Mostrando postagens com marcador Guillaume Faye. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Guillaume Faye. Mostrar todas as postagens

09/03/2019

Adriano Scianca - Morreu Guillaume Faye, o Homem que mudou o Pensamento Inconformista Europeu

por Adriano Scianca



(2019)

Com o falecimento de Guillaume Faye, morto à noite entre 6 e 7 de março, desaparece da cena metapolítica europeia um dos poucos intelectuais que verdadeiramente mudou o modo pelo qual todos nós pensamos, mesmo em relação aos que nunca o leram, mesmo em relação aos que o leram pensando de maneira diferente sobre tantos temas. Gravemente doente for algum tempo, cuidado por um punhado de camaradas devotados, Faye demonstrou até o fim mais interesse pelo mundo das ideias do que por si mesmo, mesmo às custas de negligenciar a própria saúde para poder continuar a escrever. Apesar de nunca o ter conhecido, nos últimos tempos eu tentei contatá-lo diversas vezes, escrevendo ao e-mail de seu sítio. Ele me respondeu uma primeira vez, concordando com uma entrevista. Mas, quando o havia enviado as perguntas por e-mail, havia declarado não ter recebido nada, pedindo que as enviasse novamente...por carta. Algo bastante singular para um profeta da tecnociência. Fiz uma segunda tentativa, com o fim de cooptá-lo para o Primato Nazionale, onde uma coluna fixa sua teria sido mais do que bem vinda. Não me respondeu mais, provavelmente porque já estava doente.

21/09/2016

Guillaume Faye - Marte & Hefesto: O Retorno da História

por Guillaume Faye



Permita-me uma parábola "arqueofuturista" baseada no eterno símbolo da árvore, que eu compararei ao do foguete. Mas antes disso, contemplemos a dura face do século vindouro.

O século XXI será um século de ferro e tempestades. Ele não se assemelhará àqueles futuros harmoniosos previstos até a década de 70. Ele não será a aldeia global profetizada por Marshall MacLuhan em 1966, ou a rede planetária de Bill Gates ou o fim da história de Francis Fukuyama: uma civilização liberal global dirigida por um Estado universal. Ele será um século de povos em competição e identidades étnicas. E paradoxalmente, os povo vitoriosos serão aqueles que permanecerem fieis a, ou retornarem aos, valores e realidades ancestrais (que são biológicos, culturais, éticos, sociais e espirituais) e que ao mesmo tempo dominarão a tecnociência. O século XXI será aquele no qual a civilização europeia, prometeia e tráfica mas eminentemente frágil, passará por uma metamorfose ou entrará em seu irremediável crepúsculo. Será um século decisivo.

No Ocidente, os séculos XIX e XX foram uma época de crença na emancipação das leis da vida, crença de que era possível continuar indefinidamente após ter ido à Lua. O século XXI provavelmente ajustará as contas e nós vamos "retornar à realidade", provavelmente por meio do sofrimento.

Os séculos XIX e XX viram o apogeu do espírito burguês, essa varíola mental, este simulacro monstruoso e deformado da ideia de uma elite. O século XXI, uma época de tempestades, verá a renovação conjunta dos conceitos de um povo e uma aristocracia. O sonho burguês vai desmoronar da putrefação de seus princípios fundamentais e promessas medíocres: a felicidade não vem do materialismo e do consumismo, do capitalismo transnacional triunfante e do individualismo. Nem da segurança, da paz ou da justiça social.

Cultivemos o otimismo pessimista de Nietzsche. Como Drieu La Rochelle escreveu: "Não há mais ordem a conservar; é necessário criar uma nova". O começo do século XXI será difícil? Todos os indicadores estão no vermelho? Melhor assim. Eles previram o fim da história após o colapso da URSS? Queremos acelerar o seu retorno: trovejante, belicoso e arcaico. O Islã volta a suas guerras de conquista. O imperialismo americano está livre para agir. China e Índia querem se tornar superpotências. E por aí vai. O século XXI será posto sob o signo duplo de Marte, o deus da guerra, e de Hefesto, o deus que forja espadas, o mestre da tecnologia e dos fogos ctônicos.

Rumo à Quarta Era da Civilização Europeia

A civilização europeia (não se deve hesitar em chamá-la de alta civilização, apesar dos acovardados xenófilos etnomasoquistas) sobreviverá ao século XXI apenas por meio de uma reavaliação agonizante de alguns de seus princípios. Ela será capaz se ela permanecer ancorada em sua personalidade metamórfica eterna: mudar permanecendo ela própria, cultivar enraizamento e transcendência, fidelidade a sua identidade e grandes ambições históricas.

A Primeira Era da Civilização Europeia inclui a antiguidade e o período medieval: uma era de gestação e crescimento. A Segunda Era vai da Era dos Descobrimentos à Primeira Guerra Mundial: é a Ascensão. A civilização europeia conquista o mundo. Mas como Roma ou o Império de Alexandre, ela foi devorada por seus próprios filhos pródigos, o Ocidente e a América e pelos próprios povos que ela (superficialmente) colonizou. A Terceira Era da Civilização Europea começa, em uma aceleração trágica do processo histórico, com o Tratado de Versalhes e o fim da guerra civil de 1914-1918: o catastrófico século XX. Quatro gerações foram suficientes para desfazer o labor de mais de quarenta. A história se assemelha às assíntotas trigonométricas da "teoria da catástrofe": é no ápice de seu esplendor que a rosa apodrece; é após um momento de claridade e calmaria que o ciclone estoura. A Rocha Tarpeia está próxima ao Capitólio!

A Europa caiu vítima de seu próprio prometeísmo trágico, de sua própria abertura ao mundo. Vítima do excesso de qualquer expansão imperial: universalismo, ignorante de toda solidariedade étnica, assim também vítima do micronacionalismo.

A Quarta Era da Civilização Europeia começa hoje. Essa será a era do renascimento ou da perdição. O século XXI será para essa civilização, herdeira dos povos fraternos indo-europeis, o século fatídico, o século da vida ou morte. Mas o destino não é simplesmente fado. Contrariamente às religiões do deserto, o povo europeu sabe no fundo de seus corações que destino e divindades não são onipotentes em relação à vontade humana. Como Aquiles, como Ulisses, o homem europeu original não se prostra ou ajoelha perante os deuses, mas se ergue reto. Não há inevitabilidade na história.

A Parábola da Árvore

Uma Árvore tem raizes, tronco e folhas. Quer dizer, princípio, corpo e alma.

1) As raízes representam o "princípio", a fixação biológica de um povo e seu território, sua pátria. Elas não nos pertencem; são transmitidas. Elas pertencem ao povo, à alma ancestrai, e vem do povo, o que os gregos chamavam de ethnos e os alemães Volk. Elas vem dos ancestrais; elas devem ir para as novas gerações. (É por isso que qualquer miscigenação é uma apropriação indébita de um bem que deve ser transmitido e, portanto, uma traição). Se o princípio desaparece, nada mais é possível. Se cortamos o tronco da árvore, ela pode crescer novamente. Mesmo ferida, a Árvore pode continuar a crescer, desde que ela recupere fidelidade com suas próprias raízes, com sua própria fundação ancestral, o solo que nutre sua seiva. Mas se as raízes forem arrancadas ou o solo poluído, a árvore está acabada. É por isso que a colonização territorial e a amalgamação racial são infinitamente mais sérias e mortais que a escravidão política ou cultural, das quais um povo pode se recuperar.

As raízes, o princípio dionisíaco, cresce e penetra o solo em novas ramificações: vitalidade demográfica e proteção territorial da Árvore contra ervas daninhas. As raízes, o "princípio", jamais são fixas. Elas aprofundam sua essência, como Heidegger viu. As raízes são ao mesmo tempo "tradição" (o que é transmitido) e "arche" (fonte vital, eterna renovação). As raízes são, assim, manifestação da memória mais profunda do ancestral e da eterna juventude dionisíaca. Esta remete ao conceito fundamento do aprofundamento.

2) O tronco é seu "soma", o corpo, a expressão cultural e psíquica do povo, sempre inovadora, mas nutrida pela seiva das raízes. Ela não é solidificada. Ela cresce em camadas concêntricas e se ergue rumo ao céu. Hoje, aqueles que querem neutralizar e abolir a cultura europeia tentam "preservá-la" na forma de monumentos do passado, como em formol, para estudiosos "neutros", ou simplesmente abolir a memória histórica das gerações mais jovens. Eles fazem o trabalho de lenhadores. O tronco, sobre a terra que o porta, é, era após era, crescimento e metamorfose. A Árvore da velha cultura europeia é desenraizada e removida. Um carvalho de 10 anos não se assemelha a um de mil anos. Mas é o mesmo carvalho. O tronco, que resiste ao relâmpago, obedece ao princípio jupiteriano.

3) A folhagem é extremamente frágil e bela. Ela morre, apodrece e reaparece como o sol. Ela cresce em todas as direções. A folhagem representa psyche, i.e., civilização, a produção e profusão de novas formas de criação. Ela é a raison d'être da Árvore, sua presunção. Ademais, a que lei o crescimento de folhas obedece? Fotossíntese. Quer dizer, "a utilização da força da luz". O sol nutre as folhas que, em troca, produzem oxigênio. A folhagem eflorescente, assim, segue o princípio apolíneo. Mas observe: se ela cresce desordenadamente e anarquicamente (como a civilização europeia, que queria se tornar o Ocidente global e se estender sobre todo o planeta), ela será pega pela tempestade, como uma vela de barco má amarrada, e arrancará e desenraizará a Árvore que a carrega. A folhagem deve ser podada, disciplinada. Se a civilização europeia quiser sobreviver, ela não deve se estender sobre toda a Terra, nem praticar a estratégia dos braços abertos... como a folhagem que é intrépida demais se superestende, ou se permite ser sufocada por vinhas. Ela terá que se concentrar em seu espaço vital, i.e., Eurossibéria. Daí a importância do imperativo etnocêntrico, um termo politicamente incorreto, mas que é melhor do que o modelo "etnopluralista" e, na verdade, multiétnico que ludibria ou esquemas propostas para confundir o espírito de resistência da elite rebelde da juventude.

Pode-se comparar a metáfora tripartite da Árvore com a daquela extraordinária invenção europeia, o Foguete. O motor corresponde às raízes, com fogo ctônico. O corpo cilíndrico é como o tronco da árvore. E a cápsula, a partir da qual satélites ou naves alimentadas por paineis solares são arremessados, traz à mente a folhagem.

É realmente um acidente que as cinco grandes séries de foguetes espaciaias construídas por europeus, incluindo expatriados nos EUA, foram respectivamente chamadas Apollo, Atlas, Mercúrio, Thor e Ariadne? A Árvore é o povo. Como o foguete, ela se ergue aos céus, mas parte de uma terra, um solo fértil onde nenhuma outra raiz parasita pode ser permitida. Sobre uma base espacial, se garante uma proteção perfeita, uma clareira total para o local de lançamento. Da mesma maneira, o bom jardineiro sabe que se a árvore deve crescer alta e forte, ele deve limpar sua base das ervas daninhas que parasitam suas raízes, livrar seu tronco do aperto de plantas parasitárias, e também podar os galhos pendentes e prolixos.

Do Crepúsculo ao Amanhecer

Este séclo será o do renascimento metamórfico da Europa, como a Fênix, ou de seu desaparecimento enquanto civilização histórica e sua transformação em uma estéril e cosmopolita Luna Park, enquanto os outros povos preservarão suas identidades e desenvolverão seu poder. A Europa é ameaçada por dois vírus relacionados: o do esquecimento de si mesmo, da dessecação interior, e o da excessiva "abertura ao outro". No século XXI, a Europa, para sobreviver, terá que se reagrupar, i.e., retornar a sua memória, e perseguir suas aspirações faustianas e prometeicas. Essa é a demanda da coincidentia oppositorum, a convergência de opostos, ou a necessidade dupla de memória e vontade de poder, contemplação e criação inovadora, enraizamento e transcendência. Heidegger e Nietzsche.

O início do século XXI será a meia-noite desesperadora do mundo sobre a qual Hölderlin falou. Mas é sempre mais escuro antes do amanhecer. Sabe-se que o sol retornará, sol invictus. Após o crepúsculo dos deuses: o amanhecer dos deuses. Nossos inimigos sempre acreditaram no Grande Entardecer, e seus estandartes portam as estrelas da noite. Nossas bandeiras, ao contrário, são brasonadas com a estrela do Grande Amanhecer, com raios fulgurantes; com a roda, a flor do sol ao Meio-Dia.

Grandes civilizações podem passar da escuridão do declínio para o renascimento: Islã e China provam isso. Os EUA não são uma civilização, mas uma sociedade, a materialização global da sociedade burguesa, um cometa, com um poder tão insolente quanto transitório. Eles não tem raízes. Eles não são competição verdadeira no palco da história, apenas um parasita.

O tempo de conquista acabou. Agora é o tempo de reconquista, interior e exterior: a reapropriação de nossa memória e nosso espaço: e que espaço! 14 zonas horárias sobre as quais o sol nunca se põe. De Brest aos Estreitos de Bering, é verdadeiramente o Império do Sol, o próprio espaço do nascimento e expansão do povo indo-europeu. Para o sudeste estão nossos primos indianos. Para o leste está a grande civilização chinesa, que pode decidir ser nossa inimiga ou nossa aliada. Para o oeste, do outro lado do oceano: América, cujo desejo sempre será o de impedir a união continental. Mas ela sempre será capaz de impedi-la?

E então, para o sul: a principal ameaça, ressurgindo das profundezas das eras, aquela com a qual não podemos nos comprometer.

Lenhadores tentam cortar a Árvore, entre eles muitos traidores e colaboracionistas. Defendamos nossa terra, preservemos nosso povo. A contagem regressiva começou. Temos tempo, mas pouco.

E então, mesmo que eles cortem o tronco ou a tempestade o derrube, as raízes permanecerão, sempre férteis. Só uma brasa já basta para reacender um fogo.

Obviamente, eles podem cortar a Árvore e desmembrar seu corpo, em uma canção crepuscular, e europeus anestesiados podem não sentir a dor. Mas a terra é fértil, e apenas uma semente já basta para começar a crescer novamente. No século XXI, preparemos nossos filhos para a guerra. Eduquemos nossa juventude, mesmo que seja uma minoria, como uma nova aristocracia.

Hoje precisamos de mais do que moralidade. Precisamos de hipermoralidade, i.e., da ética nietzscheana dos tempos difíceis. Quando se defende o próprio povo, i.e., os próprios filhos, defende-se o essencial. Aí então se segue a regra de Agamêmnon e Leônidas, mas também de Charles Martel: o que prevalece é a lei da espada, cujo bronze ou aço reflete o brilho do sol. A árvore, o foguete, a espada: três símbolos verticais lançados do chão aos céus, da Terra ao Sol, animados por seiva, fogo e sangue.

12/07/2013

Guillaume Faye - Tributo a Dominique Venner

por Guillaume Faye


O suicídio de Dominique Venner em 21 de maio em Notre Dame: Marine Le Pen se curvou a esse gesto de consciência despertadora, o que pode ser surpreendente, mas é para seu crédito. Uma representante nua do Femen, um grupo de palhaças feministas, tentou sujar sua memória no dia seguinte, fazendo mímica de seu suicídio no coral de Notre Dame. Em seu peito reto estava pintado: "Que o Fascismo descanse no Inferno". É a segunda vez que essas groupies peladas entram na catedral impunemente, ainda que haja fiscalização de segurança na entrada. Jornalistas da AFP foram notificados antecipadamente para cobrir esse "acontecimento" e portanto são provavelmente cúmplices.

A mídia e os políticos esquerdistas (especialmente o patético Harlem Désir) juntos acusaram Venner, post mortem, de incitação à violência, de provocação. Sapos escarradores. Claramente, o gesto romano de Venner, tão trágico quanto a própria história, assustou essas pessoas, que passam a totalidade de suas vidas rastejando pelo chão.

Venner deu sua morte como exemplo, não por desespero mas por esperança: o sacrifício simbólico encoraja nossa juventude, em face do atual afundamento da civilização européia em suas linhagens sanguíneas e seus valores, a resistir e lutar ao custo da própria vida, que é o preço da guerra. Uma guerra que já começou. Venner queria que entendêssemos que a vitória pode ser alcançada na história dos povos se os guerreiros estão dispostos a morrer por sua causa. É pelas futuras gerações de europeus resistentes e guerreiros que Dominique Venner deu sua vida. Ele foi um "despertador do povo", nas palavras de seu amigo Jean Mabire.

***

E ele se matou, ainda que não fosse cristão no sentido ordinário, no altar central da Notre Dame de Paris, isto quer dizer, no coração de um dos lugares mais sagrados e históricos de toda Europa. (Europa: a pátria real e autêntica de Venner, não a farsa de marshmallow da União Européia). Notre Dame, um lugar de memória muito mais rica do que, por exemplo, a Tumba do Soldado Desconhecido sob o Arco do Triunfo. Ele queria dar a seu sacrifício um significado especial, como as antigas tradições romanas em que a vida de um homem, até o fim, é devotada ao país que ele ama e deve servir. Como Cato, Venner jamais comprometeu seus princípios. Nem em questões de estilo necessário - de comportamento, de escrita, de idéias - que não tem nada a ver com pose, aparência e pedantismo. Sua sobriedade expressava, em essência, o poder de sua lição. Um mestre distante, que não estava desconectado da tradição estóica, um rebelde com coração e coragem e não vaidade e vanglória, um homem completo de ação e reflexão, ele jamais se desviou de seu caminho. Um dia ele me disse que não se deve nunca perder tempo criticando traidores, covardes, líderes egoístas; nem, é claro, se deve perdoá-los; apenas se deve ignorá-los e seguir em frente. O silêncio do desprezo.

Este é o Dominique Venner que, em 1970, me trouxe para a Resistência, que eu jamais neguei ou abandonei desde então. Ele foi o meu sargento recrutador. Sua morte voluntária - ecoando a de Mishima mais do que a de Montherlant - é um ato fundacional. E me encheu de uma tristeza alegre, como um relâmpago. Um guerreiro não morte na cama. A morte sacrificial desse homem de honra demanda que honremos sua memória e sua obra, não para lamentarmos mas para lutarmos. Mas lutar pelo que?

Não apenas por resistência, mas pela reconquista. A contraofensiva, em outras palavras. Após um de meus ensaios em que desenvolvi essa idéia, Venner me enviou uma carta de aprovação em sua caligrafia elegante. Seu sacrifício não será vão ou ridículo. A morte voluntária de Dominique Venner é um chamado à vitória.

04/11/2012

A Lição de Carl Schmitt

por Guillaume Faye e Robert Steuckers



Nós nos encontramos com Carl Schmitt na aldeia de Plettenburg, seu local de nascimento e retiro. Por quatro horas notáveis nós conversamos com o homem que permanece inquestionavelmente como o maior pensador político e jurídico de nosso tempo. "Nós fomos colocados para pastar", disse Schmitt. "Nós somos como animais domésticos que desfrutam dos benefícios do campo cercado ao qual somos designados. O espaço é conquistado. As fronteiras são fixas. Não há nada mais para descobrir. É o reino do status quo..."

Schmitt sempre alertou contra essa ordem congelada, que se estende sobre a Terra e arrasa soberanias políticas. Já em 1928, em O Conceito do Político, ele detecta nas ideologias universalistas, aquelas "dos Direitos, ou Humanidade, ou Ordem, ou Paz", o projeto de transformar o planeta em um tipo de agregado econômico despolitizado que ele compara a um "ônibus com seus passageiros" ou um "prédio com seus ocupantes". E nessa premonição de um mundo da morte de nações e culturas, o culpado não é o marxismo mas as democracias liberais e comerciais. Assim Schmitt oferece uma das críticas mais agudas e perspicazes do liberalismo, bem mais profunda e original do que as dos "anti-democratas" da velha direita reacionária.

Ele também continua a maneira "realista" de análise da política e do estado, na tradição de Bodin, Hobbes e Maquiavel. Igualmente removido do liberalismo e das teorias totalitárias modernas (bolchevismo e fascismo), a profundidade e a modernidade de suas opiniões o tornam o teórico jurídico constitucional e político contemporâneo mais importante. É por isso que podemos segui-lo, ao mesmo tempo é claro tentando ir além de suas análises, como seu discípulo francês Julien Freund, no ápice de suas capacidades, já fez.

A jornalidade intelectual do teórico jurídico do Reno começou com reflexões sobre Direito e política prática às quais ele devotou duas obras, em 1912 e 1914, ao fim de seus estudos acadêmicos em Estrasburgo. Após a guerra, tendo se tornado professor de Direito nas universidades de Berlim e Bonn, seus pensamentos focaram em ciência política. Schmitt, contra as filosofias liberais da Direita, se recusou a separá-la da política.

Seu primeiro trabalho de teoria política, Romantismo Político (1919), é devotado a uma crítica do romantismo político ao qual ele opõe o realismo. Para Schmitt, os ideais milenaristas dos comunistas revolucionários e os delírios völkisch dos reacionários pareciam igualmente inadequados ao governo do povo. Sua segunda grande obra teórica, A Ditadura (1921), constitui, como Julien Freund escreve, "um dos estudos mais completos e relevantes desse conceito, cuja história é analisada desde a época romana até Maquiavel e Marx".

Schmitt distingue "ditadura" de "tirania" opressiva. A ditadura aparece como um método de governo dirigido a confrontar emergências. Na tradição romana, a função do ditador era confrontar condições excepcionais. Mas Maquiavel introduz uma prática diferente; ele ajuda a visualizar "o Estado moderno", fundado no racionalismo, na tecnologia e no papel poderoso de um executivo complexo: esse executivo não mais depende do soberano singular.

Schmitt demonstra que com o jurista francês Jean Bodin, a ditadura assume a forma de uma "prática dos comissários" que emergiu nos séculos XVI e XVII. Os "comissários" são delegados onipotentes do poder central. O absolutismo monárquico, estabelecido sobre seus subordinados, como o modelo rousseauniano do contrato social que delega poder absoluto aos detentores da "vontade geral" implantada pela revolução francesa, constitui a fundação de formas contemporâneas de ditadura.

Desde esse ponto de vista, a ditadura moderna não está conectada com qualquer ideologia política particular. Contrariamente às análises dos constitucionalistas atuais, especialmente Maurice Duverger, a "democracia" não é mais livre de ditadura do que qualquer outra forma de poder estatal. Os democratas estão simplesmente se iludindo pensando que eles são imunes do recurso à ditadura e que eles reconciliam poder executivo real com pragmatismo e as transações dos sistemas parlamentares.

Em um estudo fundamental sobre parlamentarismo, A Crise da Democracia Parlamentar (1923), Schmitt pondera a identificação entre democracia e parlamentarismo. Para ele, a democracia parece ser um princípio ideológico e abstrato que mascara modalidades específicas de poder, uma posição próxima àquelas de Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca. O exercício de poder na "democracia" está sujeito a uma concepção racionalista do estado que justificava, por exemplo, a ideia da separação de poderes, o diálogo supostamente harmônico entre partidos, e pluralismo ideológico. É também a racionalidade da história que funda a ditadura do proletariado. Contra as correntes democráticas e parlamentares, Schmitt coloca as correntes "irracionalistas", particularmente Georges Sorel e sua teoria de violência, bem como todas as críticas não-marxistas da sociedade burguesa, por exemplo Max Weber.

Essa ideologia burguesa liberal engana a todos ao ver toda atividade política segundo as categorias da ética e da economia. Essa ilusão, ademais, é compartilhada por ideologias liberais ou socialistas marxistas: a função do poder público não é nada mais além de econômica e social. Valores espirituais, históricos e militares não são mais legítimos. Somente a economia é moral, o que torna possível validar o individualismo comercial e ao mesmo tempo invocar ideais humanos: a Bíblia e o negócio. Essa moralização da política não só destrói toda moralidade verdadeira, mas transforma a unidade política em uma "sociedade" neutralizada onde a função soberana não é mais capaz de defender o povo pelo qual ela é responsável.

Por contraste, a abordagem de Schmitt consiste em analisar o fenômeno político independentemente de todas as pressuposições morais. Como Maquiavel e Hobbes, com o qual ele é normalmente comparado, Schmitt renuncia a apelos aos belos sentimentos e à soteriologia dos fins. Sua filosofia é tão oposta à ideologia do Iluminismo (Locke, Hume, Montesquieu, Rousseau, etc.) e aos vários socialismos marxistas quanto ela é ao humanismo político cristão. Para ele, essas ideologias são utópicas em sua cautela em relação ao poder e tendem a esvaziar o político por sua identificação com o mal, mesmo que ele seja permitido temporariamente - como no caso do marxismo.

Mas a essência da crítica de Schmitt se remete ao liberalismo e ao humanismo, que ele acusa de falsidade e hipocrisia. Essas teorias veem a atividade do poder público como uma administração puramente de rotina dedicada a realizar a felicidade individual e a harmonia social. Elas são fundadas no desaparecimento final da política enquanto tal e no fim da história. Elas desejam tornar a vida coletiva puramente prosaica, mas conseguem somente criar selvas sociais dominadas pela exploração econômica e incapazes de dominar circunstâncias imprevistas.

Governos sujeitos a esse tipo de liberalismo estão são sempre frustrados em seus sonhos de transformar a política em administração pacífica: outros Estados, motivados por intenções hostis, ou fontes internas de subversão política, sempre emergem em momentos imprevistos. Quando um Estado, pelo idealismo ou por um moralismo equívoco, não mais situa sua vontade política soberana acima de todo o resto, preferindo ao invés a racionalidade econômica ou a defesa de ideais abstratos, ele também desiste de sua independência e de sua sobrevivência.

Schmitt não acredita no desaparecimento do político. Qualquer tipo de atividade pode assumir uma dimensão política. O político é um conceito fundamental de antropologia coletiva. Enquanto tal, a atividade política pode ser descrita como substancial, essencial, duradoura através do tempo. O Estado, por outro lado, desfruta somente de autoridade condicional, ou seja, uma forma contingente de soberania. Assim o Estado pode desaparecer ou ser despolitizado ao ser privado do político, mas o político - enquanto substancial - não desaparece.

O Estado não pode sobreviver a não ser que mantenha um monopólio político, ou seja, o poder exclusivo de definir os valores e ideais pelos quais os cidadãos concordarão em entregar suas vidas ou matar legalmente seus vizinhos - o poder de declarar guerra. De outro modo, partisans assumirão a atividade política e tentarão constituir uma nova legitimidade. Esse risco ameaça particularmente os Estados burocráticos das democracias sociais e liberais modernas nas quais a guerra civil só é impedida pela influência enervante da sociedade de consumo.

Essas ideias são expressadas em O Conceito do Político, a obra mais fundamental de Schmitt, publicada pela primeira vez em 1928, revisada em 1932, e esclarecida em 1963 por seu corolário Teoria do Partisan. A atividade política é definida ali como o produto de uma polarização ao redor de uma relação de hostilidade. Um dos critérios fundamentais de um ato político é sua habilidade de mobilizar uma população pela designação de seu inimigo, o que pode se aplicar a um partido bem como a um Estado. Omitir tal designação, particularmente por idealismo, é renunciar ao político. Assim a tarefa de um Estado sério é impedir que partisans tomem o poder de designar inimigos dentro da própria comunidade, ou mesmo como o próprio Estado.

Sob circunstância alguma pode a política ser baseada na administração de coisas ou renunciar sua dimensão polêmica. Toda soberania, como toda autoridade, é forçada a designar um inimigo de modo a ser bem sucedida em seus projetos; aqui as ideias de Schmitt encontram a pesquisas dos etologistas sobre comportamento humano inato, particularmente Konrad Lorenz.

Por causa de sua concepção "clássica" e maquiaveliana do político, Schmitt sofreu perseguição e ameaças sob os nazistas, para os quais o político era, ao contrário, a designação do "camarada" (Volksgenosse).

A definição schmittiana do político nos permite compreender que o debate político contemporâneo é despolitizado e conectado com shows eleitorais. O que é realmente político é o valor pelo qual se está disposto a sacrificar a própria vida; pode ser muito bem a própria língua ou cultura. Schmitt escreve nessa conexão que "um sistema de organização social dirigido somente para o progresso da civilização" não possui "um programa, ideal, padrão ou finalidade que pode conferir o direito de dispor da vida física de outros". A sociedade liberal, fundada no consumo de massa, não pode demandar que se mate ou morra por ela. Ela se apoia em uma forma apolítica de dominação: "É precisamente quando ela permanece apolítica", escreve Schmitt, "que a dominação de homens apoiada em uma base econômica, evitando qualquer aparência ou responsabilidade políticas, se prova uma impostura terrível".

O economismo liberal e o "pluralismo" mascaram a negligência do Estado, a dominação das castas comerciais, e a destruição de nações ancoradas em uma cultura e uma história. Junto a Sorel, Schmitt apela por uma forma de poder que não renuncia a seu exercício pleno, que demonstra sua autoridade política pelos meios normais que pertencem a ele: poder, restrição, e, em casos excepcionais, violência. Ao ignorar esses princípios a República de Weimar permitiu a ascensão de Hitler; o totalitarismo tecno-econômico do capitalismo moderno também se apoia na rejeição ideológica da ideia de poder estatal; esse totalitarismo é impossível de evitar porque ele é proclamado humano e é também baseado na ideia dupla de pluralismo social e individualismo, que põe as nações à mercê da dominação tecnocrática.

A crítica schmittiana do pluralismo interno concebido por Montesquieu, Locke, Laski, Cole e toda a escola liberal anglo-saxônica, objetiva defender a unidade política das nações, que é a única garantia de proteção cívica e das liberdades. O pluralismo interno leva à guerra civil latente ou aberta, à competição feroz de grupos de interesses econômicos e facções, e finalmente à reintrodução dentro da sociedade da distinção amigo-inimigo que os Estados europeus desde Bodin e Hobbes haviam deslocado para o exterior.

Tal sistema naturalmente apela à ideia de "Humanidade" para se livrar de unidades políticas. "A humanidade não é um conceito político", escreve Schmitt, que acrescenta:

"A ideia de Humanidade em doutrinas baseadas nas doutrinas liberais e individualistas de direito natural é uma construção social ideal de natureza universal, abarcando todos os homens sobre a terra...que não será realizada até que qualquer possibilidade genuína de combate seja eliminada, tornando qualquer agrupamento em termos de amigos e inimigos impossível. Essa sociedade universal não mais conhecerá nações... O conceito de humanidade é um instrumento ideológico particularmente útil para a expansão imperialista, e em sua forma ética e humana, ela é especificamente um veículo de imperialismo econômico... Um nome tão sublime implica certas consequências para aquele que o porta. De fato, falar em nome da Humanidade, invocá-la, monopolizá-la, demonstra uma pretensão chocante: negar a humanidade do inimigo, declará-lo fora do direito e fora da Humanidade, e assim finalmente empurrar a guerra aos extremos da desumanidade".

Definir a política em termos da categoria do inimigo, recusar o igualitarismo humanitário, não leva necessariamente ao desprezo pelo homem ou ao racismo. É bem o contrário. Reconhecer a dimensão polêmica das relações humanas e o homem como "um ser dinâmico e perigoso", garante o respeito por qualquer adversário concebido como o Outro cuja causa não é menos legítima que a nossa.

Essa ideia se repete usualmente no pensamento de Schmitt: as ideologias modernas que reivindicam verdade universal e consequentemente consideram o inimigo como absoluto, como um "desvalor absoluto", levam ao genocídio. Elas são, ademais, inspiradas pelo monoteísmo (e Schmitt é um pacifista cristão e um converso). Schmitt afirma com boas razões que a concepção europeia convencional que validava a existência do inimigo e admitia a legitimidade da guerra - não pela defesa de uma causa "justa", mas como uma eterna necessidade das relações humanas - causava menos guerras e induzia o respeito pelo inimigo considerado como adversário (como hostis e não inimicus).

Os seguidores de Schmitt, estendendo e refinando seu pensamento, cunharam junto a Rüdiger Altmann o conceito do Ernstfall (caso emergencial), que constitui outro critério fundamental do político. A soberania política e a credibilidade de uma nova autoridade política é baseada na capacidade de encarar e solucionar casos de emergência. As ideologias políticas dominantes, profundamente fincadas no hedonismo e no desejo por segurança, querem ignorar a emergência, o golpe do destino, o imprevisto. A política digna do nome - e essa ideia pulveriza as categorias ideológicas abstratas de "direita" e "esquerda" - é aquela que, secretamente, responde ao desafio do caso de emergência, salva a comunidade de atribulações e tempestades imprevistas, e assim autoriza a mobilização total do povo e uma intensificação de seus valores.

Concepções liberais de política veem o Ernstfall meramente como a exceção e a "normalidade legal" como a regra. Essa visão das coisas, inspirada pela filosofia teleológica da história de Hegel, corresponde à dominação da burguesia, que prefere segurança a dinamismo histórico e ao destino do povo. Ao contrário, segundo Schmitt, a função do soberano é sua capacidade de decidir o estado de exceção, que de modo algum constitui uma anomalia, mas sim uma permanente possibilidade. Esse aspecto do pensamento de Schmitt reflete suas inspirações primariamente francesas e espanholas (Bonald, Donoso Cortès, Bodin, Maistre, etc.) e torna possível localizá-lo, junto com Maquiavel, na grande tradição latina da ciência política.

Em Legalidade e Legitimidade, Schmitt, como discípulo de Hobbes, sugere que a legitimidade precede o conceito abstrato de legalidade. Um poder é legítimo se ele pode proteger a comunidade sob seus cuidados pela força. Schmitt acusa a concepção idealista e "jurídica" de legalidade por autorizar Hitler a chegar ao poder. O legalismo tende à renúncia do poder, que Schmitt chama de "política da não-política" (Politik des Unpolitischen), a política que não atende a suas responsabilidades, que não formula uma escolha em relação ao destino coletivo. "Aquele que não possui o poder de proteger ninguém", escreve Schmitt em O Conceito do Político, "também não possui o direito de demandar obediência. E inversamente, aquele que busca e aceita o poder não possui o direito de recusar obediência".

Essa dialética de poder e obediência é negada pelo dualismo social, que arbitrariamente opõe sociedade e a função soberana e imagina, contrariamente a toda experiência, que exploração e dominação são os efeitos políticos do "poder" enquanto eles emergem muito mais normalmente da dependência econômica.

Assim Schmitt elabora uma crítica do Estado dualista do século XIX com base nas concepções de John Locke e Montesquieu objetivando a uma separação entre a esfera do Estado e a esfera privada. De fato, as tecnocracias modernas, historicamente resultando das instituições de representação parlamentar, experimentam interpenetrações e oposições entre o privado e o público, como demonstrado por Jürgen Habermas. Tal situação desestabiliza o indivíduo e enfraquece o Estado.

Segundo Schmitt, é a fraqueza das democracias que permitiu o estabelecimento de regimes unipartidários, como ele explica em Estado, Movimento, Povo. Esse tipo de regime constitui a revolução institucional do século XX; de fato, ele é hoje o regime mais difundido no mundo. Somente a Europa Ocidental e a América do Norte preservaram a estrutura pluralista da democracia tradicional, mas meramente como ficção, já que o poder verdadeiro é econômico e técnico.

O Estado unipartidário tenta reconstituir a unidade política da nação, segundo uma estrutura tríplice: o Estado inclui funcionários públicos e as forças armadas; o povo não é uma população estatística mas uma entidade que é politizada e fortemente organizada em instituições intermediárias; o partido coloca esse mecanismo em movimento e constitui um portal de comunicação entre o Estado e o Povo.

Schmitt, que retorna de novo e de novo ao nazismo, ao stalinismo, às teocracias e aos totalitarismos humanitários, obviamente não endossa o Estado unipartidário. Ele não defende qualquer "regime" específico. Na velha tradição realista latina herdada de Roma, Schmitt quer um executivo que seja tanto poderoso como legítimo, que não "ideologize" o inimigo e possa, em casos reais fazer uso da força, que possa fazer do Estado a "auto-organização da sociedade".

A guerra assim se torna um tema da teoria política. Schmitt está interessado na geopolítico como extensão natural da política. Para ele, a verdadeira política, a grande política, é a política externa, que culmina na diplomacia. Em O Nomos da Terra (1951), ele demonstra que o Estado segue a concepção europeia de política desde o século XVI. Mas a Europa se tornou decadente: o Estado burocrático foi despolitizado e não mais permite a preservação da história do povo europeu; o ius publicum europaeum que decidia as relações interestatais está declinando em favor de ideologias globalistas e pacifistas que são incapazes de fundar um direito internacional eficaz. A ideologia dos direitos humanos e o suposto humanitarismo das instituições internacionais estão paradoxalmente preparando um mundo no qual a força vem antes do direito. Inversamente, uma concepção realista das relações entre Estados, que permite e normaliza o conflito, que reconhece a legitimidade da vontade de poder, tende a civilizar a relação entre nações.

Schmitt é, junto com Mao Tsé-tung, o maior teórico moderno da guerra revolucionário e da figura enigmática do guerrilheiro que, nessa era de despolitização dos Estados, assume a responsabilidade do político, "ilegalmente" designa seus inimigos, e de fato nubla a distinção entre guerra e paz.

Tal "falso pacifismo" é parte de um mundo em que autoridades políticas e soberanias independentes são apagadas por uma civilização mundial mais alienadora que qualquer tirania. Schmitt, que influenciou a constituição da Quinta República Francesa - a constituição francesa que é a mais inteligente, mais política, e a menos inspirada pelo idealismo do Iluminismo - nos dá essa mensagem: liberdade, humanidade, paz são somente quimeras que levam a opressões invisíveis. As únicas liberdades que contam - seja de nações ou indivíduos - são aquelas garantidas pela força legítima de uma autoridade política que cria lei e ordem.

Carl Schmitt não define os valores que mobilizam o político e legitimam a designação do inimigo. Esses valores não devem ser definidos por ideologias - sempre abstratas e portões para o totalitarismo - mas por mitologias. Nesse sentido, o funcionamento do governo, o puramente político, não é suficiente. É necessário acrescentar a dimensão "religiosa" da primeira função, como definida na tripartição indo-europeia. Nos parece que é assim que se deve completar a teoria política de Schmitt. Porque se Schmitt constrói uma ponte entre antropologia e política, ainda é necessário construir outra entre política e história.


16/06/2012

Guillaume Faye - A Essência do Arcaísmo

por Guillaume Faye

"Do nosso império interior" por Dragoš Kalajić.

É provável que apenas após a catástrofe que derrubará a modernidade, sua saga mundial e sua ideologia global, uma visão alternativa do mundo necessariamente se imponha. Ninguém terá tido a capacidade de previsão e a coragem de aplicá-la antes da erupção do caos. É, então, nossa responsabilidade - nós que vivemos, como Giorgi Locchi diz, no interregnum - preparar, desse momento em diante, uma concepção pós-catastrófica do mundo. Ela pode ser centrada no arqueofuturismo. Mas nós devemos dar conteúdo a esse conceito.

É necessário, primeiro, retornar a palavra "arcaico" a seu verdadeiro significado, o qual, em seu étimo grego archê, é positivo e não pejorativo, significando tanto "fundação" como "começo" - isto é, "ímpeto fundador". Archê também significa "aquilo que é criativo e imutável" e se refere ao conceito central de "ordem". Atender ao "archaico" não implica uma nostalgia retroativa, pois o passado produziu a modernidade igualitária, a qual atolou, e assim qualquer regressão histórica seria absurda. É a própria modernidade que agora pertence a uma era passada. 

Seria o "arcaísmo" uma forma de tradicionalismo? Sim e não. O tradicionalismo advoga a transmissão de valores e, corretamente, combate as doutrinas da tabula rasa. Mas tudo depende de que tradições são transmitidas. Nem toda tradição é aceitável - por exemplo, nós rejeitamos aquelas das ideologias universalistas e igualitárias ou aquelas que são fixas, ossificadas, desmotivadoras. É certamente preferível distinguir entre várias tradições (valores transmitidos) aquelas que são positivas e aquelas que são negativas.

As questões que perturbam o mundo contemporâneo e ameaçam a modernidade igualitária com catástrofe já são arcaicas: o desafio religioso do Islã; disputas geopolíticas por recursos escassos, terra agrícola, petróleo, pesca; o conflito norte-sul e a imigração colonizadora para o hemisfério norte; a poluição global e o choque físico da realidade empírica contra a ideologia do desenvolvimento. Todas essas questões nos lançam de volta em questões já de muito tempo, consignando ao esquecimento os debates políticos quase teológicos dos séculos XIX e XX, que eram pouco mais do que verborragia inútil sobre o sexo dos anjos.

Ademais, como o filósofo Raymond Ruyer, detestado pela intelligentsia esquerdista, previu em suas duas importantes obras, Les nuisances idéologiques e Les cents prochains siècles, uma vez que a digressão histórica dos séculos XIX e XX haja finalmente encerrado, com as alucinações do igualitarismo tendo descendido até a catástrofe, a humanidade retornará a valores arcaicos, isto é, bastante simplesmente, a valores biológicos e humanos (antropológicos): papéis sexuais distintos; transmissão de tradições étnicas e populares; espiritualidade e organização sacerdotal; hierarquias sociais visíveis e supervisórias; adoração dos ancestrais; ritos e testes iniciatórios; reconstrução de comunidades orgânicas que se estendem da unidade familiar individual à comunidade nacional do povo; a desindividualização do casamento para envolver a comunidade tanto quanto o casal; o fim da confusão entre erotismo e conjugalidade; o prestígio da casta guerreira; a desigualdade social, não implícita, que é injusta e frustrante, como nas utopias igualitárias atuais, mas explícita e ideologicamente justificável; um equilíbrio proporcional de deveres e direitos; uma justiça rigorosa cujos ditadors são aplicados estritamente a atos e não a indivíduos, o que encorajará um senso de responsabilidade nestes; uma definição do povo e de qualquer corpo social constituído como uma comunidade diacrônica de destino compartilhado, e não como uma massa sincrônica de átomos individuais, etc.

Em resumo, os séculos futuros, no grande movimento pendular da história que Nietzsche chamou de "eterno retorno do mesmo", irão de algum modo revisitar estes valores arcaicos. O problema para nós, para europeus, não é, pela covardia, permitir que o Islã os imponha sobre nós, um processo que está ocorrendo subrepticiamente, mas reimpo-los sobre nós mesmos, enquanto nos baseamos em nossa memória histórica.

Recentemente, um importante barão midiático francês - o qual eu não posso nomear, mas que é conhecido por suas simpatias esquerdo-liberais - me fez, em essência, o seguinte comentário desiludido: "Os valores econômicos do livre-mercado estão gradualmente perdendo para os valores islâmicos, porque eles são exclusivamente baseados no lucro econômico individual, o que é inumano e efêmero". Nossa tarefa é garantir que o retorno inevitável à realidade não nos seja imposto pelo Islã.

Obviamente, a ideologia contemporânea, hegemônica hoje mas não por muito tempo, considera estes valores como diabólicos, tanto quanto um louco paranóico possa ver os traços de um demônio no psiquiatra tentando curá-lo. Em realidade, estes são os valores da justiça. Verdadeiros à natureza humana desde tempos imemoriais, estes valores arcaicos rejeitam o erro iluminista da emancipação do indivíduo, que apenas acabou no isolamento desse indivíduo e em barbarismo social. Estes valores arcaicos são justos, no sentido grego antigo do termo, porque eles tomam o homem pelo que ele é, um zoon politikon ("um animal social e orgânico integrado em uma cidade-estado comunitária"), e não pelo que ele não é, um átomo isolado e assexual imbuído com pseudo-direitos universais porém imprescritíveis.

Em termos práticos, os valores anti-individualistas do arcaísmo permitem a auto-realização, a solidariedade ativa e a paz social, diferentemente do individualismo pseudo-emancipatório do igualitarismo, que acaba na lei da selva.

09/10/2011

Dez Idéias Atemporais

por Guillaume Faye


EUROPA: Está em guerra, mas não sabe disso... está ocupada e colonizada por povos do Sul e economicamente, estrategicamente e culturalmente subjugada pela Nova Ordem Mundial Americana... É o homem doente do mundo. [página 9]

ARQUEOFUTURISMO: O espírito que percebe que o futuro surge do ressurgimento de valores ancestrais e que as noções de modernidade e tradicionalismo precisam ser dialeticamente superadas [59]... Para confrontar o futuro, especialmente hoje, se impõe um retorno à mentalidade arcaica, que é pré-moderna, não-igualitária e não-humanista, rumo a uma mentalidade que restaure valores ancestrais e aqueles da ordem social... O futuro, assim, não é nem a negação da tradição nem a memória histórica de um povo, mas, antes, a metamorfose e, em ultima análise, seu crescimento e regeneração. [De Arqueofuturismo 11, 72]

IDENTIDADE: São características da humanidade a diversidade e a singularidade de seus povos e culturas. Toda homogeneização é sinônimo de morte e esclerose... Identidade étnica e identidade cultural formam um bloco, mas a identidade biológica é primária, pois sem isso, cultura e civilização são impossíveis de sustentarem-se... A identidade nunca se congela. Permanece em si mesma envolta, reconciliando e se tornando. [146-48]

BIOPOLÍTICA: Um projeto político voltado aos imperativos biológicos e demográficos de seu povo... A biopolítica é guiada pelo princípio de que a qualidade biológica de um povo é essencial para sua sobrevivência e bem-estar. [63-64]

SELEÇÃO: O processo coletivo, baseado na competição, que minimiza ou elimina os fracos e seleciona o forte e capaz. A seleção implica tanto na evolução natural de uma espécie, quanto no desenvolvimento histórico de uma cultura e civilização... A sociedade contemporânea previne uma seleção justa e, em vez disso, impõe uma seleção selvagem e injusta baseada na lei das selvas. [212-13]

INTERREGNO: O período entre o fim de uma civilização e o possível nascimento de outra. Nós estamos atualmente vivendo em um interregno, um momento histórico trágico quando tudo está em chamas e onde tudo, assim como uma Fênix, pode erguer-se renascido de suas cinzas. [153]

GUERRA CIVIL ÉTNICA: Somente a eclosão de uma guerra como tal irá resolver os problemas criados pela atual colonização, Africanização e Islamização da Europa... Somente de costas para a parede que um povo é estimulado a chegar a soluções que em outros tempos seriam impensáveis. [130]

REVOLUÇÃO: A reversão violenta de uma situação política, que é acompanhada por uma profunda crise e que é o trabalho de uma “minoria ativa”... A revolução verdadeira é uma metamorfose, isto é, a reversão radical de todos os valores. O único revolucionário da era moderna é Nietzsche... e não Marx, que buscava simplesmente outra forma de sociedade burguesa... Há muito passamos do ponto de não retorno, onde é possível parar a decadência prevalecente com reformas políticas moderadas. [210-11]

ARISTOCRACIA: Uma aristocracia verdadeira encorpa a essência de seu povo, que serve com coragem, desinteresse, modéstia, vontade, simplicidade e estatura... Recriar uma nova aristocracia é a tarefa eterna de todo projeto revolucionário... A recriação de tal aristocracia somente é possível através da guerra, que é a mais impiedosa e seletiva das forças [60-61]

VONTADE DE POTÊNCIA: A tendência de toda vida perpetuar-se a si mesma, para garantir sua sobrevivência e para reforçar sua dominação, sua superioridade e suas capacidades criativas... A vontade de potência aceita que a vida é luta, uma eterna luta por supremacia, a luta sem fim para melhorar e aperfeiçoar-se a si mesmo, a absoluta negação do niilismo, o oposto do relativismo contemporâneo... É a força da vida e da história. Não é simplesmente um imperativo orgânico por dominação, mas para a sobrevivência e a continuidade... Um povo ou civilização que abandone sua vontade de potência inevitavelmente perece. [227]
_______
Fonte: Counter-Currents Publishing

Dez idéias selecionadas por Michael O’Meara nos livros “Porque nós lutamos” e “Arqueofuturismo”.

03/08/2011

Thorstein Veblen: Mais Além da Luta de Classes

por Guillaume Faye

Raymond Aron escreveu sobre ele: "Entre todos os sociólogos, Veblen é o mais famoso dos desconhecidos (...) Tipicamente americano, sempre com um irredutível otimismo apesar da crueza da análise (...) Veblen não oferece argumentos fáceis a escola de pensamento ou partido político algum. A nova esquerda encontrara nele, quiçá, uma disposição coincidente com a sua. Veblen é uma personalidade fora do comum, um caminhante solitário, perdido em meio do corpo docente, um descendente de emigrantes escandinavos que sente-se perdido na época dos barões da indústria, um nostálgico da vida simples e livre."

Filho de camponeses noruegueses que emigraram para os EUA, Veblen estava marcado pelo ideal rural e artesanal de seus ancestrais. Desprezava a artificialidade burguesa e rechaçava a sociedade - e seu sistema econômico - dominado tanto pela finança como pela técnica criativa. Suas experiências, aquelas que orientaram sua tese, não tiveram um caráter intelectual, como havia sucedido com Marx ou Proudhon, senão empírico: Veblen pôde comprovar o contraste existente entre o trabalhador que suja as mãos e o burguês de mãos brancas, enriquecido como consequência não de seu trabalho senão da manipulação dos símbolos sociais e financeiros. Veblen oferece como fundamento de sua obra uma crítica da sociedade mercantil e do capitalismo ocidental muito distinta da aportada pelo marxismo, mais moderna, ainda que menos rigorosa. Seu estilo de pensamento está muito próximo a Proudhon, Sombart, Feder, Wagemann ou Perroux.

Nascido em 1857, Veblen publicou sua obra fundamental em 1899: The Theory of the Leisure Class (Teoria da classe ociosa). Autor de numerosos artigos científicos, conferências e de traduções de lendas escandinavas, publicou em 1923 outro livro importante: Absentee Ownership and Business Enterprise in Recent Times: the Case of America, no qual desenvolverá conceitos sócio-econômicos distanciados tanto do liberalismo como do marxismo, e no qual inspirou-se Baudrillard para seu ensaio Para uma crítica da economia política do signo.

O pensamento de Veblen, radical e anticapitalista - ainda que incompatível com o marxismo, repito - tem como objeto a economia ainda que fuja de todo economicismo, inspira-se no evolucionismo biológico em sua análise histórica, rechaça o determinismo social e concede um amplo espaço para o irracionalismo, para oferecer um estilo e uma gama de conceitos de grande utilidade. O único que não podemos aceitar, desde nosso ponto de vista, é seu sentido político e ideológico marcado por um ingênuo otimismo e um irenismo infantil próprio da América luterana, não isento de um certo idilismo agrário germano-escandinavo.

O Trabalho e o Ócio

O ponto de partida da análise de Thorstein Veblen é a crítica da técnica e da propriedade mobiliária - em particular das ações e dos títulos - do capitalismo americano: o proprietário anônimo, a riqueza acumulada sem trabalho, a especulação imobiliária e o reino social da abstração monetarista. Ao contrário do burguês Marx, Veblen não desprezava o camponês e não deixa-se seduzir pelo determinismo proletário, e rechaça a oposição entre alta burguesia industrial e assalariados industriais, que constitui a base do esquema marxista construído a partir da análise da primeira revolução industrial, teoria que revelar-se-á falsa no caso dos Estados Unidos dos anos 1900 a 1920. A luta de classes, para ele, não desencadeava-se entre o capitalismo - como sistema de detenção dos meios de produção - e o conjunto dos assalariados industriais (o "proletariado"), senão entre uma classe ociosa, em parte composta por especuladores financeiros (os "capitalistas"), e as categorias produtivas da população, os assalariados.

Esta distinção, que tem sido consubstancial a uma certa direita revolucionária (de Sorel a Jünger), adapta-se muito melhor à realidade que a tradicional explicação marxista sobre a sociedade moderna, quer seja de corte liberal ou socialista. Para Veblen, Marx era um "neohegeliano romântico" cuja teoria da luta de c lasses, como processo histórico consciente, está influída pelos mecanicistas e igualitaristas ingleses, por Bentham e Ricardo fundamentalmente. Apesar de tudo, Veblen não deixará de sublinhar aqueles elementos positivos, ainda que mal formulados segundo ele, da teoria marxista do valor-trabalho. Ao contemplar incorporado no valor real das mercadorias o valor do trabalho humano necessário para fabricá-las (valor = custo em trabalho), o marxismo opera certamente sobre uma simplificação - que desemboca no erro econômico da teoria da mais-valia - porém providencia à análise da sociedade de uma ética e de um instrumento conceitual mais interessante que as interpretações liberais do trabalho.

Geralmente, para os liberais, desde Ricardo, o trabalho é uma carga desagradável (irksomeness), uma ação ingrata desconectada de qualquer valor. O liberalismo clássico - e mais tarde os marginalistas - basearam-se em parâmetros marcantis sobre a base de um esquema de prazeres e penas, infravalorando o trabalho ao contemplá-lo como um instrumento para a obtenção de prazer e de enriquecimento, sem conceder-lhe outro valor intrínseco. Ainda mais mecanicista e economicista que o marxismo, a corrente liberal omite os descobrimentos da biologia - pelos quais Veblen sim interessava-se - que reconheciam ao trabalho um papel biológico e cultural. A sociedade com uma economia liberal, erigida sobre o hedonismo, não pode senão desembocar em uma gigantesca crise de trabalho. O futuro da sociedade mercantil dará a razão a esta análise, que considerava ao homem como um ser mais de ação que de cálculo econômico de prazeres e penas (o homo oeconomicus).

O marxismo, em sua tendência a glorificar o trabalho, não molestava certamente a Veblen, posto que o produto daquele "é o que produz-se como consequência do desdobramento da vida humana" e é parte "do poderoso processo vital", assim o rechaço marxista do hedonismo e do materialismo burgueses entaria dentro do âmbito da metafísica: questões como a da pauperização, o desaparecimento das classes e do Estado, o milenarismo da razão dialética, etc.

Ademais de criticar o homo oeconomicus em nome da natureza biológica do ser humano, Veblen sentou as bases de uma crítica da economia política da sociedade industrial segundo um ponto de vista "socialista" muito mais incisivo que o dos marxismos contemporâneos. Desde o ponto de vista de Veblen, os trabalhadores de todas as classes e sejan quais fossem suas funções, proprietários ou não, padecem o domínio dos financistas, dos especuladores, quer sejam estes pessoas privadas ou das classes funcionárias. Esta análise é, desde logo, aplicável a nossa civilização, superando o conceito de "finança" pelo de "especulação" ociosa e improdutiva, válido tanto para o mundo americano, como para França, Suécia ou o regime soviético. Este discurso conforma uma crítica sociológica e ética da burguesia americana, de seus costumes e de suas ideologias e, por extensão, da burguesia ocidental, como portadora de decadência e de morte cultural. Para Veblen, a natureza do homem está sujeita ao evolucionismo biológico e a uma pluraidade de instintos confrontados. O contraste entre o mundo rural e o mundo ianque ilustra a oposição entre o instinto artesão (workmanship) do "homem trabalhador" e o instinto predatório de quem aproveita-se do que outros produzem e nunca foi capaz de produzir. A oposição parece tanto mais válida se corrigimos a filiação pacifista de Veblen, que confundia o "depredador" com o guerreiro, o financista ou o chefe industrial, em quem via a versão moderna do combatente ávido de botins. Corrigindo os conceitos veblianos com as teses de Ernst Jünger, poderíamos frutuosamente contrapor um tipo trabalhador conformado por elementos artesãos e guerreiros a um tipo depredador de essência mercantil.

As Novas Classes: Artistas contra Utilitaristas

Ao criticar a sociedade americana e a exploração das forças produtivas por parte da ociosa "classe rica" dos financistas, Veblen contrapõe dois tipos psicológicos no seio da economia ocidental. Um primeiro tipo seria o que sustenta uma consciência utilitária que reproduziria o sistema e sua ideologia materialista e hedonista. O segundo tipo, alheio à dinâmica mercantil e objeto de seu desastroso domínio, seria o dos que apostam pela livre curiosidade (idle curiosity), isto é, os artistas, os inventores, os que arriscam seu próprio capital, as personalidades aventureiras. Somente a curiosidade livre caminha no sentido da evolução biológica; pelo contrário, a civilização liberal, como consequência do "despotismo do dinheiro", a esclerotiza.

Adiantando-se a Gehlen, Veblen definiu ao homem como um ser de ação mais que de cálculo ou de gozo. O utilitarismo dos financistas ou dos educadores modernos constitui, como anos mais tarde demonstrará Lorenz, um fator de bloqueio biológico da cultura. O pensamento científico é fruto da curiosidade livre em maior medida que a racionalidade. Esse instinto artesanal - muito próximo ao que Heidegger considerava como "poesia" - é o mais necessário para a evolução de uma cultura, para que aquela curiosidade livre desenvolva-se. Veblen assim define este instinto em seu ensaio Teoria da Classe Ociosa: "O homem converte-se em um agente ativo ante a presença de uma necessidade seletiva. Considera-se o centro de um desenvolvimento de atividade impulsiva, de atividade 'teleológica'". O objeto deste desdrobamento não é o hedonismo, senão o altruísmo e a impersonalidade, dinâmica que dota ao homem de um gosto pelo esforço eficaz e de um instinto pelo trabalho bem feito.

O aspecto mais interessante do pensamento de Veblen está no fato de substituir a luta de classes por antagonismos globais que dividem todas as classes. O proletariado não é considerado como "trabalhador", na medida em que Veblen denuncia aos sindicatos como instituições mercantis e predadoras. Desde esta mesma perspectiva, os proprietários e os criadores de indústrias ou de atividade são possuidores do instinto artesanal, enquanto que não poucos funcionários bem podem ser englobados dentro da mesma categoria que a dos especuladores: parasitas que tão somente pensam em suas vantagens, freando com suas manipulações o trabalho dos demais, e a força de criação e de inventiva da coletividade. Na economia ocidental, esta oposição entre o "mundo dos negócios", entendido em seu sentido mais amplo, e o "mundo da indústria" antoja-se-nos atualíssima. Veblen foi um dos primeiros em denunciar o risco de esclerose como consequência do nepotismo introduzido na sociedade industrial, assim como em haver advertido seriamente contra o perigo de uma economia submetida às instituições e aos mecanismos financeiros.

A análise de Veblen guarda uma certa semelhança de suas propostas com o pensamento do teórico alemão Feder, ao considerar que a verdadeira exploração provocada pelo capitalismo liberal era de natureza financeira ("capital de empréstimo") ao operar sobre um capital técnico-produtivo "criativo" (agricultura, comércio, indústria e transporte). Veblen, ademais, sustentava que esta oposição tinha mais elementos de realidade que o abstrato antagonismo entre "capital" e "trabalho" ao denunciar os benefícios monetários do mundo financeiro como "enriquecimento sem motivo" e questionar o interesse da estrutura bancária da economia liberal. Os financistas, desde o pequeno jogador na bolsa até os ditadores dos mercados econômicos, "apossam-se do que não é seu". Uma análise sumária? A atualidade oferece-nos, pelo contrário, suficientes ilustrações: os bancos investem em função de seus particulares critérios de rentabilidade, as companhias petrolíferas estabelecem consenso sobre o aumento dos preços do petróleo cru em um mercado aparentemente livre com objetivo de maximizar seus dividendos, os especuladores imobiliários situam a elevação do preço do solo e de bens imóveis provocando crise no setor da construção, etc. Abundam os exemplos que confirmam a hipótese segundo a qual o capital financeiro sabota a produção e restringe a ocupação, com o objetivo de chegar a um nível marginal mais além do qual as margens de decisão estão constrangidas ao máximo. O capital financeiro - que pode ser "nacionalizado", aspecto que Veblen não pôde prever - prevalece sobre a economia nacional provocando a entrada da sociedade em uma era de "cultura do dinheiro" (pecuniary culture) na qual não cabe nenhuma atividade que não tenha sido prévia e pecuniariamente medida, submetida ao controle e à regulamentação ditatorial da lógica pseudo-racional do benefício financeiro como única alternativa.

Quando a Propriedade SIM é um roubo

Em sua análise econômica, Veblen está muito próximo das correntes do socialismo não-marxista. Assim como Proudhon, considerava que a propriedade (em sua forma de detenção dos títulos financeiros de propriedade dos meios de produção) constituía efetivamente um roubo, não no sentido metafísico e absolutista no qual o liberalismo quis estupidamente interpretar esta célebre expressão (toda propriedade, inclusive um objeto: Proudhon nunca sustentou nada parecido), senão em um sentido que poderíamos argumentar dessa outra maneira: na economia mercantil (não necessariamente em qualquer economia) a propriedade, enquanto detenção jurídica dos direitos financeiros de uso dos meios de produção e de serviço (e não como detenção de bens improdutivos), tem a função histórica de permitir a seus beneficiários enriquecer-se, atribuir-se os benefícios fruto dos conhecimentos técnicos e do trabalho da comunidade. Neste sentido, uma propriedade de tal gênero constitui, efetivamente, uma expoliação da comunidade popular. Note-se que inclusive se o "Estado" é o proprietário jurídico (caso dos regimes socialistas ou ods setores nacionalizados nos países ocidentais, como por exemplo o Banco), esta espoliação segue tendo lugar, coisa que nem Proudhon, nem Veblen, nem a fortioro Marx, haviam previsto: os setores estatalizados espoliam à comunidade exatamente como faz o setor privado. O que não quer dizer, obviamente - como consideraram os que pretenderam marginalizar as teses de Proudhon ou do próprio Veblen - que toda propriedade industrial (ou econômica) seja um roubo. Dito de outra forma, e para utilizar as fórmulas de ambos autores, o escritório de um patrão-trabalhador não seria uma espoliação, enquanto que muitas vezes o posto de direção e as pré-vendas que atribui-se um alto funcionário nomeado como cabeça de um grupo financista ou industrial "nacionalizado", em regime liberal ou comunista, são propriedades espoliadoras, ainda se não existe título jurídico de propriedade.

A tese central de Veblen, resumindo, é que a economia mercantil deve ser condenada por ter dado o "usufruto das artes industriais" não à comunidade popular que, com o conjunto de suas classes, produz o trabalho e a ciência, senão à função financeira da economia que determina as estratégias e, em definitiva, obtém os lucros. Uma economia comunitária como a perfilada por Veblen, pelo contrário, não autorizaria a uma minoria "obter algo do nada" (get something from nothing). Enquanto que a versão marxista do socialismo, fundada sobre a superada imagem do proprietário privado usufrutador perde força na medida em que o dirigente não confunde-se nunca com o industrial privado e o trabalhador não é tampouco o proletário-tipo, a versão vebliana ou proudhoniana do socialismo mostra-se-nos muito - já que é desta realidade fundamental do que trata-se - não opõe verticalmente a patrões frente a trabalhadores, a ricos frente a pobres, senão, de uma maneria horizontal, a trabalhadores (ou "produtores") frente a parasitas; e desta última categoria formam parte, tanto os funcionários corruptos como os falsos desocupados; tanto intermediários inúteis, como especuladores públicos ou privados. Trabalhadores encontramos em todas as classes sociais e em todas as funções, desde o operário ao artista, desde empresários a militares.

A Classe Ociosa

A crítica social de Veblen vai indissoluvelmente unida a sua crítica das instituições econômicas. Esta destapa na sociedade americana e ocidental a interdependência de fatores econômicos e culturais, ultrapassando o esquema causal de infraestrutura/superestrutura; fala de uma leisure class (que poderíamos traduzir por "classe ociosa") para designar àquela franja da burguesia para a qual a atividade social não significa outra coisa que seu objetivo de conquistar, por meio da posse qualitativa do símbolo do dinheiro, uma posição de referência, ao tempo que uma superioridade social (sazonada, a título de compensação, com uma ideologia igualitária) e de busca do bem-estar entendida como um não-trabalho, como hedonismo individualista absoluto. A importância numérica desta classe acomodada que conquista espaços à burguesia média, conformaria o fator social que poria em perigo às nações.

A análise de Veblen põe o acento sobre a inautenticidade existencial dessa classe. O dinheiro e o consumo servem-lhe como símbolos sociais que tendem a camuflar a riqueza acumulada, ao tempo que significam um espetáculo orlado de uma superioridade que em absoluto tem que ver com os méritos obtidos por serviços à coletividade, senão à manipulação social, a manobras de tipo especulativo, ao parasitismo. Veblen fala nesse sentido de leis de dissipação ostentosa que "tem baixo controle ao consumo", e acrescenta: "trata-se de uma série de regras que mantém aos consumidores em um determinado nível de consumo de alto custo e esbanjamento. (...) A regra do esbanjamento ostentoso pode influir, em maior ou menor medida, no sentido do dever, no sentimento da beleza, no sentido de utilidade, no sentido de devoção e da convivência ritual, e no espírito da verdade científica." Veblen fixa assim os mecanismos de influência do estilo econômico sobre a cultura: gastando, consumindo, é a forma em que os indivíduos e os grupos mostram seus valores. Esta dissipação ostentosa (conspicuous waste) constitui para Veblen um fato criticável em si. A classe ociosa empenha-se em supervalorizar a importância dos gastos de índole religiosa. Os gastos ostentosos convertem-se em patológicos no preciso instante em que individualizam-se e acabam por confundir-se, como sucede na atualidade, com os objetivos últimos da existência individual, acima de tudo entre as classes médias. O fim da existência converte-se assim em uma exibição social, em uma exibição em qualidade de "classe ociosa", através da medição do valor simbólico das mercadorias e da possibilidade de compra em função do standing. Nesse processo, a pequena burguesia põe seu olhar na autêntica classe ociosa, que através de mecanismos de mimetismo alenta e reproduz o sistema econômico e social da sociedade mercantil, graças à qual obtém seus benefícios. Nessa perspectiva, as modas, mais além de sua aprente superficialidade, assumiriam em nossa sociedade uma função política e ideológica mais importante que os discursos ou a propaganda.

A "dissipação ostentosa" conduz inclusive à liquidação de qualquer ética social.  "O ladrão que enriqueceu de uma maneira desbocada graças à rapina", escreve Veblen, "tem muitas probabilidades de saltar por cima das leis que aplicam-se aos pequenos caloteiros, de gozar de seu botim de homem bem educado". O estilo burguês de vida, vale dizer o significado do dinheiro, é suficiente normalmente para formar parte da sociedade dos parasitas e dos safados. "Esta riqueza, considerada sagrada, extrai seu primordial valor da boa fama que procura quando consome-se com ostentação." Para manter sua superioridade, as categorias sociais dominantes recorrem ao simbolismo do consumo e do estilo de vida. As classes médias, fascinadas, tratam de imitá-las e veem-se incapacitadas para contestar o sistema, e assim, dessa maneira, o consumo massificado, fundamento da economia mercantil, pode perpetuar-se ainda que não ajuste-se à necessidade fisiológica alguma. Daí a incessante sucessão de modas e as metamorfoses de estilos de vida que operam-se nas classes dominantes, que apenas assim dão tempo às classes médias para que imitem-na.

Jean Baudrillard inspirou-se de uma maneira substantiva na análise de Veblen em seu notável ensaio Para uma crítica da economia política do signo, onde podemos ler: "Veblen mostra que, apesar da tarefa que impuseram-se de trabalhar e produzir, as classes subalternas tem ao mesmo tempo a função de lustrar o status do patrão". Essa é, em concreto, a condição das mulheres burguesas: as "fascinantes cretinas" estão aí, como uma mercadoria doméstica, para dar testemunho do acontecimento de seu macho - ou seria melhor dizer de seu "proprietário"? - Trata-se de um "consumo vicário" (vicarious consumption). Baudrillard sublinha: "O teorema fundamental do consumo é que não tem nada que ver com desfrute pessoal, senão que é uma instituição social constritiva, que determina os comportamentos inclusive por cima da consciência que dela possam ter os atores sociais."

Veblen foi o primeiro em arrojar luz sobre o caráter superficial da economia de consumo de massas. Por meio da dilapidação (wasteful expenditure) que comporta e a tendência coletiva ao ócio (waste of time) que institui, a economia de consumo mercantil consagra uma moral de esbanjamento do tempo e das coisas. A "dissipação ostentosa", que por um tempo esteve limitada às jóias, aos objetos religioso ou à decoração urbana, estendeu-se aos objetos quotidianos e às mulheres "de profissão seus labores", com o resultado de excitar o desejo de "nível social" sobre a base de signos materiais. A sociedade faz-se hipermaterialista e fica penetrada por incessantes conflitos sociais ligados a um acatamento geral dos standing of living (tipologia material de vida). O confort não mede-se a partir de condições racionais de higiene e liberdade necessárias para a saúde da população ou como meta para a melhora das condições de vida do proletariado, senão que coincide com um determinado status identificado com a posse de mercadorias-signos e com a realização das fantasias desbocadas pelos condicionamentos da publicidade comercial. Na economia mercantil são compatíveis condições e ritmos de vida ou de nutrição insalubres e a posse de signos de riqueza: automóvel, eletrodomésticos de todo tipo, etc.

A Tirania do Consumo

Graças à profunda análise desenvolvida por Veblen sobre a sociedade industrial americana de princípios de século, que em realidade foi o laboratório e o modelo das sociedades ocidentais "de consumo" do século XX, é possível correr o véu das contradições fundamentais que socavam nossa sociedade atual. Esta opõe, segundo a fórmula de Baudrillard, "uma moral aristocrática do otium e uma ética puritana do trabalho", ou segundo a formulação de Daniel Bell (em seu ensaio As contradições culturais do capitalismo), uma cultura "contestatória" fundada sobre o não-trabalho e uma organização social e econômica fundada sobre o trabalho racional. Nós, de nossa parte, afirmamos que a sociedade mercantil, fundada sobre a produtividade do trabalho e sua racionalização, gera, como consequência da mesma abundância que engendra a produtividade, uma ideologia e uma "fisiologia" do lucro e do rechaço da atividade. Dito com outras palavras, a prosperidade individual, fruto do trabalho coletivo, mina as bases deste último.

Não obstante, o caráter dramático da sociedade ocidental não consiste, no fundo, nessa ostentação social em si (dada neste caso pelo consumo de mercadorias). Uma ostentação de tal guisa - e Veblen pôs em evidência quando falava das práticas religiosas - existiu sempre; a posse de riquezas pode tranquilamente jogar o papel de símbolo cultural. O drama consiste no fato de que a ostentação, por meio do consumo, trata de chegar a converter-se no único jogo social, a única prática da existência individual. Em consequência, não somente os indivíduos despersonalizam-se como consequência de converter-se em meros vetores dos signos, senão que a sociedade perde sua historicidade, converte-se em uma pura representação e conclui sua missão "transmissora". Por que falar de drama? Porque no drama, em diferença à tragédia, os atores ignoram a desgraça que embarga-os.

23/06/2011

Tradicionalismo: Eis o Inimigo!

por Guillaume Faye

Nos círculos do que podemos chamar eufemisticamente de a "direita revolucionária", ou mais genericamente de a "direita anti-liberal", pode-se observar a ascensão recorrente - como crises de acne - do que podemos chamar apenas de "tradicionalismo metafísico."

Autores como Evola ou Heidegger são em geral os pretextos - marque bem minhas palavras: os pretextos - para a expressão dessas tendências, muitos aspectos os quais parecem ser negativos e desmoralizantes. Estes autores mesmos não são o problema. Para fazer referência apenas a Evola e Heidegger, as obras de nenhum desses autores - cujas verdadeiras idéias estão geralmente extremamente distantes das dos "evolianos" e "heideggerianos" - são suscetíveis às críticas que aplicam-se aos seus "discípulos" direitistas que estão em questão aqui.

Como caracterizamos esse "desvio" do tradicionalismo metafísico e quais são os argumentos contra ele? Essa mentalidade é caracterizada por três pressuposições axiomáticas:

1. A vida social deve ser governada pela "Tradição", cujo esquecimento traz decadência.
2. Tudo que tem relação com nosso tempo é escurecido por essa decadência. Quanto mais dirigimo-nos ao passado, menor a decadência, e vice-versa.
3. Ultimamente, as únicas coisas que importam são as preocupações e atividades "interiores", voltadas para a contemplação de alguma coisa geralmente chamada "Ser".

Sem demorarmo-nos na superficialidade relativamente pretensiosa dessa perspectiva que prefere, ao invés de reflexão autêntica e clareza, o obscurantismo fácil do inverificável e dos jogos de palavras, que - sob o pretexto de profundidade (e até mesmo, em certos autores com fortes tendências narcisistas, de "poesia") - ignora a própria essência de toda filosofia e todo lirismo, deve-se especialmente reconhecer que esse tradicionalismo metafísico está em profunda contradição com os próprios valores que geralmente afirma defender, ou seja, o combate às ideologias modernas, o espírito conhecido como a "Tradição Européia", o anti-igualitarismo, etc.

De fato, em primeiro lugar, a obsessão com a decadência e a nostalgia dogmática que ela induz fazem-na parecer com um progressismo reverso, uma visão linear "invertida" da história: o mesmo esquema mental, herdado do finalismo cristão, de todas as ideologias progressistas "modernas". A História não ascende do passado para o presente, mas descende.

Porém, contrariamente às doutrinas progressistas, o tradicionalismo cultiva um pessimismo profundamento desmoralizante em relação ao mundo. Esse pessimismo é exatamente do mesmo tipo que o otimismo ingênuo dos progressistas. Procede da mesma mentalidade e incorpora o mesmo tipo de vaidade, nomeadamente a propensão às profecias verborrágicas e a erigir a si mesmo como um juiz da sociedade, da história, e de outras coisas do tipo.

Esse tipo de tradicionalismo, em sua tendência a odiar e denegrir tudo que é "do presente", não apenas leva seus autores à amargura e a uma arrogância geralmente injustificável, mas também revela sérias contradições que tornam seu discurso incoerente e inacreditável.

Esse ódio do presente, da "modernidade", não é em absoluto colocado em prática no dia-a-dia, diferentemente do que se vê, por exemplo, no Cristianismo. Nossos anti-modernos podem perfeitamente beneficiar-se das conveniências da vida moderna.

Nisso eles revelam o verdadeiro sentido de seu discurso: a expressão de uma consciência culpada, uma "compensação" realizada por almas profundamente burguesas mal-ajustadas ao mundo atual, mas ainda assim incapazes de superá-lo.

Em segundo lugar, esse tipo de tradicionalismo usualmente leva a um individualismo exagerado, o mesmo individualismo que sua visão "comunitária" do mundo afirma denunciar na modernidade.

Sob o pretexto de que o mundo é "mau", de que seus contemporâneos são patentemente decadentes e imbecis, de que essa sociedade materialista "corrompida pela ciência e pela tecnologia" não pode compreender os valores superiores da interioridade, o tradicionalista, que sempre pensa em si mesmo como estando no topo das montanhas, não dignam-se a descer e aceitar a necessidade de combater no mundo, mas rejeita qualquer disciplina, qualquer solidariedade com seu povo, qualquer interesse na Política.

Ele está interessado apenas em seu ego hipertrofiado.

Ele transmite "seu" pensamento às gerações futuras como uma garrafa no oceano - sem ver a contradição, já que elas supostamente serão incapazes de compreendê-lo por causa da crescente decadência.

Esse individualismo, portanto, leva logicamente ao próprio oposto da ideologia original, ou seja, a um globalismo e universalismo implícitos.

Efetivamente, o tradicionalista metafísico é tentado a crer que as únicas associações que contam são "espirituais", a comunicação de grandes pensadores, que é similar ao redor do mundo, independentemente de sua origem e fonte, desde que eles rejeitem a "modernidade ocidental." Eles substituem o serviço ao Povo, à Política, à Comuniudade, ao Conhecimento, a uma Causa, não apenas com o serviço e a contemplação do próprio ego, mas com o serviço a meras abstrações.

Eles defendem "valores", independentemente de seu local de encarnação. Daí, para alguns, vem uma cativação com o Orientalismo; para outros, um globalismo militante; e para todos eles, um desinteresse desiludido quanto ao destino do seu próprio Povo.

Costuma-se até mesmo chegar a atitudes abertamente cristãs - da parte de "filósofos" que muitas vezes estão ocupados combatendo o Cristianismo.

Alguns exemplos aleatórios: a escolha de valorizar a intenção acima do resultado; a escolha de julgar uma idéia ou um valor em termos de suas características intrínsecas ao invés de sua eficácia; uma mentalidade espiritualística que julga todas as culturas e projetos em termos de seu "valor" espiritual ao invés de seus efeitos materiais.

Essa última atitude, ademais, obviamente tem muito pouco que ver com o "paganismo" Europeu que nossos tradicionalistas geralmente afirmam professar.

De fato, observando-se uma obra, projeto, ou cultura a partir de um ponto de vista exclusivamente "espiritual", afirma-se o princípio cristão da separação entre matéria e Espírito, a dissociação dualista entre a idéia pura e o produto concreto.

Uma cultura, um projeto, uma obra não são mais que produtos, no sentido concreto e dinâmico do termo.

Sob nossa perspectiva não existe qualquer separação entre o "valor" e o seu "produto". As qualidades líricas, poéticas, estéticas de uma cultura, obra ou projeto estão intimamente incorporadas em sua forma, em sua produção material. Espírito e Matéria são uma e a mesma coisa. O valor de um homem ou de uma cultura estão em suas Ações, não em seu "Ser" ou seu passado.

É precisamente essa idéia, partindo das fontes mais antigas da  Tradição Européia, que nossos tradicionalistas metafísicos - tão imbuídos com seu espiritualismo e seu monoteísmo da "tradição" ou de sua busca pelo "Ser" - prontamente traem.

Paradoxo: Ninguém está mais distante das Tradições Européias do que os tradicionalistas. Ninguém está mais próximo do espírito oriental dos mosteiros.

Tudo que caracteríza a Tradição Européia, tudo que os cultos orientais tentaram abolir, é exatamente o oposto do que os tradicionalistas europeus atuais defendem.

O Espírito Europeu, ou aquilo nele que era o mais elevado e mais civilizador, era otimista e não pessimista, exteriorizava e não interiorizava, era construtivista e não espiritualista, filosófico e não teológico, aberto à mudança e não satisfeito e complacente, criador de suas próprias tradições e formas ou idéias imutáveis, conquistador e não contemplador, técnico e urbano e não pastoral, ligado às cidades, portos, palácios, e templos, e não ao campo (o domínio da necessidade), etc.

Em realidade, o espírito dos tradicionalistas atuais é uma parte integral da civilização comercial ocidental, assim como os museus fazem parte da civilização do supermercado. O tradicionalismo é o ego sombrio, a justificativa, o cemitério vivo do burguês moderno.

Ele serve como suplemento espiritual. Faz com que ele acredite que não importa se ele gosta de Nova Iorque, novelas, e rock n'roll, desde que ele tenha suficiente "interioridade".

O tradicionalista é superficial: o escravo de suas idéias puras e de sua contemplação, dos jogos intelectuais de posers filosóficos, no fundo ele acredita que o pensamento é uma distração, um exercício agradável porém inútil, como colecionar selos ou borboletas - não um meio para a Ação, ou para a transformação do mundo,  ou para a construção de uma cultura.

O  tradicionalista acredita que valores e idéias preexistem à Ação. Ele não compreende que Ação precede tudo, como disse Goethe, e que é através da combinação dinâmica de Vontade e Ação que todas as idéias e valores nascem a posteriori.

Isso mostra-nos a verdadeira função de ideologias tradicionalistas na "direita" anti-liberal. O tradicionalismo metafísico é uma justificativa para desistir de todo combate, de todo projeto concreto de criar uma realidade européia diferente da dos dias atuais.

É a expressão ideológica de pseudo-revolucionários. Suas utopias regressivas, considerações nubladas e obscuras, e metafísica inútil fazem mais do que causar fatalismo, inação, e enervação. Eles também reforçam o individualismo burguês pela pregação implícita do tipo ideal do "pensador" - se possível contemplativo e descorporificado - como o pivô da história. Homens de Ação - as verdadeiras personalidades históricas - são assim, desvalorizados.

Porque o tradicionalista ultimamente não apoia a "comunidade", ele a declara impossível hic et nunc e transforma-a em uma fantasia utópica e regressiva perdida nas névoas de sabe-se-lá que "tradição".

Nesse sentido, o tradicionalismo "anti-moderno" e "anti-burguês" pertence objetivamente ao sistema das ideologias burguesas. Como estas ideologias, seu ódio pelo "presente" é um bom jeito, um bom pretexto, para rejeitar como impossível qualquer construção histórica concreta, até mesmo àquelas opostas ao presente.

No coração de seu discurso, o tradicionalismo mantém uma confusão absurda entre a "modernidade" da civilização tecnológico-industrial européia e o "espírito moderno" das ideologias igualitárias e ocidentais (que são arbitrariamente ligadas uma à outra). Assim o tradicionalismo desfigura, desvaloriza (às vezes para o lucro de um Terceiro Mundo idealizado "tradicional"), e abandona o Espírito Ocidental e Americano, o próprio gênio da civilização européia.

Como o Judaico-Cristianismo, mas por razões diferentes, o tradicionalista diz "Não" ao mundo e assim sabota a tradição de sua própria cultura. Ultimamente, um tradicionalista é alguém que sempre já sabe que há apenas uma tradição, como um idealista sempre já sabe que tudo é uma idéia.

Finalmente, sob o ponto de vista do "pensamento" - aquele cavalo de batalha do tradicionalismo metafísico - o que poderia ser mais negativo para o Espírito, mais incompatível com a qualidade do debate intelectual e para a reflexão que torna a si mesmo livre e contemplativo, do que afastá-lo de todos os projetos "políticos" (no sentido nietzscheano) e desviá-lo para o elitismo de bibliófilos e autodidatas assalariados?

Ousemos liquidar os Evolianos e Heideggerianos.

Porém leiamos Evola e Heidegger: para colocá-los em perspectiva, ao invés de montá-los em papel sulfurizado.