir dentre as duas ameaças, julgou a NSDAP ser menos perigosa, uma vez que essa desejava apenas derrubar a atual Constituição, sem verdadeiramente alterar a Nação [29]. Por essa razão, juntamente a uma série de outros nacionalistas alemães, Schmitt começou a apoiar Hitler apenas após esse se tornar o Chanceler do Reich. Ele, por conseguinte, saudou o Führer como o líder da chamada Revolução Nacional.

Ele se juntou ao NSDAP em primeiro de maio de 1933 e não hesitou em invocar a purificação do espírito judaico da Alemanha e a justificar os assassinatos extra-judiciais de 30 de junho de 1934 (Noite das Facas Longas) sob um ponto de vista jurídico. Durante este período, desfrutou da proteção de Göring e foi nomeado Conselheiro de Estado para a Prússia. No entanto, desde 1936, ele foi atacado pela publicação "Das Schwarze Korps", da SS - o que já acontecera com outros autores revolucionários conservadores, como Heidegger e Spengler - por não estar suficientemente alinhado com a ideologia do Partido. Então, ele parou com suas atividades e escritos políticos, limitando-se a ocupações acadêmicas. A propósito, ele permaneceu devoto ao governo alemão e à sua liderança até 1945, posteriormente recusando a desnazificação Aliada.

Schmitt como um Revolucionário Conservador

Agora, o fato de Schmitt ter apoiado o regime nacional-socialista não equivale à sua crença neste ideologia. Na verdade, para além de algumas referências antissemitas oportunistas nos anos 30, nem o conceito de Raça (Rasse) nem o de Povo (Volk) têm um lugar no seu pensamento político. O mesmo vale para suas posições geopolíticas, centradas no conceito de "grande espaço" (Großraum), ao invés de "espaço vital" (Lebensraum). As críticas ferozes à quais ele foi submetido pela mão de verdadeiros pensadores nacionais-socialistas confirmam isso. Por outro lado, ele não pode ser confinado a um mero conservadorismo, uma vez que as suas reflexões políticas defendem uma renovação de Estado Alemão, tendo em conta as grandes mudanças trazidas pela sociedade de massa, as ideologias revolucionárias e a guerra total.

A resposta está em reconhecer as fortes ligações entre Schmitt e a Revolução Conservadora. Não apenas as suas ideias apontam para essa direção, mas mesmo a sua amizade pessoal e intelectual com Ernst Jünger e Martin Heidegger apoia esta tese. Mesmo assim, como um pensador complexo, Schmitt dificilmente pode ser classificado conforme diretrizes rígidas, ele poderia ser facilmente considerado como alguém da Juventude Conservadora rejeitando uma revolução social real, mas, entretanto, obrigado a ultrapassar posições de simples direita. Paralelos podem ser feitos com outros autores, assim como Oswald Spengler, Othmar Spann e Franz von Papen. Seria desnecessário dizer que o Catolicismo de Schmitt teve um papel importante em rejeitar o racismo Nacional-socialista e o radicalismo Nacional Revolucionário em favor de uma abordagem política realista.

Assim, uma vez que se reconhece que Carl Schmitt era essencialmente um Católico da Juventude Conservadora, o seu pensamento político pode ser mais adequadamente avaliado e compreendido. Por exemplo, a ele é comumente alegada uma antropologia hobbesiana e um esboço historicista, mesmo que a interpretação de Strauss de Schmitt como um niilista [30] seja rejeitada por outros estudiosos (por exemplo, Schwab [31]). Vale a pena notar que a verdadeira adesão de Schmitt à doutrina Católica é contestada por alguns autores, como Bendersky, que afirma que ele gradualmente abandonou o Catolicismo político em favor de posições hobbesianas [32]. Isso também teria sido provocado pela estratégia particularista do partido Católico (Zentrumspartei) na política alemã.

No entanto, ele foi profundamente influenciado pela educação e estudos católicos, e mesmo depois, continuou a se associar com católicos e intelectuais conservadores. Na verdade, ele nunca perdeu a fé ou a crença na moral católica. Mesmo assim, manteve as esferas política e religiosa em separado, de modo que as ações políticas não poderiam se basear na teologia. No entanto, a sua visão da humanidade no estado de natureza é bastante agostiniana. A sua ambiguidade é baseada no fato de que a existência ideal de uma lei natural é aparentemente contrariada pela necessidade bruta de realismo político. Devido à doutrina do pecado original e à consequente imperfeição do Homem, a política é necessária para restaurar a ordem, a paz e a estabilidade através do uso da força. Estes pressupostos filosóficos constituem a base de toda a teoria política de Schmitt.

O Fascismo no Conceito do Político

No fascismo, existem basicamente duas concepções diferentes de antropologia política. A primeira (por exemplo, o nacional-socialismo e, por extensão, "o fascismo pagão") vê a vida como uma luta sem fim, em que o mais forte e mais apto indivíduo e comunidades sobrevivem, enquanto a segunda (por exemplo, "o fascismo cristão") reconhece a existência de uma ordem natural a preservar, defender e restaurar através da luta. Ambas são compatíveis com a teoria de Schmitt, ainda que ele esteja mais próximo da última. Por outro lado, o fascismo reconhece e enfatiza a natureza social do Homem, postulando que a sua existência está subordinada à sobrevivência e prosperidade comunitária. Para essa questão, o fascismo histórico tem sempre individualizado como sujeito político comunitário o Estado-Nação.

Estas considerações estão fortemente ligadas ao Conceito do Político de Schmitt, que é essencialmente a oposição entre Amigo e Inimigo, ou seja, a decisão sobre o conflito. Não há possibilidade, consoante ambos, Schmitt e fascismo, de evitar esta realidade fatal da vida enquanto luta. Ducunt volentem fata, nolentem trahunt ("O destino conduz o bem-disposto e arrasta o relutante") comentou Spengler, citando Seneca, no final de sua obra-prima [33]. O pacifismo não é apenas uma opção, uma vez que coincide com uma renúncia vertical à política, e, portanto, com a subjugação por outro Estado. Por outro lado, a paz perpétua global, como prefigurada por Kant, significa apenas o fim da atividade política, o que implicaria a prevalência de interesses particulares sobre o bem comum.

Outro ponto comum é o decisionismo, que é a superioridade das decisões políticas em relação às normas jurídicas. Desta via, o autor da decisão, que é o líder político, é justificado em suas escolhas e elevado acima da lei normativa. Este conceito insere a base para a aceitação de Schmitt e a promoção do Führerprinzip (N.Trad.: Princípo do Líder), bem como a justificação da Noite das Facas Longas. Então, Röhm e outros adversários internos foram presumidos de pôr em perigo a ordem política, e o Führer estava plenamente intitulado a decidir da sua morte, sem seguir o curso normal da lei. Na verdade, o próprio Terceiro Reich nunca dissolveu a Constituição de Weimar, continuando a desenhar o seu poder a partir do Ato de Habilitação de 23 de março de 1933, e a agir por 12 anos como em estado de emergência. O mesmo fenômeno pode ser observado em outros regimes fascistas ou autoritários.

Considerando que não é realmente possível evitar divisões externas e conflitos, o Estado deve visar estabelecer uma unidade interna, de forma a garantir a paz e a estabilidade a todos os seus sujeitos, bem como a assegurar uma melhor defesa contra ameaças externas. Por outro lado, é importante lembrar que essa unidade não significa, necessariamente, a ausência de inimigos dentro do Estado. Pelo contrário, a natureza politizada do Estado implica a existência da dissensão interna. Mesmo nesse assunto, há perfeita concordância com o Fascismo, que defende a união e a cooperação de todas as classes e do corpo da sociedade, com exceção de um pequeno número de subversivos (em diferentes bases), que serão reprimidos ou eliminados. Além disso, a distinção amigo-inimigo se faz destacada na política fascista, bem como na propaganda, seja ele definido por características étnicas, ideológicas ou religiosas. A decisão realista em declarar guerra por conta própria contra inimigos estrangeiros ou internos determina em si mesmo aquele que é o governante.

Schmitt como crítico do Liberalismo

Assim, temos enfatizado como Schmitt está fortemente relacionado ao pensamento fascista. No entanto, o significado central de seu trabalho pode ser também reconhecido como um ataque sistemático ao Liberalismo. Por essa razão, seria pouco convincente conectá-lo ao contratualismo de Hobbes, ao invés do comunitarismo de Aristóteles, embora desprovido de qualquer otimismo antropológico. Ao mesmo tempo, o pensamento de Schmitt também é crítico em relação ao marxismo, mas de uma forma menos pungente. Na verdade, apesar de seu apelo à unidade política contrastar diretamente com a luta de classes, ele admite a existência de conflitos sociais e de classe. No entanto, ele não está interessado na economia tanto quanto na política, de modo que grande parte de seu par destruens (N.Trad.: parte negativa de uma argumentação) visa ao pensamento político liberal. Isso depende também do fato de que os autores revolucionários conservadores frequentemente consideram o marxismo como um subconjunto do liberalismo [34].

Por estas razões, a principal oposição política aqui não se situa entre o Fascismo e o Comunismo, como sugerido por Nolte [35], bem como pela maioria dos estudiosos marxistas, mas sim entre o Fascismo e o Liberalismo, mesmo tendo em conta a distância de Schmitt de tendências radicais. Por um lado, "O Conceito do Político" desconstrói o conceito liberal da sociedade como uma pluralidade despolitizada de lealdades e interesses individuais, argumentando que mesmo uma neutralização total do Estado não pode impedir que facções organizadas disputem poder e influência. O individualismo, que é a raiz filosófica do liberalismo, é, portanto, refutado em nome do organicismo. Isto implica que a liberdade individual não é protegida por si só, mas por estar subordinada à ordem política e social.

No que diz respeito a política internacional, Schmitt denuncia o fim do Direito Público europeu, com o seu sistema baseado em Estados soberanos mutuamente reconhecidos e suas guerras limitadas. Por um lado, a Revolução Russa introduziu um novo tipo de guerra sem lei, irregular, cujos atores não são Estados, mas partidos revolucionárias ou guerrilhas. Por outro lado, com o Tratado de Versalhes, o Estado inimigo não é mais reconhecido como um inimigo justo, mas os líderes vencidos são julgados como criminosos de guerra. A crítica de Schmitt sobre este elemento tem sido especialmente perspicaz tanto sobre a crescente natureza volátil da guerra no século passado, até a guerra de quarta geração, e sobre os rituais de julgamentos para os inimigos derrotados, de Nuremberg e Tóquio para Haia. Estados liberais ocidentais, especialmente o poder americano hegemônico, tem desde então abraçado totalmente esses processos, contribuindo para a guerra total desregulamentada, cujos efeitos sobre os não-combatentes são muito mais graves do que a prévia guerra pós-vestfaliana.

Neste caso, Schmitt, apesar de refutar a possibilidade de uma Liga das Nações, advoga por uma regulação da guerra, através do direito público (Völkerrecht), que é análogo à sua regulação de conflitos sociais por meio da lei estatal. Se levarmos isso em consideração, emerge como uma contradição à apreciação e avaliação de Schmitt por teóricos neo-conservadores. Eles efetivamente tomam do jurista alemão a oposição entre Amigo e Inimigo, mas, ao mesmo tempo, o aplicam em uma sociedade liberal, e levam adiante a uma guerra total contra um inimigo desumanizado - como foi o caso da Guerra Contra o Terror de Bush. Como consequência, mesmo a equivocada interpretação clássica marxista de Schmitt como um conservador revela-se inconveniente.

Conclusão

A conclusão final sobre a leitura desta obra capital de teoria política contemporânea pode ser resumida como segue,de  que Schmitt tem proporcionado uma teorização política ponderada e complexa da ideologia fascista. Esta interpretação não é nova, uma vez que vários manuais (por exemplo, Haddock [36]) já apresentam e discutem a obra de Schmitt como um exemplo de pensamento político fascista, juntamente com outros, como Pareto e Gentili. A principal diferença reside no fato de que, ao contrário do sociólogo Pareto e do filósofo político e pedagogo Gentile, o jurista Schmitt fornece uma verdadeira base teórica política para a ideologia fascista.

Por outro lado, o que é na verdade muitas vezes negligenciado é o fato de que a crítica de Schmitt é destinada principalmente a desmentir o liberalismo, coerentemente com as refutações do Conservadorismo Revolucionário e do Fascimo para essa ideologia, frequentemente observada nestes círculos como uma escola extra-europeia, anglo-saxônica de pensamento. Esta tese contribui ainda mais para a teoria de Sternhell do Fascismo como uma ideologia de terceira via, cuja condenação do Liberalismo é tão forte quanto a sua inimizade para com o Marxismo. Portanto, o Conceito do Político de Schmitt não só constitui por si só uma leitura obrigatória para qualquer estudioso da teoria política, mas também propaga mais luz sobre o problema historiográfico de longa data das origens e da definição do fascismo.

Notas

[1] Carl Schmitt, Der Begriff des Politischen, in “Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik”, LVIII, 1, pp. 1-33, 1927.
[2] Id., Der Begriff des Politischen, Verlag Dr. Walther Rothschild, Berlin-Grunewald 1928.
[3] Id., Der Begriff des Politischen, with a speech on Das Zeitalter der Neutralisierungen und Entpolitisierungen, Duncker & Humblot, Munich-Leipzig 1932.
[4] Id., Der Begriff des Politischen. Text von 1932 mit einem Vorwort und drei Corollarien, Duncker & Humblot, Berlin 1963.
[5] Id., Theorie des Partisanen. Zwischenbemerkung zum Begriff des Politischen, Duncker & Humblot, Berlin 1963.
[6] Carl Schmitt, Der Nomos der Erde im Völkerrecht des Jus Publicum Europaeum, Greven Verlag, Köln 1950.
[7] Schmitt especially quotes Hans Wehberg, Universales oder europäisches Völkerrecht?, in “Die Friedenswarte”, XLI, 1941, 4, pp. 157-166; Id., Vom jus Publicum Europaeum, in “Die Friedenswarte”, L, 1951, 4, pp. 305-314; and Otto Brunner, Land und Herrschaft. Grundfragen der territorialen Verfassungsgeschichte Südost-Deutschland im Mittelalter, Rohrer, Baden b. Wien 1939.
[8] Cfr. Karl Weinhold, Die Deutsche geistige Bewegung vor hundet Jahren, 1873.
[9] Herman Nohl, Die Deutsche Bewegung : Vorlesungen und Aufsätze zur Geistesgeschichte von 1770–1830, herausgegeben von O.F. Bollnow und F. Rodi, 1970.
[10] Cfr. Daniela Gretz, Die deutsche Bewegung : Der Mythos von der ästhetischen Erfindung der Nation, München, 2007.
[11] Cfr. Renzo De Felice, Il fascismo: le interpretazioni dei contemporanei e degli storici, Laterza, Bari 1970; A. James Gregor, Interpretations of Fascism, General Learning Press, Morristown 1974; Marco Tarchi, Il Fascismo : Teorie, Interpretazioni, Modelli, Laterza, Bari 2003.
[12] Renzo De Felice, Mussolini, 7 voll., Einaudi, Torino 1965-1997.
[13] Ernst Nolte, Der Faschismus in seiner Epoche : die Action française, der italienische Faschismus, der Nationalsozialismus, R. Piper, München 1963.
[14] Zeev Sternhell, La droite révolutionnaire (1885-1914). Les origines françaises du fascisme, Éditions de Seuil, Paris 1978; Zeev Sternhell, Mario Sznajder, Maia Asheri, Naissance de l'idéologie fasciste, Gallimard, Paris 1989.
[15] Cfr. A. James Gregor, The ideology of fascism : the rationale of totalitarianism, Press, New York 1969; George L. Mosse, The Nationalization of the Masses: Political Symbolism and Mass Movements in Germany from the Napoleonic Wars through the Third Reich, Howard Fertig, New York 1975; Roger Griffin, The Nature of Fascism, St. Martin’s Press, London 1991; Emilio Gentile, Fascismo. Storia e interpretazione, Laterza, Bari 2002.
[16] A. James Gregor, Italian Fascism and Developmental Dictatorship, Princeton University Press, Princeton 1979; Id., Phoenix: Fascism in Our Time, Transaction, New Brunswick, 1999.
[17] Giovanni Gentile – Benito Mussolini, La dottrina del fascismo, Vallecchi, Firenze 1935.
[18] Hugo von Hofmannsthal, Das Schrifttum als geistiger Raum der Nation, 1927, in Gesammelte Werke in zehn Einzelbänden. Band 10: Reden und Aufsätze III. (1925–1929), Fischer, Frankfurt a. M. 1980.
[19] Hans Zehrer, Die Revolution der Intelligenz, in “Die Tat”, 21, p. 487.
[20] Edgar J. Jung, Deutschland und die Konservative Revolution, in Deutsche über Deutschland – Die Stimme des unbekannten Politikers, München, 1932, pp. 380-381; Id., Sinndeutung der deutschen Revolution, Oldenburg, 1933, p. 42.
[21] Franz von Papen, Rede des Vizekanzlers von Papen vor dem Universitätsbund, Marburg, am 17. Juni 1934, Germania, Berlin 1934.
[22] Hermann Rauschning, The Conservative Revolution, G. P. Putnam’s Sons, New York 1941.
[23] Armin Mohler, Die konservative Revolution in Deutschland 1918–1932: Ein Handbuch, 6. ed., edited by K. Weißmann, Leopold Stocker Verlag, Graz 2005.
[24] Cfr. Jean-Pierre Faye, Langages totalitaires : critique de la raison narrative : critique de l’economie, Hermann, Paris 1972; Fritz Stern, The Politics of Cultural Despair: A Study in the Rise of the Germanic Ideology, University of California Press, Los Angeles 1974; Louis Dupeux (ed.), La révolution conservatrice allemande sous la république de Weimar, Kimé, Paris 1992; Stefan Breuer, Anatomie der Konservativen Revolution, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt 1993; Barbara Koehn, La Révolution conservatrice et les élites intellectuelles, Presses Universitaires de Rennes, Rennes 2003; Stefano G. Azzarà, Pensare la rivoluzione conservatrice : critica della democrazia e grande politica nella Repubblica di Weimar, La Città del Sole, Napoli 2000.
[25] Carl Schmitt, Der Begriff des Politischen, Hanseatische Verlagsanstalt, Hamburg 1933.
[26] Siegfried Lokatis, Hanseatische Verlagsanstalt : politisches Buchmarketing im “Dritten Reich”, Buchhändler-Vereinigung, Frankfurt a. M. 1992.
[27] Roberto Pertici, Mazzinianesimo, fascismo, comunismo: l'itinerario politico di Delio Cantimori (1919-1943), in “Cromohs”, 2, Firenze 1997, pp. 1-128.
[28] Delio Cantimori (ed.), Principii politici del Nazionalsocialismo, G.S. Sansoni, Firenze 1935.
[29] Cfr. Jürgen Fijalkowski, Die Wendung zum Führerstaat. Ideologische Komponenten in der politischen Philosophie Carl Schmitts, Westdeutscher Verlag, Köln 1958, ch. 4.
[30] Leo Strauss, Anmerkungen zu Carl Schmitt’s “Begriff des Politischen”, in “Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik”, 67, 6, August/September 1932.
[31] George Schwab, The Challenge of the Exception : An Introduction to the Political Ideas of Carl Schmitt between 1921 and 1936, Duncker & Humblot, Berlin 1970, pp. 54-55.
[32] Joseph W. Bendersky, Carl Schmitt : Theorist for the Reich, Princeton University Press, Princeton 1983.
[33] Oswald Spengler, Der Untergang des Abendlandes. Umrisse einer Morphologie der Weltgeschichte, Beck, München 1918-1922.
[34] Cfr. Oswald Spengler, Preußentum und Sozialismus, Beck, München 1919.
[35] Ernst Nolte, Der europäische Bürgerkrieg 1917–1945. Nationalsozialismus und Bolschewismus, 4. ed., Frankfurt a. M., 1987.
[36] Bruce Haddock, A History of Political Thought, Polity, Cambridge (UK)-Malden (MA) 2008, pp. 232-234.

02/08/2014

Valentin Rusov - Ucrânia Hoje

por Valentin Rusov


Introdução

Chegou o momento de voltar a escrever sobre a Ucrânia. Durante os últimos meses a situação se tornou bem mais complicada do que era anteriormente. Os meios de comunicação de cada lado mostram o conflito desde pontos de vista radicalmente diferentes, pelo que para uma pessoa que não tem acesso a informação de primeira mão ou que desconhece os idiomas russo e ucraniano, é impossível diferenciar o certo do falso e ter uma idéia objetiva da situação.

No seguinte artigo se descrevem as principais notícias dos dois últimos meses e se expõem os fatos reais sobre a situação na Ucrânia. Praticamente, a totalidade da informação reunida no artigo é de primeira mão. Naqueles casos em que a informação não está contrastada, se menciona que a informação procede de rumores amplamente difundidos.

O seguinte artigo não é uma análise da situação, senão uma descrição da situação real. O seguinte artigo não pretende gerar uma opinião específica, senão pretende mostrar os fatos, na medida do possível, desde uma perspectiva independente e objetiva. Através da informação oferecida nesse artigo, as pessoas poderão gerar sua própria opinião sobre a situação atual, uma opinião em linha com suas idéias e prioridades.

Ucrânia após o "Maidan"

A capitulação do ex-presidente da Ucrânia Yanukovich e o intercâmbio das elites políticas no governo desequilibraram as relações dos diferentes clãs oligárquicos do país. O denominado "Clã Donetsk", que anteriormente apoiava os governos e as elites políticas do leste da Ucrânia, sofreu um dano importante e começou a perder controle político e econômico sobre o país. Enquanto isso, outro poderoso grupo oligárquico, o qual apoiava novas elites políticas do ocidente da Ucrânia, adquiriu um maior poder político e econômico. Certamente, as mudanças no país afetaram notavelmente as relações entre esses clãs, tendo consequências irreversíveis para a situação do país.

Ao falar da situação na Ucrânia e da possibilidade da "revolução nacional" é importante fazer uma pequena referência ao grupo mais poderoso da Ucrânia, cuja influência e ações estão provocando sérias mudanças na vida de todo país. O líder informal da oligarquia "pró-oriental" ("Clã Donetsk") é Rinat Akhmetov, de etnia tártara e de religião muçulmana, que é a pessoa mais rica da Ucrânia e que, segundo rumores, é o principal patrocinador do "Partido Muçulmano da Ucrânia". Por outra parte, o líder informal da oligarquia "pró-ocidental" é Igor Kolomoyskyi, a terceria pessoa mais rica da Ucrânia, de origem israelense. Ele é o presidente da Comunidade Judaica Unida da Ucrânia e o presidente do Conselho Europeu da Comunidade Judaica. Segundo os rumores, ele é o criador e principal financiador do partido nacionalista ucraniano "Svoboda". Também é interessante que a segunda pessoa mais rica da Ucrânia, Viktor Pinchuk, seja de etnia ashkenazi e de religião judaica. É importante ter isso em conta para compreender os principais resultados da chamada "revolução nacional ucraniana", que até agora é simplesmente uma alternância dos clãs oligárquicos, passando do clã de Akhmetov ao clã de Kolomoysky, que se apossou do poder.

A alternância nas elites políticas da Ucrânia trouxe uma redistribuição da influência entre os clãs de Akhmetov e Kolomoysky. Enquanto que o negócio de Kolomoysky está agora protegido pelas novas elites políticas, o negócio de Akhmetov está em perigo, assim como está todo aquele que tinha relação com as antigas elites políticas do país. Enquanto o novo governo da Ucrânia não era suficientemente forte, Akhmetov tratou de proteger economicamente seus negócios mantendo o controle político sobre a parte leste da Ucrânia. Pôs em marcha um processo separatista na região de Donetsk para chantagear as novas elites políticas da Ucrânia. Por exemplo, a mesma estratégia foi utilizada na região russa da Chechênia, onde as elites tem o controle da região e recebem benefícios econômicos e numerosas vantagens do governo central da Rússia em troca de lealdade, uma estratégia baseada em fazer chantagem com idéias separatistas e desestabilizadores na região, o que vem a significar "lealdade em troca de dinheiro e favores políticos".

Primeiro, em meados dessa primavera, na região de Donetsk se organizou a versão local do "Maidan", onde a Praça Central se encheu de gente que não aceitava o novo governo de Kiev, montando barricadas e tomando edifícios de Donetsk. Um mês depois, as pessoas que encabeçavam os protestos confessaram que essas ações estavam sendo financiadas e organizadas pelo líder do "Clã Donetsk" Rinat Akhmetov.

A Rebelião do Sudeste

Porém muito rapidamente o Clã Donetsk perdeu o controle sobre este processo de separatismo manipulado. Novamente é possível fazer um paralelismo com a Chechênia, onde em princípios dos anos 90 o processo artificial de separatismo, promovido pelas oligarquias e pelas elites políticas locais, ficou fora de controle. E este processo deu lugar a uma guerra nacional e religiosa entre russos e chechenos, uma guerra que oficialmente durou mais de quinze anos (e que em realidade ainda não acabou), na qual tomaram parte dezenas de milhares de pessoas de ambos os lados e que foi utilizada pelos interesses geopolíticos estrangeiros para pressionar a Rússia.

O mesmo aconteceu no leste da Ucrânia. Apesar dos "títeres separatistas" pagos por Akhmetov, os quais já desapareceram, nas regiões do leste da Ucrânia surgiram uma grande quantidade de grupos diferentes de pessoas (geralmente armados), com suas próprias razões e interesses para participar nessas ações. A rebelião era apoiada não só pela gente comum, senão também por soldados procedentes de divisões locais, pela polícia e por membros das forças militares especiais. A maioria desses grupos de soldados e policiais começaram a se unir às "Autodefesas de Donetsk", levando todas as suas armas e munição militar com eles.

A principal razão para este apoio massivo era que a maioria da população do leste da Ucrânia não estava de acordo com o intercâmbio das elites políticas do país, as quais chegaram ao poder através da luta armada em Kiev. E o principal argumento usado pelos rebeldes para explicar esta ação foi: "Se as pessoas de Kiev fazem rebelião contra o governo, um governo que não agrada a eles, por que não podemos fazer o mesmo nós em Donetsk?" Essa questão se dirigiu majoritariamente às pessoas que apoiavam a revolução "Maidan" e as ações dos cidadãos contra o governo antinacional de Yanukovich, porém agora algumas dessas pessoas mudaram seu parecer e apoiam as ações do governo antinacional de Poroshenko contra a rebelião de Donetsk.

Naturalmente, na realidade a situação não é tão homogênea e algumas pessoas que estavam relacionadas nessa rebelião do leste da Ucrânia tem razões especiais para participar nela. Para compreender perfeitamente a situação é necessário mencionar as razões mais frequentes das pessoas que atuam contra o novo governo central da Ucrânia. A continuação exporei as razões em ordem descendente segundo sua importância para as pessoas:

1) A população é contrária à política pró-Ocidente e anti-Oriente do novo governo ucraniano. O termo pró-Ocidente tem um duplo significado, porque o novo governo vai orientar sua política interna de encontro às regiões ocidentais da Ucrânia, enquanto que a política externa se vai orientar de encontro aos EUA e a União Européia. O novo presidente, Poroshenko, está decidido a integrar a Ucrânia na OTAN e na União Européia. Também existe informação sobre o novo governo ucraniano já ter assinado contratos com a companhia estrangeira Shell para se estabelecer na região do leste da Ucrânia, o que poderia significar uma catástrofe ecológica. Ao mesmo tempo, a nova política do governo central vai ser anti-Oriente. Aqui, "anti-Oriente" também tem duplo significado: a política interna vai contra as regiões do leste do país, enquanto que a política externa se dirige contra a Rússia.

2) Existe um forte sentimento de identidade russa por parte do povo, que está vendo o perigo de uma "ucrainização" étnica nas regiões russas da Ucrânia (regiões em que russos étnicos tem vivido há mais de mil anos, enquanto que essas terras pertencem à Ucrânia há menos de 23 anos). Essa gente considera o novo governo ucraniano como um governo separatista, que está tratando de separar as terras que pertenceram historicamente à Rússia (de fato, 75% do atual território da Ucrânia) da influência e cultura russas.

3) Os russos étnicos e os ucranianos russófonos se opõem às novas leis de "desrussificação" e restrição do idioma russo (o russo é o idioma nativo de mais de 35% da população ucraniana, e mais de 25% fala russo e ucraniano).

4) Os nacionalistas russos querem criar o Estado independente Nova Rússia nas terras do sudeste da Ucrânia, terras que historicamente tem sido russas. Um Estado nacional russo que será independente da Ucrânia e da Federação Russa, e que se converterá em um lugar de renascimento russo. Geralmente, os nacionalistas russos tem uma ideologia antissoviética e antiucraniana, considerando a Ucrânia como o maior monumento da época soviética (a Ucrânia atual é conhecida como a República Socialista Soviética da Ucrânia, que foi criada artificialmente pelo governo comunista em 1919 ao tomar territórios tradicionalmente russos que pertenciam à Rússia Imperial). E consideram que a Ucrânia é uma nação artificial criada pelo governo soviético mediante a ucrainização massiva de pessoas de etnia russa. E em linha com isso, a destruição do Estado ucraniano seria a destruição do maior projeto comunista (que todavia segue vivo hoje).

5) Os eurasianos se uniram à rebelião por motivos geopolíticos, ao ver neste conflito "a Grande Guerra dos Continentes" (conflito entre Eurasianismo e Atlantismo). Essa é a idéia principal daqueles que não querem que as bases da OTAN se estabeleçam no território ucraniano, perto da fronteira com a Rússia, e que não querem que a Ucrânia fique sob influência dos EUA.

6) Os patriotas russos querem que os territórios históricos da Rússia voltem a ficar sob controle da Federação Russa.

7) As pessoas que seguem fielmente a religião ortodoxa veem este conflito como uma luta entre a Igreja Ortodoxa da Rússia e a Igreja Católica Greco-Ucraniana.

8) Certas pessoas (a maioria delas de gerações passadas) veem na Ucrânia atual um auge do fascismo e do chauvinismo antirrusso. E explicam sua participação no conflito como a continuação da Segunda Guerra Mundial, sendo o novo Hitler a união formada por Poroshenko e Obama.

9) Uma parte considerável da população que inicialmente era neutra, durante o conflito entre rebeldes locais e o Exército Ucraniano sogreu algum tipo de dano por parte do Exército Ucraniano, razão pela qual decidiu se unir aos grupos rebeldes.

10) Diversos aventureiros que buscam algum tipo de benefício ou viver situações extremas.

11) Segundo rumores difundidos pelos meios de comunicação ucranianos, no conflito também estão participando agentes do exército russo e mercenários russos.

Certamente, a maioria das pessoas não se uniu a essa rebelião por um único motivo, senão que o mais habitual seja que influam vários dos que se indicam na lista anterior. Mas também é possível assinalar que entre eles existem diferenças ideológicas e se agora todos estão unidos nessa luta comum contra o novo governo ucraniano, no futuro, se essas terras voltarem a ser livres, se verá a luta ideológica entre os diferentes grupos com diferentes idéias e pontos de vista. Porém por agora, a melhor ilustração da questão ideológica na Nova Rússia é uma resposta de Igor Strelkov (Comandante do Exército da Nova Rússia) que deu algumas semanas atrás (01/06/201): "Aqui há pessoas com diferentes perspectivas, unidas somente por seu verdadeiro ódio pela Ucrânia atual, por seu idioma comum e por sua cultura comum. E acrescentar o componente ideológico a essa unidade pode ser prejudicial. O componente de liberação nacional é, neste momento, mais que suficiente". Porém na realidade, a diferença ideológica é realmente grande, e se, por exemplo, Igor Strelkov (que de fato é Comandante do Exército da República de Donetsk) apoia a idéia do Estado independente, Denis Pushilin (que é o Presidente da República de Donetsk) apoia a idéia de união à Federação Russa. Ante essas diferenças ideológicas existentes entre os representantes principais do novo governo da República de Donetsk, é fácil imaginar diferenças ideológicas enormes entre os cidadãos comuns.

Inicialmente, as principais petições dos líderes das autoproclamadas repúblicas do leste da Ucrânia eram: por um lado, que a Ucrânia passe de um Estado unitário a uma federação, para que as pessoas das diferentes regiões tivessem mais liberdade política em relação ao governo central de Kiev, e, por outro lado, dar status oficial ao idioma russo na Ucrânia, para que estivesse no mesmo nível que o idioma ucraniano naquelas regiões etnicamente russas. Mas em lugar de tentar o diálogo político com as regiões orientais, o novo governo da Ucrânia decidiu solucionar o problema mediante o envio do exército ucraniano e começando novas operações militares contra todos aqueles que não queiram aceitar as leis do novo governo. Semelhante ato causou uma radicalização ideológica nas pessoas das regiões do leste, passando de "defensores do federalismo" a "separatistas".

Um dos papéis principais, na hora de unir toda essa gente com diferentes pontos de vista, foi o que desempenhou Pavel Gubarev, atual "Governador do Povo da Região de Donetsk" e antigo militante do movimento nacionalista "RNU" - "Russian National Unity", Unidade Nacional Russa (por este fato e pelo apoio massivo que os membros da RNU deram à Nova Rússia, os meios de comunicação ucranianos começaram uma campanha midiática massiva de propaganda sobre os fascistas russos que estavam atacando o Estado democrático ucraniano). Agora Gubarev é o líder e o principal ideólogo do movimento político chamado "Nova Rússia", cuja idéia é criar um Estado independente nos territórios da Nova Rússia. "Novorossiya" significa Nova Rússia - e é uma região histórica que formou parte do Império Russo até 1917, ano em que os bolcheviques criaram a URSS e acrescentaram territórios da Nova Rússia a esta república. Agora este território fica situado na região sudeste da Ucrânia. O principal conceito da idéia de Nova Rússia é criar um Estado independente de Kiev e de Moscou, porém orientado geopoliticamente na direção da Rússia. Este Estado é o Renascimento Nacional Russo, e está sendo definido pelos principais ideólogos do projeto Nova Rússia como um Estado livre das influências degeneradas modernas, especialmente do liberalismo e do capitalismo. A base da Nova Rússia será a justiça social, os valores tradicionais e a cultura russa. Ao mesmo tempo, na Nova Rússia já começou o processo de nacionalização de objetivos industriais e financeiros, assim como a eliminação da corrupção e das oligarquias. Recentemente se proibiram os abortos, se destruíram todos os cassinos e salões de jogos e se acabou com o tráfico de drogas (após pôr fim à corrupção policial que o protegia) e também se criaram restrições ao álcool. E naquelas cidades situadas na frente de combate, o álcool foi totalmente proibido sob a denominada "Lei Seca".

Em 12 de maio, nas autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, se fizeram referendos sobre a independência da Ucrânia. Na República de Donetsk o voto pela independência alcançou 89% da população, enquanto que em Lugansk a cifra chegou a 96%. Pouco depois Donetsk e Lugansk se uniram sob o nome de Nova Rússia.

Quando a situação no leste da Ucrânia ficou fora de controle, o novo governo de Kiev inclusive tratou de utilizar Akhmetov para estabilizá-la, prometendo proteção a seus negócios. Akhmetov tentou começar um diálogo com o novo governo da Nova Rússia, mas no lugar de uma resposta recebeu uma acusação criminal contra si e a nacionalização de suas indústrias e negócios privados. Após isso, ele finalmente compreendeu que a situação estava totalmente descontrolada e fugiu para Londres, destino preferido de todos os oligarcas exilados.

Eleições Presidenciais

Também é importante escrever algumas palavras sobre as eleições presidenciais, celebradas na Ucrânia em 25 de maio. Poroshenko, o novo presidente ucraniano, é um oligarca (quinta pessoa mais rica da Ucrânia). Certamente, como todos os oligarcas da Ucrânia, ele não é puramente ucraniano. Seu pai, Alexey Valtsman, era um judeu da Moldávia. E Poroshenko, o novo presidente da Ucrânia, decidiu manter o sobrenome de sua mãe, que é de origem ucraniano. Segundo sua biografia, podemos comprovar que foi salpicado por diversos escândalos de corrupção no passado. Também se podem destacar alguns fatos importantes, como que em 2001 ele foi uma dessas pessoas que criou o "Partido das Regiões" (partido de Yanukovich), partido com o qual rompeu alguns anos depois se convertendo em inimigo político de Yanukovich. Posteriormente, Poroshenko se converteu no principal patrocinador da carreira política de Yulia Timoshenko, com a qual acabou rompendo e que acabaria se convertendo em 2014 em sua principal rival. Poroshenko também foi um dos principais patrocinadores da conhecida "EuroMaidan", aportando dinheiro para comida, água, etc. para dezenas de milhares de pessoas que estavam vivendo durante vários meses na praça central de Kiev.

De fato, como sempre ocorreu ao longo dos 23 anos de existência do Estado da Ucrânia, os ucranianos obtiveram um presidente para cada metade do país. Observando um mapa da Ucrânia com porcentagens de voto de todas as eleições presidenciais, se pode observar que o país sempre se dividiu em duas partes, uma que compreende a zona centro-oeste e outra que compreende o sul-leste. Curiosamente, em cada parte se vota em candidatos opostos. E como em 2005 - Yushenko se converteu em presidente eleito pelo centro-oeste da Ucrânia em 2012 - Yanukovich se converteu em presidente eleito pela zona sul-leste da Ucrânia. Agora Poroshenko é presidente da zona centro-oeste da Ucrânia, e olhando para os resultados eleitorais, se pode observar que em todas as as regiões da zona sul-leste da Ucrânia, a porcentagem de participação eleitoral foi menor que 30%, e em uma grande parte dessa região inclusive inferior a 10%. Incluindo 0% em zonas como Lugansk e Donetsk. A maioria das pessoas das regiões do sul-leste fizeram boicote às eleições porque não havia candidatos que representassem essa região. Finalmente Poroshenko se converteu em presidente ao receber 9,8 milhões de votos, enquanto que a população ucraniana que pode votar é de 40 milhões, pelo que foi votado somente por 24% da população. Em primeiro lugar, seus objetivos políticos eram acabar totalmente com a rebelião do leste da Ucrânia, e posteriormente atacar a Criméia para que voltasse a pertencer à Ucrânia. Também tem planos de se integrar na OTAN para receber apoio militar e na UE para receber apoio econômico para a Ucrânia.

Durante as eleições presidenciais, os chamados candidatos "nacionalistas ucranianos" obtiveram resultados muito baixos: Yarosh ("Setor Direito") 0,9% e Tyagnibok ("Svoboda") 0,9%. É divertido (ou triste), mas até um candidato tão pitoresco quanto Rabinovich (o presidente do Parlamento Judaico da Ucrânia e vice-presidente da União Judaica Européia) obteve 2,2%, que é mais que Yarosh e Tyagnibok juntos. Após esses resultados, logicamente surgem dúvidas sobre a denominada "revolução nacional ucraniana".

"O Setor Direito"

Se falamos do destino do "Setor Direito", agora já é possível dizer que não existe. Se no início das revoltas em Kiev, o "Setor Direito" estava formado por uma unidade de quatro diferentes movimentos nacionalistas ucranianos ("UNA-UNOS", "White Hammer", "SNA-Patriotas da Ucrânia" e "Trizyb"), agora no "Setor Direito" só restou o "Trizyb" (cujo líder era D. Yarosh, que agora é lider do "Setor Direito"). Os outros três movimentos, oficial ou extraoficialmente, abandonaram o "Setor Direito" ao não aceitarem a posição de Yarosh. E de depois de não aceitar a posição de Yarosh, o líder da "UNA-UNOS" A. Myzichko foi assassinado pela polícia e o líder do "White Hammer" V. Goranin foi detido pela polícia, o líder do "SNA" A. Biletskiy decidiu evitar esse mesmo destino e declarou que o "SNA-Patriotas da Ucrânia" não aceita a posição do "Setor Direito" e atuará de forma autônoma. Isso ocorreu depois que Yarosh fez declarações oficiais de que o "Setor Direito" jurava obediência ao novo presidente da Ucrânia, Poroshenko. Pouco antes, o "Setor Direito" (ou o que resta dele), se transformou o "Batalhão Donbas", formado pelo oligarca sionista Kolomoysky (sobre quem já escrevemos anteriormente) para desempenhar o papel de mercenários da guerra de oligarquias entre Kolomoysky e Akhmetov. Mas após a capitulação de Akmetov sem nem ter lutado, o "Batalhão Donbas" começou a desempenhar o papel de um exército da oligarquia privada de Kolomoysky, o qual atua segundo os interesses de seus negócios. Yarosh o explicou com a seguinte frase: "Lutar e arriscar a vida por dinheiro e pela pátria é muito melhor que arriscar a vida só pela pátria". Falando sobre o destino do "SNA", eles também se transformaram em um grupo militar chamado "Batalhão Azov" (segundo os rumores, também criado por Kolomoysky, mas diferentemente do "Setor Direito", o "SNA" nega).

A principal diferença entre os nacionalistas ucranianos que formaram o "Batalhão Donbas" (antigo "Setor Direito", antigo "Trizyb") e os que formaram o "Batalhão Azov" (antigo "SNA") é que as pessoas do "Batalhão Donbas" aceitaram a atual situação política da Ucrânia e o novo governo, enquanto que as pessoas do "Batalhão Azov" ainda declaram que sua "revolução nacional" ainda não terminou e que tão somente começou, e depois de o conflito no leste da Ucrânia ter terminado, voltarão a Kiev para continuar a luta pela revolução nacional contra o governo de Kiev. Segundo suas palavras, seus planos futuros após tomar o poder em Kiev são conquistar a Criméia e algumas regiões do sudoeste da Rússia (Belgorod, Kuban, Rostov, etc.) e, tal e como fica refletido em seu programa político, criar o Império Ucraniano. Atualmente o "Batalhão Azov" conta com aproximadamente entre 300 e 500 membros e, pelos rumores que circulam, alguns de seus membros são voluntários de outros países. Tirando esses batalhões, na Ucrânia existem algumas outras formações militares não-oficiais, algumas das quais foram criadas pelas oligarquias locais, outras por alguns políticos e outras mediante o agrupamento de voluntários. Um dos mais famosos batalhões privados é o "Batalhão de Lyashko" (Oleg Lyashko é um político ucraniano conhecido por sua tendência homossexual, que ficou em terceiro nas eleições presidenciais com 8% dos votos), que passou a ser reconhecido pela tendência sexual de seu principal líder. Obviamente, semelhante diversidade de exércitos privados e grupos paramilitares, os quais escapam ao controle do governo central e que mantém diferentes ideologias, somente trarão mais e mais desestabilização à situação atual da Ucrânia.

O Kremlin em uma encruzilhada

É importante falar sobre a postura do governo da Federação Russa nesse conflito. A informação dos diversos lados do conflito sobre este ponto é realmente diferente. Enquanto que os meios de comunicação ucranianos afirmam que o sudeste da Ucrânia está sendo ocupado pelo exército russo, enviado pessoalmente por Putin, os meios de comunicação russos comentam que o governo da Federação Russa todavia não decidiu o que fazer a respeito, se evadindo com o objetivo de esperar e não fazer nada. Ao mesmo tempo, os defensores da Nova Rússia afirmam que a Federação Russa traiu seu povo, os russos étnicos do leste da Ucrânia e que não estão fazendo nada para ajudar senão o contrário. Por exemplo, Putin deu ordens para fechar as fronteiras da Rússia com o leste da Ucrânia para que os voluntários russos não possam entrar na Nova Rússia, e anteriormente Putin havia pedido às pessoas do sudeste da Ucrânia não fazer referendos nas regiões de Donetsk e Lugansk. Agora Putin somente está mostrando interesse em fechar novos contratos de gás com o novo governo ucraniano e construir sistemas para o transporte do gás, como o gasoduto "South Stream", que atravessa a Criméia (o que explica porque Putin estava interessado em proteger os russos étnicos na Criméia e porque não os protege na Nova Rússia). Ao mesmo tempo, o surgimento de um novo país próximo À fronteira russa, com 6 milhões de pessoas etnicamente russas dispostas a lutar e morrer pela liberdade, poderia ser um perigo para o regime do Kremlin. O exemplo da rebelião nacional russa contra o governo central antinacional da Ucrânia poderia se repetir na Federação Russa. A Nova Rússia, como parte da Rússia, poderia ser algo ainda mais perigoso para a oligarquia das elites do Kremlin pelo mesmo motivo explicado anteriormente e pelas sanções econômicas da UE e dos EUA contra eles.

O perigo para as oligarquias do Kremlin vem direta e abertamente de Igor Strelkov (comandante do exército da Nova Rússia). É difícil acreditar que Putin possa aceitar um Estado independente de 6 milhões de pessoas, sob a liderança pessoal de uma pessoa que textualmente diz o seguinte: "Estou totalmente seguro de que o governo bolchevique ainda existe na Rússia. Sim, este governo sofreu uma mutação que o torna impossível de ser reconhecido. Sim, a ideologia formal de seu governo mudou até um ponto totalmente oposto. Mas a base ainda se mantém imutável: antirrusso, antipatriota e antirreligioso. Neste governo existe gente que são os descendentes diretos da gente que fez a revolução na Rússia em 1917. Eles se maquiaram, mas essencialmente não mudaram. Deixando de lado a ideologia, algo que não lhes permitiria se tornarem mais ricos e desfrutar de benefícios materiais, eles mantiveram o poder na Rússia. Em 1991 houve uma rebelião armada. Mas a contrarrevolução ainda não teve lugar". E isso não o diz como um rebelde comum, senão como oficial russo, como veterano de 4 guerras (Transnístria, Iugoslávia e a Primeira e Segunda Guerras da Chechênia) e como comandante de um exército com mais de dez mil soldados.

Na realidade a situação da Nova Rússia é muito complicada e é impossível saber algo sobre a decisão final das elites do Kremlin sobre isso, ademais de que provavelmente a decisão final todavia não tenha sido tomada, e que cada decisão do Kremlin nessa situação poderia custar sua existência futura. Por outra parte, nas elites do Kremlin é possível que haja diferentes pessoas com diferentes pontos de vista sobre a situação e diferentes interesses a respeito. E ninguém sabe qual é a decisão que será tomada finalmente. Também existe uma teoria da conspiração, promovida pelos meios de comunicação ucranianos, acerca de que tudo o que está ocorrendo no sudeste da Ucrânia teria sido planejado anteriormente pelo Kremlin e segue as diretrizes determinadas pelo Kremlin. E inclusive Strelkov seria agente do Kremlin. Não obstante, essa teoria não parece muito real.

Atualmente, a realidade é que os defensores da Nova Rússia estão recebendo a ajuda habitual procedente da Rússia. Ademais, toda essa ajuda está sendo reunida pelos próprios cidadãos russos, diversas organizações de voluntários estão trazendo remédios, comida, dinheiro e outros produtos necessários para ajudar a Nova Rússia. Ao mesmo tempo, milhares de voluntários estão chegando da Rússia para se unirem aos diferentes grupos de autodefesa. Também estão chegando contingentes de voluntários da Bielorrússia, Transnístria, Ossétia e inclusive de outros lugares como Sérvia, Hungria, República Tcheca, Polônia e Itália. Alguns voluntários europeus chegam como representantes de organizações nacionalistas, por exemplo, a polaca "Falanga" e a húngara "HVIM". Não obstante há problemas armamentísticos e de outra índole, porque como dizem os líderes das autodefesas da Nova Rússia, não há armas suficientes para todos aqueles que estão preparados para se unirem às autodefesas. A maior parte das armas foi trazida por grupos de soldados e policiais ucranianos que decidiram lutar do lado de uma nova república. Algumas armas foram obtidas pelas pessoas mediante o ataque às bases militares do exército ucraniano (segundo os rumores as autodefesas da Nova Rússia roubaram mais de 200 panzers de uma base militar ucraniana). E alguns simplesmente as compraram diretamente do exército ucraniano (a corrupção na Ucrânia segue existindo ainda). Também parece que algumas armas, as quais estão sendo utilizadas pelos rebeldes, procedem da Rússia, posto que o exército ucraniano nunca as utilizou. Mas ninguém sabe se esse armamento chegou como ajuda militar procedente do lado russo ou devido à corrupção do exército russo que vendeu suas armas. Segundo os rumores dos meios de comunicação ucranianos, também existem numerosos agentes militares da Federação Russa, ainda que estes rumores ainda não tenham sido comprovados.

A Batalha do "Álamo Russo".

No que concerne o exército ucraniano, a moral de suas tropas está muito baixa, assim como sua disposição para a luta. O governo ordenou aos soldados que lutem contra os denominados "terroristas-separatistas", considerando assim a mais de 6 milhões de compatriotas. E devido às ações militares do exército ucraniano a cada dia morre um número elevado de mulheres e crianças que vivem nas regiões que não são leais ao novo governo. E, certamente, a maior parte dos soldados ucranianos não está contente em travar essa guerra contra o povo ucraniano (pessoas com passaporte ucraniano).

Simultaneamente, ao longo dos últimos dois meses o exército ucraniano não pôde recuperar o controle da pequena cidade ucraniana de Slavyansk, a qual está sendo defendida por um pequeno grupo de autodefesas. O exército ucraniano tem assediado a cidade e tem tanques, aviões, artilharia e um número de soldados 15 vezes maior que os defensores. Enquanto que algumas centenas de defensores de Slavyansk somente tem pistolas de mão e uma arma antiaérea autopropelida. Mas durante esses dois meses de assédio, o exército ucraniano perdeu mais de mil soldados e vários tanques e aviões, enquanto que os defensores perderam algumas centenas de pessoas, a maioria das quais eram civis. A defesa de Slavyansk recebeu o nome de "A Batalha do Álamo Russo", pelas semelhanças que teve com os fatos ocorridos no Texas em 1836. É interessante o fato de que as principais razões da rebelião antimexicana no Texas também foram: o problema para utilizar a linguagem nativa por parte das pessoas do Texas (o governo central mexicano queria um idioma único no país) e o problema da federalização (a constituição do Novo México estava dando muito poder ao governo central, reduzindo a liberdade política das regiões). E em 1836, os rebeldes finalmente obtém o que querem.

As únicas forças motivadas do chamado bloco "pró-ucraniano" são diferentes batalhões de pequeno tamanho dos nacionalistas ucranianos (como "Azov", "Donbas", etc.) e das "Guardas Nacionais", que é uma organização militar criada pelo novo governo a partir das anteriores autodefesas do "Maidan" (a maioria das pessoas que lutava contra a polícia no centro de Kiev durante o verão), que em sua maior parte são gente com importantes razões para se oporem à criação da Nova Rússia. Essa formação inclui os chauvinistas russofóbicos da zona ocidental da Ucrânia, os defensores mais radicais do novo governo da Ucrânia, que estão dispostos a matar por ele, e também os voluntários de outros países que tem suas próprias razões para participar nessa guerra. Por exemplo, membros das "Guardas Nacionais" são wahhabis chechenos que lutaram na década de 90 na guerra russo-chechena contra os russos, posteriormente lutaram em diferentes conflitos do Oriente Médio e agora voltaram para a Ucrânia para lutar contra os russos. Segundo alguns rumores, nas "Guardas Nacionais" também há alguns grupos de georgianos russofóbicos, gente dos países bálticos e inclusive alguns mercenários estrangeiros de companhias privadas e agentes da OTAN, tanto militares como conselheiros.

É interessante que enquanto os wahhabis chechenos se uniram às "Guardas Nacionais", ao mesmo tempo grupos de chechenos pró-russos se uniram às defesas da Nova Rússia (ainda que até agora não esteja muito claro quem é voluntário e mercenário). A mesma história ocorreu com os sionistas, alguns grupos de sionistas russofóbicos (cujos ancestrais talvez tenham sofrido algum tipo de repressão na URSS) primeiro se uniram aos "Cem Judeus do Maidan" e posteriormente às "Guardas Nacionais". Enquanto outros grupos de israelenses (também ex-cidadãos da URSS) diziam que estavam preparados para ajudar a Nova Rússia. E alguns membros das comunidades sionistas locais da República de Lugansk chegaram a fazer um ritual para se impôr à oligarquia de Kolomoysky.

Conclusões

Finalmente, pelos detalhes mencionados podemos confirmar que o conflito da Ucrânia é complexo, e que em cada bando se podem encontrar pessoas de qualquer nacionalidade, religião e ideologia. Isso explica por que ambos bandos se difamam mutuamente com os mesmos qualificativos: separatistas, fascistas, nazis, antifascistas, comunistas, neobolcheviques, soviéticos, imperialistas, mercenários, russos, ucranianos, judeus, chechenos, etc. Mas se deixarmos à margem as individualidades e nos centrarmos em descrever as características gerias, podemos ver um conflito nacional entre russos e ucranianos (quer dizer, um conflito de identidades e não de etnias, porque as etnias russa e ucraniana são praticamente idênticas, com raras exceções). Este conflito se baseia em interesses de forças exteriores e foi posto em marcha pelo novo governo ucraniano, que está totalmente disposto a servir aos interesses estrangeiros. A situação parece idêntica à situação na Iugoslávia e o conflito nacional entre sérvios e croatas dos anos 90, os quais levaram a uma catástrofe total para os sérvios e para a Iugoslávia. Agora parece óbvio que o principal objetivo do conflito da Ucrânia seja a Rússia, e que o o último presidente da Iugoslávia, Slobodan Milosevic, após o conflito da Iugoslávia, predisse essa situação com total precisão e acerto, advertindo a Rússia sobre isso.

Em conclusão, é possível assinalar o fato de que o Estado ucraniano se dirige rumo a seu desaparecimento. A situação do Estado ucraniano atualmente é de colapso total, dirigido por controle remoto desde o outro lado do oceano, vivendo uma situação de crise econômica total e uma guerra civil. Se trata de um Estado em que a metade do território foge ao controle do governo central, o qual recebeu o poder em um país através de um golpe anticonstitucional. Esse é o Estado em que os oligarcas tem exércitos privados, os quais servem a seus interesses privados e fogem ao controle do governo central, e onde a população de uma parte do país odeia a população da outra metade do país. Ucrânia é o Estado em que as pessoas leais ao novo governo podem queimar vivas mais de 100 compatriotas que tenham pontos de vista diferentes em relação ao novo governo sem receber nenhum castigo por semelhantes ações (como ocorreu em Odessa em 2 de maio de 2014).

E esse é o Estado em que o governo central considera que 6 milhões de seus cidadãos são terroristas (incluindo mulheres e crianças) e enviam o exército para bombardear civis, pelo simples motivo de que essa gente quer falar o idioma de seus antepassados e dispor de maiores direitos políticos e liberdades em suas regiões. Assim, podemos ver que a Ucrânia é um bom exemplo de "Estado Falido", o qual não tem futuro, mas sim todas as probabilidades de repetir o destino da Iugoslávia ou de se transformar na Somália da Europa.

Esse colapso da Ucrânia, produzido pela pressão de fatores internos e externos foi previsto há alguns anos por diferentes politólogos, por exemplo, pelo famoso Samuel Huntington e por Aleksandr Dugin. Desde o momento em que apareceu o Estado artificial da Ucrânia em 1991, a Ucrânia, tarde ou cedo estava condenada ao colapso, e inclusive se esse colapso não se produzisse na atualidade, se produziria mais tarde. Ninguém pode prever como vai terminar esse conflito, mas é óbvio que o resultado mudará a história do mundo. E em um futuro próximo todos teremos participado ou teremos sido testemunhas de um grande triunfo ou de uma grande catástrofe.