28/03/2020

François Bousquet - Limonov: O Rock Star do Nacional-Bolchevismo

por François Bousquet

(2020)



“Nem todo mundo pode cantar,
Não é dado a todos
Cair como um pomo aos pés dos outros.
É essa a suprema confissão de um pilantra”

Esses versos são de Sergei Yesenin, um poeta tão profundo quanto a sua pátria: cossaco, camponês, mas também soviético.

Sim, de fato: nem todos sabem cantar. E cantar era justamente o que Eduard Limonov fazia de melhor – isso sem falar, obviamente, em seu tato com as mulheres e com a guerra. Suas mulheres – incluindo aquelas com quem se casou – foram indescritivelmente românticas, mas de um romantismo sombrio (cinco casamentos e, agora, um funeral), como se tivessem saído de uma pintura da Fronda ou de uma página do Corto Maltese, rodeadas pelos odores de canhão e de veneno sedutor. Quanto à guerra, ele prezava sua violência sem restrições. Canta, musa, a cólera de Eduard!

Curioso destino o dele. Ele permaneceu jovem até o fim, morrendo aos setenta e sete anos de idade na flor da idade. Mesmo velho, permaneceu tal como era no final da adolescência. Ele possuía o poder milagroso de não envelhecer, e isso graças aos favores da da genética e da poética. Até seus últimos dias, ele conservou assim essa inalterável juventude: Rimbaud das estepes na sola do vento; a pele ligeiramente enrugada e a energia febril dos sobreviventes presa ao corpo. Um sobrevivente: ele vinha sendo um sobrevivente desde aquele dia, em 2016, quando um cirurgião removeu um coágulo de sangue tão grande quanto um punho do seu cérebro flamejante. Ele relatou tudo isso em "E Seus Demônios" (2018): “Eu estava praticamente no outro mundo”.

Sim, ele veio de outro mundo, um mundo de velhos brezhnevianos, de ideais desbotados e de marechais senis e congestionados, dos quais ele foi o enfant terrible; duplamente dissidente: da gerontocracia soviética e do "Grande Hospício Ocidental" (1993).

25/03/2020

Daniele Perra - A Abordagem Confucionista ao COVID-19

por Daniele Perra

(2020)



Prefácio

Nestes dias de propagação global do novo coronavírus, vários analistas vêm identificando pelo menos duas estratégias distintas seguidas pelos Estados em às relações às regiões de contágio. A primeira, que remete ao chamado darwinismo social, é a linha adotada pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Brasil e, inicialmente, pela Alemanha. Ela se baseia numa espécie de “seleção natural” e supõe que a morte de milhares de pessoas é um fator de imunização potencial geral das massas. Obviamente, embora o novo coronavírus tenha mostrado uma taxa de mortalidade bastante reduzida (e isso, paradoxalmente, também é evidente no caso italiano, considerando os dados fornecidos pelo Istituto Superiore di Sanità em relação às mortes para pelo COVID-19 e àquelas por patologias anteriores mais graves), existe um teto de mortes que representa um limiar a partir do qual o colapso do Estado aparece como risco real. E esta seria a razão para a reviravolta parcial nas ações adotadas por de Donald J. Trump e Boris Johnson.

A segunda estratégia está mais ou menos ligada ao denominado despotismo asiático, nos termos sinólogo e sociólogo alemão Karl August Wittfogel. Tal estratégia estaria baseada em uma implementação variada, em diferentes graus, de um tipo de autoritarismo e na atualização da Saúde Pública como instrumento fundamental da sociedade. Essa estratégia foi adotada pela China, pela Coreia do Sul e, embora com um atraso temerário e com consideravelmente contraditório (pouco controle sobre os recursos humanos em saúde; extensão inútil da “zona vermelha” a todo o país e não apenas às zonas de foco), pela Itália.

Aqui, escrevendo na esteira do pensador argentino Norberto Ceresole, eu gostaria de propor uma abordagem diferente. Ao invés das duas categorias mencionadas acima, gostaria identificar essas diferentes estratégias para combater a emergência com base nas categorias de civilização do lucro/dinheiro e civilização da fé/espírito.

23/03/2020

Edgar Allan Poe - A Máscara da Morte Rubra

por Edgar Allan Poe



A “Morte Rubra” havia muito devastava o país. Jamais se viu peste tão fatal ou tão hedionda. O sangue era seu avatar e sua marca. A loucura e o horror do sangue. Surgia com dores agudas e súbita tontura, seguidas de profuso sangramento pelos poros, e então a morte. As manchas rubras no corpo e principalmente no rosto da vítima eram o estigma da peste que a privava da ajuda e compaixão dos semelhantes. E entre o aparecimento, a evolução e o fim da doença não se passava mais de meia hora.

Mas o príncipe Próspero era feliz, destemido e astuto. Quando a população de seus domínios se reduziu à metade, mandou vir à sua presença um milhar de amigos sadios e divertidos dentre os cavaleiros e damas da sua corte e com eles retirou-se, em total reclusão, para um dos seus mosteiros encastelados. Era uma construção imensa e magnífica, criação do gosto excêntrico, mas grandioso do próprio príncipe. Circundava-a uma muralha forte e muito alta, com portas de ferro. Depois de entrarem, os cortesãos trouxeram fornalhas e grandes martelos para soldar os ferrolhos.

Resolveram não permitir qualquer meio de entrada ou saída aos súbitos impulsos de desespero dos que estavam fora ou de frenesi do que estavam dentro. O mosteiro dispunha de amplas provisões. Com essas precauções, os cortesãos podiam desafiar o contágio. O mundo externo que cuidasse de si mesmo. Nesse meio-tempo era tolice atormentar-se ou pensar nisso. O príncipe havia providenciado toda a espécie de divertimentos. Havia bufões, havia improvisadores, havia bailarinos, havia músicos, havia beleza, havia vinho. Lá dentro, tudo isso mais segurança. Lá fora, a “Morte Rubra”.

21/03/2020

Aleksandr Dugin - Os Deuses da Peste: A Geopolítica da Epidemia e as Bolhas de Nada

por Aleksandr Dugin

(2020)



O Coronavírus e o Colapso da Ordem Mundial

Nas últimas décadas, tem havido grande expectativa a respeito do surgimento de algo fatal, irreversível, decisivo. Talvez a epidemia do coronavírus seja esse algo. É muito cedo para tirar conclusões exatas, é verdade, mas alguns elementos geopolíticos e ideológicos parecem ter ultrapassado um limiar sem retorno. Em outras palavras: a epidemia de coronavírus representa o fim da globalização.

A Sociedade Aberta reúne as condições necessárias para a pandemia. Aqueles que escolheram derrubar as fronteiras foram os mesmos que, fatalmente, prepararam o território para a aniquilação total da humanidade. Você pode rir, sim, mas logo vai aparecer alguém vestindo um roupão Hazmat branco para tirar o sorriso (inadequados) do seu rosto; e então, só o fechamento poderá nos salvar. Fechamento em todos os aspectos: fronteiras fechadas, economias fechadas, fornecimento fechado de bens e produtos; o que Fichte chamou de Estado de comércio fechado. Soros deve ser linchado, e um monumento deve ser construído para Fichte. Essa é a primeira lição.

A segunda: o coronavírus é a última página do liberalismo. O liberalismo, em todos os sentidos, tornou mais fácil a propagação do vírus — já que a epidemia requer a demolição de todas as fronteiras. O liberalismo, portanto, é o vírus. Logo, logo e os liberais serão equiparados a “leprosos” e “maníacos” contagiosos, que falam em dançar e se divertir em meio à peste. O liberal é o portador do coronavírus, seu advogado por excelência. Isso ficará mais evidente caso se verifique mesmo que o vírus foi criado nos Estados Unidos, a cidadela do liberalismo, como uma arma biológica. Segunda lição: o liberalismo mata.

18/03/2020

Giacomo Maria Arrigo – Limonov: Delinquente, Político, Mendicante

por Giacomo Maria Arrigo

(2019)



“Por que você quer escrever um livro sobre mim?” Esta é a pergunta feita a Emmanuel Carrère por parte de Eduard Veniaminovich Savenko, melhor conhecido como Limonov. Eis como Carrère, hoje considerado um dos maiores escritores franceses vivos, descreve a sua reação àquela pergunta:

“Fui pego de surpresa mas respondo, com sinceridade: porque você tem – ou teve, não me lembro mais o tempo que usei – uma vida apaixonante. Uma vida romancesca, perigosa, uma vida que aceitou o risco de descer na história”. 

E assim nasce o livro “Limonov”, uma biografia romanceada daquele Eduard Savenko que tantiu viu do alto dos seus atuais 76 anos: delinquente na União Soviética, poeta na França, primeiro mendigo e depois empregado doméstico nos Estados Unidos, combatente nos Bálcãs, fundador, junto a Aleksandr Dugin, do Partido Nacional-Bolchevique na Rússia pós-soviética, prisioneiro nos cárceres de segurança máxima.

16/03/2020

Daniel Estulin – Venezuela: Inteligência Conceitual, Geopolítica Profunda

por Daniel Estulin

(2018)



Conferência no Supremo Tribunal de Justiça
Caracas, 5 de abril de 2018

(Saudações, saudação a Chávez, introdução)

Acho que todos concordariam que o mundo ficou totalmente louco. Eventos que costumavam levar anos para acontecer agora acontecem em questão de semanas. Onde quer que olhemos, existem problemas, conflitos armados, problemas financeiros em escala global, seja nos Estados Unidos, Canadá, México, América Latina, África, Ásia, Europa, Oceania, Antártida... Em todo lugar da Terra há uma guerra pela sobrevivência.

É difícil para muitos entender esse cenário, porque continuamos pensando em termos de bem e de mal, capitalistas e socialistas, dois blocos, OTAN e pacto de Varsóvia. Muita coisa mudou desde a queda da URSS, uma queda não porque o Ocidente era superior ao nosso sistema, mas porque, a partir da década de 1960, houve um acordo entre os círculos da URSS e do Ocidente com o objetivo de unir os dois sistemas em um e converter tudo em liberalismo como um sistema único global.

12/03/2020

Mircea Eliade - Adão e Eva

por Mircea Eliade

(1942)



O episódio do nascimento de Eva da costela de Adão, como nos foi preservado no capítulo I (26-28) e no capítulo II (21-22) do Gênesis, logo deu origem a exegeses infinitas nos círculos dos estudiosos judeus. Algumas dessas exegese e comentários rabínicos - da era alexandrina em diante - foram-nos transmitidos. De fato, se Eva foi feita da costela de Adão, pode-se assumir que Adão era andrógino; ele reunia ambos os sexos. O "nascimento" de Eva foi, portanto, apropriadamente a ruptura do andrógino primordial em duas partes: masculino e feminino. Parece que este foi o significado dado pela exegese rabínica ao texto bíblico. "Adão e Eva foram criados de costa para costa, presos por seus ombros; então Deus os separou com um golpe de machado ou cortando-os em dois. Outros pensam de forma diversa: o primeiro homem (Adão) era macho do lado direito e fêmea do lado esquerdo; e Deus os dividiu em duas metades" [1].

05/03/2020

Israel Lira - Arqueofuturismo: Um Dinamismo Vitalista

por Israel Lira

(2019)



“...as formas políticas e sociais da modernidade se fragilizam; as formas arcaicas ressurgem em todos os domínios, o renascimento de um Islã conquistador, é um exemplo perfeito. Por fim, as alterações futuras da tecnociência – principalmente na genética – assim como o retorno trágico à realidade que o século XXI prepara, exigirão o retorno a uma mentalidade arcaica. É o modernismo que é um passadismo. Não se tem que voltar ao ‘tradicionalismo’ clássico, impregnado de folclorismo e sonhador de um retorno ao passado. A modernidade já está obsoleta. O futuro tem que ser ‘arcaico’, ou seja, nem moderno, nem passadista” (Faye, 1998:15)

Após a citação de Faye fica muito claro que este sempre foi diáfano no estabelecimento dos princípios consubstanciais de seu sistema teórico, para evitar com isso, precisamente, que este pudesse se confundir com outras teorias que também tem dentro de suas considerações a tecnociência. No caso particular de Faye, a aproximação universal de sua proposição se entende sob a categoria de construtivismo vitalista[1], enquanto que sua conceituação específica sob a forma do neologismo arqueofuturismo[2]. Esta nova doutrina influenciou diversas correntes teóricas até hoje[3], dentro do marco de propostas antiglobalistas, anti-individualistas e antiliberais, frente a um mundo pós-moderno que se apresenta a nós sob a narrativa do niilismo cultural, cujas principais expressões fenomênicas as temos no secularismo niilista, na globalização neoliberal, no narcisismo hiperindividualista e no relativismo cultural extremo[4].