por Alain de Benoist
(1994)
Ao examinar a história política europeia, constata-se imediatamente que a Europa foi o palco da elaboração, desenvolvimento e confronto de dois grandes modelos de unidade política: a nação, precedida e, de certa forma, preparada pelo Estado real, e o Império. Compreender o que os distingue, e particularmente identificar os traços específicos da ideia de Império, pode contribuir para lançar luz sobre o seu presente.
Recordemos, antes de tudo, alguns dados. Rômulo Augústulo, o último imperador do Ocidente latino, foi deposto em 475. Subsistiu, então, apenas o Império do Oriente. No entanto, parece que, após o desmembramento do Império do Ocidente, nasceu uma nova consciência unitária. A partir do ano 795, o papa Leão III data suas bulas não de acordo com o reinado do imperador de Constantinopla, mas sim com o de Carlos, rei dos francos e patrício dos romanos. Cinco anos depois, no dia de Natal do ano 800, Leão III impõe em Roma a coroa imperial sobre as têmporas de Carlos Magno. É a primeira renovatio do Império, que obedece à teoria da translatio imperii, segundo a qual o Império que ressuscitou em Carlos Magno é a continuação do Império Romano, pondo fim às especulações teológicas inspiradas na profecia de Daniel, que previa o fim do mundo após o fim do quarto império, ou seja, após o fim do Império Romano, que havia sucedido os impérios da Babilônia, da Pérsia e de Alexandre.
A renovatio do Império também rompeu com a ideia agostiniana de que existe uma oposição radical entre a civitas terrena e a civitas Dei, ideia que poderia fazer pensar que um império cristão não passava de uma quimera. De fato, Leão III inaugura uma nova estratégia: a de um império cristão onde o imperador seria o defensor da Cidade de Deus. O imperador recebe, assim, seus poderes do Papa e reproduz, na ordem temporal, os poderes espirituais deste. Como se sabe, toda a querela das Investiduras decorre dessa formulação equívoca, que faz do imperador um sujeito do papado na ordem espiritual, mas que, ao mesmo tempo, o coloca à frente de uma hierarquia temporal cujo caráter sagrado não tardará a se afirmar. Em seguida, Tomás de Aquino, referindo-se a Aristóteles, tentará também reconciliar a cidade dos homens e a cidade de Deus, associando populus e natio em uma síntese que tem o sentido de um povo submetido à autoridade de um mesmo Estado.
O Tratado de Verdun (843) consagrou a divisão do Império dos Francos entre os três netos de Carlos Magno: Lotário I, Luís, o Germânico, e Carlos, o Calvo; por sua vez, o rei da Saxônia Henrique I será coroado imperador em 919. O Império torna-se mais claramente germânico. Após a desagregação do poder carolíngio, será novamente restaurado em benefício do rei Otão I da Germânia, coroado em Roma em 2 de fevereiro de 962, e se reconstitui no centro da Europa com os sálios e os otônidas. Seu apogeu chegará na segunda metade do século XII com a dinastia dos Staufen (Frederico I Barbarossa, Henrique IV), época em que abrange os reinos da Borgonha, Itália e Germânia. O Império será a principal potência política europeia até meados do século XIII, quando se transforma oficialmente no Sacro Império Romano; a partir de 1442, será acrescentado “da nação germânica”. Mas, evidentemente, este não é o lugar para esboçar, nem mesmo em grandes traços, a história do Sacro Império Romano-Germânico. Limitamo-nos a observar que, ao longo de toda a sua história, será uma entidade mista que associa três componentes: a referência antiga, a referência cristã e a germanidade.
Na prática, a ideia imperial começa a se desagregar no Renascimento, com o surgimento dos primeiros Estados “nacionais”. É verdade que, em 1525, sob Carlos V (I da Espanha), a vitória de Pavia, onde as forças imperiais derrotam as tropas de Francisco I, parece inverter o curso dos acontecimentos. Na Alemanha, a captura do rei da França será percebida como um evento de grande magnitude (“König Franz von Frankenland, fiel in die Frundsberger Hand...”). E provocará um breve renascimento do gibelinismo na Itália, onde o Orlando Furioso, composto por Ariosto na corte de Florença, já relançara a moda dos romances do século XII dedicados à vida de Carlos Magno. Dois anos depois, os imperiais tomam Roma e fazem prisioneiro o papa Clemente VII. Mas, após a morte de Carlos V, o título imperial não recairá sobre seu filho Filipe, e o Império voltará a se reduzir a um assunto local[1]. A partir da Paz de Westfália (1648), ele deixa de ser percebido como uma dignidade (Kaiserwürde) e começa a adquirir o sentido de uma simples confederação de Estados territoriais. O processo de decadência se prolongará ainda por dois séculos e meio. Em 6 de abril de 1806, Napoleão culmina a Revolução destruindo os vestígios do Império. Francisco II renuncia ao título de imperador romano-germânico. O Sacro Império expira.
I
Do conceito de Império foram feitos usos tão contraditórios que, à primeira vista, não é fácil apreendê-lo. Littré, em seu Dicionário, contenta-se com uma definição tautológica: um império – escreve ele – é “um Estado governado por um imperador”. Reconhecer-se-á que isso é um tanto sumário. Acima de tudo, é importante lembrar que o Império, assim como a cidade ou a nação, é uma forma de unidade política, e não uma forma de governo, como a monarquia ou a república. Isso significa que o Império é, a priori, compatível com diferentes formas de governo. Assim, o artigo 1º da Constituição de Weimar afirmava que “o Reich alemão é uma república” – e, em 1973, o Tribunal Constitucional de Karlsruhe não hesitou em lembrar que, ainda hoje, “o Reich alemão é um sujeito do direito internacional”.
A melhor maneira de compreender a realidade substancial da noção de Império é, sem dúvida, compará-la com a noção de nação ou de Estado-nação; este último representa o desfecho de um processo de formação da nacionalidade cuja forma exemplar é, de certo modo, o reino da França. De fato, como escreve Jean Baechler, “podemos considerar a nação como um dos ramos de uma alternativa em que o outro ramo é o Império” [2].
Tal “ramo”, em todo caso, aparecerá muito tarde. Em sua origem, o sentido da palavra “nação” é puramente religioso: desde Tertuliano, no século II, o plural latino nationes é usado para designar os “gentios” (goyim), e mais especialmente os pagãos. Na língua francesa, as primeiras aparições da palavra “nação”, sob as formas “naciuns” ou “nascions” (início do século XII), têm, antes de tudo, uma ressonância etnocultural, ao mesmo tempo que continuam a carregar a ideia bíblica de uma divisão original da humanidade. Nos séculos XIII e XIV, aplica-se, por exemplo, às “nações” dos estudantes estrangeiros agrupados nas universidades de acordo com sua língua ou origem: assim, na Sorbona, encontraremos a “honorável nação da França”, a “fiel nação da Picardia”, a “venerável nação da Normandia” e a “constante nação da Germânia”, uma antiga quadripartição que, mais tarde, no século XVII, ainda permitirá a Mazzarino fundar em Paris o “Colégio das Quatro Nações”.
Por outro lado, desde Lavisse e Michelet até Pierre Nora, Colette Beaune ou Bernard Guenée, passando por Mallet e Isaac e todos aqueles que não hesitam em remontar a “nação França” ao final da Idade Média [3], a reconstrução histórica da nação francesa foi viciada por uma perspectiva quase finalista que fez da nação, identificada com o Estado-nação moderno, uma espécie de necessidade inerente à história, em germe desde os tempos mais remotos e que teria se atualizado progressivamente ao longo dos séculos. Essa imagem de uma “pátria virtual anterior à pátria real” [4] e cuja essência precederia sua existência, imagem herdada da “religião nacional” popularizada pelos historiadores do século XIX, contém um erro de perspectiva que deriva de uma série de anacronismos. Ao dar a impressão de uma continuidade perfeita entre a Gália e a França carolíngia, e entre esta e a França moderna, tal visão confunde sistematicamente “nacional” e “real”, termos que não guardam equivalência alguma, e formação da nação (o “para si” histórico no sentido de Fougeyrollas) e formação da nacionalidade (o “em si” histórico). Mas, na realidade, a França atual não pode ser remontada a uma hipotética “nação gaulesa”, porque a Gália foi uma invenção romana à qual não correspondia nenhum sentimento particular entre os gauleses; tampouco a “França” começou com o batismo de Clóvis, por volta de 496, assim como Carlos Martel não “salvou a França” dos árabes em 732, pela simples razão de que a França não existia naquela época.
Em sua origem, o regnum Francorum é ao mesmo tempo uno e divisível: patrimônio familiar, propriedade de uma linhagem, obedece ao costume franco de divisão entre os herdeiros. Assim, o dualismo original da Frância deu origem, nos séculos VI e VII, a dois reinos: a oeste, a Neustria (entre os rios Soma e Loire), e a leste, a Austrásia. Graças ao prestígio de Dagoberto, a Neustria inicialmente se impôs como o verdadeiro país dos francos. No entanto, a chegada dos pipínidas (os futuros carolíngios), no século VIII, consagra a ascensão da Austrásia. O filho de Carlos Martel, Pepino, o Breve, que havia usurpado o poder dos merovíngios graças ao apoio do Papa (ele teria que pagar por esse apoio com duas expedições contra os lombardos), fez da capital da Austrásia renana, Aquisgrana, a sede de um novo regnum. Sob o reinado de seu filho, Carlos Magno, desenvolver-se-á uma nova Frância entre os rios Sena e Escalda, ladeada por uma Neustria limitada pelo Sena e pelo Loire e uma Austrásia atravessada pelo Reno. O tratado de Verdun (843) estabelece a divisão do império carolíngio: nascem a Germânia, a Lorena, as Borgonhas Alta e Baixa, e a Itália, que prolongará o Império até 924; o país dos francos se redefine e fica dividido em uma Francia occidentalis, uma Francia media e uma Francia orientalis. Mas a segunda “França” logo se desintegrará; sua parte setentrional, a Lotaríngia, será absorvida pelo reino oriental. Quanto a este último, perderá rapidamente seu nome original: a partir da segunda metade do século XI, não se falará mais de Francia orientalis, mas de regnum Teutonicum. A palavra França, no sentido da soberania herdada dos grandes reis francos, só subsistirá no oeste. Assim, nos séculos IX e X, enquanto o espaço compreendido entre o Loire e o Escalda se torna área de expansão territorial dos Robertinos, marqueses da Neustria e duques dos Francos (os futuros Capetos), o termo França se estende para designar a antiga Francia occidentalis, nascida da divisão do regnum Francorum, embora mantendo deliberadamente a confusão com a “Frância” primitiva, ou seja, o território inicialmente ocupado pelo conjunto da etnia franca. “Desde então – escreve Suzanne Citron –, aqueles que vão reinar tanto no leste (os otônicos) quanto no oeste (os Robertinos-Capetos) serão soberanos não carolíngios. Isso facilitará a manipulação do passado pelos historiadores devotos destes últimos, que poderão apresentar os usurpadores capetos como descendentes de Carlos Magno, brincar com o duplo sentido da palavra França, e seu rei poderá se apropriar da memória etimológica dos francos, que no leste só subsistirá na "Franconia" [5]. Ainda no século XII, no entanto, a palavra latina França raramente designará o conjunto do reino, mais comumente chamado de Francia tota. Ela se tornará “France”, na mesma época, no manuscrito de Oxford da Canção de Rolando, redigida em língua de oïl franco-normanda.
No início do século X, Carlos III, o Simples, adota o título de rex Francorum, que também será ostentado por seus sucessores; só em 1254, sob São Luís, o rex Francorum se tornará rex Franciae. Na mesma época, começa a se constituir o Estado em torno do poder Capeto. A data decisiva não é a batalha de Bouvines, mas, um ano antes (1213), a batalha de Muret, onde cai derrotado o conde de Toulouse, aliado do rei de Aragão contra os francos, derrota que leva à anexão dos países de língua de oc e à perseguição contra os cátaros. No entanto, o título de “rei da França” não deve nos enganar: ele não sanciona exatamente uma autoridade sobre um território determinado, mas representa antes um título de valor moral. De fato, o único vínculo entre as diferentes partes do reino é o senhorio que o rei, por diversos títulos, possui sobre cada uma delas. Ainda no início do século XIV, “o rei da França não pode ter uma ideia exata da extensão e dos limites de seu território e de seu reino, emaranhado inextricável de terras e de direitos” [6]. Também não há um exército francês, mas um “exército do rei”. O catecismo político destinado ao duque da Borgonha o diz muito claramente: “A nação não toma corpo na França, reside inteiramente na pessoa do rei”. Assim, a “nação-monarquia”, que assimila o poder do Estado ao reino, e que então só tem sentido para as elites, ainda não adquiriu sua acepção moderna. Ernst Kantorowicz a analisará muito acertadamente como corpus mysticum cujus caput: é inseparável da pessoa do rei.
Assim como nesta época não se pode falar de nação, também não se pode falar de “patriotismo” no sentido moderno do termo. Sob o Antigo Regime, a “pátria” remete exclusivamente à comarca de origem imediata, assim como aos sentimentos de vinculação e de sacrifício que o laço social implica: a ideia de pátria vem associada à de entrega ao bem comum no seio de uma comunidade de vizinhança. “O que nunca existiu até uma época recente – precisa Simone Weil – é um objeto cristalizado oferecido de maneira permanente ao sentimento patriótico. O patriotismo era difuso, errante, e se ampliava ou se reduzia segundo as afinidades e as ameaças. Era uma mistura de lealdades diversas: para com homens, senhores ou reis; para com as cidades. O todo formava algo muito confuso, mas também muito humano (...) Na Idade Média, a fidelidade era para o senhor, ou para a cidade, ou para ambos, e, acima, para meios territoriais que não eram muito distintos. O sentimento que hoje chamamos patriotismo existia, sem dúvida, e às vezes em um grau muito intenso; mas seu objeto não estava territorialmente definido. O sentimento cobria superfícies de terra variáveis, segundo as circunstâncias” [7]. Só com a espacialização da soberania é que a noção de pátria deixará de evocar o chão natal (Heimatland) para se referir a uma noção de pertencimento abstrato politicamente compartilhado (Vaterland) [8].
De fato, a ideia de nação só se constitui plenamente no século XVIII, e particularmente sob a Revolução. Em sua origem, a ideia de nação remete a uma concepção de soberania que se opõe à da monarquia. Na esteira da filosofia das Luzes, de fato, os debates sobre a soberania revelam uma nova concepção de nação, onde esta designa “a maioria dos indivíduos que compõem uma sociedade” (d’Holbach), em oposição ao poder de que goza o rei [9]. Tal concepção reúne aqueles que pensam política e filosoficamente o mesmo, ou seja, que quem deve encarnar a unidade política do país já não é o rei, mas “a nação”. A nação passa assim a ser percebida como o espaço abstrato onde o povo pode conceber e exercer seus direitos, ou seja, onde os indivíduos, vinculados ao conjunto de forma imediata, à margem da mediação dos corpos intermediários, podem se transformar em cidadãos. Inicialmente, a nação se identifica com o povo soberano na medida em que este não delega ao rei, na melhor das hipóteses, mais do que o poder de aplicar a lei que emana da vontade geral; depois, se identificará com as populações que reconhecem a autoridade de um mesmo Estado, que povoam o mesmo território e que se consideram membros da mesma unidade política; por fim, a nação se identificará com essa unidade política mesma. E assim os “patriotas” são, antes de tudo, aqueles que dirigem para a nação como entidade abstrata os deveres dos quais se sentem emancipados em relação à autoridade real [10]: na véspera dos Estados Gerais, chamar-se-á indiferentemente “partido nacional” ou “partido patriótico” ao conjunto das facções que se opõem à monarquia absoluta. Esta é, aliás, a razão pela qual a tradição legitimista e contrarrevolucionária, que exalta o princípio monárquico e aristocrático, se guarda muito de valorizar a nação, pelo menos em sua origem: ao contrário de um Charles Maurras, os tradicionalistas são perfeitamente conscientes de que a nação é o princípio que se utilizou para suprimir a monarquia [11]. “Desde que houve um sentimento de nação – observa Ernest Roussel –, houve um poder moral superior ao poder material da realeza” [12]. De fato, a Revolução ratifica a transferência da adesão comum (a fides) da pessoa real para a “pátria”, ou seja, para a nação. O artigo 3 da Declaração dos Direitos de 1789 o proclama expressamente: “O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação”. Em fevereiro de 1789, em “O que é o Terceiro Estado?”, o abade Sieyès chega mesmo a fazer da nação um absoluto meta-histórico: “A nação existe antes de tudo, está na origem de tudo”. A certidão de nascimento da nação, poderíamos dizer, reside inteiramente no grito das tropas francesas no bombardeio de Valmy: “Viva a nação!”. Um grito que queria dizer ao mesmo tempo “Abaixo o rei” e “Morte ao inimigo”. Bertrand de Jouvenel chegará a escrever: “Retrospectivamente, a marcha da Revolução parece ter tido por objetivo a fundação do culto da nação” [13].
II
O que distingue fundamentalmente o Império da nação? Antes de tudo, o fato de que o Império não é apenas um território, mas também, e até mesmo essencialmente, um princípio ou uma ideia. De fato, aqui a ordem política e jurídica é determinada não por meros fatores materiais ou pela posse de uma vasta extensão geográfica, mas por uma ideia de natureza espiritual. Essa ideia vai além da simples legitimidade de direito divino reivindicada pela antiga monarquia, especialmente na época dos reis taumaturgos. Seria, portanto, um grave erro imaginar que o Império difere da nação ou do reino pelo tamanho; que é “uma nação maior que as outras”. Certamente, um império, por definição, cobre sempre uma ampla superfície. Mas o essencial não está aí. O essencial está no fato de que o imperador obtém seu poder porque encarna um princípio que vai além da simples posse. Como dominus mundi, o imperador é soberano de príncipes e reis, ou seja, reina sobre soberanos, não sobre territórios, e representa uma potência que transcende as comunidades federadas cuja direção assume. Dante, em De Monarchia, o representa sob perfis comparáveis aos do Chakravarti, o monarca universal da Índia antiga, cuja função é fazer reinar a paz (sarvabhaumika) com sua simples presença [14]. O Império, nesse sentido, não pode ser definido como um Estado clássico, pois o princípio que fundamenta o poder do imperador não procede de uma divisão territorial. Como escreve Julius Evola, o imperador, enquanto “cume da ordinatio ad unum, é aliquod unum quod non est pars (Dante), e representa um poder que transcende a comunidade que dirige, da mesma forma que o Império não deve ser confundido com algum dos reinos e nações que o compõem, pois é algo qualitativamente diferente, anterior e superior, em seu princípio, a cada um deles” [15]. “A Alta Idade Média — acrescenta Otto de Habsburgo — teve sempre consciência dessa distinção. Os imperadores (os sálicos, mas também os Hohenstaufen) não eram os únicos que reconheciam e proclamavam essa superioridade da dignidade imperial, assim como seu caráter não territorial” [16].
Evola recorda igualmente que “a antiga noção romana do Imperium, mais que expressar um sistema de hegemonia territorial supranacional, designa a pura potência do mando, a força quase mística da auctoritas”. Precisamente na Idade Média é comum a distinção entre a noção de auctoritas, característica do principado clássico, que é uma noção de superioridade moral e espiritual, e a de potestas, simples poder político público que se exerce por meios legais [17]. Tanto no império medieval quanto no Sacro Império, essa distinção permitirá diferenciar a autoridade e a função imperiais do poder que o imperador ostenta como soberano de um povo particular. Por exemplo, Carlos Magno é, por um lado, imperador, e por outro, rei dos lombardos e dos francos. Assim, a adesão ao imperador não é submissão a um povo ou a um país particular. Da mesma forma, no Império Austro-Húngaro, a fidelidade à dinastia dos Habsburgos constitui “o vínculo fundamental entre os povos e cumpre a função do patriotismo” (Jean Béranger), acima dos vínculos de caráter nacional ou confessional.
Esse caráter espiritual do princípio imperial está diretamente na origem da célebre “querela das Investiduras”. Para compreendê-la, é preciso recordar que a noção de Império, inicialmente privada de todo conteúdo militar, no mundo germânico medieval recebeu desde o princípio uma forte impregnação teológica, devida a uma reinterpretação cristã da ideia romana de imperium. Antes de sua coroação imperial, Carlos Magno foi aclamado em 794 sob o duplo título de rex e sacerdos pelos bispos reunidos em concílio em Frankfurt: “Rei pelo poder, sacerdote pelo magistério do ensino”, explica Alcuíno. Por outro lado, a consagração imperial será considerada até o século XIII como um sacramento [18]. Os imperadores se consideram ao mesmo tempo executores da História sagrada universal e herdeiros da dignidade imperial romana, e daí deduzem que o Império, como instituição “santa” (Sacrum Imperium), tem por vocação constituir um poder autônomo em relação ao papado. Tal foi o fundamento da querela dos guelfos e dos gibelinos, que estourou após a ruptura com Bizâncio (1054), quando o papa Gregório VII reivindicou o exercício efetivo do poder temporal apoiando-se em uma célebre falsificação, a “Doação de Constantino”, pseudo-documento segundo o qual o imperador Constantino, antes de deixar Roma, teria doado ao papa Silvestre as insígnias do Império.
Os gibelinos, partidários do imperador, para deter as pretensões do papa, apoiaram-se na antiga distinção entre imperium e sacerdotium, onde viam duas esferas de igual importância ambas instituídas por Deus. O ponto de vista gibelino não consiste de modo algum em submeter a autoridade espiritual ao poder temporal, mas em reivindicar para o poder imperial uma igual autoridade espiritual frente às pretensões de exclusividade da Igreja. Assim, para Frederico II Hohenstaufen, cujo reinado foi presidido pelo mito da idade de ouro anunciado por Virgílio e o imperador Augusto, o imperador é o intermediário semidivino por quem a justiça de Deus se estende no mundo [19]. Em seu De Monarchia, Dante afirma igualmente que a autoridade temporal do monarca desce sobre ele de uma fonte universal, sem intermediário: o imperador não recebe sua autoridade do papa [20]. Essa renovatio, que faz do imperador a fonte essencial do direito e lhe confere o caráter de “lei viva sobre a terra” (lex animata in terris), contém toda a essência da reivindicação gibelina: o Império deve ser reconhecido, ao mesmo título que o papado, como uma instituição de natureza e caráter sagrados. A oposição entre os guelfos e os gibelinos, observa Evola, “não era apenas de ordem político, como diz a míope historiografia que serve de base ao ensino escolar: na realidade, expressava o antagonismo de duas dignitates que reivindicavam, ambas, o plano espiritual (...) O gibelismo, em seu aspecto mais profundo, sustentava que o indivíduo, através de uma vida terrena concebida como disciplina, combate e serviço, pode ser levado além de si mesmo e tende a seu fim sobrenatural pela via da ação e sob o signo do Império, conforme ao caráter de instituição ‘sobrenatural’ que a este se reconhecia” [21].
A luta entre guelfos e gibelinos será interrompida em benefício do poder temporal, mas não do Império, e sim com o surgimento dos primeiros reinos "nacionais" francês, inglês e castelhano, que aproveitarão essa disputa para rejeitar tanto a autoridade do papa quanto a do Imperador. “A soberania nacional — escreve Denis de Rougemont — vai obter seu caráter absoluto, inviolável, inalienável e, para dizer tudo, sagrado, dessa usurpação pelos reis dos poderes supremos até então ostentados sem contestação pelo papado no espiritual e pelo Império no temporal” [22].
A partir desse momento, a decadência do Império ao longo dos séculos será definida, sobretudo, pelo declínio do papel central que seu príncipe desempenhava e, correlativamente, por sua desviação para uma definição puramente territorial. O Império romano-germânico deixa de ser o que era quando na Itália ou na Alemanha se tenta vinculá-lo a um enraizamento em um território privilegiado. Na Itália, quem representa essa nova etapa é Petrarca (1304-1374), cujo poema patriótico “Italia mia” adota a forma de um apelo aos italianos para que se constituam em nação. É significativo o fato de que Petrarca negue a Carlos Magno o título de imperador e sugira que apenas os povos bárbaros o chamam de “Grande” [23]. Pelo contrário, essa ideia está ausente no pensamento de Dante (1265-1321), para quem o imperador não é nem germânico nem itálico, mas “romano” no sentido espiritual, ou seja, sucessor de César e de Augusto. O Império, dito de outro modo, não pode se transformar em “grande nação” sem perecer, pela simples razão de que, segundo o princípio imperial, nenhuma nação pode assumir e exercer uma função dirigente sobre as outras se ao mesmo tempo não se elevar acima de suas obrigações e interesses particulares. “O Império em sentido reto — conclui Evola — só pode existir se for movido por um fervor espiritual (...) Se não houver tal, teremos apenas uma criação forjada pela violência — o imperialismo —, uma simples superestrutura mecânica e sem alma” [24].
E é que a nação, precisamente, tem sua origem na pretensão régia de atribuir-se prerrogativas imperiais vinculando-as já não a um princípio, mas a um território. “É a partir da França — observa Michel Foucher — que vai se difundir a ideia jacobina de que as fronteiras de um Estado devem corresponder às de uma nação, uma língua e uma política” [25]. Podemos situar o ponto de partida desse processo na divisão do império carolíngio pelo Tratado de Verdun. De fato, nesse momento é que a França e a Alemanha empreendem, por assim dizer, destinos separados. A segunda permanecerá na tradição imperial, enquanto o reino franco, separado da germanidade, vai evoluir lentamente para a nação moderna por meio do Estado real. A extinção da dinastia carolíngia data do século X: 911 na Alemanha, 987 na França. Hugo Capeto, eleito em 987, é o primeiro rei do qual sabemos com certeza que não falava franco. É também o primeiro soberano que se situa claramente à margem da tradição imperial, o que explica que Dante, na Divina Comédia, o identifique com o princípio do mal e ponha em seus lábios esta confissão: “Eu fui a funesta raiz que escureceu com sua sombra toda a terra cristã” [26].
Nos séculos XIII e XIV, o reino da França se constrói contra o Império com Filipe Augusto (Bouvines, 1214) e Filipe, o Belo (Anagni, 1303). A partir de 1204, o papa Inocêncio III declara que “como é público e notório, o rei da França não reconhece no temporal nenhuma autoridade superior à sua”. Paralelamente, começa a se realizar todo um trabalho de legitimação “ideológica” para opor ao Império o princípio da soberania dos reinos nacionais e seu direito de não conhecer outra lei senão seu próprio interesse. Para rejeitar toda autoridade superior à sua, a dinastia capetiana tanto apela para a lenda de sua origem troiana, que só será verdadeiramente desmentida no século XVI, quanto para a identificação do reino franco com o antigo Israel. Todo um conjunto de textos histórico-lendários, construídos a partir das Histórias de Gregório de Tours, aspira a legitimar retrospectivamente as sucessivas usurpações dos pipínidas, futuros carolíngios, e dos robertianos, futuros capetos, e a criar a ilusão de que existe uma continuidade entre as três dinastias.
O papel dos legistas foi fundamental nesse ponto. A partir de meados do século XIII, os legistas formulam uma doutrina segundo a qual “o Rei da França, ao não reconhecer no temporal ninguém acima dele, fica isento do Império e pode ser considerado como princeps in regno suo” [27]. Essa doutrina será desenvolvida nos séculos XIV e XV por Guilherme de Nogaret (que instruiu o processo dos templários) e Pierre Dubois. Ao se afirmar como “imperador em seu reino” (rex imperator in regno suo) e declarar que “não reconhece nenhum superior sobre suas terras”, o rei está opondo de fato sua soberania territorial à soberania “federal” do Império, seu poder puramente temporal ao poder espiritual imperial. Já não é apenas o primeiro dos soberanos, mas se converteu, por sua vez, em “lei viva” (viva lex). Ao mesmo tempo, os legistas defendem a eliminação de todas as formas “irracionais” de legitimidade e de poder político e favorecem a luta contra o direito consuetudinário, o que acarreta a erosão das liberdades camponesas. Diante das aristocracias feudais, os legistas estabelecem as bases de um poder estatalizante e centralizador graças, sobretudo, à reforma da fiscalidade e à instituição do cas royal, que vai permitir ao rei se tornar, pouco a pouco, o possuidor exclusivo das competências de polícia [28]. Funda-se assim uma ordem jurídica de essência burguesa, onde a lei, concebida como norma geral dotada de atributos racionais, procede exclusivamente do poder estatal: o direito se transforma em simples legalidade codificada pelo Estado. A França será o primeiro país da Europa a criar uma ordem pública inteiramente emancipada do modelo medieval.
No século XVI, a fórmula do rei “imperador em seu reino” estará diretamente associada à ideia de soberania teorizada por Bodin. No primeiro livro de A República (1576), obra na qual ele propõe tratar “da nação formada em Estado” e de seu “poder absoluto e perpétuo”, Bodin formula os três princípios essenciais do que mais tarde será a doutrina do Estado-nação: o poder absoluto do soberano só pode ser exercido eficazmente à margem de toda mediação entre o poder e seus súditos, ou seja, em um espaço social homogêneo e “transparente”; o soberano deve ter o monopólio do direito, o que equivale a dizer que não há distinção entre o direito e a vontade do soberano (o rei é fons justitiae, e daí a fórmula dos jurisconsultos: unus rex una lex); e, sobretudo, deve haver coincidência entre o poder do soberano e o território material no qual ele é exercido (a extensão do direito é determinada pela extensão do território, e a soberania é definida juridicamente como reino territorial). De passagem, Bodin refuta, por sua vez, a teoria dos quatro impérios e, assim como Hobbes, rejeita o modelo da cidade antiga: “Eu não me inspiro em Aristóteles”, diz explicitamente [29]. O Estado absolutista fica assim legitimado para ceifar as liberdades locais. A monarquia feudal ainda estava limitada por leis que restringiam o poder do soberano: o príncipe, além de ter que respeitar as leis divinas, estava vinculado por seus deveres para com o povo, de modo que não era inteiramente livre nem nos fins nem nos meios. Mas, com a monarquia absoluta, não há mais nenhuma regra humana que restrinja o soberano: a soberania, transformada em puro “poder de dar e revogar leis”, confunde-se com a maior liberdade possível para quem detém o poder. A autoridade do rei tem valor de verdade. E, no mesmo movimento, desaparece a diferença entre legalidade e legitimidade, criando uma lacuna que engolirá o positivismo jurídico. A ordem política se reduz a uma simples relação entre dominadores e dominados: “Um é o Príncipe, o outro é o súdito. Um é o senhor, o outro o servo...”. Os habitantes do reino não são mais do que “súditos livres” cujos direitos podem ser revogados a qualquer momento pelo soberano, que não está obrigado pela lei. Um quarto de século após a publicação de A República, a doutrina oposta — imperial, “corporativa” e “federalista” — encontra na pessoa de Johannes Althusius seu primeiro grande teórico clássico. Nascido na Westfália em 1557, síndico da cidade de Emden durante trinta e quatro anos, Althusius, cuja obra será redescoberta no século XIX por Otto von Gierke [30], publica em 1603 sua obra principal, a Politica methodice digesta [31]. Althusius reivindica a autonomia do político e afirma também que a soberania (jus majestatis) é a alma da comunidade política. Mas, ao contrário de Bodin, ele concebe a sociedade boa como um ordenamento harmonioso de associações naturais e sustenta que a soberania dos Estados nunca deixa de pertencer ao povo. Na base de sua construção teórica, ele coloca a noção fundamental de consociatio symbiotica, ou seja, a associação orgânica de indivíduos que vivem em sociedade. A vida política é assim definida como uma “simbiose” baseada em um laço social estabelecido pela necessidade inata que leva os homens a compartilhar coisas úteis e necessárias (mutua communicatio). Althusius enumera, em seguida, as diversas formas de consociatio, ou seja, os diferentes tipos de comunidade, ordenados por graus de complexidade crescente. O traço comum de cada uma dessas comunidades, e ao mesmo tempo o segredo de sua prosperidade, é a densidade social ou coesão interna que resulta do acordo entre seus membros. As comunidades mistas ou corpos políticos, como a vila ou a cidade, são comunidades públicas formadas pela reunião de várias comunidades primárias em politeuma, ou seja, em unidades políticas dotadas de autonomia cívica. Os membros de um politeuma “são os cidadãos, não como indivíduos, mas como ‘simbióticos’ que já têm a experiência das comunidades primárias. Assim definido, o corpo cívico não é formado por indivíduos, mas por comunidades” [32]. O Estado ou consociatio symbiotica universalis (ou também respublica) é a comunidade de direito que resulta do consenso dos membros do corpo político, especialmente das províncias. Seu objetivo é estimular a vida social, a partir de uma escala de autoridade ascendente, onde as instituições superiores se apoiam no consentimento das associações locais. Althusius enfatiza que a soberania é um direito indivisível, inalienável e intransferível: contra a opinião de Bodin e dos jurisconsultos, que sustentavam que os reis são soberanos no Estado, o da Westfália insiste que o “direito de majestade” não pode ser cedido, abandonado ou alienado sob nenhum pretexto. Isso significa que o soberano, que é o povo, deve ser distinguido do príncipe, que não é senão seu mandatário, de tal forma que não se pode privar o povo do exercício da soberania sob o risco de destruir a sociedade política [33]. Estado e soberania podem, assim, coincidir: um constitui o aspecto jurídico e o outro o aspecto político e social de uma mesma realidade, a saber, a do povo organizado sob a forma federativa de comunidades orgânicas (simbióticas).
É sabido o que veio depois. Na França, a nação se constrói afirmando-se ao mesmo tempo contra o Império germânico, a Igreja romana e a potência espanhola, sob o duplo signo do absolutismo centralizador e da ascensão das classes burguesas. Essa evolução, iniciada com os legistas de Filipe, o Belo, acelera-se a partir de Luís XI e Francisco I. Em 1715, o Parlamento de Paris proclama que “o rei é a imagem visível de Deus na Terra”. Mais tarde, a Revolução, que despoja o rei de sua soberania para transferi-la à nação, não faz senão acentuar seu peso: no Antigo Regime, a soberania representava a plenitude do poder da vontade de um homem, mas agora se torna um poder absoluto impessoal [34]. Em todo esse processo, o Estado mantém o papel fundamental. Jacques Krynen demonstrou que o conceito de Coroa, independentemente dos conceitos de rex e regnum, prefigura o conceito de Estado [35]. Quando Luís XIV diz “O Estado sou eu”, ele quer dizer, precisamente, que não há nada entre ele e seus súditos. Na França, portanto, é o Estado que cria a nação, a qual “produz”, por sua vez, o povo francês, enquanto nos países de tradição imperial será o povo que criará a nação, a qual se dotará de um Estado. A diferença entre a nação e o Império permite explicar esses dois modos completamente opostos de construção histórica. Como se disse frequentemente, a história da França foi uma luta perpétua contra o Império: a política secular da monarquia francesa aspirou, antes de tudo, a dividir os espaços germânico e italiano, e a República, a partir de 1792, retomará os mesmos objetivos, a saber, a luta contra a casa da Áustria e a conquista do Reno.
III
Mas a oposição entre princípio espiritual e poder territorial não é a única que deve ser considerada. Outra diferença essencial reside na forma como o Império e a nação concebem a unidade política. A unidade do Império não é uma unidade mecânica, mas uma unidade composta, orgânica, que ultrapassa amplamente o marco dos Estados. O Império, na mesma medida em que encarna, antes de tudo, um princípio, entende a unidade no nível desse princípio. Enquanto a nação gera sua própria cultura ou se apoia nela para se formar, o Império engloba culturas variadas. Enquanto a nação busca uma estreita correspondência entre povo e Estado, o Império associa, por definição, povos diferentes. “Por natureza — escreve Maurice Duverger —, os impérios são plurinacionais. Reúnem diversas etnias, diversas comunidades, diversas culturas, antes separadas, sempre distintas (...) Para manter um império, é preciso que sua unidade traga vantagens aos povos que engloba e que cada um conserve sua identidade. É necessária uma centralização administrativa e militar para impedir as revoltas das classes dominadas e a transformação dos governos locais em feudos independentes. É indispensável a autonomia para que todas as etnias possam manter sua cultura, sua língua, seus costumes. É preciso, por fim, que cada comunidade e cada indivíduo tenham consciência do que ganham permanecendo no conjunto imperial, em vez de viver separadamente” [36]. O próprio princípio do Império, em outros termos, implica uma conciliação do uno e do múltiplo, do universal e do particular. Sua lei geral é a da autonomia e o respeito à diferença, por meio de uma aplicação estrita do princípio da subsidiariedade. Esse princípio, que desde a Idade Média repousa sobre uma clara percepção da distribuição de competências entre o poder preeminente (plenitudo potestatis) e os poderes delegados nos níveis subordinados (potestas limitata), permite assegurar o equilíbrio entre duas tendências fundamentais: a tendência centrípeta (a exigência de liberdade) e a tendência centrífuga (a necessidade de unidade). “Por exemplo — observa Antoine Winckler —, quando lemos as descrições históricas do Sacro Império entre os séculos XII e XIV, na Constituição de Carlos IV de Luxemburgo (a Bula de Ouro), observamos um complexo reparto de poderes delegados entre centros políticos mais ou menos subordinados; trata-se de um sistema muito complexo entre Estados mediatizados e príncipes eleitores no marco de uma teoria política que opõe os conceitos de Landesherrschaft e Landeshoheit, onde o primeiro é uma delegação do poder político para a gestão de uma parte do território, enquanto Landeshoheit, ao contrário, se aproxima muito mais da ideia de soberania. Igualmente, no corpo político do Império, há uma organização muito elaborada de poderes intermediários e de esferas de influência mútua” [37].
O Império aspira a alcançar a unificação em um nível superior sem suprimir a diversidade de culturas, etnias e povos. Quer associar povos diversos em uma comunidade de destino sem, no entanto, reduzi-los ao idêntico. É um todo cujas partes são tanto mais autônomas quanto mais sólido é o que as une — e essas partes que o constituem continuam sendo conjuntos orgânicos diferenciados. Moeller van den Bruck colocava o Império sob o signo da unidade dos contrários, e essa é, de fato, uma boa imagem. Julius Evola, por sua vez, definia o Império como “uma organização supranacional de um gênero tal que a unidade não age no sentido de destruir e nivelar a multiplicidade étnica e cultural que engloba” [38]. É a imagem clássica da universitas, em oposição à societas unitária e centralizada. A diferença não é abolida, mas integrada.
A esse respeito, o exemplo do Império Romano é particularmente notável. Seu fundamento é religioso. A justificação do poder imperial repousa, ao mesmo tempo, sobre o mérito do imperador e sobre a proteção dos deuses, em linha direta da tradição monárquica helenística inaugurada por Alexandre, o Grande. O princípio do Império, já ativo na Roma republicana, expressa a vontade de instaurar na Terra um modelo de ordem e equilíbrio que reflete uma harmonia cósmica sempre ameaçada. César, fundador do Império, reúne em sua pessoa o poder do imperator e as prerrogativas do pontifex maximus. Este último, chefe do colégio de pontífices instituído por Numa, é o líder do culto e o sacrificador supremo: nomeia os sacerdotes, supervisiona o desenvolvimento das cerimônias, mantém o culto dos Penates públicos e fixa o calendário litúrgico, assim como os ritos e as obrigações religiosas oficiais. O próprio imperador é considerado como praesens deus, e o “triunfo” que lhe é reservado o identifica com Júpiter Capitolino, cujo templo marca em Roma o destino da procissão imperial [39].
No apogeu do Império, Roma representa um princípio que permite reunir povos diferentes sem que isso implique sua conversão ou supressão. Respeitoso com a diversidade dos homens, das instituições e das culturas, o Império Romano soube encontrar soluções originais para o complexo problema colocado pela coexistência, em uma mesma estrutura política, de diferentes línguas, culturas, crenças e sistemas jurídicos. Durante pelo menos quatro séculos, soube fazer com que grupos heterogêneos vivessem juntos, atribuindo a seus líderes objetivos comuns que, para a maioria, pareciam desejáveis. Embora a extensão do Império tenha nascido da conquista, ela nunca implicou uniformização. No interior das províncias, as cidades, tribos e comunidades aldeãs conservaram seu modo de vida. Roma nunca tentou impor um modelo único de organização local baseado no padrão do município ou da colônia ao estilo italiano. Nas terras do Império, as únicas tarefas dos funcionários romanos eram a manutenção da ordem, a proteção das fronteiras e a cobrança de impostos, enquanto a administração local repousava essencialmente sobre as estruturas indígenas e os líderes locais. “E se se escolheu atribuir às elites indígenas as tarefas da administração local, não foi para suprir uma incapacidade material da administração central — observa Maurice Sartre sobre esse ponto. Ao contrário, creio que estamos diante de uma concepção propriamente romana (e, mais além, helenística) do Estado, que não se atribui mais do que um mínimo de tarefas úteis para sua manutenção ou para seu poder” [40]. Essa “descentralização” explica que a alta administração imperial tenha sempre repousado sobre um número extraordinariamente limitado de funcionários: em Roma, nunca houve mais de setecentos altos responsáveis trabalhando ao mesmo tempo.
O Império Romano não invoca deuses exclusivos ou ciumentos: admite com naturalidade as inúmeras divindades, conhecidas ou desconhecidas, às quais seus povos prestam culto. A tolerância religiosa é a regra, como em todo o mundo antigo: “Se cada um pode venerar seus próprios deuses, todos consideram que os deuses alheios não são menos deuses que os seus” (Maurice Sartre). O culto imperial também não constitui um meio para a unificação religiosa: “Herdeiro do culto real da época helenística, nasceu de iniciativas provinciais (gregos da Ásia e da Bitínia) e encontrou fortes reticências por parte de Augusto e seus primeiros sucessores (Tibério, Cláudio). Embora tenha acabado por se impor e tenha sido organizado no nível provincial, nunca foi considerado uma obrigação individual. Não se pode negar todo conteúdo religioso, mas, acima de tudo, ele é, de fato, a expressão da lealdade dos notáveis e um meio de afirmar a coesão das diversas comunidades em torno da pessoa imperial” [41]. O mesmo ocorre no campo linguístico. Desde Cláudio, há em Roma uma dupla chancelaria imperial, uma em latim e outra em grego, enquanto as línguas indígenas continuam sendo usadas em todos os lugares. Na Síria, por exemplo, fala-se tanto as duas línguas oficiais quanto o fenício, o árabe e o aramaico. Até meados do século III, Roma também reconhece a pluralidade das moedas no Mediterrâneo oriental: ao lado da moeda imperial, circulam moedas provinciais e municipais, o que significa que as cidades conservavam o privilégio régio de emitir seu próprio dinheiro. Também ninguém jamais pretendeu unificar os estatutos individuais, pelo menos até o édito de 212, que atribuía a cidadania romana a todos os habitantes livres do Império (e cujos objetivos, aliás, não eram tanto a integração quanto o aumento da arrecadação fiscal). O direito romano, codificado antes do início do século III, nunca foi imposto aos novos súditos do Império; só prevalece nas relações entre indivíduos de povos diferentes ou nos litígios entre cidades. Apenas os éditos imperiais têm precedência sobre regras locais eventualmente contrárias. Todo povo é livre para conservar seus ritos e organizar sua cidade segundo seus próprios usos e costumes, enquanto todo indivíduo pode recorrer ao procedimento romano e apelar à justiça imperial. Daí resulta uma justaposição de direitos e uma multiplicidade de fontes jurídicas, assim como a possibilidade de uma mesma pessoa recorrer a vários direitos ao mesmo tempo. “Os direitos indígenas — observa Maurice Sartre — sobreviveram e continuaram a ser aplicados nas diversas comunidades que constituíam o Império: direito ‘grego’ no Egito (na realidade, direito indígena mesclado com direito grego), direito das cidades gregas no Mediterrâneo oriental, direito de tal ou qual tribo na Mauritânia ou na Arábia, direito judaico (Torá) para os judeus” [42].
Maurice Sartre conclui assim: “Se tivéssemos que ficar com uma única lição da história do Império Romano, poderia ser a seguinte: a coesão de um conjunto tão diverso repousa sobre o respeito das estruturas locais responsáveis pela gestão da vida cotidiana, guardiãs das tradições, mas também gestoras do que todos consideram como a essência mesma da vida em comunidade (...) No fim das contas, o respeito às identidades culturais importa mais, a longo prazo, do que o sucesso econômico ou os imperativos estratégicos; a longo prazo, se o Império se mantém não é porque os povos que o compõem se sintam economicamente solidários ou decidam defender-se juntos contra uma ameaça exterior, mas, sobretudo, porque se impuseram a si mesmos um modelo de civilização, uma cultura e um sistema de valores que fundamentam sua solidariedade e que merecem ser defendidos contra aqueles que os ameaçam, seja do exterior (os bárbaros) ou do interior (principalmente os cristãos)” [43].
Arnold Toynbee também havia constatado que o princípio de pertencimento ao Império Romano repousava “sobre uma ‘dupla cidadania’ que exigia a submissão do cidadão à cidade particular onde havia nascido e à mais vasta administração política que Roma havia criado” [44]. Em outros termos, podia-se ser “cidadão romano” sem abandonar a própria nacionalidade. Essa distinção entre o que hoje chamamos nacionalidade e cidadania é totalmente alheia ao espírito do Estado-nação. De fato, em uma nação, ambos os termos são sinônimos: todos os cidadãos são igualmente “nacionais”, pois o que funda a cidadania é a pertença à nação. No Império, ao contrário, diferentes nacionalidades compartilham uma mesma cidadania. O Reich medieval era fundamentalmente pluralista na medida em que constituía uma entidade supranacional baseada em um princípio superior à ordem política. Assim, garantia às populações a manutenção do modo de vida e dos costumes que lhes eram próprios. E, ao mesmo tempo, tal complexa distribuição de poderes tinha como consequência a multiplicidade e a diversidade de obediências e lealdades. Na Idade Média, destaca Daniel-Rops, “um senhor podia estar vinculado por juramento feudal ao imperador germânico e pelos interesses ao Estado francês, sem deixar de desenvolver uma cultura tradicional nacional. Lorena ou Borgonha oferecem bons exemplos de tais atitudes” [45]. Em linguagem moderna, diríamos que esse sistema se caracterizava por um acentuado “federalismo”, o que lhe permitia, sobretudo, respeitar as minorias. Lembremos, por outro lado, que o Império Austro-Húngaro funcionou com eficácia durante muitos séculos e que a soma de suas minorias formava a maioria da população (60% do total), associando desde italianos até romenos, judeus, sérvios, rutenos, alemães, poloneses, tchecos, croatas e húngaros. Jean Béranger, que escreveu sua história, observa a esse respeito que “os Habsburgos sempre foram indiferentes ao conceito de Estado-nação”, a ponto de que esse império, fundado pela Casa da Áustria, recusou durante séculos criar uma “nação austríaca”, a qual só veio a se consolidar verdadeiramente no século XX [46].
Inversamente, o que caracteriza o reino “nacional” é sua irresistível tendência à centralização e à homogeneização. Na lógica do Império, é impensável que uma potência superior ocupe o espaço de um poder subordinado, e isso precisamente em razão da própria preeminência dessa potência superior; ao contrário, na lógica do Estado nacional, essa potência tende a assumir todas as tarefas justamente porque se afirmou como superior. A ocupação do espaço pelo Estado-nação se manifesta, desde o início, pela produção de um território sobre o qual se exerce uma soberania política homogênea. Tal homogeneidade pode ser apreendida, em um primeiro momento, através do direito: a unidade territorial resulta da uniformidade das normas jurídicas. Já mencionamos o papel dos legistas. A luta secular da monarquia contra a nobreza feudal, em particular sob Luís XI; a aniquilação da civilização dos países de língua de oc, a supressão das línguas regionais nos atos administrativos e a afirmação do princípio de centralização sob Richelieu vão, evidentemente, no mesmo sentido. Desde o século XII, com a ajuda dos juristas, o rei se empenha em suprimir os corpos intermediários e em reduzir a diversidade de obediências. Um adágio da época dizia: “O vassalo do meu vassalo não é meu vassalo”. O rei redistribuirá as fidelidades, os vassalagens e as obediências com o fim de ter apenas vassalos diretos. Os séculos XIV e XV marcam uma virada decisiva a esse respeito. De fato, é nessa época que o Estado sai vitorioso de sua luta contra as aristocracias feudais e sela sua aliança com a burguesia, ao mesmo tempo em que se estabelece uma ordem jurídica centralizada. Paralelamente, observa-se o surgimento de um mercado econômico “nacional” que responde à vontade do Estado de maximizar suas receitas fiscais graças à monetarização de todos os intercâmbios (os intercâmbios não mercantis, intracomunitários, eram até então inapreensíveis para o Estado). Tal emergência do mercado acarreta, por sua vez, todo um processo de dessocialização na medida em que permite ao indivíduo afirmar-se independentemente de seus vínculos de pertença. “O Estado-nação — precisa Pierre Rosanvallon — é um modo de composição e de articulação do espaço global. Igualmente, o mercado é antes de tudo um modo de representação e de estruturação do espaço social; só secundariamente é um mecanismo de regulação descentralizada das atividades econômicas pelo sistema de preços. Desde esse ponto de vista, o Estado-nação e o mercado remetem a uma mesma forma de socialização dos indivíduos no espaço, pois só são possíveis em uma sociedade atomizada na qual o indivíduo é concebido como autônomo. Não pode, portanto, haver Estado-nação e mercado, no sentido ao mesmo tempo sociológico e econômico desses termos, em espaços onde a sociedade se desdobra como um ser social global” [47].
Evidentemente, existe uma estreita relação entre essa centralização, cujo teatro é a França, e o fato de que esse país seja também o mais “artificial” de todos os países europeus: só um poder autoritário centralizado poderia reunir e manter em um mesmo conjunto político realidades geográficas, históricas e humanas tão diversas, e também tão pouco propensas a se reunir por si mesmas em um todo coerente. Já nos anos trinta, Philippe Lamour constatava que a França “não é uma nação natural. É um Estado político construído pela união de diversas regiões de características nitidamente diferentes, quando não opostas (...) A França, tanto do ponto de vista racial quanto do ponto de vista do clima, tanto do ponto de vista linguístico quanto do ponto de vista territorial, é um Estado artificial e heterogêneo” [48]. Emmanuel Todd e Hervé Le Bras formularam recentemente uma constatação análoga: “A França não é nem celta, nem latina, nem germânica. Encruzilhada étnica da Europa, a França é incapaz de nos dizer qual dessas origens foi preponderante. Mas a França sabe muito bem, ao contrário, até que ponto seus temperamentos regionais, normandos ou provençais, auverneses ou bretões, são radicalmente diferentes, quase contraditórios”. A conclusão desses autores é que a “heterogeneidade antropológica fundamental e irredutível da França” constitui um caso único na Europa: a França “não é, como a maioria dos países da Europa, uma ‘nação étnica’, segundo a expressão utilizada no século XIX (...) No plano das estruturas familiares, há tanta diferença entre a Normandia e o Limousin quanto entre a Itália e a Inglaterra” [49].
Maurras, evidentemente, fabula quando escreve que os franceses de hoje herdam “vinte séculos de história compartilhada”. O que herdaram é, na verdade, uma sequência ininterrupta de anexações promovida por um Estado que, ao longo dos séculos, confundiu constantemente o espaço de seu poder e o de suas conquistas territoriais, as quais implicaram a aculturação forçada das populações conquistadas. “Elogiam-se os reis da França por terem assimilado os países conquistados — escrevia Simone Weil —, mas a verdade é que, em grande medida, o que fizeram foi desenraizá-los” [50]. Tanto na Occitânia como na Bretanha, na Córsega, em Flandres, no País Basco ou na Alsácia, o modelo francês de assimilação sempre funcionou de cima para baixo, cavando um fosso entre a cultura da elite e as culturas populares, o que explica sua lentidão em surtir efeitos. No plano linguístico, por exemplo, o dialeto frâncico impôs-se muito lentamente como língua do rei e língua de Paris, mesmo na parte setentrional do reino. “O modo como o ‘frâncico’ substituiu pouco a pouco os outros dialetos de língua de oïl nos textos literários — destaca Suzanne Citron — foi mascarado pelo imperialismo cultural que acompanhou o desenvolvimento da monarquia absoluta no século XVI, substituído pela concepção centralizadora e pelo imperialismo linguístico ‘republicanos’” [51]. Em 1539, o édito de Villers-Cotterêts oficializou apenas a francização dos atos administrativos e da escrita pública nos países de oc. Na véspera da Revolução, Turgot ainda verá a França constituída por várias “nações”, enquanto Mirabeau, o autor do Apelo à Nação Provençal, a descreverá como uma “agregação não constituída de povos desunidos”. Em 1789, no momento em que se preparam os Cadernos dos Estados Gerais, os representantes de numerosas regiões destacarão que estas “estão no reino”, mas “não são do reino”; a Alsácia e a Lorena, por sua vez, afirmam que desejam manter-se como “províncias estrangeiras efetivas”.
IV
No século XVIII, a monarquia absoluta sucumbirá à “crise de consciência” das elites intelectuais influenciadas pela filosofia das Luzes. Mas a crise já se incubava pelo menos desde Luís XIV, cuja política de prestígio, que consistia em humilhar os outros soberanos (o papa, o rei da Espanha, o duque da Lorena) e em empregar suas forças em guerras de magnificência, teve como efeito separar pouco a pouco a França de todos os seus aliados, transformando-os em adversários. O reinado de Luís XIV, que resultou na ruína das finanças e em uma série de desastres militares, também testemunhou o ápice do absolutismo real e da centralização. O rei rompeu as últimas feudalidades para dar uma consciência comum aos habitantes do reino, ao mesmo tempo em que colocava a trabalhar exclusivamente para si um grupo de grandes funcionários oriundos da burguesia. Não há dúvida de que, por essa via, o absolutismo monárquico abriu caminho para as revoluções nacionais burguesas. A Revolução era inevitável a partir do momento em que, rompidas por Luís XIV as últimas resistências da nobreza, a burguesia pôde, por sua vez, pretender libertar-se de toda coerção político-econômica — e reivindicar de direito um poder político que já possuía de fato na esfera econômica. “Aberto o caminho — escreve Pierre Fougeyrollas —, a aliança monárquico-burguesa se desfez para dar lugar à sublevação da burguesia, envolvendo junto a ela as massas camponesas contra a monarquia absoluta que anteriormente lhe servira de casulo”. E acrescenta Bernard Charbonneau: “Em sua empresa de centralização e unificação (para não dizer uniformização ou Gleichschaltung), a monarquia, cuja máxima expressão foi a monarquia francesa, era a aliada natural da burguesia. No dia em que essa aliança se rompeu, a monarquia estava perdida” [52]. Mas também não há dúvida de que a Revolução, em muitos aspectos, não fez senão prosseguir e acentuar tendências que já estavam presentes sob o Antigo Regime. É o que constatava Tocqueville quando escrevia: “A Revolução Francesa criou uma multidão de coisas acessórias e secundárias, mas não fez senão desenvolver o germe das coisas principais, que já existiam antes dela (...) Na França, o poder central já se havia apoderado, mais do que em qualquer outro país do mundo, da administração local. A Revolução apenas tornou esse poder mais hábil, mais forte, mais empreendedor” [53]. A mesma constatação encontramos em Karl Marx: “A primeira Revolução Francesa, que se atribuiu a tarefa de romper todos os poderes independentes, locais, territoriais e municipais, para criar a unidade burguesa da nação, devia necessariamente desenvolver a obra da monarquia absoluta: a centralização, mas também ampliar os atributos e o aparato do poder governamental” [54]. Tanto sob a monarquia quanto sob a república, a lógica nacional consiste, de fato, em eliminar qualquer obstáculo entre o Estado nacional e os indivíduos. Seu objetivo é integrar de forma unitária indivíduos submetidos às mesmas leis, e não reunir coletividades livres para conservar sua língua, sua cultura e seus direitos. E como o Estado só pode exercer eficazmente seu poder quando age sobre sujeitos individuais, não cessará de destruir ou limitar os poderes de todas as formas intermediárias de socialização: clãs familiares, comunidades cidadãs, confrarias, guildas, etc. A proibição das corporações, em 1791 (lei Le Chapelier), encontra seu precedente na supressão por Francisco I, em 1539, de “todas as confrarias de ofícios e artesãos em todo o reino”, decisão que, na época, se dirigia principalmente contra os membros das sociedades chamadas do Dever. “Luís XIV, em sua majestade — escreve Bertrand de Jouvenel —, não é mais do que um revolucionário que triunfou: um primeiro Napoleão que tirou proveito de um primeiro jacobinismo simplificador e até mesmo terrorista. Esse jacobinismo emancipou o Soberano, invertendo o antigo império da velha lei” [55].
A Revolução acelera o movimento. Afirmado com força o princípio da nação, resta construí-la. “A nação não existe então — observa Pierre Rosanvallon — senão como uma formidável potência crítica, uma referência para a ação. Como dar um rosto e uma alma a essa figura abstrata que já não pode ser assimilada a uma estrutura orgânica, a um agregado hierárquico de corpos intermediários?” [56]. A resposta será uma homogeneização ainda maior. A nação será construída de forma racionalista. A remodelação do território (fevereiro de 1790) em departamentos quase iguais, a luta contra o “espírito da província”, a supressão dos particularismos culturais, a ofensiva contra as línguas regionais e os “patois”, assim como a uniformização do sistema de pesos e medidas, traduzem assim uma verdadeira obsessão pelo único, que se expressa através da normalização e do “alinhamento” das províncias e dos estados, dos corpos e das inteligências, das curiosidades e dos comportamentos. É preciso suprimir qualquer diferença e instaurar por toda parte uma igualdade geométrica. Essa obsessão fica especialmente evidente em Siéyès, que se empenha em condenar toda autonomia local e regional: “A França não deve ser um agregado de pequenas nações (...) A França não é uma coleção de Estados (...) Isso seria tanto quanto despedaçar, dilacerar a França em uma infinidade de pequenas democracias que ficariam vinculadas depois pelos laços de uma confederação geral”. “O objetivo — escreve Rosanvallon — é manifestar que o cidadão, como membro da nação, não se confunde com o homem concreto e suas necessidades; que o cidadão só existe acima do que o diferencia dos outros homens, como vetor puro da igualdade civil” [57]. A França se espacializa: torna-se um espaço homogêneo onde devem ser reabsorvidos os particularismos. A divisão departamental responde a uma vontade de abolir “toda lembrança da história”. “Tudo deve ser novo na França — declara Barrère —; queremos datar de hoje e só de hoje” [58]. “Uma nova divisão do território — precisa Duquesnoy em 4 de novembro de 1789 — deve produzir sobretudo o bem inestimável de fundir o espírito local e particular no espírito nacional e público; deve fazer franceses de todos os habitantes deste império, esses que, até hoje, não foram mais do que provençais, normandos, parisienses ou lorenos”. Em 1792, destituído o Rei, a Convenção proclama a República “una e indivisível”, princípio que será aplicado em primeiro lugar à representação nacional. Em 27 de novembro de 1792, em seu relatório sobre a anexação da Saboia, o abade Grégoire afirma que “o sistema federativo seria a sentença de morte da República Francesa”. Dois anos mais tarde, apresenta à Convenção seu célebre Relatório sobre a necessidade e os meios de aniquilar os dialetos e universalizar o uso da língua francesa. Aos olhos do Comitê de Salvação Pública, a diversidade das línguas regionais constitui um “federalismo linguístico” que deve ser “quebrado inteiramente”, sobretudo nas zonas fronteiriças [59]. “Fazendo da indivisibilidade a carta suprema da República — constata Suzanne Citron —, a Convenção desencadeia o engrenagem totalitário ancorado na monarquia absoluta” [60]. A República “erradicará” a Vendeia assim como a monarquia havia “erradicado” os judeus, os cátaros e os huguenotes. Para retomar a velha distinção de Tönnies, a nação moderna surge do advento da sociedade sobre as ruínas das antigas comunidades.
Assim, enquanto o Império exige a manutenção da diversidade dos grupos, a nação só conhece indivíduos. Pertence-se ao Império de forma mediata, através de uma série de estruturas intermediárias; mas à nação pertence-se de forma imediata, sem mediações de pertenças locais, corpos ou estados. Siéyès diz expressamente: a vontade de uma nação “é o resultado das vontades individuais, assim como a nação é o agregado dos indivíduos” [61]. Enquanto a centralização monárquica era essencialmente jurídica e política, focada apenas no trabalho de construção do Estado, a centralização revolucionária, que acompanha o nascimento da nação moderna, irá mais longe: propõe-se diretamente “produzir a nação”, ou seja, gerar comportamentos sociais inéditos. O Estado transforma-se assim em produtor do social — e produtor monopolístico: aspira a instalar uma sociedade de indivíduos reconhecidos como civilmente iguais sobre as ruínas dos corpos intermediários que suprimiu [62]. Jean Baechler destaca isso ao escrever que “na nação, todos os grupos intermediários entre o elemento e o conjunto podem continuar vivos, mas são percebidos como irrelevantes do ponto de vista da nação (...) Uma nação é composta por indivíduos, ou seja, as unidades de ação que fundamentam o conjunto não são mediadas por nada. Qualquer outro grupo tende a ser secundário ou subordinado” [63]. A instalação da nação, observa por sua vez Ernst Gellner, passa pelo “estabelecimento de uma sociedade anônima e impessoal, composta por indivíduos atomizados e intercambiáveis, cuja coesão depende principalmente de uma cultura comum deste tipo, onde antes existia uma estrutura complexa de grupos locais, moldados por uma cultura popular cuja reprodução era assegurada localmente pelos próprios microgrupos e respeitando os particularismos” [64]. Por isso, Louis Dumont considera ter razões para ver a nação como um pseudo-holismo e o nacionalismo como uma simples transferência da subjetividade própria do individualismo moderno para o nível de uma coletividade abstrata: “A nação no sentido preciso, moderno do termo, e o nacionalismo — distinto do simples patriotismo —, caminham historicamente de mãos dadas com o individualismo como valor. A nação é precisamente o tipo de sociedade global que corresponde ao reino do individualismo como valor. Não apenas o acompanha historicamente, mas a interdependência entre ambos impõe-se, de modo que podemos dizer que a nação é a sociedade global composta por pessoas que se consideram indivíduos” [65]. Esta componente individualista é uma característica central do Estado-nação. E permite ver até que ponto é contraditório querer fundar, sobre a ideia de nação, um anti-individualismo consequente.
A este individualismo que impregna a lógica da nação opõe-se o holismo real da construção imperial, onde o indivíduo não é arrancado de suas comunidades naturais e onde cada nível de pertença mantém sua soberania sobre o que cabe dentro da ordem de suas competências. Pierre Fougeyrollas resume a situação nestes termos: “Em ruptura com as sociedades medievais, que comportavam uma identidade bipolar — a das raízes étnicas e a da comunidade dos crentes —, as nações modernas constituíram-se como sociedades fechadas onde a única identidade oficial é a que o Estado confere aos cidadãos. Assim, a nação foi, por seu nascimento e seus fundamentos, um anti-Império. Na origem dos Países Baixos esteve a ruptura com o império dos Habsburgos; na origem da Inglaterra, a ruptura com Roma e o estabelecimento de uma religião nacional. A Espanha não se castelhanizou até escapar do domínio do sistema dos Habsburgos, e a França, lentamente constituída como nacionalidade contra o império romano-germânico, ergueu-se como nação combatendo as forças tradicionais de toda a Europa” [66].
Acrescente-se que, ao contrário da nação, que ao longo dos séculos foi se definindo cada vez mais por fronteiras intangíveis, o Império nunca se apresenta como uma totalidade fechada. Suas fronteiras são por natureza móveis, provisórias, o que traduz seu caráter orgânico. Por outro lado, é sabido que, originalmente, a palavra “fronteira” tinha um sentido exclusivamente militar: a linha de frente (e daí a expressão “fazer fronteira”). Na França, a palavra “fronteira” substituiu o termo “marca”, comumente usado até então, no século XIV, sob o reinado de Luís X, o Obstinado. Mas ainda levariam quatro séculos para que adotasse seu sentido atual de delimitação rígida entre dois Estados: o termo praticamente nunca aparece nos tratados negociados por Luís XIV (nesta época, os territórios não eram propriamente anexados, mas separados do feudo de uma coroa para passar ao de outra). Note-se também que, contrariamente à lenda, a ideia de “fronteira natural”, baseada na definição da Gália por César e usada às vezes pelos legistas do século XV, nunca inspirou a política exterior da monarquia, e atribuir sua paternidade a Richelieu ou a Vauban é, simplesmente, um erro. Foi só com a Revolução que essa ideia, particularmente duvidosa no caso de um país tão pouco “natural” como a França, começou a ser sistematicamente instrumentalizada com fins estratégicos. Sob a Convenção, os girondinos a utilizarão para legitimar a fixação da fronteira oriental na margem esquerda do Reno. Danton recorrerá a ela em 31 de janeiro de 1793 para justificar a anexação da Bélgica: “Os limites da França estão marcados pela natureza” [67].
Foi também a Convenção, por outro lado, que estabeleceu as bases do nacionalismo moderno em seus traços mais agressivos. No entanto, a Revolução, em sua origem, havia repudiado toda ideia de conquista. Para Mably, o amor pela pátria era “uma etapa no percurso iniciático que leva ao amor pela humanidade inteira”. “No ordem político — escrevia Carnot —, as nações são entre si como os indivíduos no ordem social; uns e outros têm seus respectivos direitos (...) A lei natural quer que tais direitos sejam respeitados (...) Temos por princípio que todo povo, seja qual for a exiguidade do país que habita, é absolutamente dono de si em sua terra, que é igual em direito ao povo maior, e que nenhum outro pode legitimamente atentar contra sua independência”. Tudo muda a partir de 1792, quando o ódio ao estrangeiro torna-se a mola principal do terror. A partir de então, já não se pode ser, como em 1789, “alemão de língua e patriota de coração”, pois, diz Barrère, “a emigração e o ódio à República falam alemão”. No outono de 1793, a denúncia de Fabre d’Églantine sobre a “conspiração estrangeira” leva Robespierre a excluir da Convenção o americano Thomas Paine, que é internado na prisão de Luxemburgo, e o prussiano Anacharsis Cloots. Este último, que na festa da Federação havia liderado uma delegação de estrangeiros em representação do “gênero humano”, declarava em 24 de abril de 1793 que “as denominações francês e universal vão tornar-se sinônimas”, que “a república do gênero humano nunca terá disputa com ninguém” e que “a Assembleia Nacional francesa é um resumo do mapa-múndi dos filantropos”. Poucos meses depois, ele passava pela guilhotina. “Podemos olhar como patriota um barão alemão?”, exclamará Robespierre. O reino do estrangeiro passa a confundir-se com o dos “tiranos”, o que tem como consequência imediata reavivar o espírito de conquista. “A República — declara Merlin de Douai — pode e deve tanto reter a título de conquista como adquirir mediante tratado os países que considerar conveniente, sem consultar seus habitantes”. Outra consequência capital é que a aristocracia, enquanto defensora de um regime infame, aparece como um “estrangeiro do interior”, expressão que os nacionalistas não deixarão de usar. O aristocrata aparece até como duplamente estrangeiro, primeiro como descendente do invasor franco, que há quinze séculos vive “às custas da nação gaulesa” [68], e depois porque não pertence ao corpo da nação, já que a nobreza, segundo explicava Siéyès, constitui “um povo à parte, mas um falso povo”, ou seja, um parasita coletivo. Assim, Barrère poderá declarar de uma só vez que os aristocratas “não têm pátria” e que são “estrangeiros entre nós”, enquanto Saint-Just, estigmatizando “os estrangeiros”, denuncia ao mesmo tempo aqueles que não são franceses e aqueles que combatem os valores da Revolução. Todos os referenciais do nacionalismo moderno aparecem, portanto, ao mesmo tempo: a nação concebida como absoluto, o mito da “conspiração do estrangeiro” e o tema do “inimigo interior” [69].
Universal em seu princípio e em sua vocação, o Império não é, no entanto, universalista no sentido que comumente se dá a este termo. Sua universalidade nunca significou vocação de estender-se a toda a Terra. Antes, vincula-se à ideia de uma ordem equitativa que aspira a federar povos de mesma origem, com base em uma organização política concreta, à margem de qualquer perspectiva de conversão ou de nivelamento. O Império, deste ponto de vista, é completamente distinto de um hipotético Estado mundial ou da ideia de que poderiam existir princípios jurídico-políticos universalmente válidos em todo tempo e lugar.
O universalismo está diretamente ligado ao individualismo (a humanidade percebida como simples adição de átomos individuais), e o universalismo político moderno deve ser pensado a partir da raiz individualista do Estado-nação. De fato, a experiência histórica mostra que o nacionalismo frequentemente assume a forma de um particularismo inflado até atingir as dimensões do universal. Assim, em numerosas ocasiões, a nação francesa se definiu como “a mais universal das nações”, e da suposta universalidade de seu modelo nacional pretendeu deduzir seu direito de estender pelo mundo os princípios que a haviam instituído. O espírito francês, observa Ernst Curtius, “considera a França como uma abreviação do mundo, como um microcosmo completo em si mesmo (...) Todas as pretensões do universalismo foram transferidas para a ideia nacional, e servindo-se de sua ideia nacional, a França pretendeu realizar um valor universal” [70]. Na época em que a França se pretendia “a filha primogênita da Igreja”, o monge Guibert de Nogent, em sua Gesta Dei per Francos, já fazia dos francos instrumento de Deus, argumento que Filipe, o Belo, recupera para justificar suas pretensões de independência em relação ao papa: “Cristo encontra no reino da França, mais do que em qualquer outro país, uma base estável para a fé cristã (...) Por isso conferiu certas prerrogativas excepcionais à monarquia francesa e a separou de toda dependência em relação a qualquer outra potência que pretendesse fazer valer seus direitos sobre ela” [71]. A partir de 1792, a ideia motriz do imperialismo revolucionário será que os “princípios da República” são princípios “universais”. “Só minha pátria pode salvar o mundo”, dirá ainda Michelet [72]. “Trabalhar por ela (a cultura francesa) ou defendê-la no que tem de específico – responderá Maurras como um eco – é trabalhar e defender o gênero humano, a humanidade” [73]. Desde então, não faltaram vozes autorizadas para assegurar que a ideia francesa de nação se ordena conforme a ideia de humanidade (ou de “civilização”), e isso é o que a tornaria particularmente “tolerante”. Pretensão da qual certamente podemos duvidar, pois a proposição se inverte: se a nação se ordena conforme a humanidade, é que a humanidade se ordena conforme a nação. E o corolário é que aqueles que se opõem a ela ficam excluídos não apenas de uma nação particular, mas de todo o gênero humano. Isso é precisamente o que aconteceu durante a Revolução. Num primeiro momento, o advento da ideia de nação permitiu projetar na alteridade o monarca e sua emanação, a aristocracia, definindo-os como alheios ao corpo nacional. Depois disso, e dado que a nação havia sido assimilada à humanidade, aristocratas e monarcas são excluídos do gênero humano. O universalismo revolucionário, baseado numa concepção abstrata da humanidade e na assimilação da nação ao universal, não poderia senão negar a qualidade de seres humanos a seus inimigos: quando “o estrangeiro impede a humanidade de se constituir como tal” [74], o universalismo desemboca necessariamente na expulsão da humanidade daqueles que foram estigmatizados como “estrangeiros”. Vemos assim até que ponto é errado ver no nacionalismo apenas um simples particularismo e considerar o universalismo como sua antítese absoluta, como frequentemente se fez ao comparar França e Alemanha [75]. “Não se deve crer – dizia Simone Weil – que o que se chamou de vocação universal da França permita aos franceses conciliar o patriotismo e os valores universais com mais facilidade do que a outros. A verdade é o contrário” [76].
Essas precisões permitem compreender por que a denominação de “império” deve ser reservada apenas às construções históricas que efetivamente merecem tal nome, como o Império Romano, o Império Bizantino, o Império Romano-Germânico, o Império Austro-Húngaro ou o Império Otomano. De modo algum são verdadeiros impérios, no sentido que acabamos de indicar, o Império Napoleônico, o III Reich hitleriano, os impérios coloniais francês ou britânico, nem os imperialismos modernos de tipo americano ou soviético. Esses supostos “impérios”, de fato, não passam de construções resultantes da ação de potências envolvidas num simples processo de expansão de seu território nacional. As “grandes potências” não são impérios, mas nações que simplesmente buscam se expandir por meio da conquista militar, política, econômica ou de qualquer outro tipo, até atingir dimensões que excedem suas fronteiras. Assim, na época de Napoleão, o “Império” (termo já utilizado para designar a monarquia antes de 1789, mas simplesmente no sentido de “Estado”) não passa de uma simples entidade nacional-estatal que busca se afirmar na Europa como grande potência hegemônica. Da mesma forma, o império de Bismarck, que também dava prioridade ao Estado, buscava antes de tudo criar a nação alemã. Também se constatou frequentemente o caráter ao mesmo tempo moderno e estreitamente nacionalista do III Reich; Alexandre Kojève observava que “o slogan hitleriano: Ein Reich, ein Volk, ein Führer não passa de uma – má – tradução em alemão do lema da Revolução Francesa: a República una e indivisível” [77]. Por outro lado, a incompatibilidade do sistema político hitleriano com a noção de Império já se tornava transparente em sua vontade de Gleichschaltung jacobina e em sua crítica radical da ideologia dos corpos intermediários e dos “estamentos” (Stände) [78]. Também no “império” soviético prevaleceu sempre uma visão centralista e redutora que implicava um espaço político-econômico unificado e uma concepção das autonomias locais, no mínimo, restritiva. Quanto ao “modelo” americano, que pretende converter o mundo inteiro a um sistema homogêneo de consumo material e de práticas tecno-econômicas, mal se vê que princípio espiritual poderia reivindicar, senão, precisamente, o de um universalismo religioso de origem bíblica e puritana que, no fim das contas, não passa de um etnocentrismo mascarado.
Os imperialismos modernos não encarnaram em nossa época a ideia de império; longe disso, precisamente a compreensão em profundidade do que essa ideia implica nos permite constatar até que ponto tais imperialismos se afastaram dela. Isso é o que constatava Julius Evola quando escrevia: “Sem um Morrer para se transformar, nenhuma nação pode aspirar a uma missão imperial efetiva e legítima. Não é possível se encerrar nas próprias características nacionais e depois pretender, com base nisso, dominar o mundo ou, mais simplesmente, outras terras” [79]. E acrescentava: “Se as tentativas ‘imperialistas’ dos tempos modernos fracassaram, precipitando frequentemente na ruína os povos que se entregaram a elas, ou se foram fonte de calamidades de todo tipo, é precisamente pela ausência de todo elemento verdadeiramente espiritual e, portanto, suprapolítico e supranacional, e sua substituição pela violência de uma força que é superior à que pretende subjugar, mas que não por isso é de natureza diferente. Se um império não é um império sagrado, então não é um império, mas uma espécie de câncer que ataca o conjunto das funções distintivas de um organismo vivo” [80].
V
Para que pode servir hoje uma reflexão sobre o conceito de Império? Não será uma pura quimera desejar o renascimento de uma construção imperial conforme ao espírito de suas origens? Alguns pensarão assim, provavelmente. E, no entanto, será um acaso que o modelo do Império Romano não tenha deixado de inspirar, até os dias de hoje, todas as tentativas de superação do Estado-nação [81]? Será um acaso que, nos momentos de angústia do pensamento, a ideia de Império (a Reichsgedanke) tenha sempre mobilizado a reflexão [82]? E não encontramos essa mesma ideia de Império subjacente em todos os debates atuais sobre a construção europeia?
Para numerosos políticos e teóricos, o Estado-nação é uma realidade insuperável. Da extrema esquerda à extrema direita, o jacobinismo é, nesse sentido, a coisa mais bem distribuída do mundo. Assim, Charles Maurras, que definia a nação como “o mais vasto dos círculos comunitários que, no temporal, possam ser sólidos e completos” [83], professava que “não há marco político mais amplo que a nação” [84]. Mas já antes da guerra, enquanto Bernanos o acusava de ser “herdeiro dos antigos legistas centralizadores” e o chamava de “jacobino conservador” [85], Thierry Maulnier lhe respondia: “O culto da nação não constitui, em si mesmo, uma resposta, mas um refúgio, uma efusão mistificadora ou, pior ainda, uma temível diversão dos problemas internos” [86]. No outro extremo do espectro político, Julien Benda defendia com o mesmo vigor a ideia de que a nação francesa, desde os tempos dos gauleses, nunca havia deixado de tender para a unidade, respondendo assim a uma pulsão interior quase metafísica [87]. Maurras e Benda não careceram de herdeiros. O nacionalismo francês é hoje mais jacobino do que nunca [88]. “O nacionalismo — advertiam Robert Aron e Arnauld Dandieu — é mais exigente quanto mais oco” [89].
No entanto, na hora atual, o essencial do que move o mundo se expressa fora do Estado-nação. O marco de ação deste é questionado, sua esfera de decisão foi ultrapassada. A nação, poderíamos dizer, está sendo contestada ao mesmo tempo por cima e por baixo. Por baixo, com o surgimento de novos movimentos sociais, a persistência dos regionalismos e autonomismos, o desenvolvimento de fenômenos sociais que escapam ao seu controle, o aparecimento de formas inéditas de vida comunitária, como se as estruturas intermediárias de socialização, rompidas outrora pelo Estado-nação, renascessem hoje sob novas formas: o divórcio entre a sociedade civil e a classe política se traduz na proliferação das “redes” e na multiplicação das “tribos”. Mas o Estado-nação também é contestado por cima: está sendo despojado de seus poderes pelo mercado mundial e pela competição internacional, pelo desenvolvimento de instituições europeias e supranacionais, pelas burocracias intergovernamentais, os aparatos tecnocientíficos, as redes midiáticas planetárias, os grupos transnacionais de pressão. Paralelamente, constata-se a crescente extroversão das economias às custas dos mercados nacionais. Vemos como se multiplicam os polos de mundialidade chamados offshore, “distribuídos por todo o planeta como enclaves totalmente dissociados das realidades históricas, sociais ou geográficas” [90]. A economia “global” se mundializa por meio do jogo dos operadores conjuntos, das firmas transnacionais, das operações bursáteis e dos movimentos financeiros executados em tempo zero. Preso de sua concepção puramente espacial do poder, demasiado próximo e, ao mesmo tempo, demasiado distante dos cidadãos, o Estado-nação se vê assim confrontado com uma floração de novas identidades coletivas ou comunitárias, e isso no preciso instante em que os centros mundiais de decisão desenham sobre ele uma perspectiva nebulosa. O resultado é que hoje nenhuma nação está em condições de dominar, por si só, os fluxos econômicos e monetários, manter o valor de sua moeda, assegurar seu abastecimento em matérias-primas, garantir a estabilidade política e social, lutar contra o desemprego, deter o aumento da criminalidade e das drogas. Daniel Bell, retomando uma fórmula clássica, expressava essa situação dizendo que “os Estados nacionais se tornaram grandes demais para resolver os pequenos problemas e pequenos demais para resolver os grandes problemas” [91]. A “soberania” dos Estados já não passa de uma fórmula vazia, sem “existência operacional demonstrável” (Denis de Rougemont).
O imaginário das nações também está imerso em uma crise radical, e os mesmos que falam incessantemente de “identidade nacional” são, em geral, incapazes de defini-la de uma forma que não seja puramente negativa. O próprio modelo estatal-nacional de integração parece ter esgotado todas as suas possibilidades: a evolução das instâncias de poder para um sistema de competências tecno-gestoras, que provocou a implosão de fato do político, confirma que a lógica nacional já não está em condições de integrar nada nem de assegurar a regulação das relações entre um Estado criticado por todos os lados e uma sociedade civil em vias de explosão. “Já se trate das funções tradicionais da soberania, como a defesa ou a justiça, já das competências econômicas — escreve Jean-Marie Guéhenno —, a nação se nos mostra cada vez mais como um marco exíguo, mal adaptado à integração crescente do mundo” [92]. “A verdade — acrescenta Claude Imbert — é que hoje a ideia republicana de nação, nascida do mito revolucionário, se afunda. E que ainda não fomos capazes de substituí-la” [93]. Aristóteles dizia que uma unidade política é fictícia enquanto não alcança um estado de autossuficiência. Nesse sentido, todas as unidades políticas modernas são fictícias.
No Terceiro Mundo, onde a reivindicação de independência na época da descolonização adotou regularmente a forma de uma vontade de afirmação nacional, o Estado-nação, desprovido de qualquer fundamento histórico verdadeiro, aparece hoje como uma importação ocidental. A viabilidade a longo prazo das "nações" da África negra ou do Oriente Médio, para citar apenas esses casos, parece cada dia mais incerta, na medida em que a maioria delas nasceu de uma série de cortes arbitrários realizados pelas potências coloniais, profundamente ignorantes das realidades históricas, étnicas, religiosas ou culturais locais. Por outro lado, o desmantelamento do Império Otomano, assim como do Império Austro-Húngaro, em aplicação dos tratados de Sèvres e de Versalhes, foi uma catástrofe cujos efeitos ainda sofremos hoje, como demonstraram a Guerra do Golfo e o retorno da guerra na Europa Central.
Nessas condições, como não questionar a ideia de Império, que até hoje é o único modelo alternativo produzido pela Europa frente ao Estado-nação? As nações europeias estão ao mesmo tempo ameaçadas e esgotadas. Devem superar a si mesmas para não se tornarem definitivamente domínios da superpotência americana. Como poderiam fazê-lo sem tentar conciliar, por sua vez, o uno e o múltiplo, sem buscar uma unidade que não implique um empobrecimento de sua diversidade?
Há sinais que não enganam. A reunificação alemã, a fascinação pela velha Áustria-Hungria ou o renascimento da ideia de Mitteleuropa [94] estão entre esses sinais. Por si só, a queda do Muro de Berlim marcou ao mesmo tempo o fim do século XX e o fechamento de uma época cujo resultado havia sido o Estado-nação. Por outro lado, todo o processo de construção europeia empreendido há três décadas responde, sobretudo em seus desenvolvimentos mais recentes, a um modelo que deve mais ao do Império do que ao do Estado-nação. De fato, nas instituições europeias reencontramos algumas características "imperiais" evidentes: o reconhecimento de uma multiplicidade de fontes do direito, a afirmação (pelo menos teórica) do princípio da subsidiariedade, a distinção entre nacionalidade e cidadania, a fluidez das fronteiras, a inscrição dos espaços nacionais em um espaço jurídico que os ultrapassa, etc. Sem dúvida, ainda falta o essencial: a soberania política, a implementação real do princípio da subsidiariedade (o "déficit democrático") e a presença de um princípio espiritual forte. Mas é suficiente para tornar credível a hipótese de Antoine Winckler, segundo a qual a atual oposição à Europa se deve em grande parte ao fato de que "o pensamento político clássico instituiu o Estado-nação como modo único de organização política, esquecendo assim a existência de outros modelos sociopolíticos", e em particular aqueles que, como a Hansa ou o Sacro Império, se fundavam "sobre uma multiplicidade de redes jurídicas e políticas coexistentes, mas não necessariamente coextensivas" [95].
O chamado do Império nascerá de uma necessidade que alguns nunca deixaram de sentir. Em um texto escrito em 1945, mas que só foi publicado muito mais tarde, Alexandre Kojève já apelava para a formação de um "império latino" e colocava a necessidade do Império como alternativa ao Estado-nação e ao universalismo abstrato. "O liberalismo - escrevia - erra ao não perceber nenhuma entidade política além das nacionais. Mas o internacionalismo peca por não ver nada politicamente viável abaixo da humanidade. Também não soube descobrir a realidade política intermediária dos impérios, ou seja, das uniões ou fusões internacionais de nações aparentadas, que é precisamente a realidade política do momento" [96]. "Idealmente - escreve por sua vez Pascal Bruckner - a Europa teria vocação para ser o primeiro Império democrático, única alternativa a dois becos sem saída: a opressão imperialista e o tribalismo (...) Pela primeira vez, um Império seria a garantia de sobrevivência das pequenas comarcas, e não a certeza de sua desaparição" [97]. Jean-Marie Guéhenno, por fim, também anuncia a chegada de uma nova "era imperial": "Este império não será nem uma super-nação nem uma república universal. Não será governado por um imperador. E, no entanto, a ideia de Império é o que mais se aproxima da organização que está por vir. Desde que pensemos não nas construções precárias de um Carlos V ou de um Napoleão, mas sim no Império Romano e, talvez, no Império Chinês" [98].
A Europa, para se constituir, precisa de uma instância unitária de decisão política. Mas a unidade política europeia não pode ser construída segundo o modelo nacional jacobino, sob pena de ver desaparecer a riqueza e a diversidade de todos os componentes da Europa, da mesma forma que não pode ser o mero resultado da supranacionalidade econômica cara aos tecnocratas de Bruxelas. A Europa democrática e pluralista só pode ser feita segundo um modelo federal – a "Europa das cem bandeiras" –, mas um modelo federal portador de uma ideia, de um projeto, de um princípio, ou seja, em última análise, segundo um modelo imperial. Tal modelo permitiria resolver o problema das culturas regionais, das etnias minoritárias e das autonomias locais, problema que, no âmbito do Estado-nação, não pode encontrar uma solução verdadeira [99]. Igualmente permitiria repensar, à luz de certos fenômenos recentes de imigração, toda a problemática das relações entre cidadania e nacionalidade. Este modelo ajudaria a conjurar os perigos, hoje novamente ameaçadores, do irredentismo etnolinguístico e do jacobinismo xenófobo. Por fim, e em virtude do lugar decisivo que concede às noções de autonomia e subsidiariedade, o modelo imperial deixaria amplo espaço para os procedimentos de democracia direta. Princípio imperial no topo, democracia de base na fundação: assim se renovaria uma velha tradição.
Hoje se fala muito em nova ordem mundial. E é verdade que uma nova ordem mundial é necessária. Mas sob qual bandeira e impulsionada por quem? Sob a bandeira do homem-máquina, do "ordenantropos", ou pelo estabelecimento de uma organização diversificada de povos decididos a seguir vivos? A Terra ficará reduzida ao homogêneo sob o efeito dessas modas aculturadoras e despersonalizantes, cujo vetor mais arrogante e cínico é hoje o imperialismo americano? Ou os povos encontrarão em suas crenças, em suas tradições e em suas formas de ver o mundo os meios para sua necessária resistência? A História terminou, como desejariam os liberais? Petrificou-se, como imaginam os defensores do identitarismo xenófobo? Ou ainda pode prosseguir em um relato narrativo renovável até o infinito?
Tais são as questões decisivas que se colocam no alvorecer de um novo milênio. Quem diz federação, diz princípio federador. Quem diz Império, diz ideia imperial. Hoje não vemos surgir nem um nem outro. E, no entanto, essa ideia está inscrita no segredo da história, mesmo que, por enquanto, ainda não tenha encontrado sua forma. É uma ideia que tem um passado e, consequentemente, um futuro. Por enquanto, podemos pelo menos tomar nota. E adotar uma atitude. Na época da Guerra dos Cem Anos, o lema de Louis d’Estouteville era: "Onde está a honra, onde está a fidelidade, só aí está minha pátria". Também na tradição imperial pode-se ser cidadão de uma ideia. Isso é o que afirma Julius Evola quando escreve: "O que deve unir ou dividir não é o fato de pertencer a uma mesma terra, de falar uma mesma língua ou de ser do mesmo sangue, mas o fato de aderir ou não à mesma ideia" [100].
Isso não significa que as raízes carnais e as pertenças concretas sejam desprezíveis; pelo contrário, são essenciais. Isso só significa que cada coisa deve ser colocada em seu lugar. E essa é toda a diferença que pode existir entre a pertença concebida como princípio e a pertença concebida como pura subjetividade, ou seja, como limite. Só a pertença colocada como princípio permite defender a causa dos povos, de todos os povos, e compreender que a identidade de uns, longe de ser uma ameaça para a de outros, participa, ao contrário, daquilo que permite a todos os povos afirmarem-se e defenderem-se juntos contra um sistema global que busca destruí-los sem distinção. Dito de outra forma: não é o que nos pertence que tem valor; é o que tem valor que nos deve pertencer.
Notas
[1] O projeto de Carlos V de reorganizar a Europa não sobreviveu a ele, mas seu prestígio era tal que as monarquias “nacionais”, especialmente as da Inglaterra e da França, tentaram se apropriar do simbolismo imperial para seu próprio benefício. A esse respeito, cf. France A. Yates: Astrée. Le symbolisme impérial au XVI siècle, Belin, 1989.
[2] “Dépérissement de la nation?”, en Commentaire, primavera 1988, p.105.
[3] Cf. Colette Beaune: Les lieux de mémoire. 2: Naissance de la nation France, Gallimard, 1985; Bernard Guenée: L'Occident aux XIV et XV siècles, PUF, 1971. "No final da Idade Média“, escreve Guenée, ”os franceses talvez ainda não formem objetivamente uma nação, com um único idioma, os mesmos costumes e hábitos, mas eles acreditam que são um só. Estado e nação coincidem (...) Joana D'Arc não precisou forjar uma nação que já existia; sua missão era levar a um príncipe pouco convincente uma nação com um longo passado. O aparecimento de Joana d'Arc não é um milagre, é uma consequência“ (”État et nation en France au Moyen Age", em Revue historique, janeiro-março de 1967, pp. 20 e 30).
[4] Raoul Girardet: Mythes et mythologies politiques, Seuil, 1990, p.157.
[5] Le mythe national. L’histoire de France en question, ed. Ouvrières-EDI, 1989, p.114. Cf. também Olier Mordrel: Le mythe de l’hexagone, Jean Picollec, 1981.
[6] Elisabeth Carpentier, en Georges Duby: Histoire de la France, vol.1, Larousse, 1970, p.362.
[7] L’enracinament, Gallimard-Idées, 1962, pp.134-135.
[8] Cf. Ernst Kantorowicz: Mourir pour la patrie, PUF, 1984.
[9] Cf. Gérard Fritz: L’idée de peuple en France du XVII au XIX siècle, Presses Universitaires de Strasbourg, 1988.
[10] O termo foi estendido ao mesmo tempo, e com o mesmo significado, a outros países. Ele designa sucessivamente os patriotas holandeses, hostis aos aliados do príncipe e republicanos declarados (que, após a morte de Ana de Orange em 1759, lutaram contra o restaurado stathouder de Orangeman, Guilherme V, e depois, em 1793, forçaram a República Francesa a declarar guerra contra seu próprio país), e os insurgentes americanos hostis a seu próprio país, A República Francesa foi forçada a declarar guerra contra seu próprio país em 1793), os insurgentes americanos hostis à autoridade da Coroa e, em seguida, os belgas que eram oponentes dos “estatistas” (ou apoiadores do regime corporativo) e defensores da Revolução Francesa.
[11] "É preciso toda a ignorância partidária daqueles que se dizem nacionalistas“, escreveu Ernest Roussel, ”para não entender a contradição interna que existe em se dizer nacionalista e realista" (Les nuées maurrassiennes. Étude critique des “croyances” historiques de l'Action française, Jean Flory, 1936). Em 1798, em suas famosas Mémoires pour servir a l'histoire du jacobinisme, o Abbé Baruel não hesitou em denunciar o nacionalismo para melhor estigmatizar a Revolução. É interessante notar que seu raciocínio contrarrevolucionário é de inspiração universalista: “O nacionalismo”, escreve ele, "suplanta o amor geral (...) Assim, era permitido desprezar os estrangeiros, enganá-los, ofendê-los. Essa virtude foi chamada de patriotismo. E a partir daquele momento, por que não dar a essa virtude limites ainda mais estreitos? Assim, do atriotismo nasceu o localismo, o espírito de família e, finalmente, o egoísmo".
[12] Op. cit., pp.37-38.
[13] Les débuts de l’État moderne. Une histoire des idées politiques au XIX siècle, Fayard, 1976, p.92.[14] Essa analogia foi sublinhada muitas vezes por René Guénon, que especifica que o Chakravarti é “literalmente ‘aquele que gira a roda’, ou seja, aquele que, colocado no centro de todas as coisas, dirige o movimento sem participar dele, ou, para usar a expressão de Aristóteles, o ‘motor imóvel’” (Le roi du monde, Galliard, 1958, p.18; cf. também L'ésoterisme de Dante, Gallimard, 1957, p.58).
[15] Révolte contre le monde moderne, L’Homme, Montréal, 1972, p.121.
[16] Otto de Habsburgo-Lorena: L’idée impériale. Histoire et avenir d’un ordre supranational, Presses Universitaires de Nancy, Nancy, 1989, p.32.
[17] Cf. Robert Folz: L’idée d’Empire en Occident du V au XIV siècle, AubierMontaigne, 1953, p.15.
[18] Pierre Damien, em seu Liber gratissimus, chegou a escrever que “reis e sacerdotes são chamados de deuses e Cristos por causa do ministério ligado ao sacramento que receberam”. A cristianização do ritual imperial ocorreu a partir do século X. Sobre esse assunto, cf. Jean Hani: La royauté sacrée, du pharaon au roi très chrétien, Guy Trédaniel, 1984, pp. 168-188.
[19] A ideia de Frederico II Hohenstaufen sobre seu cargo está claramente expressa em seu Liber Augustalis, bem como nas constituições da Sicília e de Melfi. Cf. Antonino de Stefano: L'idea imperiale di Federico II, All'insegna del Veltro, Parma, 1978; Hans-Dietrich Sander: “Die Ghibellinische Idee”, em Staatsbriefe, 1, 1990, pp.24-31.
[20] De Monarchia, Felix Alcan, 1933, trans. B. Landry. “Se Dante defendeu a posição (do imperador)”, escreve Frithjof Schuon, “não foi de modo algum para defender o poder temporal contra a autoridade espiritual, mas para impedir que uma autoridade espiritual delimitada fosse suplantada em seu terreno por outra autoridade espiritual igualmente delimitada” (“Mystères christiques”, em Études traditionnelles, julho-agosto de 1948, p. 193).
[21] Les hommes au milieu des ruines, Sept couleurs, 1972, p.141.
[22] Écrits sur l’Europe, vol.2, La Différence, 1994, p.784.
[23] Depois de aderir ao republicanismo de Rienzi, Petrarca voltou às suas origens gibelinas (seu pai, contemporâneo de Dante, havia sido, como Dante, expulso de Florença por suas opiniões pró-imperiais) e pediu ao imperador que detinha o título, Carlos IV, a unificação da Itália e a restauração do imperium de Roma. Essa demanda, no entanto, não está livre de mal-entendidos, na medida em que Petrarca faz de uma aspiração estritamente “nacional” (a unificação italiana) um argumento anterior à tradicional renovatio.
[24] Essais politiques, Pardès, Puiseaux, 1988, p.86
[25] L’invention des frontières, Institut de stratégie comparée, 1987, p.71.
[26] “Io fui radice della mala pianta Che la terrea cristiana tutta aduggia”. Cf. Karl Ferdinand Werner, “Das Imperium und Frankreich im Urteil Dantes”, em Vom Frankenreich zur Entfaltung Deutschlands und Frankreichs. Origins-Structures-Relationships. Contribuições selecionadas, Jan Thorbecke, Sigmaringen, 1984, pp. 446-464.
[27] Robert Folz: Le couronnement impérial de Charlemagne, Gallimard, 1964.
[28] "Mais do que o direito romano“, escreve Carl Schmitt, ”a noção de ‘caso real’, um instrumento político-jurídico nas mãos do legista francês, contribuirá para subverter o mundo jurídico da Idade Média, anunciando a evolução para o estado centralizado moderno“ (”La formation de l'esprit français par les légistes", em Du politique, Pardès, Puiseaux, 1990, p.190). Ao descrever os legistas como “a vanguarda revolucionária do terceiro estado”, Schmitt não hesita em ver no trabalho deles a fonte do caráter profundamente jurídico do espírito francês.
[29] Hobbes, por sua vez, escreveu: “Minha doutrina difere da prática dos países que receberam sua educação moral de Atenas e Roma”. Nesse ponto, os franceses e ingleses também diferiam dos juristas do Sacro Império Romano-Germânico, que, a partir do século XVI, se referiam exclusivamente ao direito romano. Nas monarquias da Europa Ocidental“, escreve Blandine Barret-Kriegel, ”o exemplo da cidade romana e o direito romano são relegados ao que Hobbes chama de reino de Deus, e que nele designa a história do povo judeu desde a eleição de Abraão até a eleição de Saul, em benefício do que Spinoza chamará - e é um nome que fez escola - o modelo do Estado dos hebreus“ (”Judaïsme et État de droit", em Jean Halpérin e Georges Lévitte, éd. La question de l'État, Denoël, 1989, pp.17-18. ).
[30] Johannes Althusius und die Entwickelung der naturrechtlichen Staatstheorien, Breslau, 1880, 2ª ed. em 1902. Althusius foi silenciado até hoje pela maioria dos historiadores da ciência política, mas ele já foi mencionado por Edmond de Beauverger em seu Tableau historique des progrès de la philosophie politique (1858, pp. 64-81).
[31] Margarida Barroso: “Johannes Althusius, 1557-1638”, en Denis de Rougemont y François Saint-Ouen (ed.): Dictionnaire international du fédéralisme, Emile Bruylant, Bruselas, 1994, p.165.
[32] Margarida Barroso: “Johannes Althusius, 1557-1638”, en Denis de Rougemont y François Saint-Ouen (ed.): Dictionnaire international du fédéralisme, Emile Bruylant, Bruselas, 1994, p.165.
[33] Althusius escreve em seu prefácio: “Eu sustento que a propriedade e o usufruto desses direitos de majestade, para serem legítimos, devem reverter para o reino ou para todo o povo, mesmo que este último não possa renunciar voluntariamente a esses direitos, transferi-los para outro ou aliená-los de qualquer forma, assim como não podemos comunicar a outro a vida que possuímos”.
[34] "A partir desse momento“, diz Denis de Rougemont, ”a soberania do Estado não pode mais servir apenas para rejeitar o que é detestado. Ela não é mais onipotência, mas o poder de rejeitar e bloquear qualquer solução incompatível com a reivindicação arbitrária. Não é mais vontade, mas não vontade, que é não querer, não querer nada" (Op. cit., vol.2, p.795).
[35] L’empire du roi. Idées et croyances politiques en France, XIII-XV siècles, Gallimard, 1994.
[36] “Le concept de Empire”, en Maurice Duverger (ed.): Le concept d’Empire, PUF, 1980, pp.10-11. Cf. también John Gilissen: “La notion d’Empire dans l’histoire universelle”, en Les grands empires, Société Jean Bodin, 1970.
[37] “L’Empire revient”, en Commentaire, primavera 1992, p.19.
[38] Essais politiques, op. cit., p.83.
[39] Depois de assumir o Sol invictus (Sol invictus), a expressão será introduzida por Cômodo no título imperial: o imperador se tornará, assim, o “O Sol Senhor do Império” (Sol dominus imperii).
[40] “L’empire romain comme modèle”, en Commentaire, primavera 1992, p.28.
[41] Ibid., p.32.
[42] Ibid., p.29.
[43] Ibid., pp. 34-35.
[44] L’histoire, un essai d’interprétation, Gallimard, 1951, p.349.
[45] “Principe fédératif et réalités humaines”, en Edward Hallett Carr, Wilhelm Röpke, Robert Aron et al.: Nations ou fédéralisme, Plon, 1946, p. 268.
[46] Histoire de l’empire des Habsbourg, 1273-1918, Fayard, 1990.
[47] Le libéralisme économique. Histoire de l’idée de marché, Seuil, 1989, p.124.
[48] “Fédéralisme et autonomie”, en Plans, agosto-septembro 1932, p.1
[49] L’invention de la France. Atlas anthropologique et politique, Pluriel, 1981.
[50] Sob a ocupação, em 1943, Simone Weil acrescenta: “Os atuais colaboradores têm a mesma atitude em relação à nova Europa que uma vitória alemã forjaria que os provençais, os bretões, os alsacianos ou os contadinos têm em relação ao passado, em relação à conquista de seu país pelo rei da França. Por que a diferença de épocas deveria mudar o que é bom e o que é ruim?” (Ibid., pp.184-185).
[51] Op. cit., p.126.
[52] Sauver nos régions. Écologie, régionalisme et sociétés locales, Sang de la Terre, 1991, p.48.
[53] L’Ancien Régime et la Révolution (1856), Gallimard, 1964, vol.I, p.65.
[54] Le Dix-Huit Brumaire de Louis-Napoléon.
[55] De la souveraineté. A la recherche du bien politique, Th. Génin-Libr. de Médicis, 1955, p.237.
[56] L’État en France, de 1789 à nos jours, Seuil, 1990, p.100.
[57] Ibid., pp.102-103.
[58] Citado por Mona Ozouf: L’école de la France. Essai sur la Révolution, l’utopie et l’enseignement, Gallimard, 1984, p.33.
[59] É sobretudo em direção às nossas fronteiras“, diz o Abade Grégoire, ”que os dialetos, comuns aos povos de lados opostos da fronteira, estabelecem relações perigosas com nossos inimigos, enquanto, na extensão da República, todo jargão é uma barreira que impede o movimento do comércio e atenua as relações sociais".
[60] Op. cit., p.157.
[61] Qu’est-ce que le Tiers-Etat?, PUF, 1982.
[62] Cf. Pierre Rosanvallon: L’État en France, de 1789 à nos jours, op. cit.
[63] “Dépérissement de la nation?”, art. cit., p.104.
[64] Nations et nationalisme, Payot, 1989, p.88.
[65] Essais sur l'individualisme, Seuil, 1983, pp.20-21. Mauss também considerou que a nação só pode se desenvolver em um contexto individualista (cf. Marcel Mauss: “La nation”, em Oeuvres, vol. 3, Minuit, 1969, pp. 573-626).
[66] La nation, essor et déclin des sociétés modernes, Fayard, 1987, p.231.
[67] Citado por Jean-Yves Guiomar: L’ideologie national. Nation, représentation, propriété, Champ Libre, 1974, p.185.
[68] Como é sabido, os revolucionários se consideravam herdeiros dos gauleses e dos romanos. Assim, eles fizeram parte de um debate sobre a pluralidade dos componentes da França (a “disputa das duas raças”) que, durante séculos, opôs partidários e opositores dos galo-romanos e dos francos, cuja “fusão” só ocorreu por volta do ano 1000. Sob o Ancien Régime, a nobreza frequentemente enfatizava suas origens francas e “troianas”. A tese inversa, de origem gaulesa, foi defendida por Etienne Pasquier e Guillaume Postel desde o século XVI, enquanto Bodin, na mesma época, descreveu os francos como antigos celtas que cruzaram o Reno antes de retornar à sua terra natal original. Sob a Revolução, a tese da origem franca da nobreza foi preservada, mas em uma perspectiva de desvalorização: precisamente porque os nobres eram descendentes dos “invasores francos”, eles poderiam ser considerados “estrangeiros”. O mito germânico voltou à tona no século XIX. Em sua Histoire de France, Michelet opôs o “princípio aristocrático da Germânia” à “ideia de igualdade” propagada pelos gauleses. Em 1912, em sua aula inaugural no Collège de France, Camille Jullian ainda afirmava que o advento da França burguesa era o início da carreira de uma nação gaulesa. Ao mesmo tempo, historiadores e pesquisadores ainda estavam em conflito sobre o caráter “celta” ou “germânico” da Alsácia.
[69] Cf. Hélène Dupuy: “Un processus paradoxal: la continuité à l’oeuvre dans la constitution du nationalisme français sous la Révolution”, en History of European Ideas, agosto 1992, pp.313-318, y Jean-Pierre Gross: “La politique militaire française de l’an II et l’éveil du nationalisme”, ibid., pp.347-353.
[70] Essai sur la France, L’Aube, 1990, p.29.
[71] Resposta ao édito de coroação do Imperador Henrique VII.
[72] Le peuple (1846), Flammarion, 1972, p.246.
[73] Quand les Français ne s’amaient pas, p.296.
[74] Sophie Wahnich: “L’‘étranger’ dans la lutte des factions”, en Mots, marzo 1988, p.127.
[75] Sem entrar nessa problemática, vamos nos limitar a lembrar que Fichte, um dos principais precursores do “pan-germanismo”, foi durante toda a sua vida fiel aos ideais da Revolução (cf. Martial Guéroult: Études sur Fichte, Aubier, 1974 e 1977). Sobre a maneira pela qual tanto o “universalismo francês”, baseado na ideia de ‘civilização’, quanto o “nacionalismo alemão”, baseado na ideia de “Kultur”, podem levar ao etnocentrismo, consulte Louis Dumont: Homo AEqualis II. L'ideologie allemande: France Allemagne et retour, Gallimard, 1991.
[76] Op. cit., p.187.
[77] É interessante observar que, durante a ocupação, um dos tenores da Colaboração, Marcel Déat, não hesitou em traçar um paralelo entre a Revolução Francesa e a revolução nacional-socialista, ambas derivadas, para ele, da mesma “corrente autoritária, centralizadora, hierárquica e organicista”. "O estado jacobino“, escreveu Déat, ”é, em sua própria maneira, totalitário como o Reich. O federalismo girondino é ferozmente combatido, a unificação do país é vigorosamente buscada, mesmo do ponto de vista linguístico. É por acaso que Adolf Hitler tem feito o mesmo esforço desde 1933?" (Pensée allemande et pensée française, Aux armes de France, junho de 1944, p.21). Déat prossegue comparando Hitler e Robespierre, as Waffen SS e os voluntários do Ano II, as assembléias revolucionárias e o partido único, e conclui: "A Revolução Francesa tendeu para o nacional-democratismo e nós tendemos hoje para o nacional-socialismo. Mas o primeiro movimento foi tão revolucionário quanto o segundo, teve o mesmo significado, foi na mesma direção. É absolutamente falso querer colocá-los um contra o outro" (ibid., pp.38-39). O caráter apologético da frase a torna ainda mais impressionante.
[78] Cf. por exemplo Justus Beyer: Die Ständeideologien der Systemzeit und ihre Ùberwindung, Damstadt, 1942.
[79] Essais politiques, op. cit., p.62.
[80] Révolte contre le monde moderne, op. cit., p.124.
[81] "Roma“, diz Pierre Chaunu, ”assumiu a herança de Alexandre (...) Alexandre havia assumido a herança aquemênida (...) Mas Roma realmente construiu o Império. E será o modelo romano que preencherá dois milênios de consciência mediterrânea e europeia, e depois, por aculturação, a consciência universal do século XIX em diante“ (”Empires déments, empires avortés", em Jean-Paul Charnay, ed.: Le bonheur par l'Empire ou le réve d'Alexandre, Anthropos, 1982, p.131).
[82] Na Alemanha, especialmente durante a República de Weimar, houve um verdadeiro florescimento de publicações sobre o tema do império e do “pensamento do Reich” (Reichsgedanke). Entretanto, entre todos os autores que trataram do assunto, há uma grande divergência de opinião sobre o significado da noção de império, bem como sobre a relação entre o Reich germânico medieval e o imperium romano. Cf. Paul Goedecke: Der Reichsgedanke im Schriftum von 1919 bis 1935, tese, Marburg/L., 1951.
[83] Mes idées politiques, Albatros, 1983, p.281.
[84] Enquête sur la monarchie, 1900-1909, primera edición en librerías Nouvelle Librairie Nationale, 1909, p.XIII.
[85] Scandale de la vérité. Nous autres Français, Seuil-Points, 1984, p.70.
[86] Au-delà du nationalisme, Gallimard, 1938.
[87] Cf. Julien Benda: Esquisse d'une histoire des Français dans leur volonté d'être une nation. De acordo com Benda, como Jacques Nanteuil já havia apontado, “a França é uma ideia anterior aos franceses, interna a cada um deles e que tende a criar as condições necessárias para sua existência” (Cahiers de la Nouvelle Journée, 25, Bloud et Gay, 1933, p.241). Mais radicalmente, Henri Lefebvre considerou que, nesse livro, Benda adota “a definição fascista de nação” (Le nationalisme contre les nations, Méridiens-Klincksieck, Paris, 1988, p.99).
[88] Em 10 de julho de 1986, Jean-Claude Martinez, deputado da Frente Nacional, declarou o seguinte sobre a Nova Caledônia: "O princípio da autodeterminação é uma regra perversa, uma máquina de retalhar povos. Ele prejudica a integridade do território e a unidade da República. Com sangue e fogo, trouxemos de volta ao seio da França a Vendée dos Chouans, o Languedoc dos Cátaros, as Cévennes dos Shirts, a Comuna, os Federalistas e os Girondinos; será que agora vamos abrir a porta para a independência da Nova Caledônia?".
[89] Décadence de la nation française, Rieder, 1931, p.41.
[90] Jean Chesneaux: “Désastre de la mondialisation”, Terminal, julho-agosto 1989, p.10.
[91] A fórmula que descreve o Estado moderno como “ao mesmo tempo grande demais e pequeno demais” foi lançada pelos “não-conformistas da década de 1930” e, mais precisamente, pelo grupo da revista L'Ordre Nouveau (Alexandre Marc, Robert Aron, Arnaud Dandieu, Daniel-Rops), publicada a partir de 1933. A revista recebeu seu título do socialista francês Victor Considérant e também foi, na Itália, o título da revista Ordine nuovo (1919-1920) de Gramsci. Em sua Carta Aberta aos Europeus (1970), Denis de Rougemont adota a mesma fórmula com relação aos estados-nação unitários: “Todos, sem exceção, são ao mesmo tempo muito pequenos se vistos em escala global e muito grandes se julgados por sua incapacidade de animar suas regiões e oferecer a seus cidadãos uma participação real na vida política que eles alegam monopolizar”. Ele concluiu: “Por serem muito pequenos, os estados-nação deveriam se federar em escala continental e, por serem muito grandes, deveriam se federalizar dentro de si mesmos”.
[92] La fin de la démocratie, Flammarion, París, 1993.
[93] Le Point, 8 enero 1990.
[94] Cf. Claudio Magris: Le mythe de l’Empire dans la litterature autrichienne moderne, L’Arpenteur-Gallimard, 1991.
[95] Art. cit., p.17. A conclusão do autor é que o Império poderia muito bem ser tanto um exemplo quanto um mito para os europeus no final do século XX.
[96] “L’empire latin”, La Règle du jeu, 1, maio 1990, p.94.
[97] Le vertige de Babel. Cosmpolitisme ou mondialisme, Arléa, 1994, pp.49-50.
[98] Op. cit., pp.71-72.
[99] Qualquer esforço de descentralização vindo de um estado-nação“, escreve Daniel-Rops, ”não tem chance de sucesso, pois é da natureza do estado-nação ser centralizador“ (”Principe fédératif et réalités humaines", art.cit., p.268).
[100] Les hommes au milieu des ruines, op.cit., p.41.