30/12/2019

Aleksandr Dugin - A Desconstrução da Democracia

por Aleksandr Dugin

(2019)
 


O Conceito de “Democracia” não é neutro e não é auto-evidente

Hoje a democracia não pode ser discutida objetivamente. Não é um conceito neutro: por trás da “democracia”, enquanto regime político e sistema de valores correspondente, está o Ocidente, a Europa e os EUA. Para eles, a “democracia” é uma forma de culto secular ou uma ferramenta de dogmática política; portanto, para ser totalmente aceito na sociedade ocidental, é necessário ser “a favor” da democracia. Quem a põe em questão cai fora do campo do politicamente correto. A oposição marginal é tolerada; mas se for mais do que marginal, a democracia coloca suas máquinas de opressão contra as suas alternativas, como qualquer regime, qualquer ideologia e qualquer religião dominante. Não é possível falar em "democracia" imparcialmente. É por isso que, nas discussões sobre democracia, devemos dizer imediatamente se somos completamente a favor ou completamente contra. Responderei com extrema sinceridade: sou contra, mas sou contra apenas porque o Ocidente é a favor. Não estou preparado para aceitar nada de forma impensada e acrítica, mesmo que todo mundo acredite, e ainda mais se isso for acompanhado por uma ameaça oculta (ou clara). Você sugere que eu confie na minha própria razão, não? Começarei com o fato de que a razão me aconselha a rejeitar todas as sugestões [predlozheniy, ofertas, propostas]. Ninguém pode nos dar liberdade. Nós a temos ou não. Um escravo converterá até mesmo a liberdade em escravidão, ou pelo menos em estupidez, e uma pessoa livre nunca será escrava nem sob grilhões. Em seu tempo como escravo Platão não se tornou menos Platão ou menos livre, enquanto ainda pronunciamos o nome do tirano Dionísio com desprezo; então, qual deles é escravo? De qualquer forma, como diz um livro popular sobre análise técnica, "a maioria está sempre errada".

Somente essa distância crítica em relação à “democracia” fornece um campo para sua compreensão conceitual. Colocamos a “democracia” em dúvida, em questão, e a desafiamos como um dogma. Assim, conquistamos o direito à distância, mas somente dessa maneira podemos chegar a um resultado válido e bem fundamentado. Não acreditar na democracia não significa ser seu oponente. Significa não ser seu prisioneiro, não estar sob sua hipnose e sua sugestão. Partindo de tanta incredulidade e dúvida, é inteiramente possível que concluamos que a democracia é algo valioso ou aceitável, ou talvez não. Devemos raciocinar exatamente da mesma maneira sobre todas as outras coisas. Só isso é filosofia. Não há evidência a priori para um filósofo. É exatamente o mesmo para um filósofo político.

Vale lembrar que democracia não é um conceito auto-evidente. A democracia pode ser aceita ou rejeitada, estabelecida ou demolida. Houve sociedades esplêndidas sem democracia e detestáveis ​​com democracia, mas também houve o oposto. A democracia é um projeto humano, uma construção, um plano, não o destino. Ela pode ser rejeitada ou aceita. Isso significa que ela precisa de justificação, de apologia. Se não houver apologia pela democracia, ela perderá o sentido. Uma forma não democrática de governo não deve ser tomada como obviamente a pior. A fórmula "o mal menor" é um ardil propagandístico. A democracia não é o mal menor... talvez não seja o mal, talvez seja o mal. Tudo exige reconsideração.

27/12/2019

Claudio Mutti - Fenomenologia da Contra-Iniciação

por Claudio Mutti

(2015)



A "Contra-Iniciação" e seus Agentes

A melhor maneira de esclarecer preliminarmente o conceito guenoniano de "contra-iniciação" é apoiando-nos nos trechos mais significativos que o próprio René Guénon dedicou a este assunto:

"O termo 'contra-iniciação' - lemos no Reino da Quantidade - é verdadeiramente aquele que melhor convém para designar aquilo a que se referem, em conjunto e em diferentes níveis (...) os agentes humanos por cujo intermédio toma corpo a ação anti-tradicional (...). A 'contra-iniciação' (...) não é uma mera falsificação ilusória, mas algo de absolutamente real dentro de sua própria ordem, como demonstra perfeitamente a ação que ela exerce efetivamente; no mínimo não é uma falsificação para além do sentido em que imita necessariamente a iniciação como uma uma sombra invertida dela, apesar de que sua verdadeira intenção não é imitá-la, mas opor-se a ela. Por outro lado, uma tal pretensão é forçosamente vã, já que o domínio metafísico e espiritual, que está para além de todas as oposições, lhe está vedado; pode apenas limitar-se a ignorá-lo ou então a negá-lo, na absoluta impossibilidade de ultrapassar o "mundo intermediário", quer dizer, o âmbito psíquico, que é ademais, e em todos os sentidos o campo de influência privilegiado de Satanás, tanto na ordem humana quanto na ordem cósmica; mas não por isso desaparece a intenção ou o compromisso que implica seguir a trajetória inversa da iniciação. (...) Na medida em que ela não pode conduzir os seres até os estados ‘supra-humanos’, como a iniciação, nem limitar-se ao mero âmbito do humano, a ‘contra-iniciação’ os arrasta infalivelmente em direção ao ‘infra-humano’, sendo aqui precisamente onde se localiza o que lhe resta de poder efetivo."[1]

Em relação a este assunto, revestem-se de uma importância particular as cartas que René Guénon escreveu para Vasile Lovinescu (1905-1984) desde 9 de julho de 1934 até 28 de janeiro de 1940[2], cartas que pude recuperar em Bucareste há vinte e três anos atrás. Não obstante, ainda não foram encontradas as cartas enviadas por Lovinescu para Guénon, de modo que os fatos a que Guénon se refere não são sempre perfeitamente compreensíveis; mas, apesar disso, este epistolário guenoniano se torna muito valioso, pois em certa medida nos ilustra as modalidades operativas das forças contra-iniciáticas e nos introduz em situações históricas que parecem demonstrar as seguintes declarações do Reino da Quantidade: "Verdadeiramente notáveis são os esforços que a 'contra-iniciação' dedica à introdução de seus agentes nas organizações 'pseudo-iniciáticas' os quais tem a tarefa de 'inspirar' sem seu conhecimento os membros ordinários e, inclusive, com bastante frequência, os seus chefes aparentes, (...) as organizações 'pseudo-iniciáticas' são sem dúvida alguma as que mais atraem a atenção da 'contra-iniciação', fazendo dela objeto idôneo de seus esforços, pelo próprio fato de que a obra que essa se propõe seja sobretudo anti-tradicional."[3]

Particularmente, na mencionada correspondência com Lovinescu estão explicitamente identificados como agentes da contra-iniciação alguns personagens que desempenharam diferentes papéis na cena histórica do século XX.

22/12/2019

Jonathan Bowden - Yukio Mishima

por Jonathan Bowden 

(2011)



A vida de Mishima foi dedicada a um retorno do espírito dos samurais e a uma crença no livro de Yamamoto Jōchō, Hagakure, que é em parte a bíblia do século XVII da moralidade dos samurais, na qual a vida é transfigurada pela morte, e a noção de um guerreiro que também é um uma figura intelectual e literária, bem como um cruzado espiritual, um padre que mata, é primordial.

A cultura japonesa é distinta de quase todas as outras na Terra e ainda é difícil de entender e conceituar para muitos ocidentais. Uma das coisas mais flagrantes do Japão é que o material proibido no Ocidente está amplamente disponível, principalmente em termos de pornografia, em relação à qual existem muito poucas restrições. Mesmo no mangá, ou nos quadrinhos japoneses, que geralmente são incrivelmente rígidos e pesados em termos ocidentais.

O Japão é uma sociedade estranha, porque a dialética que opera nela é oposicional e altamente diferenciada em relação à do Ocidente. Provavelmente é verdade que as pessoas que se identificam na tradição ocidental têm usualmente admirado elementos do Japão, particularmente do Japão imperial. Há um grau em que não há tanto simetria quanto assimetria significativa pela qual os japoneses são percebidos como um povo que queria ser ele próprio à sua maneira.

O pensamento japonês é influenciado por ideias confucionistas, xintoístas, budistas, zen-budistas e taoístas, e uma mistura delas se encontra na base do que é ser japonês. Uma das visões principais é que a vida é dominada pelos espíritos dos ancestrais, e existe a noção de adoração aos ancestrais, que torna a família e a linha da herança de uma família extraordinariamente importantes. Esses espíritos são chamados kami e existe a noção de que eles podem intervir na sua vida concreta. Essas são ideias sobrenaturais, mas um dos truques da cultura japonesa, que é muito semelhante à Grécia antiga a esse respeito, é que todas as ordens de opinião podem aceitar essas crenças porque existem interpretações seculares e ateias desses sistemas de crenças, tal existem puramente religiosas. Como na Grécia antiga, uma mulher podia ajoelhar-se ou deitar-se diante da estátua de um deus, e, no entanto, intelectuais racionalistas da mesma civilização podiam considerar as histórias divinas inteiramente metafóricas. E, no entanto, todos seriam aceitos como gregos. E todos seriam aceitos como definições diferentes do que era ser grego ou membro de uma cidade-estado grega. Mishima, por exemplo, era obcecado pela Grécia, principalmente pela Grécia antiga, e incorporou muitas odes e ética gregas em seus livros.

20/12/2019

Reinaldo Laddaga - Uma Cidade para Poetas e Piratas

por Reinaldo Laddaga

(2015)



Sempre achei intrigante que as histórias canônicas da arte e da literatura do início do século XX, geralmente tão generosas em seu tratamento do surgimento do avantgarde histórico, nunca mencionassem seu desenvolvimento mais espetacular: a criação e o fracasso final da chamada Regência Italiana de Carnaro. De certa forma, essa omissão é compreensível. O que aconteceu entre 1919 e 1920 na cidade disputada de Fiume, quando - sob a liderança do escritor Gabriele D'Annunzio - uma aliança peculiar de soldados, artistas e aventureiros ocupou a cidade com a intenção inicial de anexá-la à Itália, complica a narrativa mais comum em que a arte moderna e a política progressista por natureza caminham juntas.[1] Mas, como observa o excelente “Modernismo e Fascismo” do historiador Roger Griffin, vários movimentos de vanguarda compartilhavam a aspiração do fascismo de curar o mundo (ou pelo menos a Europa) da anomia e da perda de vitalidade. Essas condições eram entendidas como subprodutos da modernidade e, particularmente no final de uma guerra que patenteou o fracasso da promessa da modernidade de progresso material e social. Ambos os movimentos propuseram um retorno, em meio à crise, a um espaço primordial onde os enviados de uma nova humanidade poderiam colher as sementes para um mundo futuro. Em Fiume, fascistas e dadaístas, futuristas e bolcheviques estiveram, por alguns meses, no mesmo campo.

17/12/2019

Alain de Benoist - A Terceira Era do Capitalismo

por Alain de Benoist

(2000)



Em um livro recente, Luc Boltanski e Eve Chiapello examinaram o modo pelo qual o capitalismo continuou a mobilizar milhões de indivíduos ao redor de uma causa que, porém, não tem qualquer finalidade fora de si mesma: a acumulação de capital. Tentando identificar as "crenças que contribuem para justificar a ordem capitalista e para apoiar, legitimando-as, os modos de ação e as disposições que são consistentes com ela", eles observam que em todas as épocas o capitalismo envolve uma figura básica, um elemento de excitação individual e um discurso de justificação em termos de bem geral. O que os leva a distinguir três períodos diferentes.

O primeiro capitalismo, que domina todo o século XIX, é encarnado pela "burguesia" tão bem descrita por Werner Sombart e pelo empreendedor ou capitão de indústria, que manifesta antes de tudo o gosto pelo risco e pela inovação. É um capitalismo patrimonial e familiar, em grande parte ligado às classes burguesas que exercem o poder. O elemento de excitação é representado pela vontade de descobrir e empreender. O discurso da legitimação se confunde com o culto ao progresso.

O Advento do Turbocapitalismo

O segundo capitalismo se desenvolve a partir dos anos trinta. É o das grandes empresas e do compromisso fordista, em que o proletariado renuncia progressivamente às críticas sociais em troca da garantia de ter acesso à classe média. O aumento dos salários favorece o consumo, o que reduz os conflitos. A figura emblemática desse segundo capitalismo é a do presidente do conselho de administração ou do diretor da empresa, juntamente com a do gerente superior. A excitação está na disposição da empresa de se desenvolver o máximo possível. O discurso de legitimação acentua o aumento do poder de compra, bem como a valorização do "mérito" e da competência. Esse período, que corresponde à era da redistribuição por parte do Estado assistencial, do keynesianismo e da expansão regular da classe média, termina ao mesmo tempo que os trinta anos de outro do pós-guerra, após a crise do petróleo de 1973.

A partir de então, entramos na "terceira era" do capitalismo, que corresponde à transição de um capitalismo ainda enquadrado para o capitalismo desenfreado do mundo atual, o "turbocapitalismo" de que fala Edward N. Luttwak. Sua figura essencial é a do chefe de planejamento (coach) ou do criador de redes (networker), que se limita a coordenar a atividade de unidades de duração limitada. Seus principais valores são autonomia, criatividade, mobilidade, iniciativa, convívio, desenvolvimento. O novo capitalismo envolve o princípio da hierarquia com um novo dispositivo de gestão de pessoas. Há cada vez menos "chefes" e mais e mais gerentes trabalhando em equipes. O gerente atento aos recursos humanos, adaptável, flexível, "comunicativo", substitui o dirigente rígido e planificador. O funcionário é móvel, com muito pouca lealdade à empresa que lhe dá trabalho. Devido à intensificação da concorrência, a empresa trabalha cada vez menos "em ambientes fechados". Transfere serviços para fora, alimentado pela precariedade. A empresa taylorista ou fordista gradualmente dá lugar à empresa de rede, um fenômeno que anda de mãos dadas com o surgimento de um mundo pós-moderno, essencialmente "conexionista". O elemento de excitação é o desenvolvimento de novas tecnologias. O discurso legitimador é o de uma "nova economia" que traria a humanidade a uma nova era de crescimento duradouro.

15/12/2019

Carlo Terracciano - A Doutrina das Três Libertações

por Carlo Terracciano

(2000)



“A liberdade anela, que é tão cara:
Sabe-o bem quem por ela a vida expele”.
(Dante Alighieri, Purgatório, Canto I, vv. 71-72)

Premissa

A liberdade é parte mesma da Essência e da existência de um homem, como de um povo; de todo homem e de todo povo enquanto tal.

Tanto isto é verdade que ela é hoje considerada um direito fundamental de todo cidadão e desde a mais remota antiguidade a diferença substancial entre os homens era exatamente representada pela faculdade ou impossibilidade de poder dispor livremente de si mesmo e dos próprios bens. Na ausência dessa faculdade, se caía em escravidão, na disponibilidade, portanto, de outros que podiam dispor segundo seu prazer e capricho da pessoa do escravo, podendo até privá-lo da própria vida.

A escravidão no mundo foi abolida oficialmente há menos de um século e meio, excetuando-se casos muito recentes, mas apenas para ser substituída por formas mais ocultas e sutis de dominação praticamente total e absoluta sobre os homens, os povos, as nações, continentes inteiros, até envolver todo o globo. Dominação militar, econômica, política, religiosa, psicológica, cultural e no dia de hoje até biológica, informática, ambiental, etc.

Sobre a natureza e o conteúdo da liberdade, seus limites tem sido pensados ao longo dos milênios pelos intelectos mais agudos dos “filósofos”, no sentido etimológico do termo.

As Três Libertações

A Doutrina das Três Libertações, que podemos também definir Doutrina da Libertação Integral, pretende tratar dos aspectos comunitários da liberdade do homem, entendido não como indivíduo singular, mas sim como Pessoa; não Mônada isolada e fechada, mas parte orgânica de um todo, membro ativo e consciente, funcional à Comunidade.

Ela trata, portanto, da Libertação Nacional, da Libertação Social e da Libertação Cultural. Partindo de uma visão tradicional anagógica, orgânica e holística da existência, pretende-se assim analisar a liberdade (ou a sua ausência) e os limites da mesma no que concerne os vários aspectos do Homem como ser social: indissoluvelmente ligado seja por vínculos de sangue, seja de cultura e de relações sociais, ou seja de História e de Geografia, aos próprios semelhantes naquela unidade viva que é a Comunidade de Destino, agente na história e no espaço vital geográfico.

08/12/2019

Sisto Cirioli - O Cesarismo de Benito Mussolini

por Sisto Cirioli

(2018)
 


O fascismo pode ser realmente compreendido como uma “entidade” política independente? Pode ser cindido da imensa figura de Benito Mussolini, encarnação por excelência do conceito de cesarismo?

É necessário, em primeiro lugar, de modo propedêutico, delinear os contornos principais do cesarismo. Por cesarismo (ou bonapartismo) entendemos um tipo particular de regime autoritário, ancorado na existência – física – de um líder indiscutido e estabelecido, mediante um ato juridicamente traumático, como reação a uma situação de crise profunda. O “césar” – homo novus, estranho à classe dirigente – é o clássico chefe carismático: celebrado como o homem do destino as honras que lhe são concedidas se assemelham à idolatria pagã. Ainda que os únicos modelos indiscutíveis de cesarismo sejam a ditadura de Caio Júlio César e o governo de Napoleão Bonaparte, imponentes perfis cesaristas podem ser encontrados nos regimes totalitários do século XX, associados por um eloquente fio condutor: o culto (nada menos que obsessivo) ao grande condutor.

03/12/2019

Ernst Jünger - As Memórias de Trótski

por Ernst Jünger

(1930)




1.

O estudo dessas memórias muito interessantes, disponíveis graças aos editores da S. Fischer, será mais fácil para quem sabe como olhar através dos olhos do autor. Trótski é um racionalista, embora um racionalista do tipo mais determinado, que de modo algum se contenta com a ordem das coisas como elas aparecem dentro dos limites do conhecimento. Em vez disso, ele está sempre pronto para realizar essa ordem no âmbito do Ser [diese Ordnung im Sein verwirklichen] - desde que as condições necessárias estejam presentes, isto é, se ele tiver o poder.

Pode parecer estranho associar esse nome, que está inseparavelmente ligado a um dos maiores processos de destruição da história moderna, à noção de ordem. E, no entanto, isso é justificado. Os leitores que possam ter certos preconceitos sobre a natureza da revolução russa, como os que são comuns em nosso país, ficarão surpresos ao encontrar uma mente precisa, educada em economia política, filosofia ocidental e na dialética da luta de classes, que em uma tarde de discussão provavelmente tem coisas interessantes a dizer sobre romances franceses, pinturas impressionistas e diferentes tipos de caça a patos também.

29/11/2019

José Alsina Calvés - Notas sobre a Geopolítica

por José Alsina Calvés

(2019)



Neste artigo introdutório à geopolítica, queremos discutir algumas questões relacionadas a esta disciplina.

Em primeiro lugar combater os erros e mentiras que certa propaganda de guerra se espalhou em algum momento sobre essa ciência. A geopolítica não faz parte da doutrina "nazista". Primeiro, porque suas origens são muito anteriores. Segundo, porque um de seus criadores, Halford Mackinder, era um inglês muito comprometido com a política externa do Império Britânico, a ponto de ser um dos ideólogos do Tratado de Versalhes. Terceiro, porque outro de seus criadores, o alemão Karl Haushofer (contrariamente ao que divulgou a imprensa britânica à época) não era o cérebro de Hitler, ao contrário, foi perseguido pelos nazistas, internado em Dachau e seu filho mais velho assassinado.

Mas em quarto lugar, e acima de tudo, porque a essência da doutrina nazista não era a geopolítica, mas a raciologia. As grandes decisões estratégicas que Hitler e seus colaboradores tomaram basearam-se em sua teoria da "raça ariana", segundo a qual a expansão da Alemanha seria realizada às custas dos povos eslavos, supostamente "raças inferiores", e devia-se buscar uma aliança com ingleses e franceses, que também eram da "raça ariana". Haushofer, com base em princípios geopolíticos, defendeu a aliança Alemanha-Rússia, seguindo a ideia de Mackinder de unir a Europa com o "Coração da Terra"; ele também defendeu o apoio alemão a povos subjugados pelo Império Britânico para que se rebelassem contra ele. Nenhuma dessas propostas agradou a Hitler, que desprezava os eslavos e que havia escrito no “Mein Kampf” que o Império Britânico e a Igreja Católica eram os principais bastiões da civilização ocidental. O verdadeiro ideólogo do nazismo não era Haushofer, mas Rosenberg, autor de “O Mito do Século XX”.

Outra questão interessante é o status epistemológico e gnoseológico da geopolítica: É uma ciência? É uma tecnologia? É um campo interdisciplinar? Quais são suas relações com outras disciplinas? À luz das possíveis respostas a essas perguntas, descreveremos uma pequena história da geopolítica. Por fim, analisaremos o possível papel da geopolítica na elaboração de um novo discurso na Teoria das Relações Internacionais e nos fundamentos teóricos de um mundo multipolar, como defendeu Aleksandr Dugin.

25/11/2019

Facundo Martín Quiroga - Transumanismo, Políticas de Gênero e Feminismo Ocidental

por Facundo Martín Quiroga

(2019)



O feminismo e as teorias de gênero, promovidas a partir do centro do poder acadêmico anglo-saxão, são elementos fundamentais da produção de uma ordem cuja apoteose é o transumanismo. Nesse mecanismo complexo, o progressismo esquerdista desempenha um papel fundamental. Os intelectuais progressistas estão determinados a convencer o resto da sociedade, neófita ou simplesmente indiferente, de que seus postulados têm um componente revolucionário e disruptivo. Hoje, mais do que nunca, as classes médias intelectuais de esquerda estão envolvidas em um papel central entre essas duas teorias e o transumanismo, incipiente nesta região, mas com grande aquiescência e desenvolvimento no norte global.

Construa um ser humano não mais superficial, mas diretamente supérfluo.

Trata-se disso.

20/11/2019

Aleksandr Dugin - Abstração e Diferenciação em Julius Evola

por Aleksandr Dugin

(2019)



A Inspiração do Último Evola

O primeiro opúsculo do Barão Julius Evola é chamado “Arte Abstrata” (1920)[1]. É uma obra juvenil, onde todavia é fácil entrever as principais linhas diretrizes deste autor, desta personalidade, deste mito. Conhecendo concorrentemente Julius Evola, a sua herança e o seu incrível destino, buscaremos inserir este pequeno opúsculo na monumental totalidade do seu pensamento.

Em um dos raros vídeos no qual aparece, Evola, já ancião, fala das suas simpatias dadaístas[2]. É impressionante ver como é vivaz, como brilham os seus olhos, como ele se inspira ao recordar o seu passado dadaísta, nos mínimos detalhes... Obviamente, ele amava tudo isso loucamente – e, de fato, ele se recorda disso com grande prazer. Seria divertido, em paralelo, ver o velho Guénon falar da sua poesia juvenil, dedicada às iniciações dos ciganos ou a uma certa reabilitação do diabo... Teriam seus olhos brilhado também? Não creio. Mas isto é algo que nunca saberemos...

Vamos, portanto, à “Arte Abstrata”. Por que abstrata? O que quer dizer Evola, o grande Evola, na sua totalidade, com a palavra “abstrata”?

15/11/2019

Sergio Fernández Riquelme – Três Acres e uma Vaca: O Distributismo ou A Opção Moral Radical da Economia Contemporânea

por Sergio Fernández Riquelme

(2012)



1 – Atrás das pistas do projeto distributista: da questão operária ao desenvolvimento humano

A economia, tal como a havia fundamental a Escola de Salamanca, havia deixado de ser uma ciência social a serviço do verdadeiro desenvolvimento humano. A industrialização, e seus “milagres técnicos”, a haviam convertido em uma idolatria capaz de substituir a vinculação tradicional do homem com seu entorno, material e espiritualmente, em benefício da planificação eficiente de um Mercado dominado pela plutocracia (sob o mito do “laissez-faire”) e da planificação burocrática de um Estado nas mãos de facções partidárias. Como ele captou com os reformistas agrários britânicos do final do século XIX, e em certa medida popularizou G.K. Chesterton (1874-1976), “three acres and a cow” eram suficientes para tornar o homem independente do salário fabril e do impulso estatal, e ligado à herança de seus antepassados e à terra natal (Chesterton, 2006).

Este foi o diagnóstico comum a uma geração de pensadores anglossaxões que, no início do século XX, fundaram uma doutrina econômica de claras conotações político-sociais, como foi o distributismo. Uma geração liderada por Hilaire Belloc (1870-1953) e o próprio G.K. Chesterton, marcadamente heterodoxa ao questionar os dogmas liberal-capitalistas na pátria pioneira da Revolução Industrial e do colonialismo moderno (através de seu apoio ao socialismo de guilda), e ao assumirem, mediante sua conversão, os postulados da nascente Doutrina Social Católica em um país oficialmente anglicano (Fernández Riquelme, 2009).

10/11/2019

Flaminia Incecchi – A Estética da Guerra no Pensamento de Giovanni Gentile e Carl Schmitt

por Flaminia Incecchi

(2018)



Introdução[1]

Esta nota de pesquisa é um rascunho preliminar de minha pesquisa doutoral. O objetivo do projeto é estabelecer um diálogo entre Giovanni Gentile (1875-1944) e Carl Schmitt (1888-1985). O diálogo que eu quero apresentar, se apoia em várias comunalidades entre os dois pensadores, tanto biográficas como intelectuais. Tanto Schmitt como Gentile estiveram envolvidos com os regimes nazista e fascista, Schmitt como jurista e Gentile como reformador e Ministro da Educação. Intelectualmente, eles partilham de vários traços: afiliações teóricas e interesses, bem como críticas a abordagens e tradições similares. Os dois pensadores enfatizam a concretude, bem como um interesse na história conceitual. Ainda que por motivos diferentes, Schmitt e Gentile foram extremamente críticos do positivismo, do liberalismo, do mecanicismo, de quaisquer teorias que adotem uma abordagem intelectualista (transcendental) da política e do direito (Schmitt), e da filosofia (Gentile). O diálogo leva a uma comparação de suas interpretações da guerra, que eu analiso através de uma moldura oferecida pela estética. No que segue, eu forneço uma breve apresentação de Gentile, seguida por um rascunho de minha leitura das interpretações da guerra feitas por Schmitt e Gentile, e para onde eu estou apontando no seu uso da estética.

06/11/2019

Felipe Nogueira – A Geopolítica da Distopia: O Totalitarismo de Orwell do ponto de vista da Teoria do Mundo Multipolar

por Felipe Nogueira

(2018)



1. RESUMO

O presente trabalho é uma leitura do romance 1984 de George Orwell do ponto de vista da Teoria do Mundo Multipolar (TMM) desenvolvida pelo filósofo político russo Aleksandr Dugin. Buscamos compreender a formação e a configuração geopolítica dos superestados da distopia orwelliana à luz dos pontos chaves da TMM. Comparamos o modelo de mundo multipolar proposto por Dugin com a multipolaridade da distopia orwelliana, evidenciando suas similaridades e divergências. Concluímos que a multipolaridade orwelliana não é uma multipolaridade no sentido da TMM, que propõe ao mundo multipolar a formação de blocos geopolíticos assentados sobre valores civilizacionais comuns a grandes espaços geográficos. Em vez disso, os superestados orwellianos se baseiam sobre ideologias totalitárias que possuem origem nos valores modernos universalizantes do Ocidente, criticados por Dugin como a origem dos totalitarismos e imperialismo ocidentais. Tais valores, argumentamos, poderiam levar a uma distopia futura similar à apresentada em 1984.

02/11/2019

Adriano Erriguel - A Desconstrução da Esquerda Pós-Moderna

por Adriano Erriguel

(2018)



Toda luta pela hegemonia política começa por uma definição do inimigo. Mas sendo a política o âmbito, por excelência, do antagonismo, é claro que essas definições nunca podem ser neutras. Não estamos aqui no campo da probidade intelectual, nem no das pautas verificáveis de objetividade e precisão. Toda luta política aspira mobilizar um capital emocional, se apoia em recursos retóricos, tenta arrastar o antagonista para um terreno de jogo arranjado. Nesse contexto, aquele que determina os códigos linguísticos venceu a partida. Não em vão, a hegemonia consiste precisamente nisso: em um jogo. Ou mais exatamente, em jogos de linguagem.

O pensamento hegemônico de nossos dias – tudo isso que o politólogo norte-americano John Fonte batizava há anos como progressismo transnacional – impôs de forma esmagadora sua definição do inimigo. Todo aquele que se enfrente a sua visão messiânica do futuro – um mundo pós-nacional de cidadania global, no qual uma governança mundial deslocará as soberanias nacionais – se verá imediatamente apelidado de reacionário, de ultraconservador ou de populista, quando não de algo pior. [1]

Cabem poucas dúvidas: no debate público atual quase todas as cartas estão marcadas. Ainda que a linguagem nunca seja neutra, hoje ela está mais enviesada do que nunca. Poucos diagnósticos mais errôneos – entre os formulados no século XX – do que aquele que profetizava o “fim das ideologias”. Hoje a ideologia está por todas as partes. A prova é que assistimos à imposição de uma linguagem extremamente ideologizada, ainda que de forma sub-reptícia e com o nobre aval de poderes e instituições.

Uma linguagem ideologizada? Ainda que por sua onipresença pareça invisível, essa linguagem existe e é o instrumento de uma sociedade de controle. O controle começa sempre pelo uso das palavras.

Que tipo de palavras? Como se organizam?

28/10/2019

Alberto Buela – Uma Leitura da Carta sobre o Humanismo de Martin Heidegger

por Alberto Buela

(2019)



Com Silvio Maresca temos feito, por televisão, um programa chamado “Disenso”, sobre metapolítica e filosofia, desde 2012, o qual pode ser consultado por youtube. E depois de ter entrevistado a quase todos que tentam fazer filosofia na Argentina (se sobrou alguém, o convidamos a participar), passamos a nos ocupar de temas filosóficos e este comentário é um deles.

A Carta, escrita em 1946 e publicada em 1947, é uma resposta a três perguntas realizadas pelo professor Jean Beaufret quando terminava a Segunda Guerra Mundial.

A primeira é: Como dar sentido outra vez à palavra humanismo? A resposta a esta pergunta ocupa a maior parte da Carta, que chega em minha edição até a página 54. A segunda é: É possível a relação entre a ontologia e a ética, que chega à página 66 e a terceira é: Como salvar o elemento de “aventura” que pressupõe toda investigação sem fazer da filosofia um simples “aventureirismo”?, que ocupa as duas últimas páginas do opúsculo.

Vemos como as respostas às perguntas não estão em proporção uma com a outra e é a dimensão da primeira resposta que dá título à Carta.

Heidegger começa a Carta como se fosse Aristóteles: a essência do obrar é o levar a cabo. Levar a cabo quer dizer: desdobrar algo na plenitude de sua essência, conduzir este algo a sua plenitude, producere.

Heidegger começa como termina, quando fala do pensar e afirma que sua trindade é: “o rigor da reflexão, a cuidadosa solicitude do dizer e a sobriedade da palavra”. A clareza com que começa e termina envolve um texto livre onde Heidegger “heideggereia” de uma maneira que lhe é bastante própria.

23/10/2019

ARPLAN - Peregrinos no Vazio: O Partido Comunista Alemão, o Nacional-Bolchevismo e a “Linha Schlageter”

por ARPLAN

(2018)



A Ocupação do Ruhr

Em 11 de janeiro de 1923, várias fileiras de tropas francesas e belgas marcharam pela Renânia desmilitarizada rumo ao Vale do Ruhr. "Estamos buscando carvão", anunciou o primeiro-ministro francês Poincaré, e isso, pelo menos na superfície, fornecia a justificativa oficial para a ocupação agressiva do Ruhr. A Alemanha havia repetidamente falhado nos pagamentos de reparações exigidos pelo Tratado de Versalhes;  devia à França 200 mil metros de postes telegráficos e vários milhões de marcos de ouro em carvão; e assim 70 mil soldados estrangeiros entraram no coração industrial da Alemanha.

O povo alemão, no entanto, suspeitava que motivos mais cínicos estavam levando os engenheiros e administradores gauleses que estavam agora, sob proteção militar, a confiscar recursos alemães para exportação forçada para o Ocidente. A aversão de Poincaré pela nação alemã era infame, assim como as ambições territoriais francesas na Renânia; aos olhos de muitos alemães, o verdadeiro propósito da ação franco-belga não era “buscar carvão”, mas aleijar permanentemente e desmembrar o corpo ferido da nação alemã.

Ironicamente, a tentativa da França e da Bélgica de enfraquecer a nascente República Alemã criou uma frente unida de resistência, alimentando as chamas do nacionalismo alemão. Não há meios mais eficazes de inflamar uma onda de patriotismo do que uma invasão estrangeira, particularmente em uma nação que já sofre com as humilhantes feridas da rendição, da dívida de guerra, da instabilidade política e de uma crescente hiperinflação. A conseqüência imediata da ocupação foi o reagrupamento dos segmentos da sociedade alemã que, até o barulho das botas francesas e belgas vagando pelas estradas renanas chegarem aos seus ouvidos, estavam na garganta uns dos outros.

O Chanceler Wilhelm Cuno, da centro-direita, declarou seu apoio a uma campanha de resistência passiva local. Os industriais alemães recusaram-se a entregar as remessas exigidas de carvão. Os social-democratas organizaram greves e manifestações. Os sindicatos se uniram às associações de empregadores para levantar fundos para trabalhadores engajados em ações industriais. E os nacionalistas radicais – veteranos dos Freikorps, ativistas völkisch e Verbänden patrióticos, muitas vezes apoiados clandestinamente pelo exército – se envolveram em atos de represália violenta, retaliando contra massacres, prisões e buscas domiciliares conduzidas pelas forças de ocupação francesas com seus próprios atos de sabotagem, assassinato e terrorismo.

16/10/2019

Aleksandr Dugin – O Advento do Robô (História e Decisão)

por Aleksandr Dugin

(2018)



Eu conversei mais ou menos recentemente com Francis Fukuyama, e chegamos à conclusão de que a definição da democracia como o poder da maioria é obsoleta, velha e pouco funcional. A nova definição da democracia, segundo Fukuyama, é o poder das minorias dirigido contra a maioria. Porque a maioria pode ser populista – portanto, a maioria é perigosa.

09/10/2019

Carlo Giuliano Manfredi - O Mito Solsticial

por Carlo Giuliano Manfredi

(2018)



Deixe-me ir
Do Não-Ser ao Ser
Das Trevas à Luz
Da Morte à Imortalidade
(Brihad Aranyaka Upanishad)

Quando o ano chega ao término, vive-se um momento de passagem dos mais dramáticos, e paradoxais, de todo o ciclo natural das estações (como manifestações das leis que regulam aquela realidade física estruturada pelo nascimento, crescimento, amadurecimento e morte).

Que a escuridão reina soberana, as noites se alongam e a luz parece vencida, todavia no momento em que esta última parece extinguir-se totalmente e o mundo das trevas festeja o próprio triunfo, enquanto tudo parece perdido, na manhã de 21 de dezembro ocorre uma reviravolta da situação, é o evento do Solstício de Inverno (do latim, solstitium “sol” e “que não se mexe”).

04/10/2019

Carlos Xavier Blanco - O Espelho Russo: Europa e a Alma do Oriente

por Carlos Javier Blanco Martin

(2018)



Finalmente contamos novamente, em nossa língua espanhola, com o trabalho de Walter Schubart (1897-1942), Europa e a Alma do Oriente.

Este pensador, filósofo, eslavista, teólogo, é muito pouco conhecido em nosso país. Ele era um alemão báltico, um "ocidental no Oriente", e isso é um fato em si mesmo: é preciso levar em conta que os teutões se expandiram em direção ao leste, em direção ao que hoje é a Rússia e os países bálticos, desde os tempos medievais, contribuindo grandemente para a cultura dessas nações e deixando bolsões de população germânica, bolsões que as tragédias da guerra e os inevitáveis reajustamentos de fronteiras na Europa modificaram notavelmente. Schubart, de origem teutônica, no entanto, era muito próximo, geograficamente e psiquicamente, da grande Rússia.

Schubart é um filósofo, parece, destinado a ser uma ponte. A ponte entre o Ocidente, que está imerso na ruína e na decadência, e um Oriente que vê como promessa e salvação do europeu. O Ocidente e sua terra natal, a Alemanha, estão condenados. Não apenas o hitlerismo, mas também as forças liberais e "democráticas" que irão combatê-lo na Segunda Guerra Mundial são sintomas de uma perda da alma.

O europeu medieval era "o homem gótico". Em sua versão degenerada, o homem gótico tornou-se por volta do século XVI em "homem prometéico". O homem prometéico que desafia os deuses, querendo roubar seu fogo, que é basicamente o pecado de hybris, de insolência, falando como grego. O olhar esperançoso de Schubart, eslavista por formação, filósofo das culturas e religiões, se põe sobre a Rússia, a Grande Mãe dos povos eslavos que pode ser um dia, uma vez superado o episódio do bolchevismo, a salvação desse “homem prometeico", que é um tipo de homem degenerado e seduzido pelo dinheiro e pela técnica. A mãe Rússia vai resgatar o potro desenfreado da Europa Ocidental, prestes a despencar por pura loucura. Mas o germano-balto que foge de um nazismo que se expande para o leste, casado com uma judia, cairá cara a cara com o bolchevismo, cujas garras causarão sua morte. Um campo de prisioneiros no Cazaquistão será o lugar onde Walter e sua esposa Vera desaparecerão.

A partir dessas linhas animamos à leitura do livro que a Ediciones Fides volta a apresentar para o público que lê na língua de Cervantes. Animamos também a que se empreendam investigações em espanhol sobre um filósofo tão pouco conhecido, pelo menos em nossa língua.

29/09/2019

Alexander Wolfheze - O Vermelho e o Negro: Uma Introdução ao Eurasianismo

por Alexander Wolfheze

(2017)



Prólogo: Três Cores

Sur Bruxelles, au pied de l’archange,
Ton saint drapeau pour jamais est planté
[Sobre Bruxelas, aos pés do arcanjo,
Teu sagrado estandarte foi plantado por toda a eternidade][1]
- La Brabançonne

Uma tempestade de magnitude sem precedentes está lentamente tomando forma no horizonte histórico-cultural do Ocidente pós-moderno: com o clímax que se aproxima da Crise do Ocidente Moderno - mais precisamente descrito por Jason Jorjani como o iminente 'Estado Mundial de Emergência' - a perspectiva de uma "Revolução Arqueofuturista" também paira no horizonte.[2] O movimento patriótico-identitário que atualmente está apresentando rápido crescimento em todo o mundo ocidental pode ser visto como o precursor da "ave-da-tempestade" desta Revolução Arqueofuturista. [3]É importante que este movimento formule estratégias metapolíticas efetivas em preparação para a iminente falência sociopolítica da atual ordem mundial globalista (duplo neoliberal/cultural-marxista). O mais antigo discurso meta-histórico disponível para esse movimento é o tradicionalismo. A única visão geopolítica global que atualmente incorpora um elemento substancial do tradicionalismo é o eurasianismo. Este ensaio tem como objetivo fornecer uma introdução ao neo-eurasianismo de inspiração tradicionalista que é mais sucintamente expresso no trabalho do filósofo e editor russo Aleksandr Dugin. Além disso, no entanto, este ensaio tem como objetivo apontar que o pensamento e a escrita tradicionalistas autênticos também estão se produzindo nos Países Baixos, mesmo que ele seja obscurecido pela (auto) censura politicamente correta do mecanismo de revisão acadêmica e pela mídia do sistema. Este ensaio é dedicado ao escritor mais eminente - e com mais tempo de serviço - do tradicionalismo tipicamente autônomo que prospera nos Países Baixos: Robert Steuckers. Recentemente, ele publicou um trabalho enciclopédico sobre as origens, a história e o estado atual da civilização européia: seu tríptico Europa constitui um tour de force intelectual de profundidade e largura que será impossível sufocar no “encobertamento” politicamente correto que é a arma preferida dos publicistas (auto)censores do sistema. Europa está escrito em francês e até agora não foi traduzido para o inglês; o lamentável declínio do ensino da língua francesa em todo o Ocidente torna-o, portanto, inacessível a grande parte de seu principal público-alvo: a vanguarda intelectual, patriota e identitária da jovem Europa. Ao longo de todo o mundo ocidental, esta geração identitária está se preparando para a batalha definitiva por sua herança altamente ameaçada: sua terra natal ocidental - e a própria civilização ocidental. Este ensaio visa (de certa forma) mitigar essa inacessibilidade, transmitindo a um público não francófono, pelo menos, alguns dos conhecimentos que Steuckers apresenta em Europa. Na avaliação do revisor supramencionado, a Europa de Steuckers é uma jóia - um pequeno reflexo da Aurora Dourada ao qual o Tradicionalismo e o Eurasianismo apelam. Assim, a Bélgica - e Bruxelas - tem mais a oferecer do que a falsificada "Europa" da UE: ela também oferece a visão Arqueofuturista da Europa de Robert Steuckers. Portanto, este ensaio não é dedicado apenas ao próprio Steuckers, mas também ao seu país: a Bélgica.

Embora a orientação (franco-revolucionária) e as cores (heráldico-tradicionais) da bandeira belga sejam historicamente previsíveis para qualquer pessoa familiarizada com a gênese única do Estado belga, ela ainda é muito incomum em um aspecto. Talvez suas proporções estranhas - quase quadradas (13:15) - reflitam a particularidade histórica da configuração geopolítica da Bélgica: efetivamente, a Bélgica representa uma restgebied ou “sobra” histórico-cultural, que foi legalmente estabelecida como uma "zona tampão" soberana em nome do compromisso de "equilíbrio de poder" do início do século XIX entre a Grã-Bretanha, a França e a Prússia. Somente em termos de cores, a bandeira belga pode reivindicar um pedigree autenticamente tradicional (ou seja, duplamente histórico e simbólico). Entre a cor vermelho-sangue das províncias continentais de Luxemburgo, Hainaut e Limburg e a cor negra da poderosa província costeira da Flandres, ela mostra o amarelo-ouro da próspera província de Brabant, com a sua capital Bruxelas, que tem sido a sede administrativa do poder pan-europeu do pré-moderno estado da Borgonha até a União Européia pós-moderna. O vermelho e o negro belgas têm a mesma carga heráldico-simbólica que o vermelho e negro eurasianos: em ambos, vermelho é a cor do poder mundano (Nobreza, Exército) e negro é a cor do poder do outro mundo (Igreja, Clero). Na visão holística do eurasianismo tradicionalista, essas cores necessariamente se complementam: juntas, elas representam a combinação intimidante da tempestade (Dilúvio divinamente ordenado) e da guerra (Guerra Santa divinamente ordenada) que se aproximam. Até hoje, todo mundo sabe que a bandeira vermelha e negra representa a revolução, mesmo que os ideólogos “justiceiros sociais” não reconheçam a direção verdadeira e reversa de cada re-volução autêntica (em suma: a Revolução Arqueofuturista). Entre o vermelho-sangue e o negro-sable belgas encontra-se a cor que pode ser considerada como estando em virtual "ocultação" no eurasianismo: o amarelo-ouro que tem a carga heráldico-simbólica da luz celestial e da Aurora Dourada - e assim do próprio tradicionalismo. Um pequeno raio dessa luz nos vem de Brabant, na Europa de Steuckers.

18/09/2019

Ramiro Ledesma Ramos - O Indivíduo Está Morto

por Ramiro Ledesma Ramos

(1931)



Distingue cada época uma concepção de mundo peculiar, que é a chave de todas as valorações que nela se façam. O homem exalta hoje o que ontem desprezaram seus avós, e vice-versa. Isso, que se poderia atribuir à frívola caducidade dos valores, a relativismo ético e político, é, não obstante, a própria raiz da história, onde se denuncia e aparece a objetividade e continuidade da história. 

Com grande frequência se ouvem hoje longos lamentos em honra do indivíduo, categoria política que se escapa sem remédio. Uma rápida análise da nova política surgida no pós-guerra assinala o fato notório de que o indivíduo foi despojado da significação e importância política de que antes dispunha. O fenômeno é de tal nível, que guarda o segredo das novas rotas políticas, e quem não consiga compreendê-lo com integridade, está condenado a ser um espectador cego das façanhas dessa época. Acontece que um dia o mundo descobriu que todas as suas instituições políticas padeciam de um vício radical de ineficácia. Provocavam um divórcio entre a suprema entidade pública – o Estado – e os imperativos sociais e econômicos do povo. O Estado havia ficado para trás, fiel a vigências anacrônicas, recebendo seus poderes de fontes desvitalizadas e alheias aos tempos. O Estado liberal era um sortilégio concebido para realizar fins particulares, do indivíduo. Sua aspiração mais elevada era não servir de estorvo, deixar que o indivíduo, o burguês, capturasse a felicidade egoísta de sua pessoa. 

12/09/2019

Nikolai Smirnov - Eurasianismo de Esquerda e Teoria Pós-Colonial

por Nikolai Smirnov

(2019)



Neste artigo, argumento que devemos considerar o eurasianismo como uma experiência inicial no pós-colonialismo. A principal preocupação de ambas as ideologias é a relação entre o relativismo cultural e o universalismo. Eu examino o projeto eurasianista de esquerda como uma ideologia que enfatiza o papel crucial da Rússia na construção do socialismo internacional e como um exemplo do radicalismo filosófico russo que tentou casar o universal com o particular através do messiânico.

O eurasianismo foi uma corrente filosófica e política que emergiu na década de 1920 entre a diáspora russa na Europa. Criticando radicalmente a hegemonia cultural européia, o eurasianismo posteriormente tentou elaborar uma teoria da identidade russo-eurasiana e uma missão universal, alcançando seu auge nas décadas de 1920 e 1930.

31/08/2019

Archie Munro - O Mito do Homossexualismo na Grécia Antiga

por Archie Munro

(2018)



A crença de que a sociedade grega antiga mantinha uma atitude indulgente em relação à homossexualidade – particularmente à pederastia – é amplamente sustentada, tanto dentro como fora de círculos nacionalistas. Greg Johnson, por exemplo, diz:

“A pederastia homossexual, que ainda permanece um tabu em nossa cultura, era amplamente praticada pelos antigos povos arianos do mundo mediterrâneo. Persas, gregos e romanos todos a praticava, incluindo alguns dos homens mais viris na história e na lenda, como Aquiles e Alexandre o Grande”.

“Não há dúvidas de que não apenas o comportamento homossexual era tolerado por antigos povos arianos, como de que ele era considerado normal, e até ideal em alguns casos. Ele é atribuído aos deuses (Zeus e Ganimedes) e elogiado por poetas, filósofos e historiadores. É difícil sustentar atitudes judaicas odiosas em relação à homossexualidade se compreendermos e apreciarmos a grandeza da civilização clássica pagã. [...] Homofóbicos estão nas mãos da Judiaria mesmo sem saber”.

Adonis Georgiades discorda. Ele é o atual vice-presidente do partido grego Nova Democracia e um homem de convicções socialmente conservadoras, ainda que economicamente liberais (por exemplo, ele votou a favor do notório ‘segundo memorando’ no Parlamento Grego). Seu livro de 2004, “Homossexualidade na Grécia Antiga: O Mito está Colapsando”, é uma revisão polêmica da evidência. Para Georgiades, a evidência demonstra que a homossexualidade não era considerada aceitável, muito menos “ideal”, na Grécia antiga. As fontes que ele examina incluem, mas não se limitam às seguintes.

Mitologia grega;
Obras de poetas cômicos atenienses, como Aristófanes;
Ilustrações cerâmicas;
Legislação de Atenas e Esparta como encontradas nas descrições de vários autores antigos dos costumes sexuais espartanos, como Plutarco;
O processo judicial mal sucedido de Timarco e Demóstenes contra Ésquines;
O processo judicial de Ésquines contra Timarco.

Crucialmente, Georgiades também considera a tradução de dois pares de palavras do grego antigo. O primeiro, examinado principalmente à luz das obras de Platão e Xenofonte, é erastes-eromenos. Este par é convencionalmente, mas segundo Georgiades, problematicamente traduzido no inglês como “amantes-amado”. O segundo é a distinção entre os termos pornos (“prostituto”) e hetairos (“acompanhante masculino”). Como o livro demonstra, essa segunda distinção é particularmente relevante para o processo Ésquines vs Timarco mencionado acima. O processo vencido por Ésquines indica que – pelo menos em Atenas – mesmo a conduta homossexual não-remunerada era suficiente para expor o praticante ao risco de perder seus direitos civis. Eu retornarei depois à análise que Georgiades faz das fontes primárias.

Minha impressão geral, como não-especialista, é que as conclusões de Georgiades são sensatas, originais e dignas de serem lidas por um público mais amplo. Talvez o principal problema do livro seja a baixa qualidade da tradução e da revisão. O meu propósito aqui, porém, não é revisar exaustivamente o livro. Ao invés disso, eu vou resumir seus principais argumentos e então tentar iluminar o seu tema mais interessante, ainda que não inteiramente explícito: relações “pederásticas” na Grécia antiga, longe de serem motivadas pelos impulsos sexuais de homens mais velhos por homens mais jovens, eram um aspecto do que Kevin MacDonald poderia chamar de estratégia evolutiva grupal da pólis grega. Os homens da Grécia antiga não viviam em uma névoa freudiana; eles estavam preocupados com a identificação de uma realidade transcendente e com sua aplicação em sua comunidade, em prol do bem comum. Eu explicarei adiante o que quero dizer com isso. Primeiro, porém, eu escrevo um pouco sobre minhas motivações ao escrever esse artigo.

18/08/2019

Manifesto da Nouvelle Résistance

(1991)



“Fazei da causa do povo a causa da nação, e a causa da nação será a causa do povo”. – Lênin

Este texto é dedicado a:

Nanni de Angelis, assassinado pela polícia política italiana
Jacques Arthuys, morto em um campo de concentração alemão.
Nicola Bombacci, assassinado pelas milícias da “resistência” italiana.
Roger Coudroy, caído em combate na Palestina ocupada.
Rudolf Formis, assassinado pela Gestapo.
Manuel Hedilla, condenado a 30 anos de prisão pela Frente Popular Espanhola, condenado à morte pela reação franquista.
Francesco Mangiameli, assassinado pela polícia política italiana.
José Pérez de Cabo, assassinado pela reação franquista.
Haro Schultze-Boysen, condenado à morte e enforcado por ordem da reação hitlerista.
George Valois, morto em um campo de concentração.
Fritz Wolffheim, morto em um campo de concentração.
Francis Parker Yockey, assassinado pelo FBI.

E a todos aqueles que caíram pela causa do povo e da nação.

“Todas as forças revolucionárias dentro de um mesmo Estado estão ligadas invisivelmente, apesar de sua mútua oposição. A ordem é sua inimiga comum”. – Ernst Jünger

“Somos um pequeno grupo compacto, seguimos um caminho íngreme e difícil, segurando com força as mãos uns dos outros. Em todas as partes estamos cercados por inimigos, e temos que caminhar quase sempre sob fogo. Nos unimos em virtude de uma decisão tomada livremente, para combater o inimigo e não sucumbir ao lamaçal vizinho, cujos hóspedes, desde o começo, nos acusarem de ter formado um grupo separado e de termos preferido o caminho da luta ao caminho da reconciliação”. – Lênin

“É impossível justificar o nacionalismo no marco da sociedade capitalista. Hoje não pode haver nacionalismo, ou seja, consciência da continuidade viva da nação, que não seja simultaneamente revolucionário”. – Thierry Maulnier

“Não somos nem de direita, nem de esquerda, mas se precisamos ser situados em termos parlamentares, reiteramos que estamos a meio caminho entre a extrema-esquerda e a extrema-direita, por trás do presidente, de costas para a Assembleia”. – Arnaud Dandieu

“Ser de esquerda ou de direita é escolher uma das inúmeras maneiras que o homem tem de ser um imbecil; ambas são formas de hemiplegia moral”. – José Ortega y Gasset

Introdução

Um projeto nacional-revolucionário para a Europa comporta uma análise global da situação do mundo, que deve constituir a base de nossa estratégia e orientar nossas perspectivas.

Avaliação Internacional

Durante a última década a evolução do mundo se produziu de uma maneira realmente inesperada. O colapso do bloco comunista europeu e a desintegração da URSS, ocasionaram o quase desaparecimento dos países revolucionários do Terceiro Mundo. A Nova Ordem Mundial imposta pelo sistema, protagonizada pelo governo ianque, parece ter triunfado para um longo período e soube esmagar seus poucos adversários legitimando este esmagamento em nome da moral (Panamá, Iraque).

O desaparecimento do bloco comunista europeu não faz senão pressagiar, ao que parece, a generalização de uma economia liberal ou paraliberal (com todas as suas consequências: exploração, pobreza, desemprego, etc.) na totalidade da Eurásia.

O panorama é extremamente escuro, mas não devemos perder a esperança. Em primeiro lugar, a queda do comunismo nos demonstrou que nenhuma situação política, por fossilizada que pareça, é inevitável. Dois fenômenos de idêntica reação ligados à terra e ao sangue (os verdes e os nacionalistas) conservaram – ou reencontraram – no conjunto da Europa (ainda que também em outras partes do globo) o apoio de uma parte importante da população. Isso tem uma grande importância, ainda quando essas reações tem uma tendência a se dirigir a becos sem saída (nacionalismo reacionário ou chauvinista, integrismo religioso, etc.), pois um percentual nada desprezível da população se ocupa de valores próximos aos nossos, podendo assim obstaculizar a dominação do sistema.

Quem somos? Pelo que lutamos?

06/08/2019

François Duprat - Manifesto Nacionalista Revolucionário

por François Duprat

(1978)



Nossa situação política impõe uma revisão drástica de nossos temas e de nossos métodos de ação, mas não basta, dessa vez, nos limitarmos a uma crítica, por mais fácil que seja, das experiências anteriores.

É impressionante constatar que nossas linhas de reflexão estão fundadas exclusivamente na história dos movimentos nacionalistas franceses, apesar de nossas profissões de fé anti-chauvinistas e “europeias”. Nós negligenciamos sistematicamente o aporte, passado mas também presente, de movimentos infinitamente mais importantes que os nossos, sob o pretexto de uma “especificidade nacional”.

É certo que cada país tem uma vocação particular e não podemos impor sobre um lugar os métodos de ação adaptados a outras estruturas. Mas não devemos exagerar essa dificuldade. É a incrível ignorância em relação à História e as atualidades dos chefes nacionalistas franceses que conduziu a esse estado de coisas. 

É, por isso, possível adentrar a escola de outras organizações nacionalistas, fazendo o esforço de adaptação assegurando a interpretação adequada da estratégia e da tática seguidas por estes movimentos.

O programa de ação nacionalista, que é apresentado aqui, é resultado direto dessa tomada de consciência: o nacionalismo revolucionário representa um valor universal que cada povo descobre com suas próprias modalidades, enquanto se apega a um fundo comum.

A nossa tarefa é a de definir esta “Via francesa para a Revolução Nacionalista”, a única possibilidade que existe para a nossa causa lutar pela vitória e não por novas derrotas!

31/07/2019

Daniele Perra – Ernst Niekisch e o “Reino dos Demônios”

por Daniele Perra

(2018)



Para muitos, o nome de Ernst Niekisch não dirá nada. Não obstante, junto a Karl Otto Paetel ele é considerado o pai de uma corrente política particular, a do nacional-bolchevismo, a qual, a partir dos anos 90 do século passado, graças aos seus intérpretes pelo menos um pouco hiperbólicos como o filósofo Aleksandr Dugin e o controverso escritor Eduard Limonov, conheceu um razoável sucesso na Rússia da deplorável Era Iéltsin. A Niekisch, ademais, o pensador francês Alain de Benoist dedicou toda uma seção do seu livro “Quatro Figuras da Revolução Conservadora Alemã”.

O esquecimento a que o homem e seu pensamento foram relegados tanto em vida como post mortem possui uma razão bastante precisa. Niekisch e seu pensamento eram e são ainda perigosos. Este original pensador alemão, de fato, no curso da sua vida, conseguiu viver em primeira pessoa e se opôr vigorosamente a todas as três principais ideologias políticas do século XX: liberalismo, fascismo-nacional-socialismo e comunismo (ainda que, no último caso, a oposição surgiu de algumas divergências com o líder da República Democrática Alemã, Walter Ulbricht). E diferentemente do dissidente soviético bem mais famoso Aleksandr Solzhenitsyn (que dardejava contra a URSS e o Ocidente capitalista de sua casa norte-americana, lamentando que Hitler não tivesse matado o seu próprio povo), depois de ter passado alguns anos em um campo de prisioneiros nazista e reconhecendo o feitiço psicológico de que seu povo havia caído vítima, nunca chegou a desejar a destruição da sua pátria. 

22/07/2019

Nicolas Bonnal - René Guénon e o Gênio Anônimo dos Coletes Amarelos

por Nicolas Bonnal

(2018)



Discutindo sobre os Coletes Amarelos com um leitor erudito e entendido do Islã, me recordei desse belo capítulo do livro “O Reino da Quantidade e o Sinal dos Tempos”, onde o mestre (Guénon, então) evoca o gênio do anonimato dos tempos medievais, por exemplo, quando da construção das catedrais ou no âmbito dos ofícios.

Mas se em nossa época nós gostamos de nos curvar diante dos nomes gloriosos de pessoas, das falsas dinastias, das dinastias endinheiradas (petróleo saudita ou carros nazistas), das Gaga, dos Johnny e dos Macron, para não falar nos jogadores de futebol e nos intelectuais tidos por luminares do pensamento humano (como também o monstruoso “pensador” israelense Harari), nós detestamos os desdentados, os anônimos, os plebeus e os coletes amarelos. E aqueles que contornaram o sistema com todo o gênio plástico do povo-receptáculo. Eles não têm representantes, além daqueles que o canal BFM nomeou depois de tê-los fantasiado com coletes, e eles não são nada. Isso deixa o sistema louco, porque tudo se apoia nos delírios mentais das celebridades. O problema, para o sistema, é que os Coletes Amarelos, sem querer, deram razão a Debord e Robespierre.

11/07/2019

José Alsina Calvés - A Quarta Teoria Política do Filósofo Russo Aleksandr Dugin

por José Alsina Calvés

(2018)



No livro de Dugin, “A Quarta Teoria Política”, o filósofo russo insiste no caráter coletivo de sua criação, no sentido de que ela não é um sistema fechado, mas aberto às contribuições posteriores. No presente artigo tentaremos descrever e explicar, assim como avaliar, o mencionado livro de Dugin, o qual tomaremos como base de nosso trabalho. Segundo nossa compreensão, a QTP que Dugin expõe se fundamenta em um arcabouço teórico que consta de cinco elementos fundamentais:

1) Uma teoria da modernidade e de suas ideologias;
2) A pós-modernidade como mutação do liberalismo a neoliberalismo;
3) Uma teoria do tempo;
4) Uma fundamentação filosófica na ontologia de Heidegger;
5) A geopolítica dos grandes espaços.

Teoria da Modernidade

A QTP aparece como uma oposição radical à modernidade e a todas as suas manifestações, incluindo a atual implosão pós-moderna. A QTP se dirige a todas aquelas pessoas que sentem uma insatisfação radical diante da sociedade atual, suas mensagens e seus "valores”. Uma dissecação prévia da modernidade é o passo preparatório para a síntese e construção da QTP.

03/07/2019

Nicolas Gauthier – Entrevista com Alain de Benoist: Por que o Governo não entende a revolta dos Coletes Amarelos?

por Nicolas Gauthier

(2019)



N.G.: Você acha que já podemos fazer uma revisão da ação dos Coletes Amarelos?

A.B.: A melhor revisão que podemos fazer sobre ela é notar que ainda é muito cedo para fazer uma, porque o movimento está em curso e parece ter encontrado um segundo fôlego. Por quase três meses, apesar do gelo e do frio, apesar das tréguas do Natal, apesar dos mortos e feridos, apesar das baixas causadas pela brutalidade policial (mandíbulas quebradas, mãos destroçadas, pés esmagados, olhos perfurados, hemorragias cerebrais), apesar das críticas que tentaram sucessivamente apresentá-los como beaufs alcoólatras[1], nazistas (a "praga marrom") e criminosos, culpados, além disso, de arruinar o comércio, de dissuadir os turistas de virem para a França e até mesmo do “escândalo” de terem sabotado a abertura de liquidações, apesar de tudo isso, os Coletes Amarelos ainda estão aqui. Eles resistiram bem, não se dispersaram e a maioria dos franceses continua a aprovar sua ação. Esta é a confirmação de que esse movimento é diferente de qualquer outro.

19/06/2019

Free West Media - Entrevista com Alain de Benoist: A Europa é uma Colônia dos Mercados Financeiros

Entrevista concedida à Free West Media

(2019)



Qual o impacto da ocupação sobre os ocupados? O liberalismo reconhece apenas uma forma de soberania: a do indivíduo. Assim, povos, nações e culturas são vistos apenas como agregados de indivíduos cujas relações essenciais são reduzidas a contratos legais e trocas no mercado. Os europeus se tornaram consumidores na esfera anglo-americana - eles não são mais cidadãos de seus respectivos países, acredita Benoist.

Sr. de Benoist, o embaixador dos EUA em Berlim, escreveu cartas de chantagem há algumas semanas para empresas alemãs envolvidas na construção do Nord Stream 2. Os americanos estão certos em se sentir em posição de força por sobre a Alemanha e a Europa?

Benoist: Os americanos se sentem fortes porque sabem que os europeus são fracos. As notícias provam todos os dias que a União Europeia não é uma potência europeia, mas apenas um mercado europeu. Neste mercado, no entanto, os americanos têm uma vantagem significativa. Um dos princípios mais importantes é a extraterritorialidade da lei americana. Isso permite que Washington se defenda de operações e influências financeiras ou comerciais. Por exemplo, vários bancos franceses foram multados em bilhões de euros por não levar em conta as sanções dos EUA contra este ou aquele país.

Pergunta curta: Seria a Alemanha, a Europa - ou melhor, a UE - um “território ocupado”?

Benoist: Sim, podemos falar em um "território ocupado", mas o termo "ocupação" é ambíguo. Nós não estamos em um tipo brutal de heteronomia, mas em um condicionamento progressivo pelo chamado “soft power”. Pode-se falar também de “colonização” - mas de uma colonização que começou com a colonização de atitudes e valores.