por Alain de Benoist
(1994)
"O testemunho mais importante e doloroso do mundo moderno, aquele que talvez reúna todos os outros testemunhos que esta era é responsável por assumir [...] é o testemunho da dissolução, deslocamento ou conflagração da comunidade" (Jean-Luc Nancy, La communauté désoeuvrée, Christian Bourgois, 1986, p. 11).
A ideologia liberal, em geral, interpretou o declínio do fato comunitário como intimamente ligado ao surgimento da modernidade: quanto mais o mundo moderno se impunha como tal, mais os laços comunitários iriam se enfraquecer em favor de formas de associação mais voluntárias e contratuais e de modos de comportamento mais individualistas e racionais. Desse ponto de vista, a comunidade aparece como um fenômeno residual, que as burocracias institucionais e os mercados globais estão destinados a erradicar ou dissolver. Toda ênfase dada ao valor da própria noção de comunidade pode, então, ser interpretada como uma "sobrevivência" conservadora, testemunha de uma era passada, ou como parte de uma nostalgia romântica e utópica ("sonho de uma vida simples", uma "era de ouro") ou, ao contrário, como um apelo a alguma forma de "coletivismo". Um tema relacionado é que, em troca do abandono das antigas comunidades, os cidadãos desfrutarão de maior liberdade e bem-estar, destinados até mesmo a serem estendidos ad infinitum, e para os quais a reorganização da sociedade em uma forma racional e atomizada é precisamente a condição. Como podemos ver, todo esse tema está estruturado em torno das noções de progresso, razão e indivíduo.
Muitos autores estudaram o vínculo social com referência à noção de comunidade, que na maioria das vezes é contrastada com a de sociedade. A conceituação dos termos Gemeinschaft, "comunidade", e Gesellschaft, "sociedade", tem sido fundamental para a jovem sociologia alemã do início do século XX, desde o trabalho seminal de Ferdinand Tönnies, publicado em 1887[1]. Tönnies relaciona essas duas noções a dois tipos distintos de vontade, a Wesenswille ou "vontade essencial", que é natural e espontânea, e a Kürwille ou "vontade arbitrária", que é racional e reflexiva. Para qualificar essa abordagem, Martin Buber introduziu, em 1900, uma nova distinção entre a antiga "comunidade de sangue" (Blutverwandtschaft) e a nova "comunidade escolhida" (Wahlverwandschaft), enquanto Max Weber usou a noção de "comunitarização" (ou "comunalização") para descrever o processo de orientação mútua que ocorre como resultado dos sentimentos comunitários entre os membros de uma determinada politeia. A oposição conceitual de Durkheim entre solidariedade mecânica e solidariedade orgânica é parcialmente coberta pela mesma dicotomia. Ela continua no trabalho de Georg Simmel, Helmuth Plessner[2], Talcott Parsons e também no binômio holismo-individualismo de Louis Dumont. Essa oposição é geralmente vista de uma perspectiva diacrônica e não sincrônica. De fato, o declínio da comunidade é um tema importante no pensamento dos intelectuais conservadores ou reacionários que ajudaram a fundar a sociologia no século XIX[3].
Recentemente, porém, os três pilares da abordagem crítica e puramente diacrônica da noção de comunidade parecem estar rachando. A ideologia do progresso é a mais afetada, na medida em que as promessas que ela fez simplesmente não foram cumpridas. O choque produzido pelos totalitarismos do século XX, a noção de limites que entrou em voga com a disseminação do ecologismo, a propagação aparentemente irresistível do desemprego mesmo em períodos de crescimento, o mal-estar resultante do fato de que o padrão de vida prometido nunca é tão alto quanto a maioria das pessoas espera e que, além disso, a riqueza material não elimina por si só qualquer sentimento de presença no mundo - todos esses fenômenos significam que o futuro agora inspira mais preocupação do que esperança[4].
Além dessa crise da ideologia do progresso, há outra, relativa à razão pura e ao indivíduo abstrato. Não só o movimento pós-modernista contesta, de modo geral, a onipotência da razão, mas um oponente desse movimento, como o próprio Jürgen Habermas, rejeita a noção de razão transcendental como concebida pelo Iluminismo e tenta transformá-la em uma "coisa do mundo", e a ideologia da razão precisa ser redefinida em relação à finitude humana, o que implica reconhecer a natureza histórica do sujeito cognoscente[5]. (Foi desse esforço para "salvar" a razão que nasceu sua teoria da razão comunicacional). Derrida, por sua vez, mostra que a razão está embutida nas formas de vida e na incomensurabilidade dos jogos de linguagem. Hans Georg Gadamer não é menos crítico em relação ao racionalismo iluminista e ao que ele chama de "preconceito contra os preconceitos". Rejeitando tanto a dicotomia sujeito-objeto quanto a ideia de que a autorreflexão pode transcender o contexto histórico-social, ele rompe com a oposição clássica entre razão e preconceito (ou razão e tradição) e afirma que o desejo de acabar com o "preconceito" reflete um preconceito fundamental no qual reside toda a essência do Iluminismo. Mostrando que a razão não pode ser entendida como aquilo pelo qual o homem se liberta de seu contexto histórico-social, ele define preconceitos "legítimos" como preconceitos destinados a facilitar a compreensão hermenêutica como o modo primordial da presença humana no mundo[6].
Ao mesmo tempo, toda uma série de doutrinas e filosofias contemporâneas enfatizam a contextualidade do conhecimento e da normatividade, seja em uma perspectiva explicitamente antiuniversalista, seja em nome de uma abordagem pluralista, que às vezes se aproxima do relativismo. Essa insistência no "contexto" já estava presente nas críticas de Hegel (Fenomenologia do Espírito) à filosofia moral de Kant e nas objeções de Dilthey à filosofia hegeliana da história. Encontramos esse princípio em antropólogos como Evans-Pritchard e Malinowski, na fenomenologia, com a noção husserliana de Lebenswelt, na filosofia analítica de Searle, com a noção de background, e no papel atribuído por Wittgenstein aos "jogos de linguagem". Um princípio semelhante está presente na filosofia da ciência com as noções de "paradigma" (Kuhn), "episteme" (Michel Foucault) ou "universo simbólico" (Berger e Luckmann), e na sociolinguística com a noção de "comunidade linguística".
A dissolução das antigas comunidades foi acelerada pelo surgimento do Estado-nação, um fenômeno eminentemente social - a sociedade como a perda ou desintegração da intimidade comunitária - que tem sido associado, não sem razão, ao surgimento do indivíduo como valor. Significativamente, a crise do modelo estato-nacional está hoje reavivando a ideia de comunidade. Mas ela está assumindo novas formas e novos significados. As comunidades não mais associam pessoas apenas com base em uma origem comum ou em características herdadas por cada um de seus membros. Em um mundo onde tribos, fluxos e redes estão se multiplicando, elas agora constituem grupos de tipos muito diversos. A definição dessas novas comunidades poderia ser inspirada na que Otto Bauer, o líder do austro-marxismo, aplicou à nação, rejeitando tanto a concepção metafísica e reacionária da nação quanto a "concepção individualista-atomista da sociedade": "uma comunidade de destino histórico" e "o produto nunca acabado de um processo que está constantemente em curso"[7]. Finalmente, a questão da comunidade está assumindo uma importância renovada no contexto das questões sobre o pluralismo e o "multiculturalismo" das sociedades contemporâneas e na perspectiva de um retorno às pequenas unidades de vida coletiva que se desenvolvem longe dos grandes aparatos institucionais, burocráticos ou estatais que não são mais capazes de desempenhar seu papel tradicional como estruturas integradoras. Desse último ponto de vista, a comunidade parece ser a estrutura natural de uma democracia de proximidade - democracia orgânica, democracia direta, democracia de base - baseada em uma participação mais ativa e na recriação de novos espaços públicos em todos os níveis, bem como uma forma de resolver o principal desafio apresentado no final deste século: "como integrar com sucesso e afirmar sua identidade sem negar a diversidade e a especificidade de seus vários componentes"[8].
Ao se estabelecer como uma das formas possíveis de superar a modernidade, a comunidade perde o status "arcaico" que a sociologia há muito tempo lhe havia atribuído. Ela aparece menos como um "estágio" na história que os tempos modernos aboliram, e mais como uma forma permanente de associação humana que, dependendo do período, ganha ou perde importância em maior ou menor grau. Max Weber já havia visto a "comunidade" e a "sociedade" como tipos ideais que coexistem em proporções variadas dentro de qualquer politeia. Mais recentemente, Jean-Luc Nancy apresentou a hipótese de que a própria distinção entre essas duas noções é um efeito da modernidade. A Gesellschaft não teria sucedido a Gemeinschaft - que então existiria apenas como um "remanescente" - como um estado social anterior a essa distinção, correspondendo à universitas que Michael Oakeshott opôs à societas[9]. "A sociedade", escreve Jean-Luc Nancy, "não foi construída sobre a ruína de uma comunidade. Ela foi criada pelo desaparecimento ou preservação do que - tribos ou impérios - não tinha mais relação com o que chamamos de 'comunidade' do que com o que chamamos de 'sociedade'. Tanto que a comunidade, longe de ser o que a sociedade rompeu ou perdeu, é o que chega até nós - pergunta, expectativa, evento, imperativo - da sociedade. Portanto, nada foi perdido e, por essa razão, nada está perdido"[10]. E mais adiante: "A comunidade nos é dada com o ser e como ser, bem abaixo de todos os nossos projetos, vontades e empreendimentos. No final, é impossível perdê-la. A sociedade pode ser tão pouco comunitária quanto possível; não pode ser que no deserto social não exista uma comunidade, mesmo que minúscula e inacessível"[11].
É dentro dessa estrutura, aqui delineada em linhas gerais, que precisamos situar o surgimento e o desenvolvimento na América do Norte, desde o início da década de 1980, de um "movimento" - na verdade, uma corrente de pensamento filosófico, moral e político, acompanhado de algumas cristalizações concretas - que já provocou inúmeros debates em todo o Atlântico, mas a Europa, que até agora tem sido mais bem informada sobre seus principais concorrentes, o movimento liberal (John Rawls, Ronald Dworkin) e o movimento libertário (Robert Nozick, Murray Rothbard), parece tê-lo descoberto apenas recentemente: o "movimento" comunitarista[12].
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Esse movimento intelectual, longe de constituir um todo unificado, assemelha-se mais a uma constelação cujos três principais representantes, os filósofos Alasdair MacIntyre[13], Michael Sandel[14] e Charles Taylor[15], representam, eles próprios, polos significativamente diferentes. Ao redor deles (ou ao lado deles), podemos situar uma plêiade de autores isolados, mas cujo trabalho se enquadra na problemática comunitarista de várias maneiras, como Roberto M. Unger, John Finnis, Mary Ann Glendon ou Amitai Etzioni[16]. Em um terceiro círculo, autores como Robert N. Bellah e seus colaboradores[17] ou Christopher Lasch[18] que, embora não se declarem diretamente comunitaristas, pelo menos em certos pontos compartilham suas preocupações (crítica ao "narcisismo" no caso de Christopher Lasch, à "tirania do mercado" no caso de Bellah). O caso de Michael Walzer, que às vezes é associado aos comunitaristas, nos parece ser um caso especial. Por fim, há os muitos livros e artigos que foram escritos até o momento sobre essa corrente de pensamento[19].
"A questão central da filosofia política - quais princípios de associação política são corretos de se estabelecer - é uma questão moral", escreve Charles Larmore[20]. O objetivo do movimento comunitarista é precisamente estabelecer uma nova teoria que combine intimamente a filosofia moral e a filosofia política. Embora obviamente tenha um escopo mais amplo, essa teoria foi desenvolvida, por um lado, com referência à situação particular dos Estados Unidos, marcada por uma verdadeira inflação da "política de direitos", pela desintegração das estruturas sociais, pela crise do Estado de bem-estar social e pelo surgimento da problemática "multiculturalista", e, por outro lado, em reação à teoria política liberal[21], reformulada durante a década anterior por autores como Ronald Dworkin, Bruce Ackerman e, sobretudo, John Rawls[22].
Como sabemos, essa teoria liberal é apresentada como uma teoria de direitos (subjetivos), baseada em uma antropologia de tipo individualista. "O liberalismo é um individualismo", diz Serge-Christophe Kolm. "A liberdade que ele reivindica é a do indivíduo [...] Não apenas o indivíduo é seu ponto de referência explicativo, mas o que ele explica reside nos fatos individuais (preferências, por exemplo). Para o liberalismo, o indivíduo é, portanto, a entidade legítima tanto para a moral quanto para a ciência"[23]. Ao mesmo tempo, esse individualismo é uma forma de universalismo (indivíduo-universalismo), baseado em um postulado de igualdade fundado em uma definição abstrata de agentes. Na ótica do "individualismo possessivo" (Macpherson), cada indivíduo é considerado um agente moral autônomo, "o proprietário absoluto de suas capacidades"[24], que ele utiliza para satisfazer os desejos expressos ou revelados por suas escolhas. A hipótese liberal é, portanto, a de um indivíduo separado, existente como um todo completo por si mesmo, que busca maximizar suas vantagens fazendo escolhas livres, voluntárias e racionais, sem que essas sejam consideradas o resultado de influências, experiências, contingências e normas específicas do contexto social e cultural em que vive. O homem é, portanto, definido como um consumidor de utilidades com necessidades ilimitadas.
Existindo como um todo completo em si mesmos, os indivíduos derivam de sua "natureza" direitos que a teoria liberal declara serem imprescritíveis e inalienáveis. Esses são direitos "pré-políticos", para cuja proteção e garantia os indivíduos decidiram um dia deixar o "estado de natureza" e "entrar" em uma sociedade que é definida como o resultado de um contrato. Esses direitos são, portanto, anteriores e independentes do fato social. O resultado é que os interesses e os fins dos indivíduos são determinados, por assim dizer, apenas por sua natureza individual. Desse ponto de vista, nenhum pertencimento pode evidentemente ser constitutivo do indivíduo, sob pena de prejudicar sua liberdade: somente associações voluntárias e contratuais podem existir, resultantes da vontade dos agentes de sempre buscar seus melhores interesses. A natureza inalienável dos direitos pode ser argumentada de diferentes maneiras, dependendo se nos referimos a Kant (Roger Pilon), Locke (Friedrich A. Hayek), Hobbes (Charles King, James M. Buchanan) ou mesmo Santo Tomás (Ayn Rand, Douglas B. Rasmussen). Os libertários chegam ao ponto de falar da "prioridade ontológica" dos direitos sobre as preferências, indicando que os direitos não podem ser alienados, mesmo que seus titulares consintam, sob o pretexto de que isso aumentaria seu bem-estar, felicidade ou satisfação. Em todos os casos, esses direitos são vistos como "trunfos", que devem ser levados em conta acima de todas as outras considerações. Isso mostra que não há simetria entre direitos liberais e deveres, porque os direitos derivam de uma natureza humana que não precisa de outros para existir: o homem tem direitos no estado de natureza, mas só tem deveres no estado social. Os direitos, em outras palavras, são "completos" em si mesmos, enquanto os deveres são, por definição, incompletos. Disso deduzimos que a obrigação moral é, em si mesma, puramente contratual - ela sempre permanece na esteira do interesse pessoal da parte contratante - e que a sociedade sempre tem mais deveres para com os indivíduos (começando com o dever de garantir seus direitos) do que estes últimos têm para com ela.
Essa ênfase nos direitos subjetivos explica o caráter "imperativo" e deontológico (no sentido kantiano do termo) da moral liberal: a teoria liberal coloca o justo antes do bom e deriva do justo um certo número de obrigações categóricas que são incondicionalmente obrigatórias para todos os agentes, independentemente de seus compromissos, afiliações ou características particulares. Para os Antigos, por outro lado, começando com Aristóteles, a moral é "atrativa" e teleológica: não consiste em exigências categóricas, mas no exercício da virtude. Ela faz parte de uma realização pessoal para a qual as pessoas se sentem atraídas pelo próprio fato de seu telos. O bem (a "vida boa"), então, tem precedência, e a ação correta é definida como aquela que é consistente com esse bem.
Esse debate sobre a prioridade do justo e do bom (right vs. good) é agora central para o debate filosófico, político e moral que está ocorrendo nos Estados Unidos[25]. Referindo-se à famosa obra de Henry Sidgwick, Os Métodos da Ética, que foi uma das primeiras a lançar esse debate[26], Charles Larmore afirma que "o valor ético pode ser definido pelo que é obrigatório para o agente, independentemente de seus desejos ou vontades, ou pelo que o agente realmente desejaria se estivesse suficientemente informado sobre o que deseja. No primeiro caso, a noção de justo é fundamental; no segundo, a noção de bom. É claro que cada teoria também faz uso da outra noção, mas ela a explica em relação à noção que considera fundamental. Se o justo for fundamental, o bem será o que o agente deseja ou desejaria na medida em que suas ações e desejos estejam em conformidade com as exigências da obrigação. O bem é, portanto, o objeto do desejo justo. Se o bem for fundamental, o justo será o que devemos fazer para obter o que de fato desejaríamos se estivéssemos corretamente informados"[27].
Contestada no passado por Hegel e Schopenhauer, a prioridade do justo sobre o bom foi afirmada por John Stuart Mill e Kant em particular, com base em raízes herdadas de certos ramos da teologia cristã no final da Idade Média, em particular do nominalismo de Guilherme de Occam. Se a justiça se fundasse em uma concepção singular do bem, isso equivaleria, segundo Stuart Mill, a impor certas preferências a certos cidadãos, o que impediria a busca da utilidade, e, segundo Kant, a escravizar os indivíduos à irracionalidade, uma vez que nenhuma concepção do bem pode ser objeto de um consenso baseado na razão. Para Kant, a única coisa que é incondicionalmente boa é a boa vontade, ou seja, a disposição que nos leva a agir de acordo com o princípio moral, independentemente de qualquer ideia de autorrealização.
A teoria liberal moderna adotou essa ideia da prioridade do justo sobre o bom. John Rawls, ao mesmo tempo em que procura desvincular o projeto kantiano de seu pano de fundo idealista, fundado na concepção transcendental do sujeito - daí seu recurso à ficção metódica da "posição original" -, define a justiça como "a virtude primária das instituições sociais": o justo se constitui por si mesmo, sob o efeito da vontade de justiça, e não pela conformidade com qualquer ideia do bem, sendo o bem meramente a "satisfação do desejo racional" manifestado pela pessoa moral. Rawls escreve: "O conceito de justiça é independente do conceito de bem e anterior a ele, no sentido de que seus princípios limitam as concepções autorizadas do bem"[28]. A mesma ideia é encontrada em Robert Nozick, Bruce Ackerman e Ronald Dworkin. A ligação entre a primazia do justo e a concepção liberal de direitos é óbvia. Como os direitos derivam da "natureza" dos agentes, e não de seus méritos ou virtudes, que são atributos meramente contingentes de sua personalidade, eles só podem surgir de uma noção abstrata de justiça, não de uma concepção prévia do bem ou da vida boa.
Com relação a esses direitos, o justo deve ter precedência sobre o bem em dois aspectos: em importância (os direitos individuais nunca podem ser sacrificados em prol do bem comum) e de um ponto de vista estritamente conceitual (os princípios de justiça que especificam esses direitos não podem ser baseados em uma concepção particular do bem). Rawls escreve, portanto, que "cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que, mesmo em nome do bem-estar da sociedade como um todo, não pode ser transgredida"[29]. Robert Nozick também afirma que "não existe uma entidade social cujo bem seja tal que justifique um sacrifício como tal. Há apenas indivíduos, indivíduos diferentes, que levam vidas individuais"[30]. A dignidade individual é um absoluto que não pode ser sacrificado por supostos benefícios sociais ou em nome de algum interesse geral ou bem comum. A crítica à noção de bem comum está ligada aqui à antropologia individualista: a sociedade não é mais do que a soma dos indivíduos, ou seja, átomos sociais separados. "O que justifica os direitos", observa Michael J. Sandel, "não é o fato de eles maximizarem o bem-estar geral ou promoverem o bem, mas o fato de fornecerem uma estrutura equitativa dentro da qual indivíduos e grupos podem escolher seus próprios valores e fins, desde que essa escolha permaneça compatível com a igual liberdade dos outros"[31].
Por fim, o primado do justo sobre o bom inspira a teoria de que o Estado deve permanecer neutro em relação aos fins, uma teoria que é encontrada, em diferentes formas, na maioria dos autores liberais. Bruce Douglass, por exemplo, define uma sociedade liberal como aquela que "não prejulga o que os cidadãos devem ser, devem fazer ou devem crer"[32]. Ronald Dworkin afirma que tal sociedade não adota "nenhuma visão positiva específica do propósito da existência"[33]. Robert Nozick também argumenta a favor de um governo que seja "escrupulosamente neutro entre os cidadãos", enquanto Charles Larmore considera que esse postulado de neutralidade "é provavelmente a melhor descrição da concepção moral mínima do liberalismo"[34].
A justificativa para essa "neutralidade" necessária geralmente assume duas formas diferentes. Ou se afirma que ninguém sabe melhor do que o próprio indivíduo onde estão seus melhores interesses, ou se insiste no pluralismo social para chegar à conclusão de que os membros da sociedade nunca serão capazes de concordar com uma concepção específica do bem. O primeiro argumento deriva da visão kantiana da autonomia que sustenta a dignidade humana, ou seja, a capacidade igualitária de cada indivíduo de determinar livremente seus fins: qualquer concepção específica da vida boa, ou seja, qualquer modo de vida concreto que envolva uma estrutura específica de atividades, significados e fins, deve ser considerada puramente contingente, pois se fosse constitutiva do eu, o indivíduo não poderia fazer suas escolhas livremente, ao se elevarem acima das circunstâncias empíricas. Encontramos aqui a concepção do indivíduo como átomo separado, no qual o eu é sempre anterior aos seus fins. Essa anterioridade do eu em relação aos seus fins significa que nunca sou definido por meus compromissos ou pertencimentos, mas que sempre posso me distanciar deles o suficiente para determinar minhas escolhas livremente, o que é precisamente o que só é possível se eu for um ser separado. É essa visão que encontra expressão na ideia de um Estado concebido como uma "estrutura neutra"[35]. "Do ponto de vista da ética baseada em direitos", escreve Michael J. Sandel, "é precisamente porque somos essencialmente seres independentes e separados que precisamos de uma estrutura neutra, uma estrutura de direitos que se recusa a decidir entre fins e objetivos concorrentes. Se o eu é anterior aos seus fins, então o justo deve ser anterior ao bom"[36].
O segundo argumento, que apela para a noção de pluralismo, afirma que não é possível chegar a um acordo racional que torne possível decidir entre concepções concorrentes do bem. Segue-se que, em uma sociedade pluralista, um Estado que se identificasse com ou favorecesse uma concepção de vida boa em detrimento de outra discriminaria entre os cidadãos que aderissem a essa concepção e os que não aderissem e, portanto, não seria mais capaz de tratar todos os seus cidadãos como iguais. Como é impossível dizer objetiva e racionalmente qual é a "melhor" concepção de vida boa, nenhuma política liberal pode se basear em uma ideia específica do bem comum[37]. Por outro lado, não é necessário nenhum acordo sobre a natureza do bem, desde que os membros da sociedade concordem com a prioridade do direito de cada pessoa de fazer escolhas livremente de forma compatível com as escolhas dos outros. O papel do Estado, portanto, não é tornar os cidadãos virtuosos, nem promover fins particulares, nem mesmo propor uma concepção substancial da vida boa, mas apenas garantir as liberdades políticas e civis fundamentais (correspondentes ao primeiro princípio de Rawls, ao qual os libertários acrescentam o direito à propriedade), de modo que todos possam perseguir livremente os fins que estabeleceram para si mesmos com referência à sua própria concepção do bem, o que só é possível com a condição de que adotem princípios que não pressuponham nenhuma concepção particular do bem[38]. O Estado deve respeitar a diversidade de doutrinas "abrangentes" (globais) e sistemas de valores, desde que se mostrem compatíveis com seus princípios de justiça[39], e limitar-se a aplicar regras morais derivadas da razão comum, sem tomar partido entre concepções concorrentes do bem. Seus valores devem permanecer puramente processuais, a fim de permitir a coexistência competitiva dessas diferentes concepções, evitando que o uso que alguns fazem de sua liberdade prejudique a capacidade igual que outros devem ter para fazer o mesmo. Esse fim procedimental, acrescentam os libertários, não corresponde de forma alguma a um fim determinado, mas apenas constitui a estrutura dentro da qual podem ser feitas escolhas individuais[40]. "Em outras palavras", observa Sandel, "o que torna uma sociedade justa, na visão liberal, não é o seu telos, nem o objetivo ou fim para o qual ela pode tender, mas a sua recusa em escolher antecipadamente entre fins e objetivos concorrentes"[41]. A consequência dessa teoria da "neutralidade" do Estado, ligada à ideia de governo limitado e à distinção entre as esferas pública e privada, é uma visão puramente instrumental da política: a política não tem uma dimensão ética própria, no sentido de que não pode exigir ou mesmo promover qualquer concepção do bem comum.
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Diante dessa doutrina, o ponto de partida da crítica comunitarista é, acima de tudo, de ordem sociológica e empírica. Observando as sociedades contemporâneas, os comunitaristas notam a dissolução do vínculo social, a erradicação das identidades coletivas, o aumento do egoísmo e a consequente generalização do sem-sentido. Esse fenômeno, segundo eles, é o efeito de uma filosofia política que causa a atomização social ao legitimar a busca de cada indivíduo por seus próprios interesses, fazendo com que eles vejam o outro como um rival em potencial; que defende uma concepção anti-histórica e desencarnada do sujeito, sem ver que os compromissos e as afiliações dos agentes também são constitutivos de sua personalidade (self); que, ao reivindicar um universalismo abstrato, provoca o esquecimento das tradições e a erosão de modos de vida diferenciados; que vê a sociedade, como diz Rawls, como nada mais do que um "empreendimento cooperativo baseado em vantagens mútuas" e nega a existência do bem comum[42]; que generaliza o ceticismo moral sob o pretexto de "neutralidade" e que, de modo mais geral, permanece, em virtude de seus próprios princípios, necessariamente insensível às noções de pertencimento, bem comum e valores compartilhados.
Seguindo Allen E. Buchanan e Stephen Holmes, podemos elaborar uma lista bastante precisa das críticas que os comunitaristas fazem ao liberalismo, críticas que às vezes se limitam apenas à filosofia política liberal e às vezes se estendem a uma concepção mais geral ("individualista") do homem e da sociedade[43]. Essas críticas são as seguintes. O liberalismo negligencia e anula as comunidades, que são um elemento fundamental e insubstituível da existência humana. Ele desvaloriza a vida política ao considerar a associação política como um mero bem instrumental, sem ver que a participação dos cidadãos na comunidade política é um bem intrínseco constitutivo da vida boa. Ele é incapaz, ou mesmo se nega, de dar uma explicação satisfatória de várias obrigações e compromissos, como aqueles que não resultam de escolha voluntária ou compromisso contratual, como obrigações familiares, a necessidade de servir ao país ou de colocar o bem comum acima do interesse próprio. Ele propaga uma concepção errônea do eu ao se recusar a admitir que ele está sempre "embutido" em um contexto histórico-social e, pelo menos em parte, é composto de valores e compromissos que não estão sujeitos à escolha nem são revogáveis à vontade. Isso dá origem a uma inflação da política de direitos, que já não tem muito a ver com o direito em si (reivindicar os próprios direitos agora é simplesmente uma questão de buscar maximizar os próprios interesses às custas dos outros), mas produz um novo tipo de membro da sociedade, o "individualista dependente" (Fred Siegel), bem como um novo tipo de sistema institucional, a "república procedimental" (Michael J. Sandel). Ele erroneamente exalta a justiça como a "virtude primária das instituições sociais", em vez de vê-la como um paliativo que tem apenas uma "virtude corretiva", já que ela é necessária principalmente quando faltam virtudes comunitárias[44]. Por fim, devido ao seu formalismo jurídico, ele ignora o papel central desempenhado pelo idioma, cultura, costumes, práticas e valores compartilhados como base para uma genuína "política de reconhecimento" de identidades e direitos coletivos.
Para os comunitaristas, o homem é definido acima de tudo como um "animal político e social" (Aristóteles). Com base nisso, a igualdade é definida não como o que resta do indivíduo uma vez que tudo o que o liga a um determinado contexto histórico-social tenha sido removido, mas como o que pode eventualmente resultar da livre expressão de identidades situadas e constituídas nesse contexto. Os direitos não são atributos universais e abstratos, produzidos por uma "natureza" distinta do estado social e que, por si só, formariam um domínio autônomo, mas a expressão de valores específicos de coletividades ou grupos diferenciados (o direito de um indivíduo de falar sua língua é indissociável do direito à existência do grupo que a pratica), ao mesmo tempo que o reflexo de uma teoria mais geral da ação moral ou da virtude. A justiça se funde com a adoção de um tipo de existência (a vida boa) ordenada por noções de solidariedade, reciprocidade e bem comum. Quanto à "neutralidade" da qual o Estado liberal se vale, ela é vista como desastrosa em suas consequências ou, de modo mais geral, como ilusória, porque se refere implicitamente a uma concepção singular do bem que não se admite como tal.
Em termos de método intelectual, o ponto de vista comunitarista parece estar próximo da hermenêutica, na medida em que os comunitaristas insistem na maneira pela qual os fatos sociais são sempre "construídos" ao final de um processo de interpretação, e de certos autores da Escola de Frankfurt (principalmente Adorno), ou mesmo do pragmatismo de um Richard Rorty, por causa de seu "construcionismo social" e da importância que ele atribui à noção de solidariedade[45]. Seguindo os passos de Hegel (Charles Taylor), os comunitaristas rejeitam a primazia do justo sobre o bem e a representação dos indivíduos como agentes morais totalmente autônomos. Referindo-se a Aristóteles (Alasdair MacIntyre), eles afirmam que uma determinada sociedade política não pode ser organizada sem referência a fins e objetivos comuns, e que não podemos nos conceber sem antes nos entendermos como cidadãos.
Não examinaremos aqui os vários aspectos dessa crítica no que se refere à questão dos direitos e ao problema da "anarquia moral" (MacIntyre), à "política do reconhecimento" e à questão da identidade (Charles Taylor), ou ao debate sobre a "neutralidade" do Estado e a prioridade do justo. No entanto, vamos nos concentrar em um aspecto importante dessa crítica que ainda não foi estudado em grande escala: a teoria do "eu", conforme formulada principalmente no trabalho de Michael J. Sandel.
A teoria comunitarista está claramente situada em uma perspectiva "holística", para usar um termo aclimatado na França por Louis Dumont - um autor que os libertários americanos prontamente apresentam como um "antimodernista"[46]. A crítica dos comunitaristas à filosofia liberal do sujeito, portanto, concentra-se principalmente no individualismo. Como vimos, o liberalismo define o indivíduo como o que resta do sujeito uma vez que todas as suas determinações pessoais, culturais, sociais e históricas tenham sido removidas, em outras palavras, uma vez que ele tenha sido extraído de sua comunidade[47]. Também postula a autossuficiência dos indivíduos em relação à sociedade e sustenta que os indivíduos buscam seus melhores interesses fazendo escolhas livres e racionais sem que o contexto histórico-social em que as fazem pese sobre sua capacidade de exercer seus "poderes morais", ou seja, de escolher uma concepção particular de vida boa. Para apoiar essa concepção do sujeito, os liberais são, portanto, obrigados a considerar contingente ou desprezível tudo o que é da ordem do pertencimento, do papel social, do contexto cultural, das práticas e significados compartilhados: quando "entra" na sociedade, o indivíduo nunca compromete a totalidade de seu ser, mas apenas a parte de si mesmo que é expressa por sua vontade racional. Para os comunitaristas, por outro lado, uma ideia pré-social do eu é simplesmente impensável: o indivíduo sempre encontra a sociedade já existente - e é a sociedade que ordena suas referências, constitui sua maneira de ser no mundo e modela seus objetivos[48]. Sandel enfatiza a maneira como os liberais exageram a capacidade do sujeito de se distanciar de seus próprios papéis. Charles Taylor também enfatiza que o eu nunca é confrontado com a sociedade como algo externo a ele, e que a capacidade do sujeito de fazer escolhas só pode se desenvolver em um determinado contexto sociocultural.
Do ponto de vista liberal, essa "descontextualização" do sujeito é o fundamento de sua liberdade. Como os indivíduos têm desejos diferentes, todo princípio derivado deles só pode ser contingente. Mas a lei moral exige um fundamento categórico, não contingente. Mesmo um desejo tão universal como a felicidade não pode servir de base, porque a ideia que as pessoas têm dela pode ser extremamente variável. Mesmo um desejo tão universal como a felicidade não pode servir de base, porque a ideia que as pessoas têm dela pode ser extremamente variável. É por isso que Kant baseia seu sistema na ideia de liberdade nas relações entre os seres. O que é justo, diz ele, não tem nada a ver com o fim que os homens têm por natureza ou com os meios que lhes permitem atingi-lo. Seu fundamento deve, portanto, ser buscado a montante de qualquer fim empírico, neste caso no sujeito capaz de vontade autônoma: é o próprio ser racional que é o fundamento da ação moral, e esse ser nunca é um ser como uma pessoa particular, mas um ser como participante da razão prática pura, em outras palavras, como um sujeito transcendental. "Mas", pergunta Sandel, "o que garante que eu seja um tal sujeito, capaz de apelar à razão prática pura? Bem, a rigor, não há garantia: o sujeito transcendental é apenas uma possibilidade. Mas é uma possibilidade que sou obrigado a postular se pretendo me considerar um agente moral livre. Se eu fosse um ser totalmente empírico, não poderia ser livre, porque o exercício da minha vontade seria sempre condicionado pelo meu desejo por algum objeto. Todas as minhas escolhas seriam heterônomas, sujeitas à busca de um determinado fim. Minha vontade nunca poderia ser uma causa primeira, mas apenas a consequência de alguma causa antecedente, o instrumento de algum impulso ou inclinação [...] A ideia de um sujeito posicionado antecedente e independentemente da experiência, conforme exigido pela moralidade kantiana, parece não apenas possível, mas indispensável; é um pressuposto necessário para a possibilidade de liberdade [...].Somente se minha identidade nunca estiver atrelada aos objetivos e interesses que eu possa ter em um dado momento é que posso pensar em mim mesmo como um agente capaz de fazer escolhas livres e independentes"[49].
O problema, para os comunitaristas, é que essa liberdade "moderna" - liberdade "negativa", como diz Isaiah Berlin[50] -, na medida em que se apresenta como independente de qualquer determinação, tem todas as chances de ser, não será apenas formal[51], mas sem sentido. "A liberdade completa", escreve Taylor, "seria um espaço vazio no qual nada teria valor, onde nada valeria nada"[52]. Toda intenção de subordinar a totalidade das pressuposições de nossa situação social ao nosso poder de autodeterminação racional esbarra no fato de que a exigência de autodeterminação livre é, em si mesma, indeterminada: Toda intenção de subordinar a totalidade das pressuposições de nossa situação social ao nosso poder de autodeterminação racional esbarra no fato de que a exigência de autodeterminação livre é, em si mesma, indeterminada: ela "não pode dar qualquer conteúdo aos nossos atos fora da situação que nos atribui metas e, assim, dá forma à nossa racionalidade e inspiração à nossa criatividade"[53]. "Imaginar uma pessoa incapaz de vínculos constitutivos, conclui Sandel [...] não é conceber um agente idealmente livre e racional, mas imaginar uma pessoa totalmente desprovida de caráter e profundidade moral"[54].
A concepção liberal do eu também pressupõe que o universo é desprovido de significado. "Ligada à ideia de um indivíduo separado (self)", escreve Sandel, "está a visão do universo moral que esse indivíduo deve habitar. Em contraste com as concepções clássicas gregas e cristãs medievais, o universo da moralidade deontológica é um lugar desprovido de qualquer significado intrínseco; é um mundo 'desencantado', para usar o termo de Max Weber, ou seja, um mundo sem uma ordem moral objetiva. De fato, é somente em um universo desprovido de qualquer telos, como representado pela ciência e pela filosofia do século XVII, que é possível conceber um sujeito que seja independente e anterior a seus objetivos e fins [...] Quando nem a natureza nem o cosmos nos permitem captar ou apreender uma ordem dotada de significado, cabe aos sujeitos humanos construir significados para si mesmos"[55].
A "posição original" de Rawls também pressupõe essa imagem "desimpedida" de um eu despojado de todos os seus atributos contíguos e dotado de uma espécie de status supraempírico. Ela também se apoia na ideia de uma distância permanente entre os valores que mantenho e a pessoa que sou. Na concepção liberal do eu, explica Sandel, dizer que possuo tal e tal característica significa, por um lado, que essa característica é obviamente minha e não de outra pessoa, mas também que há uma certa distância entre ela e eu: ela é minha, mas não sou eu. O resultado é que, se eu perder essa característica, ainda serei a mesma pessoa. Portanto, o comportamento "racional", sob esse ponto de vista, será precisamente aquele que me leva a raciocinar sem levar em conta todas as características que são minhas sem ser eu. É isso que John Rawls quer dizer quando afirma que o "eu" é anterior aos fins que estabelece para si mesmo: a relação entre o "eu" e seus fins é determinada exclusivamente pela escolha individual dos fins. "Nenhuma função, nenhum compromisso pode me definir o suficiente para tornar impossível que eu me compreenda sem ele. Nenhum projeto pode ser tão essencial para mim que o fato de me afastar dele colocaria em questão a pessoa que sou. Para o eu desimpedido, o que conta acima de tudo, o que é mais essencial para nossa pessoa, não são os fins que escolhemos, mas nossa capacidade de escolhê-los"[56]. Assim, nega-se ao sujeito qualquer possibilidade de estar vinculado a uma comunidade por compromissos que seriam anteriores às suas escolhas: "Ele não pode pertencer a nenhuma comunidade na qual seu próprio eu estaria em causa, pois tal comunidade - vamos chamá-la de constitutiva, e não meramente cooperativa - comprometeria tanto a identidade quanto os interesses de seus membros"[57]. Mas, argumenta Sandel, essa concepção contradiz nossa percepção de nós mesmos. Se o eu preexistisse a seus fins, deveríamos ser capazes de apreendê-lo independentemente deles por meio da introspecção. No entanto, nunca nos percebemos como uma abstração pura. Só o fazemos e podemos fazê-lo em relação a motivações e projetos que sabemos serem constitutivos de nós mesmos. Pelo contrário, é quando o indivíduo é "liberado" que "nada permanece nele que possa refletir sobre si mesmo". A concepção liberal do sujeito, portanto, acaba impossibilitando qualquer conhecimento ou compreensão real do eu. Ela interdita qualquer relacionamento real entre o eu e o eu. Se os limites do eu são predeterminados, o eu não pode aprender mais nada sobre si mesmo ao atingir os fins que estabeleceu para si por meio de suas escolhas. O próprio eu está, portanto, além do alcance da experiência e, por fim, torna-se estranho a si mesmo.
A essa concepção instrumental do eu, Michael J. Sandel opõe uma concepção constitutiva na qual o eu, longe de ser anterior aos fins que estabelece para si mesmo, é, ao contrário, constituído por fins que são apenas parcialmente o objeto de suas escolhas. Ao mesmo tempo, a distância entre as características que possuo e a pessoa que sou é abolida: sou tudo o que me constitui e só posso usar minha razão com base no que sou. O eu, em outras palavras, está sempre envolvido em um contexto do qual não pode ser abstraído. Ele está situado e encarnado. A partir de então, a comunidade não é mais um simples meio para o indivíduo atingir seus objetivos, ou uma simples estrutura para os esforços que ele faz para buscar sua melhor vantagem. Ela é a base das escolhas que ele faz, na medida em que também ajuda a moldar sua identidade: instituições, fatos sociais, igrejas, família, sistemas políticos e educacionais constituem a pessoa desde a infância. Desse ponto de vista, escreve Sandel, os indivíduos devem ser vistos menos "como sujeitos separados com certas coisas em comum do que como membros de uma determinada coletividade, todos com características particulares"[58].
Segue-se que o modo de vida histórico-social é inseparável da identidade, assim como pertencer a uma comunidade é inseparável do autoconhecimento, e que é impossível apreciar plenamente o valor de um modo de vida se não admitirmos que a influência que ele exerce é, em si, constitutiva da identidade dos agentes. Isso significa não apenas que é com base em um determinado modo de vida que os indivíduos podem fazer escolhas (inclusive escolhas opostas a esse modo de vida), mas também que é esse modo de vida que constitui, em termos de valores ou não valores, o que os indivíduos consideram ou não válido. "Por exemplo", diz Sandel, "se eu pertenço a uma comunidade judaica ortodoxa, então minhas escolhas alimentares serão predeterminadas pelas regras da kashrut". "Em outras palavras", diz Charles Larmore, "certos modos de vida (costumes compartilhados, vínculos geográficos e linguísticos, ortodoxias religiosas) formam a própria noção de valor na qual baseamos nossas escolhas. Esses modos de vida se tornaram nossos, não porque os escolhemos, mas porque constituem as tradições às quais pertencemos"[59].
Michael J. Sandel acrescenta que, se nossos papéis, afiliações e compromissos são constitutivos das pessoas que somos, "se somos parcialmente definidos pelas comunidades das quais fazemos parte, então também devemos nos ver envolvidos nos objetivos e fins que caracterizam essas comunidades"[60]. Essa ideia também está presente em Alasdair MacIntyre, que propõe uma concepção narrativa da personalidade, em que o eu está "incorporado" em uma história de vida ordenada a um determinado telos e indissociável de uma afiliação específica. Essa concepção aberta e narrativa implica que o bem dos agentes sempre tem alguma relação com o bem das comunidades cuja história eles compartilham. "Sempre nos vemos como portadores de uma identidade social específica", escreve MacIntyre. "Sou filho ou filha de alguém, tio ou primo de outra pessoa; sou cidadão de tal e tal cidade; tenho tal e tal ofício ou profissão; pertenço a tal e tal clã, tribo ou nação. Portanto, o que é bom para mim também deve ser bom para aqueles que compartilham meu papel"[61]. Sandel continua: "Por mais aberta que seja, a história de minha vida está sempre embutida na história das comunidades das quais extraio minha identidade - seja a família ou a cidade, a tribo ou a nação, o partido ao qual pertenço ou a causa que defendo. De um ponto de vista comunitário, essas histórias, essas narrativas, fazem uma diferença moral, não apenas uma diferença psicológica"[62].
Sandel faz uma distinção clara entre esse comunitarismo "constitutivo" e o comunitarismo "instrumental" ou "sentimental". O comunitarismo instrumental simplesmente enfatiza a importância do altruísmo nas relações sociais. O comunitarismo sentimental acrescenta a ideia de que são as práticas altruístas que melhor maximizam a utilidade média. Mas essas duas atitudes não são incompatíveis com a teoria liberal. O comunitarismo "constitutivo", por outro lado, não é opcional, mas baseia-se na ideia de que é simplesmente impossível conceituar o indivíduo fora de sua comunidade ou dos valores e práticas expressos nela, porque são esses valores e práticas que constituem o indivíduo em primeiro lugar. A ideia fundamental, portanto, é que o eu é descoberto muito mais do que é escolhido, porque, por definição, não podemos escolher o que já está dado. Consequentemente, compreender o eu significa descobrir gradualmente em que consistem nossa identidade e natureza. A pergunta essencial não é: "O que devo ser, que tipo de vida devo levar?", mas: "Quem sou eu?"[63].
Sandel continua dizendo que os indivíduos não são tanto seres de desejo ou necessidade em si mesmos, mas que ocupam seu lugar em comunidades que são, por sua vez, "sistemas de desejos" (e necessidades) hierarquicamente ordenados. "As várias comunidades", escreve ele, "podem ser consideradas como 'sistemas de desejos'", no sentido de que definem "uma ordem ou estrutura de valores compartilhados parcialmente constitutivos de uma identidade ou forma de vida comum"[64].
Os comunitaristas afirmam que todo ser humano está inserido em uma rede de circunstâncias naturais e sociais que constituem sua individualidade e determinam, pelo menos em parte, sua concepção de vida boa. Essa concepção, acrescentam, aplica-se ao indivíduo, não por ser o resultado de uma "escolha livre", mas porque reflete vínculos e compromissos que são constitutivos de seu ser. Tais lealdades, ressalta Sandel, "excedem os valores que posso manter a uma certa distância. Elas vão além das obrigações que assumo voluntariamente e dos 'deveres naturais' que devo aos seres humanos como tais. São tais que, às vezes, devo a elas mais do que a justiça exige ou mesmo autoriza, não por causa dos compromissos que assumi ou das exigências da razão, mas em virtude desses laços e compromissos mais ou menos duradouros que, em seu conjunto, constituem em parte a pessoa que sou"[65]. Desse ponto de vista, ninguém faz uma escolha com base em uma liberdade absoluta, mas todos exercem sua liberdade com base naquilo que une uns a outros[66].
Nessa crítica, obviamente encontramos a distinção clássica entre a Sittlichkeit hegeliana e a Moralität kantiana. A Sittlichkeit refere-se às obrigações morais que se tem para com a comunidade à qual se pertence, obrigações que se baseiam nos costumes e normas vigentes nessa comunidade; Moralität refere-se às obrigações categóricas que são minhas, não como membro de uma determinada comunidade, mas como indivíduo que possui uma vontade racional. No primeiro caso, obviamente não há oposição entre ser e dever-ser, ao passo que essa oposição surge imediatamente no segundo, uma vez que a obrigação categórica exige que eu realize uma ação moral que não se baseia em nenhuma contingência empírica. Hegel afirma a primazia da Sittlichkeit, que ele remonta à antiga ética grega: a liberdade e a felicidade florescem quando as normas e os fins expressos na vida pública permitem que os membros da cidade alcancem seu telos. Daí a definição de comunidade como "substância ética" e fonte de vida espiritual, à qual Hegel acrescenta a ideia de que essas normas e fins em ação na vida pública também expressam a estrutura ontológica das coisas[67].
Uma comunidade autêntica não é, portanto, simplesmente uma reunião ou adição de indivíduos. Como tal, seus membros têm fins comuns, ligados a valores ou experiências compartilhadas, e não apenas interesses particulares mais ou menos congruentes. Esses fins são específicos da própria comunidade, e não objetivos particulares que seriam os mesmos para todos ou para a maioria de seus membros. Em uma associação simples, os indivíduos veem seus interesses como independentes e potencialmente divergentes uns dos outros. Portanto, a relação entre esses interesses não constitui um bem em si, mas apenas um meio de obter os bens específicos buscados por cada um deles. A comunidade, por outro lado, constitui um bem intrínseco para todos aqueles que a ela pertencem, afirmação que os comunitaristas apresentam tanto como uma generalização psicológica descritiva (os seres humanos precisam pertencer a uma comunidade) quanto como uma generalização normativa (a comunidade é um bem objetivo para os seres humanos)[68]. Como escreve Roberto Unger, "há duas maneiras distintas de conceber valores compartilhados. Em um caso, o fato de esses valores serem compartilhados resulta da coincidência de preferências individuais que, mesmo quando combinadas, mantêm todos os traços característicos da subjetividade individual. No outro, os valores compartilhados são valores de grupo, que não são nem individuais nem subjetivos. Se partirmos das premissas do pensamento liberal, os valores compartilhados resultam apenas da associação provisória de fins que expressam apenas as preferências subjetivas daqueles que os compartilham"[69].
"O pertencimento", observa Michael Walzer, "é proporcional ao que os membros de uma comunidade política devem uns aos outros, e a mais ninguém. E a primeira coisa que eles devem uns aos outros é garantir sua segurança e bem-estar comuns. Essa observação também pode ser invertida: garantir algo em comum é importante porque nos permite medir o valor do pertencimento. Se não tivéssemos nada a contribuir para os outros, se não fizéssemos diferença entre membros e não membros, não teríamos razão para formar e manter comunidades políticas"[70]. Portanto, não há dúvida de que, para os comunitaristas, se o homem moderno está constantemente buscando a si mesmo, é precisamente porque sua identidade não é mais constituída por nada.
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Na opinião quase unânime de todos os que o estudaram, o "movimento" comunitarista é difícil de ser classificado politicamente. Em alguns aspectos, como a importância que atribui às normas e tradições "pré-modernas", ele parece próximo de um certo conservadorismo republicano. Por outro lado, no entanto, compartilha muitas das aspirações políticas do socialismo clássico, e o fato de colocar os fatores sociais antes das determinações individuais explica por que o trabalho de seus representantes tem sido, às vezes, comparado aos escritos do jovem Marx[71]. "Enquanto projeto de reconstrução social", diz Paul Piccone, "o comunitarismo não está ligado nem à esquerda nem à direita. Na década de 1930, foi um projeto de esquerda que culminou no New Deal, enquanto na década de 1980 a direita se apoderou dele e o traduziu nos sucessos eleitorais que acompanharam a 'revolução' de Reagan. Hoje, os dois maiores partidos usam esse projeto e os valores que ele incorpora para sustentar seus respectivos programas"[72]. Michael Walzer também observou que "a crítica comunitarista ao liberalismo pode reforçar as velhas desigualdades inerentes aos modos de vida tradicionais ou, ao contrário, corrigir as novas desigualdades decorrentes do mercado liberal e da burocracia estatal"[73].
A mesma ambivalência se aplica aos homens. Alasdair MacIntyre é um conservador de inspiração aristotélico-tomista, Roberto Mangabeira Unger é um "anarquista" influenciado por Nietzsche, Charles Taylor pertence há muito tempo à esquerda radical, enquanto Amitai Etzioni, ex-conselheiro de Jimmy Carter e Bill Clinton, declara-se prontamente um "neoprogressista". Em 1988, Michael Sandel incentivou o candidato democrata Michael Dukakis a tornar a ideia de comunidade um dos principais temas de sua campanha presidencial[74]. Alguns anos mais tarde, a esposa do Presidente Clinton, Hillary, defendeu uma "política do sentido" (politics of meaning), um tema lançado por Michael Lerner, diretor da revista judaica progressista Tikkun, que não era isenta de conotações comunitaristas[75]. Do ponto de vista sociológico, também é importante levar em conta a forte ressonância do ponto de vista comunitário em certos círculos feministas e entre certos defensores dos direitos das minorias, bem como no movimento ecologista, como um terreno privilegiado de resistência às práticas das burocracias institucionais e à extensão dos mercados globais[76].
Há, entretanto, alguns pontos de convergência. Quase todos os comunitaristas contestam a ideia de "cidadania econômica", que transforma os membros em "espectadores votantes" e consumidores cada vez mais ansiosos para melhorar sua posição no mercado, ao mesmo tempo em que dá aos industriais a oportunidade de buscar o lucro máximo fora de qualquer regulamentação democrática. Quase todos eles também criticam o centralismo e a burocracia estatal e defendem várias formas de democracia participativa. A essência de sua mensagem é que, a menos que comunidades orgânicas ordenadas pela ideia de bem comum e valores compartilhados possam ser revividas, a sociedade não terá outra alternativa senão o autoritarismo ou a desintegração. Enquanto alguns propõem a revitalização das tradições e outros enfatizam, acima de tudo, a importância dos bens públicos e das instalações coletivas, muitos afirmam fazer parte de uma tradição de "republicanismo cívico" que remonta à antiguidade e atingiu seu apogeu nas repúblicas italianas do final da Idade Média, antes de também desempenhar um papel nas revoluções francesa e americana. Nos Estados Unidos, essa tradição se inspira tanto em Maquiavel e Hannah Arendt quanto em Thomas Jefferson, Patrick Henry e John Dewey[77]. Em seu cerne está a ideia de que a cidadania ativa precisa ser revivida, juntamente com uma redefinição da vida democrática baseada na ideia de participação[78], reconhecimento e bem comum. Charles Taylor escreve: "A noção central do humanismo cívico é que os homens encontram seu bem na vida pública de uma república de cidadãos". Assim, o pensamento comunitarista parece levar a um questionamento do Estado-nação e a um certo renascimento da ideia federalista[79].
Chantal Mouffe argumenta que a crítica da razão liberal, "para todos aqueles que se recusam a acreditar que as sociedades capitalistas democráticas liberais 'realmente existentes' representam o fim da história, é a condição sine qua non de qualquer progresso da democracia"[80].
Notas
[1] Gemeinschaft und Gesellschaft. Abhandlung des Communismus und des Sozialismus als empirischer Kulturformen, Fues, Leipzig 1887 (2e éd. rév. et augm. : Gemeinschaft und Gesellschaft. Grundbegriffe des reinen Soziologie, Curtius, Berlin 1912, trad. fr. : Communauté et société. Catégories fondamentales de la sociologie pure, PUF, 1944). Cf. também Ferdinand Tönnies,
« Die Entstehung meiner Begriffe “Gemeinschaft” und “Gesellschaft” », in Kölner Zeitschrift für Soziologie und Sozialpsychologie, 1955, 7, pp. 463-467 ; Lars Clausen (Hrsg.), Hundert Jahre
« Gemeinschaft und Gesellschaft ». Ferdinand Tönnies in der internationalen Diskussion, Leske u. Budrich, Opladen 1991
[2] Die Grenzen der Gemeinschaft. Eine Kritik des sozialen Radikalismus, Cohen, Bonn 1924.
[3] Cf. Robert A. Nisbet, The Sociological Tradition, Basic Books, New York 1966 (trad. fr. : La tradition sociologique, PUF, 1984).
[4] Cf. Christopher Lasch, The True and Only Heaven. Progress and Its Critics, W.W. Norton, New York 1991 (trad. fr. : Le seul vrai paradis, Climats, 2002).
[5] Cf. Jürgen Habermas, Le discours philosophique de la modernité. Douze conférences, Gallimard, 1988.
[6] Cf. Hans Georg Gadamer, Vérité et méthode. Les grandes lignes d'une herméneutique philosophique, Seuil, 1976. Sobre o impacto do pensamento de Gadamer nos EUA, cf. Joel Weinsheimer, Gadamer's Hermeneutics. A Reading of « Truth and Method », Yale University Press, New Haven 1985, bem como os comentários críticos de L.M. Palmer, « Gadamer and the Enlightenment's “Prejudice Against All Prejudices” », in Clio, verão 1993, pp. 369-376. Essa discussão evoca o debate que opôs ao fim dos anos 40 Michael Oakeshott e Karl Popper sobre o valor da modernidade e da razão. Na linha de Burke, Oakeshott via no reinado hegemônico da razão moderna a causa do desprezo da experiência e das tradições. Cf. Michael Oakeshott, « Rationalism in Politics », in Rationalism in Politics and Other Essays, Methuen, London 1962, et Basic Books, New York 1962 ; Karl R. Popper, « Towards a Rational Theory of Tradition », in Conjectures and Refutations, Harper & Row, New York 1968, pp. 120-135 (trad. fr. : Conjectures et réfutations. La croissance du savoir scientifique, Payot, 1985).
[7] Otto Bauer, La question des nationalités et la sociale-démocratie, 2 vol., EDI, 1988 (1ère éd. en 1907).
[8] Chantal Mouffe, « La citoyenneté et la critique de la raison libérale », in Jacques Poulain et Patrice Vermeren (éd.), L'identité philosophique européenne, L'Harmattan-Association Descartes, 1993, p. 101.
[9] Cf. Michael Oakeshott, On Human Conduct, Oxford 1975.
[10] La communauté désoeuvrée, Christian Bourgois, 1986, p. 34.
[11] Ibid., p. 87.
[12] Deve-se ressaltar aqui que o termo americano "community" não se refere exatamente ao que queremos dizer em francês com a palavra "communauté", nem mesmo ao que chamamos de Gemeinschaft em alemão. (Os alemães usam o termo Kommunitarismus para se referir ao movimento comunitário americano). Nos Estados Unidos, a palavra evoca tanto a comunidade política no sentido global quanto as "subcomunidades" culturais, religiosas ou étnicas que a primeira pode abranger. Em seu sentido mais simples, a comunidade é um grupo de indivíduos em um estado de interdependência social, unidos por costumes, hábitos e situações existenciais comuns, que são, portanto, levados a debater e decidir em comum. Os trabalhos seminais sobre esse assunto são os do conservador Robert A. Nisbet, The Quest for Community. A Study in the Ethics of Order and Freedom, Oxford University Press, Oxford-New York 1953 (rééd. en 1962 sous le titre Community and Power) ; de Robert Redfield, The Little Community. Viewpoints for the Study of a Human Whole, University of Chicago Press, Chicago 1955, et de Paul et Percival Goodman, Communities. Means of Livelihood and Ways of Life, Random House, New York 1960. Cf. aussi Nicolas Kessler, Robert A. Nisbet et la question de l'Etat, mémoire de maîtrise, Paris IV-Sorbonne, 1993-94.
[13] Alasdair MacIntyre é professor de filosofia na Universidade de Notre Dame (Indiana), onde ocupa a cadeira McMahon/Hank desde 1989. Seus dois livros mais famosos são After Virtue. A Study in Moral Theory, University of Notre Dame Press, Notre Dame 1981, et Duckworth, London 1981 (2e éd. : Notre Dame-London 1985 ; trad. fr. : Après la vertu, PUF, 1997), et Whose Justice ? Whose Rationality ?, Duckworth, London 1988 (trad. fr. : Quelle justice ? Quelle rationalité ?, PUF, 1993). Cf. aussi Against the Self-Images of the Age, Duckworth, London 1971 ; Is Patriotism a Virtue ?, The Lindley Lectures, University of Kansas, 26 mars 1984, pp. 4-102 (trad. all. : « Ist Patriotismus eine Tugend ? », in Axel Honneth, Hrsg., Kommunitarismus. Eine Debatte über die moralischen Grundlagen moderner Gesellschaften, Campus, Frankfurt/M. 1993, pp. 84-102) ; Three Rival Versions of Moral Enquiry. Encyclopaedia, Genealogy and Tradition, University of Notre Dame Press, Notre Dame 1990, et Duckworth, London 1990 ; « How Moral Agents Became Ghosts », in Synthese, 1982, pp. 295-312 ; « The Relationship of Philosophy to Its Past », in Richard Rorty, S. Schneewind et Quentin Skinner (ed.), Philosophy in History, Cambridge University Press, Cambridge 1984 ; « The Relationship of Philosophy to History. Postscript to the Second Edition of “After Virtue” », in K. Baynes, J. Bohman et T. McCarthy (ed.), After Philosophy, MIT Press, Cambridge 1987, pp. 418 ff. ; « The Privatization of Good. An Inaugural Lecture », in The Review of Politics, été 1990, pp. 344-361 (texte suivi des commentaires de Donald P. Kommers et W. David Solomon, avec une réponse de MacIntyre, pp. 362-377, trad. fr. : « La privatisation du bien », in Krisis, juin 1994, pp. 30-46). Cf. aussi Richard J. Bernstein, « Nietzsche or Aristotle ? Reflections on MacIntyre's “After Virtue” », in Soundings, 1984, 67, pp. 6-29 (repris in Beyond Objectivism and Relativism. Science, Hermeneutics and Praxis, Blackwell, Oxford, et University of Pennsylvania Press, Philadelphia 1983, pp. 226-229).
[14] Michael J. Sandel é professor de Filosofia Política na Universidade de Harvard. Ele é autor de de Liberalism and the Limits of Justice, Cambridge University Press, Cambridge 1982 (trad. fr. : le libéralisme et les limites de la justice, Seuil, 1999), et a dirigé le recueil collectif Liberalism and Its Critics, New York University Press, New York 1984. Cf. aussi « The Procedural Republic and the Unencumbered Self », in Political Theory, février 1984, pp. 81-96 ; « Morality and the Liberal Ideal », in The New Republic, 7 mai 1984, pp. 15-17 (trad. fr. : « Moralité et libéralisme », in Krisis, juin 1994, pp. 62-69 ; « Democrats and Community. A Public Philosophy for American Liberalism », in The New Republic, 22 février 1988, pp. 20-23 ; « The Political Theory of the Procedural Republic », in Revue de métaphysique et morale, 1988, 1 ; « Moral Argument and Liberal Toleration : Abortion and Homosexuality », in California Law Review, 1989, pp. 520 ff.; « Religious Liberty — Freedom of Conscience or Freedom of Choice ? », in Utah Law Review, 1989, 2, pp. 1-19.
[15] Charles Taylor é professor de Filosofia e Ciência Política na Universidade McGill, em Montreal. Suas publicações incluem The Explanation of Behaviour, Routledge & Kegan Paul, London 1964 ; Hegel, Cambridge University Press, Cambridge 1975 ; Hegel and Modern Society, Cambridge University Press, Cambridge 1979 (trad. fr. : Hegel et la société moderne, Presses de l’Université Laval, Québec, et Cerf-Fides, 1998) ; Philosophical Papers, 2 vol., 1 : Human Agency and Language, 2 : Philosophy and the Human Sciences, Cambridge University Press, Cambridge 1985 ; Justice After Virtue, University of Toronto Press, Toronto 1987-88 ; Sources of Self. The Making of the Modern Identity, Cambridge University Press, Cambridge 1989 (trad. fr. : Les sources du moi. La formation de l’identité moderne, Seuil, 1998) ; The Malaise of Modernity, Canadian Broadcasting Corp., Toronto 1991, et Bellarmin, Montréal 1992 (trad. fr. : Le malaise de la modernité, Cerf, 1994) ; Rapprocher les solitudes. Ecrits sur le fédéralisme et le nationalisme au Canada, éd. par Guy Laforest, Presses de l'université Laval, Québec 1992 ; Multiculturalism and the « Politics of Recognition », Princeton University Press, Princeton 1992 (ouvrage collectif éd. par Amy Gutmann, trad. fr. : Multiculturalisme. Différence et démocratie, Aubier, 1994) ; « Responsability for the Self », in Amélie O'Rorty (ed.), The Identity of Persons, University of California Press, Berkeley-Los Angeles 1976, pp. 281-299 ; « What's Wrong with Negative Liberty », in A. Ryan (ed.), The Idea of Freedom, Oxford University Press, Oxford 1979, pp. 175- 193 ; « Atomism », in A. Kontos (ed.), Powers, Possessions and Freedom, University of Toronto Press, Toronto 1979, pp. 175-193 (repris in Philosophical Papers, vol. 2, pp. 187-210) ; « The Diversity of Goods », in Amartya Senn et Bernard Williams (ed.), Utilitarianism and Beyond, Cambridge University Press, Cambridge 1982, pp. 129-144 ; « Alternative Futures. Legitimacy, Identity and Alienation in the Late Twentieth Century Canada », in A. Cairns et C. Williams (ed.), Constitutionalism, Citizenship and Society in Canada, University of Toronto Press, Toronto 1985; « Die Motive einer Verfahrensethik », in W. Kuhlmann (Hrsg.), Moralität une Sittlichkeit, Frankfurt/M. 1986 ; « Le juste et le bien », in Revue de métaphysique et morale, 1988, 1 ; « Cross- Purposes : The Liberal-Communitarian Debate », in Nancy Rosenblum (ed.), Liberalism and the Moral Life, Harvard University Press, Cambridge 1989, pp. 103-130 ; « Hegel's Ambiguous Legacy for Liberalism », in Cardozo Law Review, 1989, 5-6 ; « Le dépassement de l'épistémologie », in Jacques Poulain (éd.), Critique de la raison phénoménologique, Cerf, 1989 ; « Comments and Replies », in Inquiry, 1991, 2 ; « Die Beschwörung der Civil Society », in K. Michalski (Hrsg.), Europa und die Civil Society, Stuttgart 1991 ; « Les institutions dans la vie nationale », in Esprit, mars-avril 1994, pp. 90-102. Na França, um simpósio dedicado a Charles Taylor ("L'interprétation de l'identité moderne"), organizado por Guy Laforest e Philippe de Laura, foi realizado de 6 a 13 de junho de 1995 em Cerisy-la-Salle. Uma coletânea de artigos compilados por Philippe de Lara, intitulada La liberté des modernes, est également paru aux PUF en 1997. Cf. aussi Janie Pélabay, Charles Taylor, penseur de la pluralité, Presses de l’Université Laval, Québec, et L’Harmattan, 2001.
[16] Cf. Roberto Mangabeira Unger, Knowledge and Politics, Free Press, New York 1975 ; Passion. An Essay on Personality, Free Press, New York 1975 ; Law in Modern Society, Free Press, New York 1976 ; Politics. A Work in Constructive Social Theory, 3 vol., 1 : Social Theory. Its Situation and Its Task, 2 : False Necessity, 3 : Plasticity in Power, Cambridge University Press, Cambridge 1987 ; John Finnis, Natural Law and Natural Rights, Clarendon, Oxford 1980 ; Mary Ann Glendon, Rights Talk. The Impoverishment of Political Discourse, Free Press, New York 1993 ; Amitai Etzioni, The Spirit of Community. Rights, Responsabilities, and the Communautarian Agenda, Crown Publ., New York 1993 ; et « Liberals and Communitarians », in Partisan Review, printemps 1990.
[17] Robert N. Bellah é autor de várias obras sobre a "religião civil" americana (The Broken Covenant. American Civil Religion in Time of Trial, Seabury Press, Nova York, 1975), em que critica o individualismo e a invasão da racionalidade instrumental na vida cotidiana. No entanto, ele mantém uma certa distância do debate entre comunitaristas e liberais e prefere pensar em termos de "instituições" em vez de comunidades. Cf. Robert N. Bellah, Richard Madsen, William M. Sullivan, Ann Swidler e Steven M. Tipton, The Good Society, Alfred A. Knopf, Nova York, 1991; Habits of the Heart. Individualism and Commitment in American Life, University of California Press, Berkeley-Los Angeles 1985. Veja também Robert N. Bellah, "Social Science as Practical reason", em Daniel Callahan e Bruce Jennings (eds.), Ethics, the Social Science, and Policy Analysis, Nova York 1983, pp. 37-64.
[18] Falecido em 14 de fevereiro de 1994, Christopher Lasch é conhecido principalmente por seus últimos trabalhos, nos quais tenta promover, com sotaques comunitários, um populismo de esquerda crítico em relação à ideia de progresso: The Culture of Narcissism. American Life in an Age of Diminished Expectations, Norton-Warner Books, New York 1979 (trad. fr. : Le complexe de Narcisse. La nouvelle sensibilité américaine, Robert Laffont, 1981, e Climats, 2000), The Minimal Self. Psychic Survival in Troubled Time, 1984, The True and Only Heaven. Progress and Its Critics, op. cit., e The Revolt of the Elites and the Betrayal of Democracy, W.W. Norton, Londres 1995 (trad. fr. : La révolte des élites, la trahison de la démocratie, Climats 1996), Culture de masse ou culture populaire ?, Climats, 2001. Cf. também The New Radicalism in America, 1889-1963, Vintage Books, Nova York 1965; The Agony of American Left, Alfred A. Knopf, Nova York 1968; The World of Nations. Reflections on American History, Politics, and Culture, Alfred A. Knopf, Nova York 1973; Haven in an Heartless World. The Family Besieged, Basic Books, Nova York 1977 ; " The Communitarian Critique of Liberalism", em Charles H. Reynolds e R.V. Norman (ed.), Community in America. The Challenge of " Habits of the Heart ", University of California Press, Berkeley-Los Angeles 1988.
[19] As principais obras sobre o assunto são de Thomas Bender, Community and Social Change in America, Rutgers University Press, New Brunswick 1978; Will Kymlicka, Liberalism, Community, and Culture, Oxford University Press, New York 1989, e Clarendon Press, Oxford 1991; Robert Booth Fowler, The Dance with Community. The Contemporary Debate in American Thought, University Press of Kansas, Lawrence 1991; Shlomo Avineri e Avner de-Shalit (ed.), Individualism and Communitarianism, Oxford University Press, Oxford 1992; Elizabeth Frazer e Nicola Lacey, The Politics of Community. A Feminist Critique of the Liberal-Communitarian Debate, Harvester Wheatsheaf, Nova York, 1993. Veja também William A. Galston, Justice and the Human Good, University of Chicago Press, Chicago 1980; John Charvet, A Critique of Freedom and Equality, Cambridge University Press, Cambridge 1981; Mimi Bick, The Liberal-Communitarian Debate. A Defense of Holistic Individualism, tese, Trinity, Oxford 1987; Charles H. Reynolds e R.V. Norman (ed.), Community in America, op. cit.; Nancy Rosenblum (ed.), Liberalism and the Moral Life, Harvard University Press, Cambridge 1989; Stephen Macedo, Liberal Virtues. Citizenship, Virtue, and Community in Liberal Constitutionalism, Clarendon Press, Oxford 1990; William A. Galston, Liberal Purposes. Goods, Virtues, and Diversity in the Liberal State, Cambridge University Press, Cambridge 1991. A literatura francesa sobre o assunto continua embrionária. Cf. no entanto Chantal Mouffe, « Le libéralisme américain et ses critiques », in Esprit, mars 1987, pp. 100-114 ; Alain de Benoist (éd.), Communauté ?, n° spécial de Krisis, juin 1994 ; André Berten, Pablo da Silvera et Hervé Pourtois, Libéraux et communautariens, PUF, 1997. Na Alemanha, por outro lado, o debate parece estar bem encaminhado, com, em especial Axel Honneth (Hrsg.), Kommunitarismus, op. cit. (textes de Michael Sandel, John Rawls, Amy Gutmann, Alasdair MacIntyre, Charles Taylor, Charles Larmore, Michael Walzer et Rainer Forst) ; Christel Zahlmann (Hrsg.), Kommunitarismus in der Diskussion. Eine streitbare Einführung, Rotbuch, Hamburg 1994 ; Axel Honneth, « Grenzen des Liberalismus. Zur ethisch-politischen Diskussion um den Kommunitarismus », in Philosophische Rundschau, 1991, 1-2, pp. 83 ff.
[20] Modernité et morale, PUF, 1993, p. 20.
[21] A palavra deve ser entendida aqui no sentido anglo-saxão. Enquanto na Europa continental "Nos Estados Unidos, "liberalismo" tem um significado exclusivamente político e refere-se apenas à doutrina da liberdade individual, do governo limitado e do contrato. Os "liberais" são os oponentes de esquerda dos conservadores. Como tal, eles geralmente aceitam que o Estado possa intervir economicamente para garantir a justiça social. Os libertários, por outro lado, rejeitam totalmente essa possibilidade e se dividem em dois grupos: os defensores do "Estado mínimo", que pelo menos aceitam que um Estado possa existir sem ter que violar direitos, como Robert Nozick (Anarchy, State and Utopia, Basic Books, New York 1974, e Basil Blackwell, Oxford 1974) e os defensores do "estado mínimo", que pelo menos aceitam que um estado possa existir sem ter que violar direitos, como Robert Nozick (Anarchy, State and Utopia, Basic Books, New York 1974, e Basil Blackwell, Oxford 1974). Anarchie, Etat et utopie, PUF, 1988) ou James M. Buchanan, fundador da escola "Public Choice" (Les limites de la liberté. Entre l'anarchie et le Léviathan, Litec, 1992), e os "anarcocapitalistas", segundo os quais qualquer Estado é, por definição, ilegítimo e imoral, como David Friedman (Vers une société sans Etat, Belles Lettres, 1992) ou Murray Rothbard (L'éthique de la liberté, Belles Lettres, 1991).
[22] Cf. John Rawls, A Theory of Justice, Belknap Press of Harvard University Press, Cambridge 1971, et Oxford University Press, London 1971 (trad. fr. : Théorie de la justice, Seuil, 1987) ; Political Liberalism, Columbia University Press, New York 1993 (trad. fr. : Libéralisme politique, PUF, 2001) ; Justice et démocratie, Seuil, 1993 ; Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Harvard University Press, Cambridge 1977, et Duckworth, London 1977 (trad. fr. : Prendre les droits au sérieux, PUF, 1995) ; A Matter of Principle, Harvard University Press, Cambridge 1985 (trad. fr. : Une question de principe, PUF, 1996) ; Law's Empire, Cambridge 1986 (trad. fr. : L'empire du droit, PUF, 1994) ; Bruce Ackerman, Social Justice in the Liberal State, Yale University Press, New Haven 1980. Dans la même optique libérale, cf. também Alan Gewirth, Reason and Morality, University of Chicago Press, Chicago 1978 ; Human Rights. Essays in Justification and Applications, University of Chicago Press, Chicago 1982 ; Amy Gutmann, Liberal Equality, Cambridge University Press, Cambridge 1980 ; Ian Shapiro, The Evolution of Rights in Liberal Theory, Cambridge University Press, Cambridge 1986 ; Onora O'Neill, Constructions of Reason, Cambridge University Press, Cambridge 1989.
[23] Le libéralisme moderne. Analyse d'une raison économique, PUF, 1984.
[24] Cf. Macpherson, Democratic Theory. Essays in Retrieval, Clarendon Press, Oxford 1973, p. 199.
[25] Cf. notre article « Minima Moralia (2) », in Krisis, avril 1991, pp. 16-25.
[26] Henry Sidgwick, The Methodes of Ethics, Macmillan, London 1874 et 1907. Defensor do utilitarismo, Sidgwick é geralmente considerado um dos mais importantes expoentes da filosofia moral anglo-saxônica na segunda metade do século XIX. Rawls o cita com grande ênfase.
[27] Modernité et morale, op. cit., p. 46.
[28] Cf. A Theory of Justice, op. cit., pp. 92-93 ; « Justice as Fairness : Political not Metaphysical », in Philosophy and Public Affairs, été 1985, pp. 223-251 (trad. fr. : « La théorie de la justice comme équité : une théorie politique et non pas métaphysique », in Catherine Audard, Jean-Pierre Dupuy et René Sève, éd., Individu et justice sociale. Autour de John Rawls, Seuil, 1988, cf. p. 308). Cf. também « The Priority of Justice and Ideas of the Good », in Philosophy and Public Affairs, automne 1988, pp. 251-276 (trad. fr. : « La priorité du juste et les conceptions du bien », in Justice et démocratie, op. cit., pp. 285-320).
[29] A Theory of Justice, op. cit. p. 30. Esse também é o principal argumento de Rawls contra o utilitarismo.
[30] Anarchy, State and Utopia, pp. 32-33.
[31] Liberalism and Its Critics, op. cit., p. 4.
[32] « Liberalism as a Threat to Democracy ? », in Francis Canavan (ed.), The Ethical Dimension of Political Life, Duke University Press, Durham 1983, p. 29.
[33] « Liberalism », in Stuart Hampshire (ed.), Public and Private Morality, Cambridge University Press, Cambridge 1978.
[34] Modernité et morale, op. cit., p. 165.
[35] A noção de "neutral political concern" parece ter sido criada pelos liberais Joseph Raz,
« Liberalism, Autonomy and the Politics of Neutyral Concern », in Midwest Studies in Philosophy, 1982. Cf. também Will Kymlicka, « Liberal Neutrality and Liberal Individualism », in Ethics, 1989.
[36] Liberalism and Its Critics, op. cit., p. 5.
[37] "Esse ideal", escreve Charles Larmore, "exige que, enquanto uma concepção de vida boa permanecer em debate, nenhuma decisão do Estado possa ser justificada com base em sua suposta superioridade ou inferioridade" (Patterns of Moral Complexity, Cambridge University Press, Cambridge 1987, p. 47).
[38] A ideia de que somente um poder político neutro pode garantir a paz social entre indivíduos considerados como átomos separados, ou seja, agentes cujo caráter social é apenas uma forma acidental adicionada à sua natureza, já está presente em Guilherme de Ockam com a ideia de um poder divino absoluto (potentia absoluta), mas totalmente indeterminado.
[39] Essa reserva, que deu origem a debates que não examinaremos aqui, é explicada detalhadamente por John Rawls em seus últimos escritos (cf. Justice and Democracy, op. cit., especialmente os capítulos 5 e 7). Ela nos permite entender a natureza limitada e, em última análise, tautológica da teoria liberal, que, embora afirme permanecer neutra em relação às várias concepções de vida boa, na verdade admite apenas aquelas que não questionam seus próprios princípios.
[40] Cf. Douglas J. Den Uyl, « Freedom and Virtue », in Tibor R. Machan, The Libertarian Reader's, Rowman & Littlefield, Totowa 1992, pp. 211-255.
[41] "The Procedural Republic and the Unencumbered Self", art. cit. p. 82. Sobre o problema da justiça no que se refere à ideologia liberal, veja também Serge-Christophe Kolm, Justice et équité, Editions du CNRS, 1972; Le contrat libéral, PUF, 1985; Ottfried Höffe, L'Etat et la justice, J. Vrin, 1988; Jean-Pierre Dupuy, Le sacrifice et l'envie, Calmann-Lévy, 1992; Jean Ladrière e Philippe van Parijs (eds.), Fondements d'une théorie de la justice, Louvain-la-Neuve 1984; Philippe van Parijs, Qu'est-ce qu'une société juste?, Seuil, 1991; Salvatore Vecca, La società giusta, Il Saggiatore, Milano 1982.
[42] Para os liberais, escreve Alasdair MacIntyre, a sociedade é "nada mais do que uma arena na qual os indivíduos procuram obter para si mesmos, a longo prazo, o que lhes é agradável ou útil", constituindo assim uma "coleção de estranhos, cada um perseguindo seu próprio interesse sob o mínimo de restrição possível" (After Virtue, op. cit., pp. 236 e 251).
[43] Allen E. Buchanan, "Assessing the Communitarian Critique of Liberalism", art. cit., pp. 852-853; Stephen Holmes, The Anatomy of Antiliberalism, Harvard University Press, Cambridge 1993.
[44] Sobre esse ponto, consulte Michael J. Sandel, Liberalism and the Limits of Justice, op. cit. pp. 31 e 183. Os autores liberais reagiram de forma particularmente forte a essa crítica, que, de fato, se divide em duas proposições diferentes: a tese do "remédio" (é porque os valores da comunidade entraram em colapso que a sociedade moderna é obrigada a dar à justiça um lugar de destaque) e a tese da proporcionalidade (dentro de uma determinada política, a justiça ocupa um lugar maior quanto mais fraca for a socialidade da comunidade). Argumentou-se que não há conexão lógica entre essas duas afirmações, mas que ambas equivalem a dizer que a justiça não tem valor em si mesma, já que em uma situação "ideal" ela não teria razão para existir (cf. Allen E. Buchanan, art. cit., p. 877).
[45] Cf. Richard Rorty, « The Priority of Democracy to Philosophy », in Merrill D. Peterson et Robert C. Vaughan (ed.), The Virginia Statute for Religious Freedom, Cambridge University Press, Cambridge 1988.
[46] Cf. J.C. Merquio, « For the Sake of the Whole », in Critical Review, été 1990, pp. 301-325.
[47] "O indivíduo", escreve Jean-Luc Nancy, "é apenas o resíduo da provação da dissolução da comunidade. Por sua própria natureza - como seu nome sugere, ele é o átomo, o inquebrável - o indivíduo revela que é o resultado abstrato da decomposição. Ele é outra figura simétrica da imanência: o absolutamente destacado para si mesmo, tomado como origem e como certeza [...] Não se faz um mundo a partir de meros átomos. Você precisa de um clinâmen. Você precisa de uma inclinação de um para o outro, de um através do outro ou de um para o outro [...] O individualismo é um atomismo inconsistente, que esquece que o que está em jogo com o átomo é o mundo. É por isso que a questão da comunidade é a grande ausente da metafísica do sujeito, isto é - indivíduo ou Estado total - da metafísica do absoluto para si mesmo" (op. cit., p. 17).
[48] A crítica comunitarista aqui é dirigida principalmente a autores como John Rawls. Friedrich A. Hayek, por sua vez, aceita a anterioridade do fato social, mas tira conclusões radicalmente diferentes dele: é o fato de que a sociedade sempre excede o indivíduo que, ao impedir que este último a remodele como quiser, condiciona sua liberdade. Cf. B. Crowley, The Self, the Individual, and the Community. Liberalism in the Political Thought of F.A. Hayek and Sidney and Beatrice Webb, Oxford University Press, Oxford 1987.
[49] « The Procedural Republic and the Unencumbered Self », art. cit., pp. 84-85.
[50] « Two Concepts of Liberty », reproduzido em Michael J. Sandel (ed.), Liberalism and Its Critics, op. cit., pp. 15-36. Cf. aussi Quentin Skinner, « The Idea of Negative Liberty. Philosophical and Historical Perspectives », in Richard Rorty, J.B. Schneewind et Quentin Skinner (ed.), Philosophy in History. Essays on the Historiography of Philosophy, Cambridge University Press, Cambridge 1984.
[51] Contra os libertários, Philippe van Parijs enfatiza que a liberdade formal, que é meramente um direito sem o poder de exercê-lo, não pode ser suficiente como um valor ético sobre o qual fundar uma sociedade (Qu'est-ce qu'une société juste?, op. cit). Ele também escreve: "Se a liberdade de fato requer o direito de fazer o que se deseja fazer consigo mesmo e do que se é o legítimo proprietário, ela não se reduz a isso. Não é apenas uma questão de direito de fazer o que se deseja nesse sentido. É também uma questão de meios" ("Quelle réponse cohérente aux néolibéralisme?", em Economie et humanisme, março-abril de 1989, reimpresso em Problèmes économiques, 4 de janeiro de 1990, p. 25). Andrew Bard Schmookler, por sua vez, mostra como a ideia de liberdade de escolha em uma sociedade de mercado acaba sendo uma ilusão enganosa, na medida em que os agentes só podem maximizar suas escolhas em tal sociedade se estiverem em conformidade com seus princípios. "O mercado", escreve ele, "é notavelmente sensível às necessidades que temos como 'átomos sociais', mas ignora as necessidades que temos como uma comunidade social [...] A teoria [do mercado] nos torna entidades autônomas e separadas, exceto nos lugares onde escolhemos nos reunir para trocar. O sistema funciona de tal forma que é difícil para nós sermos qualquer outra coisa [...] O mercado cria uma sociedade que é rica em suas partes fragmentadas, mas pobre em seu todo orgânico" (The Illusion of Choice. How the Market Economy Shapes Our Destiny, State University of New York Press, Albany 1993, pp. 62-63). Sobre os paradoxos da lógica do interesse próprio, consulte também Richard H. Thaler, The Winner's Curse. Paradoxes and Anomalies of Economic Life (Paradoxos e anomalias da vida econômica), Free Press-Macmillan, Nova York, 1992.
[52] Hegel and Modern Society, op. cit., p. 157.
[53]. Ibid.
[54]. « The Procedural Republic and the Unencumbered Self », art. cit., p. 91.
[55]. « Justice and the Good », in Michael J. Sandel (ed.), Liberalism and Its Critics, op. cit., pp. 168-169.
[56]. « The Procedural Republic and the Unencumbered Self », art. cit., p. 86.
[57]. Ibid., p. 87. Cf. também Liberalism and the Limits of Justice, op. cit., pp. 55-64.
[58]. Liberalism and the Limits of Justice, p. 143.
[59]. Liberalism and Its Critics, op. cit., p. 6.
[60]. After Virtue, op. cit., pp. 204-205.
[61]. Liberalism and Its Critics, op. cit. 6.
[62]. Op. cit., pp. 168-169.
[63]. Liberalism and Its Critics, op. cit., p. 58. Esse comunitarismo "forte" também é encontrado no trabalho de Roberto M. Unger (cf. Politics. A Work in Constructive Social Theory, op. cit., vol. 1, pp. 88-89 et 194-195).
[64]. Liberalism and the Limits of Justice, p. 167.
[65]. « The Procedural Republic and the Unencumbered Self », art. cit., p. 91.
[66]. Cf. Michael J. Sandel, Liberalism and the Limits of Justice, op. cit., p. 150.
[67]. Sobre esse tema, cf. Charles Taylor, Hegel, op. cit. ; Hegel and Modern Society, op. cit. ; « Hegel : History and Politics », in Michael J. Sandel (ed.), Liberalism and Its Critics, op. cit., pp. 177-199. Peter Berger, « On the Obsolescence of the Concept of Honour », in European Journal of Sociology, 1970, pp. 339-347, mostra que a noção de honra implica que a identidade está fundamentalmente associada aos papéis sociais dos sujeitos, enquanto a noção de dignidade implica uma identidade que é radicalmente distinta desses papéis.
[68]. A segunda tese, diferentemente da primeira, exige uma teoria filosófica do bem: a comunidade continuaria a ser boa mesmo que os homens não sentissem a necessidade dela.
[69]. Knowledge and Politics, op. cit., p. 102.
[70]. Spheres of Justice. A Defense of Pluralism and Equality, Basic Books, New York 1983 (trad. fr. : Sphères de justice. Une défense du pluralisme et de l’égalité, Seuil, 1997), texte repris (« Welfare, Membership and Need »), in Michael J. Sandel (ed.), Liberalism and Its Critics, op. cit., p. 200.
[71] Para Will Kymlicka, por outro lado, o ponto de vista de Marx permanece muito mais próximo do ponto de vista liberal do que da crítica comunitarista, precisamente porque o comunismo supostamente emanciparia a humanidade daquelas mesmas lealdades sociais que os comunitaristas veem como constitutivas da identidade dos agentes, enquanto os liberais as veem como tantos obstáculos à "liberdade" ( cf. Liberalism, Community, and Culture, op. cit, "Marxism and the Critique of Justice", pp. 100-131). Veja também A. Buchanan, Marx and Justice. The Radical Crique of Liberalism, Methuen, Londres, 1982.
[72] « Roundtable on Communitarianism », in Telos, été 1988, p. 3.
[73] « The Communitarian Critique of Liberalism », in Political Theory, février 1990 , p. 23.
[74] Cf. Michael J. Sandel, « Democrats and Community », art. cit.
[75] Cf. « The Politics of Meaning », in Tikkun, septembre-octobre 1993, pp. 19-26 et 87-88.
[76] Cf. Tim Luke, « Community and Ecology », in Telos, été 1991, pp. 69-79.
[77] Cf. G.A. Pocock, The Machiavellian Moment. Florentine Political Thought and the Atlantic Republican Tradition, Princeton University Press, Princeton 1975 ; Gordon Wood, The Creation of the American Republic, 1776-1787, University of North Carolina Press, Chapel Hill 1969.
[78] Cf. Benjamin R. Barber, Strong Democracy. Participatory Politics for a New Age (trad. fr. : Démocratie forte, Desclée de Brouwer, 1997), University of California Press, Berkeley-Los Angeles 1984.
[79] Marcel Gauchet falou sobre "esse espaço intrinsecamente não comunitário que é a nação" ("Le mal démocratique", em Esprit, outubro de 1993, p. 82). Cf. também Paul Piccone, "The Crisis of Liberalism and the Emergence of Federal Populism", em Telos, outono de 1991, pp. 7-44, que defende a criação de "pequenas comunidades orgânicas autônomas" que permitiriam a introdução de uma democracia participativa genuína dentro de uma estrutura federal.
[80] « La citoyenneté et la critique de la raison libérale », art. cit., p. 102.