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29/09/2024

Leonid Savin - Martin Heidegger, a Rússia e a Filosofia Política

 por Leonid Savin

(2019)

 


As obras de Martin Heidegger recentemente despertaram um interesse crescente em vários países. Embora as interpretações de seus textos variem amplamente, é interessante que o legado de Heidegger seja constantemente criticado pelos liberais, independentemente do objeto da crítica – seja o trabalho de Heidegger como professor universitário, seu interesse pela filosofia grega antiga e interpretações relacionadas da antiguidade, ou sua relação com o regime político na Alemanha antes e depois de 1945. Parece que os liberais intencionalmente se esforçam para demonizar Heidegger e suas obras, mas a profundidade do pensamento deste filósofo alemão não lhes dá trégua. Claramente, isso ocorre porque as ideias de Heidegger abrigam uma mensagem relevante para a criação de um projeto contra-liberal que pode ser realizado nas formas mais diversas. Esta é a ideia do Dasein aplicada a uma perspectiva política. Vamos discutir isso em mais detalhes abaixo, mas primeiro é necessário embarcar em uma breve excursão na história do estudo das ideias de Martin Heidegger na Rússia.

15/11/2020

Leonid Savin - O Coronavírus está alterando o Cenário Global da Cibertecnologia

 por Leonid Savin

(2020)



Uma das consequências da disseminação do coronavírus e das medidas de quarentena que foram introduzidas em muitos países é que isto levou a um aumento na demanda da Internet. Dentro dos países, as autoridades estão tentando regular o tráfego com meios e medidas disponíveis. Um dos gigantes americanos nesta área é a Verizon, que recebeu permissão da Comissão Federal de Comunicações para o uso de um espectro adicional. Na Itália, o tráfego aumentou em março em 70%, na Polônia e na Espanha em 40%. Na Europa, Netflix, Amazon, YouTube e Facebook reduziram a qualidade dos vídeos. A virtualização dos locais de trabalho, o uso de aplicativos de entrega de alimentos, a exibição de diversos conteúdos, tudo isso afetou a largura de banda e o tráfego em muitos países. Além disso, vários países levantaram a questão da relevância da telemedicina. E os mais avançados chamaram a atenção para as capacidades dos supercomputadores em preparar cenários para a propagação de doenças e o desenvolvimento de medicamentos eficazes. E, é claro, tudo isso afetou a segurança cibernética.

19/06/2020

Leonid Savin - Nacionalismo Médico, Identidade e Multipolaridade

por Leonid Savin



Como já aconteceu muitas vezes na história, 2020 tinha uma surpresa reservada para a humanidade – durante vários meses, o ecossistema fortemente entrelaçado do mundo globalizado foi transformado por um novo coronavírus, que escalou de poucos casos na China para uma pandemia global. A pandemia da COVID-19 alterou os processos políticos internacionais. Comparações já estão sendo feitas: a crise global de 2008 levou à formação dos BRICS, o FMI foi criado durante a Segunda Guerra Mundial e o G7 surgiu após a crise do petróleo de 1973, portanto, com certeza esta crise também levará ao surgimento de alguma nova configuração.

Os globalistas ansiosos estão gritando que uma nova onda de nacionalização está começando em todo o mundo, e regimes autocráticos estão agarrando a oportunidade de consolidar seu poder. Os EUA estão prevendo que a crise econômica iminente será ainda pior que a anterior e aumentará a taxa de desemprego do país para 20%.

Em artigo datado de 18 de março de 2020, o ex-secretário de Estado adjunto dos EUA para Assuntos do Leste Asiático e Pacífico, Kurt Campbell, e o diretor da Iniciativa de Estratégia da China da Brookings Institution, Rush Doshi, observou que “embora suas implicações geopolíticas devam ser consideradas secundárias às questões de saúde e segurança, essas implicações podem, a longo prazo, ser igualmente conseqüentes – especialmente quando se trata da posição global dos Estados Unidos”.

27/04/2019

Boris Nad – Entrevista com Leonid Savin: Nova Idade das Trevas da Europa

por Boris Nad

(2017)



Leonid Savin é um importante representante da nova escola russa de geopolítica, um membro do movimento neoeurasianista e um associado de Aleksandr Dugin. Savin também é editor-chefe do centro analítico Geopolitika.py e do Journal of Eurasian Affairs, bem como chefe administrativo do Movimento Eurasiano Internacional. Ele é o autor de uma série de livros sobre geopolítica e áreas relacionadas: “Rumo à Geopolítica”, “Guerra de Redes”, “Etnopsicologia”, “De Xerife a Terrorista”, “Novos Métodos de Guerra”...

Segundo Leonid Savin, vivemos na época das mudanças súbitas nos paradigmas (geo)políticos e de mudanças radicais nas relações de poder. O poderio americano tem se enfraquecido em anos recentes, novas divisões e crises aparecem no coração do próprio Ocidente. Além da Rússia e da China, novas potências emergem, impérios em potencial, causando uma série de novos conflitos e renovando antigos, do Oriente Médio aos Bálcãs. A crise da União Europeia, impulsionada por uma crise migratória e pelo terrorismo, marca o fim do mito burguês da prosperidade. Tudo isso cria uma situação completamente singular em um mundo completamente globalizado, onde não há mais regras claras.

21/12/2018

Leonid Savin - Multipolaridade e Policentrismo

por Leonid Savin 

(2018)



O próprio termo “multipolaridade” é de origem americana (anglo-saxônica) e, no terceiro capítulo, examinamos conceitos similares que foram desenvolvidos em outros países. Como vários estudiosos indicaram, diferentes interpretações da multipolaridade provocaram certos dilemas conceituais. Por exemplo, um relatório sobre as tendências globais de longo prazo, elaborado pelo Centro de Estudos de Segurança de Zurique em 2012, observou que:

"A vantagem da “multipolaridade” é que ela explica a contínua difusão de poder que se estende além de uma, bi ou tripolaridade. Mas o problema com o termo é que sugere um grau de autonomia e separação de cada “pólo” que não faz justiça às interconexões e complexidades de um mundo globalizado. O termo também esconde que os poderes em ascensão ainda estão dispostos a trabalhar dentro do sistema econômico mundial em forma de ocidental, pelo menos até certo ponto. É por isso que o estado atual das jogadas pode ser melhor descrito como “policêntrico”. Ao contrário da “multipolaridade”, a noção de “policentrismo” não diz nada sobre como os diferentes centros de poder se relacionam entre si. Assim como é importante, não suscita conotações com o famoso sistema multipolar na Europa antes de 1914, que inicialmente forneceu uma consulta regular de grande poder, mas eventualmente terminou em uma guerra total. As perspectivas para uma ordem estável e uma governança global efetiva não são boas hoje. No entanto, o confronto militar entre as grandes potências também não é um cenário provável, uma vez que o sistema policêntrico emergente está unido de maneiras que tornam um grau de cooperação internacional praticamente imprescindível".

Os estudiosos suíços envolvidos neste resumo abordaram a questão do ponto de vista da revisão de questões de segurança em um mundo globalizado e tentaram encontrar uma expressão adequada para as tendências contemporâneas. No entanto, existem também abordagens puramente técnicas e teorias ideológicas que empregam o termo “policêntrico”.

05/09/2017

Leonid Savin - Carl Schmitt, a Rússia e a Quarta Teoria Política

por Leonid Savin



Carl Schmitt serve-se do conceito de Nomos para construir sua teoria acerca das diferentes ordens geopolíticas que se sucedem nas diferentes épocas. Reconhecendo o mérito do gênio alemão, no entanto, não podemos deixar de mencionar o fato de que ele estava naturalmente envolvido pelo paradigma científico europeu e, portanto, interpretava o conceito de Lei nestes termos. Assim, se nos dispusermos a criticar o eurocentrismo e suas raízes helênicas, seremos obrigados a iniciar uma minuciosa análise comparativa e uma revisão da teoria schmittiana. Por exemplo, do ponto de vista do eurasianismo clássico e dos filósofos russos que apelam à Ortodoxia, uma série de posicionamentos de Schmitt podem se revelar controversos. Não é por acaso que o publicista [публицист] russo, Vadim Kojinov, afirmava que tudo aquilo que é inerente ao Ocidente devesse ser definido pelo termo nomocracia (poder da lei), enquanto que as sociedades asiáticas seriam etocracias – do grego ethos (costume). Ao mesmo tempo, ele chamava Bizâncio de Estado ideocrático.

O modelo da ideocracia foi apresentado anteriormente por um dos fundadores do eurasianismo, o geógrafo Piotr Savitsky. Ele acreditava que tal sistema é caracterizado por uma cosmovisão geral e pela disposição das elites governantes de servirem a uma ideia de governo comum, que representa "o bem estar da totalidade dos povos que habitam este especial mundo autárquico."

Seguindo esta definição, a ideocracia pode parecer consoante com o Nomos de Schmitt, uma vez que invoca os grandes espaços. No entanto, seu conteúdo é diferente. Piotr Savitsky propôs uma ideocracia para a Rússia-Eurásia, onde a religião ortodoxa é dominante e onde há uma herança bizantina adaptada, principalmente por meio de um corpo teológico repleto de textos complexos e paradoxais.


06/01/2016

Leonid Savin - A Globalização para Bem dos Povos: Perspectivas da Nova Teoria Política

por Leonid Savin



A questão da globalização, que se começou a analisar ativamente na década de 90 do século passado, continua atual, fato comprovado pelos desenvolvimentos na arena global. Por trás das tentativas das corporações transnacionais e de diversos projetos mundialistas se descobrem não só o afã do lucro, mas também de controle e domínio mundial. A origem é uma filosofia política que bebe das fontes da Grécia Antiga, onde originariamente se deram os dispositivos que posteriormente se adotaram e se interpretaram como indiscutíveis. Concordando inteiramente com uma série de argumentos de Jacques Derrida sobre que "o modelo ideal e eufórico da globalização, como um processo de abertura de fronteiras que faz o mundo mais homogêneo, deve se discutir com seriedade absoluta e extrema atenção. E isso não é apenas porque a homogeneização indicada - onde ela foi levada a cabo ou assim se supõe - tem um anverso e um reverso (de risco aterrorizante, muito óbvio para mim para perder tempo em sua descrição), mas porque a homogeneização visível muitas vezes escondidos em outras formas antigas e novas de desigualdade ou hegemonia (que eu chamo de homo-hegemonização), devemos saber reconhecê-las em suas fisonomas novas e combatê-las "[1], destacaremos apenas de passagem alguns marcos diretamente relacionados com as questões da globalização.

A primeira onda de globalização está relacionada com a época de grandes descobertas anteriores à Primeira Guerra Mundial. A segunda, de 1947-1991, é a época do mundo pós Yalta e da Guerra Fria. A terceira começou nos anos 90 e continua até o momento atual gerando uma infinidade de efeitos, como a virtualização da economia, a relocalização, a emergência de sociedades em rede. Embora o historiador americano Hopkins, junto do editor da publicação "Foreign Policy", Moises Naim [2], afirmam que a globalização já tinha começado já em tempos do pré-modernismo com a migração dos povos, esta declaração - que toma em conta o significado das tradições, ritos e religiões que tinham as pessoas da pré-modernidade - não parece convincente. Quão justamente assinalou Luke Martell, examinando o espectro completo de modelos de globalização e das novas escolas e ensinamentos relacionados a ela, que a globalização neste contexto histórico não significa internacionalização [3]. Vários pesquisadores agora assinalam que a onda reversa da globalização, com origem nos países em desenvolvimento, promove as mudanças econômicas nessas regiões e produz o desequilíbrio dos sujeitos da política mundial, e que, se esta tendência continuar, pode conduzir a consequências imprevisíveis. É provável que discordem de mim os partidários da teoria do caos e fundamentem que tais mudanças são intrinsecamente inerentes a um sistema complexo e dinâmico, como é, certamente, qualquer Estado, e tanto mais o são os blocos e uniões. No entanto, o caos controlado também pode ser usado como um instrumento da globalização do qual se valem os estrategistas do Ocidente em prol de seus interesses, coisa que propôs o diplomata americano Steven Mann nos anos 90 do século passado [4].

Era necessário recordar as três ondas de globalização para que possamos realizar certa comparação com as três teorias políticas. Em um ou outro período dominaram determinadas ideologias, apoiadas não só na violência revolucionária, mas mais ainda em uma plataforma político-filosófica. No último século observou-se que três ideologias fundamentais estavam lutando entre si, disputando exclusividade e dominação. Primeiro apareceu o liberalismo, que considera sujeito da história o indivíduo desembaraçado do complexo da herança cultural e das relações intersociais. Em reação ao sistema capitalista burguês, expresso pelo liberalismo, apareceram o comunismo e o marxismo. Finalmente apareceu o fascismo, e o nacional-socialismo como uma versão daquele, mas foram os primeiros a desaparecer do cenário internacional imediatamente após a derrota da Alemanha em 1945. Em 1991, após a queda da URSS, o mundo soube da derrota da segunda teoria, que pretendia ser universal (embora em algumas regiões, por exemplo, na América Latina, o marxismo foi modificado e na sua nova forma, demonstrou a sua eficácia), e por um tempo se impôs a vitória do liberalismo [5]. Em relação a tudo isso o embate das três teorias se dava no marco da época do modernismo, fato que assinalou magnificamente o filósofo húngaro Georg Lukács em seu livro "O Fim do Século XX e o Fim do Modernismo."

Hoje, na era do pós-modernismo, nos encontramos com a onda da globalização relacionada com o liberalismo, que afirma o primado da economia sobre outras esferas; portanto, seria lógico tocar alguns modelos e planos alternativos que estão do outro lado da economia, mas que em grande parte a pré-determinam.

Definitivamente, entre os modelos comportamentais e econômicos existe uma relação de forma inequívoca. O ethos de um povo determinado, ligado a dispositivos conceituais, influencia na formação de modelos de comportamento social e de regime económico. Por exemplo, a economia islâmica nega o crescimento percentual, fato observado pelo filósofo russo Vladimir Soloviev falando sobre o princípio do "trabalho saudável" no Islã. Na Ortodoxia a economia, em primeiro lugar, é domostrói (economia doméstica na velha Rússia ou oikonomía na Grécia antiga). De acordo com a doutrina cristã, as pessoas que, mesmo depois do pecado devem continuar a ganhar o pão com o suor do seu rosto, "cooperam com o criador" sem duvidar de sua vontade. Tais opiniões foram distorcidas pelo protestantismo e Max Weber [6] mostrou de forma convincente que grande parte da economia de mercado liberal atual é construída sobre a base da ética protestante. Ernst Schumacher desenvolveu a doutrina absolutamente única da "economia budista", propondo novos princípios em relação ao trabalho e, com razão, indicando que "os economistas, da mesma forma que outros especialistas, sofrem de cegueira metafísica" [7].

Mesmo abstraindo-se das várias crenças religiosas, contra as quais lutaram representantes de determinadas ideologias políticas, os arquétipos e o inconsciente coletivo permanecem. Carl Gustav Jung sintoniza com Max Weber sobre a crítica do liberalismo, embora o faça como um psicólogo. "O Mundo sem símbolos do protestante levou a um sentimentalismo doentio no início, em seguida, a um agravamento dos conflitos morais" [8]. A questão não é apenas de distúrbios sexuais e psicológicos que analisava o cientista suíço. Os arquétipos e símbolos estão totalmente inscritos no modelo econômico. O pesquisador norte-americano Bernard Lietaer argumenta que o atual sistema monetário e financeiro mundial baseia-se no arquétipo patriarcal, onde o dinheiro é um meio de acumulação [9]. Ao mesmo tempo os outros arquétipos há muito que estão deprimidos e, portanto, devido a este desajuste, se produzem booms financeiros, falências, quebras do mercado de ações e outros desastres. Na história, no entanto, tem operado outro arquétipo, com base no princípio matrifocal - Egito Antigo, Idade Média, etc. - onde o dinheiro agia segundo o princípio da moratória e era um meio de troca. Até agora, infelizmente, não há uma extensa pesquisa relacionada à influência dos arquétipos nas teorias econômicas heterodoxas desenvolvidos nos séculos XIX e XX, que são uma alternativa ao atual sistema central enraizado no projeto político concreto. Mas várias dessas teorias se apoiam em experimentos práticos, por exemplo o projeto de dinheiro de Silvio Gesell, o qual produziu um efeito colossal que influenciou diretamente o bem estar das comunidades. Os sistemas "dinheiristas" condicionais LETS [10], Time Dollar [11], WIR [12], sendo instrumentos de crédito mútuo e, naturalmente sem juros, todavia representam um modelo maravilhoso de economia solidária dentro da sociedade.

No Japão existe a "moeda de saúde", que é medida em horas de trabalho e pode ser usada em programas de saúde pública do Estado. A eficácia de tais sistemas tem sido observada por pesquisadores contemporâneos. Mesmo aplicando mecanismos econômicos e bancários, no mundo há muitos exemplos dessa abordagem de distribuição de meios e investimentos, que não se inscrevem nos esquemas liberais. Por exemplo, organizações tais como Triodos Bank (Holanda), Cultura Bank (Noruega), La Nef (França) e outros, se manejam com princípios éticos muito claros que podem ser resumidos com a frase comum de anti-globalistas "as pessoas são mais importante do que os lucros ". Além disso, vários especialistas e analistas tem proposto esquemas de estabilização econômicas baseadas no princípio da democracia direta. Bello Walden, analista sênior do Instituto Focus on the Global South, de Bangkok, propõe as seguintes formas de superar a globalização por meio da economia:

1 - A produção para o mercado interno, em vez do externo, deve ser o centro de gravidade da economia novamente.

2 - Na economia deve se dar o princípio da subsidiariedade.

3 - A política comercial deve proteger a economia local a partir do impacto econômico destrutivo de estruturas corporativas e dos preços baixos.

4 - A política industrial deve regenerar e fortalecer o setor manufatureiro.

5 - As tarefas de longo prazo, destinadas a uma justa distribuição de renda, podem criar um mercado interno forte para assumir o papel de âncora econômica e criar recursos financeiros locais para investimento.

6 - A correção do crescimento econômico vai aumentar a qualidade de vida, e maximizando a abordagem objetiva irá reduzir o desajuste relacionado com o ambiente circundante.

7 - A elaboração e propagação de tecnologias ecologicamente favoráveis na indústria e na agricultura devem ser estimuladas.

8 - A tomada de decisões estratégicas sobre a economia não pode ser deixada apenas nas mãos de tecnocratas e marqueteiros. Pelo contrário, deve-se introduzir a possibilidade de que assuntos tais como o desenvolvimento da indústria, a parte do orçamento do Estado alocados para a agricultura, etc., sejam produto de discussão democrática e eleições.

9 - A sociedade civil deve continuar e monitorar continuamente o setor privado e o Estado. Isso deve ser institucionalizado.

10 - A propriedade deve ser transformada em uma "economia mista", o que inclui cooperativas comunitárias, empresas privadas e empresas estatais, mas exclui as corporações transnacionais.

11 - As organizações globais centralizadas do tipo FMI ou Banco Mundial devem ser substituídas por outras, construídas não de acordo com o princípio do livre comércio e da mobilidade de capitais, mas nos princípios de uma cooperação que - nas palavras de Hugo Chávez, descrevendo o projeto ALBA  - "supere a lógica do capitalismo." [13]

É importante também aplicar à globalização a análise social. A metodologia de Jean Baudrillard [14] nos permite observar como os mercados financeiros especulativos conduziram à criação de simulacros econômicos que minaram a vitalidade dos sistemas sociais. Não menos interessante é o modelo de Georges Bataille, mostrando como a concorrência econômica, característica do modelo liberal, está diretamente ligada ao risco de guerra. O sociólogo francês observa que o excesso de energia, que é transformado em riqueza, deve ser gasto no desenvolvimento do sistema. Caso contrário, se a energia não é removido a tempo, inevitavelmente, ela é utilizado para produzir desastres.

Ao tema que investigamos devemos acrescentar o fato de os entusiastas da globalização, dos US e da Europa Ocidental, apontavam que a interação estreita entre países e povos, que propiciem os processos de unificação das normas e homogeneização de culturas, deve conduzir a uma baixa probabilidade de conflitos; no entanto, o parto de novos modelos levou a novas formas de guerra [15]. E agora o sujeito ativo dos conflitos resultam ser não apenas os Estados, mas as corporações transnacionais, ONGs, sindicatos, grupos religiosos, agrupamentos criminosos criminais e partidos políticos. O bellum omnium contra omnes de Hobbes se espalhou pelo mundo, enquanto que os EUA pretendem exercer a função de Estado absoluto.

Na crise atual do sistema liberal, da qual são testemunhas a crise financeira de 2008, o reconhecimento da sua inadequação pelos economistas reconhecidos, e as iniciativas dos vários países em termos de reformar a ordem mundial, corresponde mudar o enfoque das ciências que afetam a formação da cosmovisão da elite futura para práticas socioculturais que, para além da sua importância, por um longo tempo não receberam a atenção de grande política. A crise ecológica que se aproxima, que ocorre sobre um fundo de crescente auto-consciência política de muitos povos aborígenes - que antes haviam sido removidos da tomada de decisões (do socialismo boliviano Sumak Kawsay com projetos indígenas latino-americanos a tentativas africanas de libertar-se da escravidão neoliberal) - também pode contribuir para esses processos. A mudança de raciocínio deve ser complexa, com uma ativação de camadas arquetípicas permitindo a atrofia dos memorandos velhos e a instalação de fundamentos de uma nova ordem mundial onde, em um marco de florescente complexidade, se codesenvolvam sociedades de abundância estável.

Tal como já observamos no início, há uma série de dispositivos filosóficos que estabeleceram uma determinada direção no desenvolvimento das ciências, os quais foram tomados como algo rígido que não pode ser submetido à crítica. O paradigma científico do Iluminismo produziu um racismo gnoseológico euro-ocidental que foi projetado sobre outros povos, países e continentes. Aqui também se pode tomar em conta o fato de que o corpus da filosofia da Grécia antiga veio para a Europa Ocidental através do mundo árabe, e foi submetido a distorções, mas poucos foram aqueles que se atreveram a repensar os fundamentos da existência. Sobre isto é um exemplo a herança de Martin Heidegger, cujos trabalhos, mais além de sua relativa complexidade, podem servir como base para o desenvolvimento de uma nova teoria universal. Este é um processo que deve ser realizado também a partir da perspectiva da desconstrução para dissipar as estratificações especulativas e os envelhecidos mecanismos de construção sócio-política.

Pode-se dizer, em conclusão, que depois das três teorias políticas (liberalismo, marxismo e fascismo) e depois das três ondas de globalização (substituição de três sociedades - tradição, modernismo e pós-modernismo, e também de modelos econômicos) se faz indispensável para a elaboração de uma nova teoria política que conforme uma quarta onda, qualitativamente distinta das anteriores, onde o sujeito ativo fundamental do mundo. Enquanto isso, é importante a formação de uma oposição e um movimento que se baseie no princípio "anti", a elaboração de um anti-credo construtivo que, de acordo com o pensamento de Zbigniew Brzezinski, possa destruir o domínio global dos EUA [16]. Nesta teoria, ou como chama o filósofo francês Alain de Benoist "o Quarto Nomos da Terra" [17], os sujeitos da história devem ser as pessoas no seu processo puro de existência, com toda a riqueza de suas relações culturais mútuas, tradições, especificidades étnicas e cosmovisões. No cujo caso os modelos alternativos e das tentativas de muitos analistas, especialistas e opositores da globalização ocidental (que tem os EUA na liderança) poderão encontrar uma ampla aplicação.

Notas

1. Jacques Derrida. A Globalização, a Paz e o Cosmopolitismo. Cosmópolis № 2 (8), M., 2004, c.126.

2. Naim, Moises. Think Again: Globalization, Foreign Policy, March/April 2009.

3. Martell, Luke. The Third Wave in the Globalisation Theory. International Studies Review, 9, 2, Summer 2007, p 177.

4. Mann, Steven. Theory of Chaos and Strategic Thought, Parameters, Vol. XXII, Autumn 1992, p.62.

5. Alexander Dugin. A Quarta Teoria Política. San Petersburgo. de. Amfora. P.10-11.Año 2009.

6. Max Weber. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Ivano-Frankivsk 2002.

7. Schumacher E. F., Small Is Beautiful: Economics as if People Mattered. Anthony Blond Ltd., London, 1973.

8. Carl Gustav Jung, Michel Foucault. A Loucura da Matriz. Moscou: Penguin Books, 2007. P.99 .

9. Bernard Lietaer. A Alma do Dinheiro. Moscou: Olimp AST: Astrel de 2007.

10. http://ru.wikipedia.org/wiki/LETS

11. http://www.timebanks.org/

12. http://www.wir.ch/index.cfm?DC86BF333C1811D6B9950001020761E5&o_lang_id=1

13. Bello Walden B. The Virtues of Deglobalization. http://www.fpif.org/fpiftxt/6399

14. Jean Baudrillard. Crítica da Economia Política do Signo. Moscou: Biblion. 2004. O Intercâmbio Simbólico e a Morte. Tomsk: Dobrosvet, 2009.

15. Georges Bataille. A Parte Maldita. Moscou: Ladomir de 2006, sec. 116-118.

16. Zbigniew Brzezinski. O Dilema dos EUA. Dominação global ou liderança global? Moscou: Relaciones Exteriores.

17. Alain de Benoist. Contra o Liberalismo. A Quarta Teoria Política. Amphora. P.18 .

08/10/2015

Leonid Savin - 10 Crises da União Europeia

por Leonid Savin[1]



Atualmente, a União Europeia se depara com um número de crises interconectadas. Algumas delas são institucionais, outras são causadas por fatores objetivos e demonstram um despreparo geral - talvez mesmo uma falta de vontade - da parte de Bruxelas para lidar com novas ameaças. Ainda outros tipos de crises são operados, nos quais o papel importante é desempenhado pelos EUA como principal parceiro da UE em questões militares, políticas e econômicas. E certamente, este parceiro tenta promover seus próprios interesses.

Crise da Política Geral de Integração Europeia


O entusiasmo e pathos derivados da criação do espaço uniforme se exauriu, especialmente após os princípios benefíciários do projeto da UE, i.e. Alemanha e França, terem se tornado cada vez mais óbvios. O sistema da adoção de decisões políticas na UE (Comissários Europeus não são eleitos por voto direto) contradiz padrões e valores democráticos. E este mero fato solapa as fundações dos Estados nacionais dentro da UE e fortalece o papel da burocracia. Isso gera uma desconfiança geral das instituções supranacionais que não possuem autoridade. Ademais, a soberania enfraquecida dos Estados nacionais reduz significativamente seus papeis como jogadores no reino da política internacional. Se no passado Alemanha, França, Itália e outros países se apresentavam em busca do status de centros de poder (ainda que permanecessem dependentes dos EUA via OTAN), agora suas possibilidades estão notavelmente reduzidas.


Os interesses e ambições de certos países se deparam não apenas com a competição natural de fora, mas também com sabotagem interna expressa através do bloqueio de várias iniciativas. Por exemplo, a Alemanha não apoiou o desenvolvimento da União Mediterrânea que foi inicialmente apoiada pela França. Uma vulnerabilidade similar mutuamente dependente levou à emergência do conceito da UE como uma pequena potência[2]. Se, durante a era modernista, a Europa podia se gabar de ter uma coalizão de potências que contribuía para determinar o tom da história mundial, hoje (na era pós-moderna) a UE não é considerada uma entidade de valores absolutos em relação a política global.

Crise da Economia


O risco de uma saída grega da eurozona - e também o debate atual sobre possíveis novos candidatos para a falência - mostra uma insolvência em relação a política econômica da UE. Ainda que neoliberais bastante conhecidos como George Soros constantemente aconselhem políticos europeus em questões econômicas, a UE se abstém tanto de uma liberalização completa cmo de um retorno a uma abordagem mais racional em relação ao gerenciamento do setor bancário.


Assim, há uma ameaça de uma retirada da UE de sua parceria transatlântica em comércio e investimentos - i.e. o que está sendo intensamente objetivo de lobby por Washington.

O público europeu é um alvo crucial dessa iniciativa americana. Não obstante, pesquisadores notam que segundo padrões e leis internacionais da UE, há apenas o mandato em negociação, mas essas negociações ocorrem por trás de portas fechadas sob pressão de Washington. Ademais, houve inúmeras tentativas dos EUA de solapar as regras europeias sobre segurança de dados[3]. Relatórios tanto de organizações de consumidores e representantes da sociedade civil europeus e americanos confirmam isso.

Tais ações são, via de regra, conduzidas através de companhias lobistas. Por exemplo, através da "Hogan Lovells", que criou a "Coalizão para Privacidade e Livre-Comércio". Os interesses políticos diretos dos EUA são óbvios entre tais "peso-pesados" como Hugo Paemen, o ex-embaixador americano na UE; o ex-representante dos EUA para comércio, Clayton Eutter; o ex-vice-chefe do Departamento de Tecnologia da Casa Branca, Daniel Weitzner[4]; todos esses homens trabalham para Hogan Lovells. Conseguirão os consumidores europeus resistir à pressão de companhias multinacionais? É óbvio que esta também é uma questão de vontade política entre os líderes dos países da UE.

Analisando os indicadores macroeconômicos na UE, o observador alemão Eric Zuesse chegou às seguintes conclusões sobre as consequências de unir a UE à parceria transatlântica:

- Dentro dos primeiros 10 anos o acordo levará a Europa a perdas em exportação. As seguintes entidades sofrerão mais: Norte da Europa (2,07% do PIB), França (1,9% do PIB), Alemanha (1,14%), e também Grã-Bretanha (0,95%);

- O acordo levará a uma queda no crescimento do PIB. Levando em consideração as pedas europeias em exportação, o norte da Europa terá que lidar com a maior redução de PIB (0,5%), França (0,48%), Alemanha (0,29%);

- O acordo causará uma queda na renda do trabalho. A França sofrerá mais; perderá 5.500 euros por pessoa apta a trabalhar em cálculos anuais, o norte da Europa 4.800 euros, Grã-Bretanha 4.200, Alemanha 3.400 euros;

- O acordo levará a perdas de emprego. A UE perderá aproximadamente 600 mil postos de trabalho. As maiores perdas serão no norte da Europa - 223 mil, Alemanha - 134 mil, França - 130 mil, e também o sul da Europa - 90 mil;

- O acordo levará a perdas nos rendimentos dos governos. A margem de renda em cima de impostos indiretos em relação aos subsídios do governo se reduzirá em todos os países europeus. Isso se dará mais fortemente na França onde as perdas totais será de 0,64% do PIB. A deficiência nos orçamentos governamentais de todos os países europeus aumenterá com possível excesso dos indicadores fixados pelos acordos de Maastricht em 3%[5];

- O acordo causará aumento de instabilidade financeiro, acúmulo de desequilíbrios, a redução da renda de exportações, redução salarial para a população e também redução dos rendimentos governamentais. Nessa situação, a demanda terá que ser mantida pela renda e por investimentos. Ao mesmo tempo, contra as taxas decrescentes de consumo, o crescimento em vendas não será capaz de agir como força de impulsão. O crescimento do custo de bens que darão suporte à renda e aos investimentos (geralmente no setor financeiro) se tornará uma opção mais realista. A ameaça potencial de instabilidade macroeconômica em tal modelo de desenvolvimento é bastante conhecida e isso já foi demonstrado pela última crise financeira[6].

Crise da Cultura Europeia


A formação do espaço geral da UE forçou a criação de programas especials para ressaltar a unidade dos países da comunidade. Porém, ao invés de apelar para fatos históricos e para as tradições europeus (i.e. ressaltando os valores pluralistas), incluindo as raízes cristãs, Bruxelas provocou a criação de um modelo pós-moderno, mais conhecido como multiculturalismo. Líderes da Alemanha e da França oficialmente declararam a falência desse modelo há alguns anos. Ainda que a crítica do multiculturalismo esteja geralmente conectada a um desequilíbrio demográfico e ao processo de islamização da Europa (e agora a UE deve adotar as normas de seus próprios cidadãos nativos, em face da cultura islâmica, que é mais resistente do que o conjunto amorfo de regras "europeias"), as raízes do problema são mais profundos, e possíveis consequências podem ser muito mais sérios (mas também abraços hipócritas sob a bandeira da tolerância geram figuras como Anders Breivik). Não é apenas uma questão de emasculação da memória histórica e sua substituição por um simulacro cultural banal, mas também por um sistema educacional que institucionaliza a degradação intelectual. Finalmente, isso pode levar à desumanização e a mudança da imagem antropológica da Europa. Um dos fatos tristes desse processo - adoção de lei sobre casamentos homossexuais que mostra a próxima crise ligada à orientação sexual.

Crise da Identidade de Gênero

O projeto de transhumanidade promovido pelos EUA com frequência cada vez maior é percebido na UE como o mecanismo de destruição dos povos europeus de cultura e história ricas. Infelizmente, um número de leis, como a legalização dos casamentos homossexuais e a educação de gênero, já foram implementados em países europeus, mas eles causam séria resistência na vasta maioria da população e podem ser reconsiderados no futuro. Não obstante, isso afeta seriamente a imagem da UE. A Europa é vista cada vez mais como berçário da sodomia e da legalização de perversões. A narrativa sobre a Gayropa[7] já se tornou propriedade tanto de um discurso comum como de pesquisas científicas.

Crise Político-Militar

O conflito ucraniano e um falso alvo na forma da Rússia teve um impacto essencial sobre a reestruturação das forças armadas da UE ou para ser exato, predeterminou o plano de ações manipulativas tomados pelos EUA na arena europeia. Os países da UE dentro da OTAN se tornaram reféns de instruções de Washington, tendo desenvolvido a operação de longo prazo "Determinação Atlântica".

Além do debate sobre o papel da OTAN, a necessidade dos pagamentos correspondentes ao nível de 2% do PIB e a criação de forças europeias de reação, na UE parece haver um problema relativo a opiniões divergentes sobre a própria estratégia de ações.

Em 22 de fevereiro de 2015 o grupo político-militar enviou uma carta de recomendação ao Conselho da Europa em que era especificado que todos os membros da UE devem apoiar politicamente a realização de operações ou missões, mas apenas um número limitado deles deseja fazê-lo e tem possibilidade de participar de ações militares[8].

A recomendação do grupo político-militar da UE compeliu à adoção da nova provisão do mecanismo de financiamento geral da administração de operações militares da União Europeia, conhecido sob o codenome "Athena". A ideia principal é apresentar a UE como fonte de segurança.

Notaremos que várias missões civis e militares da UE são agora realizados em países situados longe das fronteiras da União Europeia: Afeganistão, Djibuti, Somália, Seichelles, Tanzânia, República Democrática do Congo, Mali, Niger, República Centro-Africana, Palestina, Kosovo, Bósnia, Geórgia e Ucrânia.

Em 27 de março de 2015 foi tomada a decisão 2015/528, que aprovou 49 pontos e 2 apêndices sobre financiamento, compensação e o registro durante preparação e realização de tais operações. Esse documento pesado e burocrático sofreu críticas do público por seu distanciamento da realidade. Em geral, um desequilíbrio entre desejos e possibilidades, especialmente financeiras, foi declarado como a crise do sistema político-militar da UE[9].

Crise da Boa Vizinhança

A política de vizinhança do UE possui longa história. Oficialmente ela é dirigida para a criação de zonas amistosas na Europa Oriental, Norte da África, Oriente Médio e Sul do Cáucaso. Em verdade, parte dos projetos se transformaram em instrumentos de expansão política e econômica (projetos de "Parceria Oriental" e "Parceria Sulina") operando no esquema do "poder suave". Por outro lado, a ausência de uma compreensão profunda das necessidades e interesses dos países vizinhos levou à emergência e escalada dos conflitos ao sul do Mediterrâneo que causaram um efeito dominó e um desastre humanitário no Norte da África e no Oriente Médio.

Deve ser notado que a UE usualmente conclui acordos de associação em troca da obrigação de realização de reformas políticas, econômicas, comerciais ou jurídicas. Em troca disso, o Estado associado pode conseguir acesso livre de barreiras alfandegárias a alguns ou toros os mercados europeus, ao mercado de produtos agrícolas, etc., bem como assistência técnica e financeira.

É importante notar que entre os países da parceria sulista apenas a Argélia e a Síria tiveram balança comercial positiva com a UE de 2000 a 2011, mas em ambos os casos isso esteve ligado à exportação de vetores energéticos. Para todos os outros países sulistas da política de vizinhança europeia, uma déficit comercial foi registrado.

Dados do Eurostat dão as seguintes estatísticas sobre os países[10]:

Argélia - 2005 - 11.460 milhões de euros, 2010 - 5.445 milhões de euros;
Egito - 2005 - 1.066 milhões de euros, 2010 - 6.843 milhões de euros;
Israel - 2005 - 4.095 milhões de euros, 2010 - 8.244 milhões de euros;
Jordânia - 2005 - 1.964 milhões de euros, 2010 - 2.261 milhões de euros;
Líbano - 2005 - 2.845 milhões de euros, 2010 - 4.272 milhões de euros;
Marrocos - 2005 - 2.228 milhões de euros, 2010 - 5.140 milhões de euros;
Palestina - 2005 - 192 milhões de euros, 2010 - 267 milhões de euros;
Síria - 2005 - 1.916 milhões de euros, 2010 - 115 milhões de euros;
Tunísia - 2005 - 626 milhões de euros, 2010 - 1.163 milhões de euros.

Em outras palavras, estes Estados receberam mais bens e serviços europeus, mas não venderam seus bens para países da UE. Isso é típico para economias com foco liberal, quando um país ou um grupo de países cria condições especiais para a penetração nos mercados de outros países, sob o disfarce do mercado aberto e do livre-comércio, ao mesmo tempo utilizando medidas protecionistas para certos tipos de produção de modo a proteger seus próprios produtores. Os dados fornecidos no relatório de 2013 "Países da Política de Vizinhança Europeia. Indicadores Macroeconômicos Essenciais" publicado pela Comissão Europeia testemunha convincentemente que a UE foi a vencedora, e indubitavelmente os países da parceria sulista não o foram.

A análise de ações da UE em relação aos Estados enquadrados neste esquema de "parceria" levou a um entendimento em muitos desses países de que, em verdade, tais projetos são uma forma velada de neocolonialismo. Como resultado, um número desses países se recusou a aceitar várias ofertas da UE. E em outros países (Moldávia, Ucrânia) as concessões europeias dos programas da "Parceria Oriental" simplesmente se dissolvem em esquemas de corrupção.

É claro, as posturas russofóbicas, de sanções à histeria midiática, são o exemplo mais óbvio da falsa estratégia de vizinhança.

A Próxima Crise - Um Problema Migratório

Os enormes fluxos de refugiados e imigrantes na UE são uma consequência das ações anteriores da UE nos países da Ásia, África e Oriente Médio. Ademais, os africanos e asiáticos assimilados (segunda e terceira gerações das antigas colônias) são um elo intermediário entre novos imigrantes e europeus indígenas. E leis adotadas anteriormente não permitem a resolução de questões humanitárias, e isso leva a situações absurdas e tragicômicas.

Bruxelas chegou recentemente ao ponto em que uma oferta de aquecer os navios transportando imigrantes ilegais foi considerada. Assim, as afirmações sobre necessidade de missões humanitárias e tolerância não são mais que uma política hipócrita de duplicidade. Pesquisas em países da UE mostram que a população local é categoricamente contra novos fluxos de imigrantes ilegais de países da África, Ásia e Oriente Médio. Enquanto isso, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu sincronicamente sugerem estabelecer quotas para os imigrantes que, em primeiro lugar, afetarão países da Europa Oriental, onde já existe uma situação demográfica deplorável.

A distribuição dos imigrantes em antigos campos de concentração, nos quais nazistas matavam pessoas durante a Segunda Guerra Mundial, é mais uma tentativa de construir uma boa mina em um jogo ruim.

Crise na Estratégia Energética

Sanções contra a Rússia impactaram diretamente a política energética da UE. O conceito do terceiro pacote de energia contradiz diretamente interesses nacionais de vários Estados que possuem deficiências em seus próprios recursos e contavam com as relações com a Rússia. O benefício econômico vinha tanto do trânsito de gás, como do consumo direto. Mas um número de países são forçados a sofrer com as humilhações da Comissão Europeia.

Ainda que se fale oficialmente na necessidade de criar uma posição consolidada e trabalhar para o ben dos interesses de todos os membros da UE, na prática ocorre diferente. No relatório do instituto alemão sobre questões internacionais e segurança devotado à política energética é especificado que "o discurso sobre a união energética pode ser interpretado geralmente como sintoma da crise na integração da UE"[11]. Apesar de todos os progremas e estratégias ofertados, incluindo a regulamentação da distribuição de gás, energia verde e mudanças climáticas, os autores especificam que apenas uma abordagem pragmática pode trazer resultados. É necessário considerar que este instituto desenvolve política externa para a Alemanha e essas recomendações significam uma preponderância da vontade de Berlim sobre outros Estados. Considerando a capacidade institucional dos alemães, é possível supôr que a Alemanha planeja assumir o gerenciamento por trás dos panos da futura união energética com ênfase em renováveis. Qualquer vazamento dos planos alemães e violação dos interesses dos países que agora tem possibilidade de uma escolha de fontes de recursos energéticos pode gerar uma crise ainda mais profunda entre membros da UE.

Crise das próprias promessas

A impressão que se tem é a de que os cidadãos europeus tem memória política muito curta. Eles esquecem rapidamente não apenas as promessas de seus líderes, mas também um exemplo particular: A declaração de Tessalônica de 2003 [12] ainda não foi implementada. Os Bálcãs ocidentais por mais de 10 anos não se tornaram uma região próspera e segura. Pelo contrário - a situação de muitos países da região piorou. E a causa é: uma política míope da UE.

Crise de Ideias

Estranhamente, muitas das crises consideradas estão ligadas à ausência de ideias entre políticos europeus. Uma impenitência de pensamento e o comprometimento persuasivo ao bloco limitado de esquemas ligados à ideologia neoliberal em suas várias formas (da esquerda trotskista à direita militarista) nem permite um olhar adequado e objetivo aos processos orgânicos, nem os estima com um prospecto temporário e histórico. Isso, por sua vez, bloqueia a possibilidade de previsões e dispensa a criação de cenários realistas, na medida em que a maioria das previsões parece estar errada.

Talvez as pessoas que tomam decisões na UE devessem olhar umas para as outras e olhar com maior razoabilidade para o curso das coisas, sem negar o uso de outros modelos de gerenciamento político.

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[1] Leonid Savin is the Chief Editor of Katehon magazine and Director of the social-political programs in the Institute of Economics and Legislation (Moscow, Russia).
[2] Asle Toje. The European Union as a Small Power: After the Post-Cold War. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2010
[3] http://www.statewatch.org/analyses/no-257-ttip-ralf-bendrath.pdf
[4]http://www.hoganlovells.com/hogan-lovells-forms-coalition-forprivacy-and-free-trade-03-18-2013
[5] http://deutsche-wirtschafts-nachrichten.de/wp-content/uploads/2014/11/TTIP-Studie-Tufts.pdf
[6] Eric Zuesse, Obama’s Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) Would Be Disastrous for Europe // Global Research, November 18, 2014 http://www.globalresearch.ca/obamas-transatlantic-trade-and-investment-partnership-ttip-would-be-disastrous-for-europe/5414546
[7]Oleg Riabov, Tatiana Riabova. The decline of Gayropa? // http://www.eurozine.com/articles/2014-02-05-riabova-en.html
[8] PMG Recommendations on Article 44 TEU, Brussels, 11 February 2015
[9] COUNCIL DECISION (CFSP) 2015/528 of 27 March 2015 establishing a mechanism to administer the financing of the common costs of European Union operations having military or defence implications (Athena) and repealing Decision 2011/871/CFSP // Official Journal of the European Union, 28.3.2015
[10]http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-32-12-269/EN/KS-32-12-269-EN.PDF
[11] Severin Fischer and Oliver Geden. Limits of an “Energy Union”, SWP Comments 28, May 2015, Р. 3.
[12] http://www.cespi.it/Rotta/dich-Salonicco.PDF

28/08/2015

Leonid Savin - Os Cinco Grandes, Segurança Eurasiática e Outros Projetos

por Leonid Savin



Nos idos de 2001, um importante analista da companhia bancária americana Goldman Sachs Group Inc., Jim O'Neill, usou o acrônimo BRIC para descrever as economias em desenvolvimento. Ainda que ele a tenha utilizado no contexto de um paradigma neoliberal global, a Rússia "cooptou" o termo, propondo ao Brasil, à Índia e à China construir uma cooperação multilateral. Em relativamente pouco tempo, muito foi feito para desenvolver mecanismos de interação. Posteriormente, a África do Sul se uniu aos quatro países (e o acrônimo BRICS nasceu).

Agora, os cinco países, que ocupam 26% da área territorial do planeta, representam 42% da população mundial e geram 27% do PIB mundial, são considerados como o novo ator coletivo do mundo multipolar, baseado no princípio da descentralização e na habilidade de responder aos desafios do século XXI. Como o vice-Ministro de Relações Exteriores russo Sergei Ryabkov, na sua coletiva de imprensa durante a Cúpula dos BRICS e da SCO em Ufa em 9 de julho de 2015, disse, "a prática dos BRICS não tem precedentes na política internacional", e o grupo de Estados tornou-se "um fator importante nas relações internacionais". Os BRICS estão se tornando gradativamente os novos "Oito Grandes", mas apenas na base da igualdade, da transparência e do consenso entre todos os membros.

A última cúpula em Ufa mostrou que o tom informal no qual a cooperação estava baseada não impediu a criação de uma associação internacional completa, mais democrática do que outras alianças do último século. Em Ufa, um plano para ações futuras foi aprovado - um tipo de sumário da matriz operacional dos BRICS para o futuro próximo. Ele inclui uma declaração de finalidades, a estratégia da parceria econômica e anuncia a abertura de um departamento virtual - o site oficial dos BRICS, que publicará documentos oficiais e materiais relevantes. O Banco dos BRICS foi inaugurado e uma reserva de ativos estrangeiros foi formada. Seu capital combinado é de 200 bilhões de dólares. Os primeiros projetos financiados ocorrerão na primavera de 2016, não limitados aos cinco países, mas possuindo caráter global. Essencialmente, é uma alternativa financeira ao FMI dos Rothschilds, fazendo investimentos em setores necessitados da economia real dos países, e não conduzindo transações especulativas ou fornecendo empréstimos onerosos, como o fazem bancos estrangeiros, mercados de capitais e fundos.

Também, entre os países dos BRICS a cooperação será reforçada em questões financeiras e econômicas. Particularmente, o diretor de Questões Europeias e Centro-Asiáticas Gui Congyou notou que a Rússia é uma prioridade para investimentos chineses, o que será feito não apenas em infraestrutura, mas na construção de casas baratas e em alta tecnologia também.

O ano da presidência russa dos BRICS tem sido muito dinâmico. Como o Presidente da Rússia Vladimir Putin disse em 9 de julho, "no ano da presidência russa nós conduzimos os primeiros encontros para fóruns civis, parlamentares e da juventude dos BRICS. A criação da Universidade de Rede dos Brics está em processo tanto quanto o estabelecimento do Conselho de Regiões de nossa organização".

Deve ser acrescentado que a cooperação está acontecendo agora não apenas nos campos financeiro e econômico do bloco: encontros ministeriais tem sido realizados para questões de saúde, educação, agricultura, impostos, ciência e tecnologia, seguridade social, comunicações, trabalho e emprego e cultura. A coordenação crescente entre os países afetou virtualmente todas as questões internacionais agudas, de conflitos regionais e ameaça do narcotráfico ao setor espacial e pirataria marítima. Para isso, todas as técnicas que podem tornar relações multilaterais burocráticas foram deliberadamente evitadas. Os líderes de todos os países dos BRICS concordaram com a opinião de que o atual formato antiburocrático deve ser mantido.

Isto indica o lado civil dos BRICS similarmente. A questão, abordada na Cúpula em Ufa, foi também discutida na véspera do fórum em Moscou com a participação de especialistas. Em particular, através do Conselho Empresarial dos BRICS muitos acordos foram feitos, enquanto líderes sindicais davam suas recomendações aos Chefes de Estado dos BRICS. O Presidente da Federação de Sindicatos Independentes da Rússia, Mikhail Shmakov, em uma reunião com Vladimir Putin, também assinalou a necessidade de evitar quaisquer métodos do neoliberalismo, que é o culpado por todas as crises globais atuais. Esta é uma observação importante mostrando que os BRICS estão em consenso a nível de ideologia política, um que guiará os países participantes.

Os BRICS também podem ser considerados como um clube em que os membros seguem o princípio da reciprocidade. o Primeiro-Ministro indiano Narendra Modi durante um encontro em formato maior de líderes dos BRICS indicou a importância de completar uma reforma na ONU e seu Conselho de Segurança. Segundo ele, isso ajudará a responder mais efetivamente a quaisquer chamados. Muito reveladora foi a afirmação do líder indiano sobre sanções - que apenas sanções da ONU tem qualquer poder, enquanto todo o resto é tentativa de alguns países de ditar seus termos, o que é inaceitável. Dilma Rousseff, Presidente do Brasil, também levantou a questão da reforma da ONU e da disponibilidade de participar em vários projetos da harmonização de fluxos migratórios ao controle de mudanças climáticas.

É significativo que outros países estão mostrando um interesse crescente nos BRICS. Por exemplo, no fórum financeiro dos BRICS/SCO, que ocorreu em 8 de junho, o vice-presidente do Banco de Desenvolvimento Industrial da Turquia Çigdem Içel também estava presente; ademais, a participação formal dos Chefes de Estado da SCO na Cúpula dos BRICS como convidados elevou grandemente o status do evento. Porém, excetuando a agenda oficial, os líderes puderam se comunicar em um cenário informal, discutindo um número de questões que são igualmente importantes para construir uma parceria confiável.

O Ocidente se comportou de sua maneira característica de duplicidade e guerra informacional. Por exemplo, a publicação da Bloomberg foi totalmente manipulada, como se a economia agregada dos BRICS quase tivesse alcançado a economia americana. Isto não é verdade, já que segundo o FMI só a China já ultrapassou os EUA em 2014; o Conselho de Relações Exteriores, falando de forma mais realista, apontou que os BRICS reduzirão a influência do Ocidente. Stratfor acrescentou que os BRICS e a SCO evoluíram a um tipo de plataforma para mobilizar resistência contra os EUA. Ostensivamente, analistas americanos não ouviram ou não quiseram ouvir as afirmações repetidas das primeiras pessoas e ministros de que os BRICS não estão dirigidos contra qualquer Estado ou potência, possuindo uma agenda aberta. Similarmente, a SCO foi estabelecida para resolver questões de segurança regional na Eurásia, bem como para participar na produção de energia e na criação de corredores de transporte.

Mas é claro, as duas estruturas responderão adequadamente às tentativas de solapar a soberania ou interferência em questões internas. Na cúpula, os lados chinês e russo afirmaram e reafirmaram a importância de se preservar a justiça histórica e a necessidade de resposta imediata para quaisquer esforços de se justificar fenômenos como o nazismo.

A cúpula da SCO, ocorrendo imediatamente após os eventos dos BRICS no mesmo lugar, também esteve marcada por decisões importantes. Pela primeira vez na existência da organização a recepção de novos membros, Índia e Paquistão, ocorreu. Ademais, houve um acordo para a elevação no status de participação da República da Bielorrússia ao de Estado observador da SCO. Na qualidade de parceiros de diálogo da organização, uniram-se Azerbaijão, Armênia, Camboja e Nepal. Em uma das coletivas de imprensa em Ufa, um jornalista ocidental levantou a questão dos vários problemas entre Índia e Paquistão e como eles poderiam cooperar, se permanecerem as diferenças e o potencial para conflito. O ponto é que a SCO está trabalhando em um paradigma completamente diferente ao do Ocidente, que adere à escola do realismo político, com práticas de elementos como dissuasão, confrontação, conflito de interesses e daí em diante. A SCO está desenvolvendo toda uma nova abordagem de segurança coletiva, ao mesmo tempo que respeita os interesses e soberania de todos os membros da organização. É provável que, com este formato, ela seja até mesmo capaz de ajudar a normalizar as relações entre Armênia e Azerbaijão.

Muito importante é o fato de que a adesão da Índia e do Paquistão à SCO torna esta uma aliança de quatro potências nucleares. O Presidente uzbeque Islam Karimov acrescentou que isto poderia mudar o equilíbrio de forças no mundo. Não menos relevante é a questão da participação futura da República Islâmica do Irã. Enquanto Teerã estiver sob sanções da ONU, isto não é possível. Mas, como dito pelo Ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov, o Irã fez importantes progressos com diálogos entre os seis países e podemos esperar que no futuro este problema seja resolvido - a não ser que o Ocidente tente rever a estrutura dos acordos alcançados antes, como já aconteceu em outras situações.

Na cúpula da SCO um programa de cooperação na luta contra o terrorismo e o separatismo nos anos de 2016-2018 foi também aprovado (é digno notar que, nesta época, a direção do Comitê Executivo da SCO estará nas mãos da Rússia) e o desenvolvimento da Convenção da SCO para Combate ao Extremismo foi iniciado, bem como o estabelecimento do Centro de Resposta a Ameaças e Desafios à Segurança dos Estados-membros da SCO com base na Estrutura Regional Antiterrorista (RATS). A organização terrorista "Estado Islâmico" foi reputada como uma séria ameaça e todos os membros da SCO reiteraram sua intenção de combatê-la e outros extremistas internacionais.

O desenvolvimento da estratégia da SCO até 2025 foi aceita e a Declaração de Ufa foi adotada. A estratégia diz que a SCO trabalhará "em favor da construção de um sistema democrático policêntrico de relações internacionais", referindo-se também à fundação de um espaço de segurança indivisível. Também importantes são os princípios e valores designados de Estados e povos, nos quais as características históricas e a identidade de todos os Estados-membros são levados em consideração.

Em seu discurso dedicado aos resultados das duas cúpulas, o Presidente russo Vladimir Putin mostrou que está sendo feito um trabalho para "criar o Banco de Desenvolvimento da SCO e o Fundo de Desenvolvimento da SCO. A ideia de ter instituições com base na Associação Interbancária do Centro Internacional de Financiamento de Projetos da SCO é muito promissora". Ademais, o líder russo pediu um uso mais ativo das possibilidades da SCO inerentes aos BRICS.

Mas tirando o par BRICS-SCO, há muitos projetos regionais que naturalmente se unirão a ambos formatos. Assim, os líderes da Rússia e da China declararão que estão dispostos a trabalhar proximamente na implementação de dois projetos de integração - a União Econômica Eurasiana e o Cinturão Econômico da Estrada da Seda. Ademais, há relações trilaterais, tal como entre Rússia-Mongólia-China. Em paralelo à cúpula dos BRICS, os líderes dos três países concordaram em intensificar os trabalhos em uma série de frentes - da criação de projetos de infraestrutura a atividades culturais e de informação. Como o Chefe de Governo da China Xi Jinping pontuou, "é necessário formar uma comunidade de destino mútuo e promover a multipolaridade".

Os BRICS também coordenarão a defesa de sua posição dentro do Grupo dos Vinte (G20). Ademais, esta plataforma será usada para diferentes projetos dentro dos BRICS e da cúpula do G20 em novembro deste ano, a ser realizada na Turquia, continuando a discutir a preparação do banco e de outras tarefas identificadas na Declaração de Ufa.

Tudo isto automaticamente significa que qualquer tentativa de manipulação externa, mesmo sob pretextos plausíveis (por exemplo, os EUA estão ativamente promovendo o projeto de uma Nova Estrada da Seda), está destinada ao fracasso. E o mundo com a assistência dos BRICS e da SCO será mais seguro e harmonioso.

12/11/2014

Leonid Savin - O Nacionalismo do Donbass

por Leonid Savin

Traduzido por Raphael Camisão



Os eventos em andamento no sudeste da Ucrânia revelam um fenômeno extremamente importante. Ele não age somente como o indicador de um front da luta geopolítica entre o Ocidente e um agremiado da construção mundial multipolar, da ruptura no coração da própria natureza do Estado ucraniano (que, nos últimos tempos, intervém como satélite e cliente de Washington e de Bruxelas), do crescimento da consciência política dos cidadãos (no sentido que os cidadãos defendem seus direitos e liberdades com armas na mão ao invés de serem sujeitos a um Estado weberiano fraco e incapaz de protegê-los tanto da arbitrariedade de seus oponentes políticos  quanto de continuar cumprindo suas obrigações sociais), mas, também, a manifestação de um novo nacionalismo, único em suas características e objetivos.

Muitos são os que têm o hábito de contemplar o nacionalismo de acordo com duas características fundamentais, uma baseada na cultura, compreendendo a língua (versão alemã), e, outra, na política (variante francesa). No entanto, o nacionalismo tem, no fundo, uma variedade muito maior de atributos, em qual entram a etnia, a solidariedade do grupo, as autorrepresentações e identificações. É exatamente de acordo com esta abordagem que examinamos os processos de desintegração do Estado ucraniano, desenvolvendo-se atualmente no Sudeste, e que nos identificamos como a expressão do nacionalismo do Donbass.

O caráter político do processo aparece de maneira suficientemente evidente a partir do momento que vemos claramente a noção de sujeito político se encarnar em Lugansk, Donetsk, Slaviansk, e numa série de outras cidades. Tal qualidade de sujeito político entrou em sua fase ativa de formação no período de conflito, como foi o caso na Abecásia e na Ossétia do Sul, em um momento em que, no contexto de aversão aguda da política extremamente chauvinista do presidente georgiano Gamsakhurdia, inflamaram-se os centros de resistência e reverberaram-se as declarações de independência da Geórgia.

Nas outras regiões do mundo, podemos observar semelhantes aspirações à construção do sujeito político. Estão ligadas ao fator étnico e conhecem as diversas vias de resolução. Agitam-se na Grã-Bretanha o nacionalismo irlandês e o escocês, e, na Espanha, o basco e o catalão. Os partidários da unificação e da criação de uma nação ucraniana unitária seguem, intencionalmente, em silêncio, apesar de serem exatamente os movimentos nacionalistas europeus que vêm em mente desde que se convocou a ideia de nação. Evidentemente, a Ucrânia estava fadada às diferentes formas de etnonacionalismo, ao menos se vista do ponto de vista da geografia política: em comparação aos outros países da Europa, esta antiga reública soviética é grande demais para ser uma massa uniforme, homogênea em termos de cultura nacional, histórica e prática sociopolítica. Fica claro que, à parte de um nacionalismo artificial, e, em grande parte, teórico dos supérfluos banderistas, existem na Ucrânia outras formas identitárias, do da Rutênia, a extremo-oeste, até a Sloboda, e, própria desta, do Império Russo a leste.

De acordo com a tipologia, o nacionalismo do Donbass pode ser definido como sendo de tipo misto. Por um lado, é situacional, isto é, dotado de uma especificidade construtivista, contra a qual se colidem os esquemas da Junta de Kiev. Mas, pelo outro, é primordial, isto é, dispõe-se de profundas raízes históricas, pelas quais convém clamar um conhecimento subjacente. A deficiência da política liberal à francesa dos oficiais de Kiev ao longo dos dez últimos anos fez com que o embrião do nacionalismo do Donbass pudesse crescer e se reforçar com todas suas variantes, todas enraizadas em uma única plataforma global.  Se em seus tempos lhe tivesse sido introduzido o federalismo, seria possível que a Ucrânia tivesse fugido da situação atual. E no contexto de um nacionalismo, inclusivo, oficial a diferentes níveis, linguísticos e culturais, poderíamos ver algo semelhante ao que existe nos Estados Federados da Alemanha e os cantões suíços (tomamos tais variantes em consideração, levando em conta a aparição frequente do vetor e da escolha europeia da Ucrânia em nome de suas diferentes forças políticas ao longo dos quinze últimos anos). Mas não se fez isso.

Na medida que os aspectos primordiais se situam o mais frequentemente sobre a argumentação dos movimentos nacionalistas (e de libertação nacional), é necessário que se examine em detalhe todas as fases históricas que lhe são associadas a fim de propôr uma sucessão única de camadas, que podem incluir uma mitologia própria, como a memória histórica. Uma primeira fase diz respeito ao período proto-estatal, deixando de lado as especificidades da clara expressão de "Estado moderno", associadas à compreensão da soberania. Aqui são revelados fatores interessantes, tais como a presença dos alanos (sármatas e citas) na região do Baixo Don, e, mais acima, pela margem esquerda do Dniepr e ao norte do litor do Mar de Azov. Assim, ainda que a Crimeia esteja integrada à esfera do mundo helênico, o Donbass é parte da esfera cultural alano-sármata.

A segunda fase, relativa ao período das grandes migrações dos povos, experiencia a passagem de numerosos povos através do território que examinamos, assim como a instalação de alguns destes no território. Além dos eslavos, chegaram povos turcófonos, como pechenegues e cumanos, todos recebendo o nome de "chapéus negros". O próprio território foi dominado pelo Caganato dos Cazares, assim sendo integrado à Horda Dourada.

Ao longo da terceira fase, a região se tornou "terra nullius", em selvageria vazia de estrutura política clara, contígua à periferia das possessões de diferentes potências (Império Russo, Reino da Polônia, Canato da Crimeia e Império Otomano), onde os interesses rivais podiam provocar conflitos bélicos. É apropriado ressaltar a carta mandada de Ivã, o Terrível para o Cã da Crimeia, em que indica que os cossacos vivendo no território e importunando os tártaros não tinham ligação alguma com o império moscovita. Eram um povo livre. Mas não ficariam mais tanto tempo autônomos, já que os "grandes jogadores" conseguiriam controlar seus meios de comunicação terrestres, fluviais e marítimos, assim como constituíram zonas mediadoras destinadas a proteger a metrópole de quaisquer surpresas.

E assim foi criada a "Nova Rússia", quando, ao longo da guerra contra o Império Otomano, apropriou a região marginal do Mar Negro, assim como os distritos mais remotos. É de extrema importância observar que a região do Donbass foi influenciada pelo fator do cruzamento de culturas, estas sempre relacionadas por uma identidade cristã ortodoxa comum. Nos atuais distritos de Lugansk e Donetsk apareceu uma unidade militar e agrícola com o nome de "Eslaviano-Sérvia", e, igualmente, na época do avanço turco pelos Balcãs, emigrados da região dos sérvios, dos montenegrinos e dos valacos. Assim, uma outra unidade aparece no distrito de Kirovograd: a "Nova Sérvia". De fato, apareceu sobre o território de Slaviansk, ainda antes, um destacamento de guerreiros montenegrinos que se instalaram dentro das fortalezas de Tor (onde foi a localidade de Ostrozhets até 1637). Nós observamos no nome deste lugar uma conotação interessante. O cientista noruguês Thor Heyerdahl, grande viajante e explorador, ao tentar remontar as origens da mitologia escandinava, chegou à conclusão que a divindade suprema do panteão pagão, Odin, fora um personagem histórico, chefe de um povo, que remonta do Don inferior até o norte da Europa. Como sabemos, Odin contava em suas suítes com Thor, portador do trovão, e envolvido diretamente com guerra e práticas bélicas. Thor sacrifica seu braço a fim de que os deuses enganassem a astúcia do lobo Fenrir, encarnação do mal na mitologia escandinava.

A fase seguinte foi a unificação territorial e política pelo Império Russo, através da constituição da terra (mais tarde, "Oblast") do Exército de Don. Aqui se combinam os fatores religiosos e o cossaco. A maioria dos cossacos rejeitou as reformas do Patriarca Nikon e mantiveram para si a "velha fé". A esta fase se sucedeu o período da Revolução de Outubro, marcada pela tentativa da criação República Socialista Soviética de Donetsk-Krivoi Rog.  No entanto, o território foi integrado à Ucrânia.

Em seguida vem a época da modernização stalinista, em que um fluxo de novas pessoas chegando contribuiu para o estabelecimento da indústria regional. Fica claro que o caráter trabalhador e as explorações heroicas dos mineiros e dos metalúrgicos, em oposição às figuras trabalhosas de marchantes e políticos (a criptoburguesia), exerceu igualmente uma influência no processo profundo de prisão de consciência identitária "do Donbass". Esta fasse se prolonga organicamente pelo período pós-soviético, em que se pode escutar da própria boca dos habitantes da região "somos do Donbass", mais que se evoca toda a noção de pertencimento ao território ucraniano em sua integridade.

O fator da indústria mineradora teve igualmente significância determinante na formação da visão própria de mundo dos habitantes do Donbass. O trabalho nas minas é perigoso. Frequentemente a morte é encontrada, por uma pessoa ou por um grupo. Uma percepção da morte e uma relação com ela, especialmente particulares, são desenvolvidas, estranhas aos habitantes da Polésia ou de Lwów. Os nacionalistas de Lwów preferem à morte a evasão em direção à "Europa das Luzes", ou a uma nova pátria, como o Canadá, ou a Chicago norte-americana. Assim fizeram seus predecessores depois que haviam decidido unir-se à luta da CIA contra a União Soviética. Em Donbass, seus resistentes hodiernos vivenciam um espírito elevado e apaixonado próprio dos habitantes da região.

Em 1991, ao chamado de Kravchuk, a intelligentsia (incluindo a diáspora) envolveu-se no processo de formação de um novo Estado ucraniano. A construção de um semblante extraordinário, tal a elaboração de um mito, narrando os grandes ancestrais, os "ucraniopitecos", os arianos. Era necessário fixar os fundamentos de uma primordialidade da ideologia ucraniana. Debruçava-se mais sobre o delírio intenso e as alucinações de espíritos doentes que sobre a investigação científica e um programa, isto para presidir o nascimento de novas elites estatais e a educação de um espírito patriótico. O nacionalismo banderista é, por natureza, exclusivo, e as contradições internas em relação ao nacionalismo ucraniano, dominante sobre outras ideologias do século XX, exerce uma função mais repulsiva que atrativa. Perante tais contradições dissimulam-se habitualmente os nacionalistas atuais em suas linhas, ainda que, em sua grande maioria, estejam longe de dispor dos conhecimentos teóricos de Dontsov, Lipa, Stetsko, Mikhnovski, e de outros apologistas do nacionalismo ucraniano.

Além disso, convém remarcar que a região do Donbass não foi submetida à expansão greco-católica que sofreu a Ucrânia Ocidental. Assim, é da Igreja Ortodoxa Russa do Patriarcado de Moscou que provém a posição dominante. Alguns poucos hereges, os filaretianos, que se dizem fiéis ao Patriarcado de Kiev, algumas extensões tardias do unismo e diferentes correntes protestantes não têm papel significante algum na formação do estado de espírito nos oblasts de Lugansk e Donetsk, onde seus adeptos e pregadores suscitam a aversão.

Resumidamente, observamos a aparição de um novo fenômeno, único e interessante: o nacionalismo do Donbass. Ao mesmo tempo, manifesta-se como forma intrínseca de um nacionalismo russo mais vasto, por sua estrutura ser obra dos mesmos fundamentos do nacionalismo russo, este exercendo uma função de cúpula, como uma ligação com a Rússia, particularmente com os distritos do Sul, historicamente ligados ao Donbass. Por fim, independentemente da questão da guerra que atualmente segue entre Don e Dniepr, é evidente que o nacionalismo do Donbass se integra organicamente com o mundo russo da Eurásia.

28/05/2014

Leonid Savin - A Situação Ucraniana em Resumo

por Leonid Savin


A principal tendência na mídia de massa americana e européia descrevendo eventos na Ucrânia é a seguinte: após a queda do regime Yanukovich, revoltas tiveram início, que são apoiadas, em particular, pela Federação Russa. A mídia de massa americana e européia ("ocidental") propositalmente mantém silêncio em relação ao papel que fundos e ONGs "ocidentais" desempenharam no início do atual conflito civil e seu papel na escalada do conflito.

Em geral podemos ver um número de fatores que ajudam a descrever o que está acontecendo na Ucrânia.

1 - O governo atual em Kiev é simplesmente incapaz: até agora não há oferta de qualquer plano para superar a crise e nenhum trabalho em uma estratégia para o desenvolvimento da sociedade e do Estado ucranianos.

2 - É óbvio que o poder legislativo ucraniano está paralisado por um grupo de usurpadores que usam seu poder para conseguir a adoção de leis "inventadas".

Porém, também há casos em que os "inventores" violam suas próprias "leis". Por exemplo, em fevereiro de 2014, sob a pressão do "Maidan" uma lei foi adotada que proíbe o uso de forças policiais ucranianas, de forças do serviço de segurança e o exército contra cidadãos. A lei estipulava, em particular, que essas forças não poderiam ser usadas contra cidadãos participantes de manifestações e protestos.

É digno notar que o "Maidan" é usado para descrever o centro das revoltas em Kiev. A tradução direta em inglês é "praça". Isto estando dito, o "governo" em Kiev agora usa a polícia e tropas do exército com artilharia, veículos blindados e helicópteros contra os habitantes de Donetsk, Lugansk, Kramatorsk e outras cidades no sudeste ucraniano.

3 - O principal slogan das pessoas que estiveram no "Maidan" foi "luta contra corrupção e a dominação da política pelos oligarcas". Agora o "governo" em Kiev indica oligarcas como governadores regionais, isto é, chefes das administrações regionais. Ao mesmo tempo, a corrupção se torna verdadeiramente monstruosa.

As expectativas dos cidadãos ordinários que apoiaram o "Maidan" tem sido enganadas. Quanto aos negócios na Ucrânia, deve ser dito que todos os negócios agora tem que pagar "impostos" adicionais para as assim chamadas estruturas ou corpos estatais, que não são capazes de resolver qualquer dos problemas urgentes.

A corrupção floresce agora, não apenas nos negócios ucranianos, mas também nos contratos com parceiros estrangeiros. A razão é simples: qualquer roubo pode ser agora colocado na conta do presidente Yanukovich ou em força maior.

4 - Até agora, não houve investigação das mortes no centro de Kiev em fevereiro de 2014 por "atiradores não-identificados".

O "terceiro lado" contrata "atiradores não-identificados" que matam manifestantes e policiais, tornando impossível a negociação entre os lados do conflito civil.

Essa técnica foi usada no Egito, Síria e até mesmo em Moscou 1993, onde alguns "atiradores não-identificados" estavam atirando do telhado da embaixada americana.

Voluntários médicos, que trabalharam no "Maidan" afirmaram que em verdade aproximadamente 800 pessoas foram mortas em Kiev em fevereiro de 2014. A maioria deles foi queimada na Casa Ucraniana. Isto é, o Centro Internacional de Convenções de Kiev. Os organizadores do "Maidan" agora tentam ocultar este fato. Àquela época a Casa Ucraniana estava ocupada pela organização "Auto-Defesa", chefiada por Andrey Paruby.

5 - Não há liberdade de expressão. Na medida em que o "governo" em Kiev e os oligarcas, instalados como governadores regionais, impuseram censura estrita na mídia de massa e negam entrada aos jornalistas russos, há clara evidência de desinformação e manipulação da opinião pública.

O "Ocidente" está desempenhando um papel especial: por exemplo, imagens velhas de satélite de equipamento militar russo tomadas de exercícios militares de 2013 são apresentadas agora como informações novas de inteligência sobre concentração de tropas russas na fronteira da Ucrânia.

6 - A ausência de lei e ordem, que se manifesta, por exemplo, nas ruas das cidades ucranianas. Bandos vadios de neonazistas armados tornam óbvio que a criação de um governo realmente legítimo em Kiev é um problema bastante difícil.

O linchamento de membros do parlamento e candidatos presidenciais como Oleg Tsarev em Kiev, a suspensão da campanha eleitoral por Yulia Timoshenko, e muitos outros "incidentes" sugerem que as eleições presidenciais marcadas para maio de 2014 não podem ser consideradas como qualquer outra coisa além de uma farsa.

Antes do golpe em 21 de fevereiro, a solução mais adequada para a crise política teria sido aquela baseada no acordo mediado pela Polônia, Alemanha e EUA. Isto é, a dissolução do Parlamento e a formação de um corpo legislativo interino com participação proporcional e direitos garantidos para todas as regiões ucranianas.

Desde o golpe tal cenário se complicou, se não se tornou impossível graças ao rápido desenvolvimento de um certo número de conflitos internos. O conflito entre os habitantes do oeste e do sudeste da Ucrânia; o conflito entre aqueles que se consideram apoiadores do "Maidan" e aqueles que se consideram "Anti-Maidan"; entre nacionalistas ucranianos radicais cujos líderes estão, estranhamento, em contato extremamente próximo com oligarcas judeus, e cidadãos que apoiam a continuidade do desenvolvimento do país dentro do esquema da civilização russo-eurasiana. 

8 - Como os EUA, e mesmo a UE, deliberadamente incitam a escalada dos conflitos ao mesmo tempo que levantam acusações contra a Rússia, a situação na Ucrânia está agora longe de ser resolvida. O que seria necessário seria uma intervenção mais ativa de membros do Conselho de Segurança da ONU como a China, bem como dos países da Ásia, África, America Latina, e todos os países considerando o mundo multipolar como a forma mais adequada para o desenvolvimento futuro da comunidade humana na Terra.

24/09/2013

Leonid Savin - Mito, Utopia e a Realidade do Pluriverso

por Leonid Savin



De modo a traçar os contornos futuros do espaço geográfico global dentro das perspectivas da luta revolucionária e da ideologia política nós devemos começar com uma clara estrutura metodológica.

Minha tese é bastante simples e é baseada em uma proposição de Georges Sorel sobre a dicotomia entre formações sociais e políticas. Ele dividiu estas em dois tipos: (1) aquelas que possuíam um mito como base para sua ideologia, e (2) aquelas que apelavam a idéias utópicas. A primeira categoria ele atribuiu ao socialismo revolucionário, onde os verdadeiros mitos revolucionários não são descrições de fenômenos, mas a expressão de vontade humana. A segunda categoria é a dos projetos utópicos, que ele atribuiu à sociedade burguesa e ao capitalismo.

Em contraste ao mito, com suas atitudes irracionais, a utopia é um produto de labor mental. Segundo Sorel, ela é o trabalho de teóricos que estão tentando criar um modelo com o qual criticar a sociedade existente e medir o bem e o mal dentro dela. A utopia é um conjunto de instituições imaginárias, mas também oferece uma plenitude de analogias claras a instituições reais.

Mitos nos impelem a lutar, enquanto utopias objetivam reformas. Não é acidente que alguns utopistas após adquirir experiência política se tornam hábeis estadistas.

O mito não pode ser refutado, já que ele é mantido em acordo como uma crença da comunidade e é assim irredutível. Utopias, porém, podem ser consideradas e rejeitadas.

Como sabemos, as várias formas de socialismo, tanto na esquerda como na direita do espectro político foram efetivamente construídas sobre mitos, como prontamente evidenciado nas obras de seus defensores. É suficiente relembrar o "Mito do Século XX" de Alfred Rosenberg, que se tornou apologista para o nazismo na Alemanha.

No lado oposto de socialismo nós também vemos uma base mitológica, ainda que ela seja analisada post-facto. Mesmo enquanto Marx disse que o proletariado não necessita de mitos que serão destruídos pelo capitalismo, Igor Shafarevich conclusivamente demonstrou o elo das expectativas escatológicas do Cristianismo primitivo com o socialismo. A Teologia da Libertação na América Latina também confirma a forte presença do mito em ação dentro do socialismo de esquerda do século XXI.

Se falamos nos termos da segunda e terceira teorias políticas que se confrontaram com o liberalismo, é pertinente relembrar a observação de Friedrich von Hayek, que em sua obra A Estrada para a Servidão nota que, "em fevereiro de 1941, Hitler sentiu apropriado dizer em um discurso público que o Nacional-Socialismo e o Marxismo são basicamente a mesma coisa".

É claro, isso não diminui a importância do mito político moderno, e também explica o ódio dele exibido pelos representantes do liberalismo moderno. Assim, alternativas políticas; seja a Nova Direita, o Indigenismo ou o Eurasianismo, apresentam uma nova ameaça totalitária para neoliberais. Liberais, tanto clássicos como neoliberais, nos negam nossos ideais, porque eles pensam que eles são majoritariamente mitológicos em caráter e assim não podem ser traduzido para a realidade.

Agora de volta para a utopia. A economia política liberal, como corretamento notado por Sorel, é, em si, um dos melhores exemplos de pensamento utópico. Todas as relações humanas são reduzidas à forma das trocas do livre-mercado. Esse reducionismo econômico é apresentado pelos utopistas liberais como uma panacéia para conflitos, incompreensões e todos os tipos de distorções que emergem em sociedades.

A doutrina do utopianismo emergiu a partir das obras de Tommaso Campanella, Francis Bacon, Thomas More e Jonathan Swift, bem como  de filósofos liberais como o líder dos radicais britânicos Jeremy Bentham. A corporificação da utopia foi erigida primeiro, por seus adeptos, sobre uma rígida política regulatória, que, ao mesmo tempo que incluía a violência como forma de coerção sobre seus cidadãos. Ela então passou à expansão colonial, que permitia o acúmulo de capital e o estabelecimento de um "padrão civilizado" singular para outros países. Então o utopianismo liberal foi ainda mais longe, se tornando, nas palavras de Bertram Gross, "fascismo amigável", no sentido de que ele passou a institucionalizar a dominação e a hegemonia através de um regime de Direito Internacional e regulamentos. Por volta dessa época, a utopia liberal ela mesma tornou-se um mito moderno: tecnocêntrica, racional e totalitária; emasculando a primeira idéia utópica de uma sociedade justa e substituindo-a por materialismo e Direito utilitário, tornando-se, em efeito, uma distopia.

No caso tanto de sociedades mitocêntricas, e utopias, consistentemente implementadas através de experimentos com o direito, a economia, a filosofia e a política, houve um grande equívoco em tentar estender o modelo globalmente. O fascismo e o marxismo caíram historicamente primeiro, porém, o liberalismo também tem sido chamado em questão agora, como precognitivamente notado por Lukács em sua obra O Fim do Século XX e o Fim da Era Moderna por volta de 20 anos atrás.

Tanto mito como utopia, ambas, derivam suas forças do mundo pluriversal, homogenizando-o e ao mesmo tempo destruindo sua riqueza de culturas e cosmovisões. O Pluriversum era a realidade em que a superestrutura da Utopia foi formada. É também onde camadas mitológicas foram despertadas por certas forças na era moderna e dirigidas a implementar projetos históricos violentos.

Dentro da realidade pluriversal há espaço tanto para mito como para utopia, se elas estiverem limitadas a certos espaços com características civilizacionais únicas e separadas umas das outras por limites geográficos. O mito pode ser realizado na forma de teocracia ou império futurológico. Uma utopia pode ao mesmo tempo também impelir na direção de uma tecnópole biopolítica ou um caldeirão de nações, mas separadamente de ordens mitocêntricas.

Carl Schmitt sugeriu a construção e reconhecimento de tais "Grandes Espaços Políticos" autocontidos, ou Grossraum. A formação desses espaços demandaria um programa global de pluriversalismo, apelando aos mitos distintos e fundações culturais de vários povos, que podem variar de diversas maneiras, mas devem ter uma coisa em comum como pré-requisito - a desconstrução da superestrutura da utopia neoliberal nascente.