03/07/2019

Nicolas Gauthier – Entrevista com Alain de Benoist: Por que o Governo não entende a revolta dos Coletes Amarelos?

por Nicolas Gauthier

(2019)



N.G.: Você acha que já podemos fazer uma revisão da ação dos Coletes Amarelos?

A.B.: A melhor revisão que podemos fazer sobre ela é notar que ainda é muito cedo para fazer uma, porque o movimento está em curso e parece ter encontrado um segundo fôlego. Por quase três meses, apesar do gelo e do frio, apesar das tréguas do Natal, apesar dos mortos e feridos, apesar das baixas causadas pela brutalidade policial (mandíbulas quebradas, mãos destroçadas, pés esmagados, olhos perfurados, hemorragias cerebrais), apesar das críticas que tentaram sucessivamente apresentá-los como beaufs alcoólatras[1], nazistas (a "praga marrom") e criminosos, culpados, além disso, de arruinar o comércio, de dissuadir os turistas de virem para a França e até mesmo do “escândalo” de terem sabotado a abertura de liquidações, apesar de tudo isso, os Coletes Amarelos ainda estão aqui. Eles resistiram bem, não se dispersaram e a maioria dos franceses continua a aprovar sua ação. Esta é a confirmação de que esse movimento é diferente de qualquer outro.


Há outro ponto em que devemos insistir. Os Coletes Amarelos, anteriormente, não se conheciam. Mergulhados no anonimato da missa, mesmo quando vizinhos, muitas vezes permaneciam estranhos um ao outro. Durante semanas, ao redor das rotatórias, eles se descobriram mutuamente. Conversaram, confrontaram suas experiências e esperanças, compartilharam a mesma raiva e ressoaram com as mesmas emoções, também compartilharam as mesmas refeições, experimentadas nos mesmos dias e até mesmo noites, se beneficiaram do mesmo espírito de solidariedade e doação. O movimento dos Coletes Amarelos funcionou, portanto, como uma máquina formidável para recriar a socialização em uma era onde o elo social desmoronou em todos os lugares. Evidentemente, algo disso perdurará. Os Coletes Amarelos sabem, daqui em diante, que eles não estão mais sozinhos para serem “invisíveis”. Eles redescobriram a importância da comunalidade.

N.G.: Mas e o futuro do movimento? Podemos imaginar uma vasta frente populista, da qual os Coletes Amarelos poderiam ser o cadinho?

A.B.: É muito prematuro, mesmo que certas pessoas pensem assim. A curto prazo, os Coletes Amarelos devem resistir a todas as tentativas de divisão e recaptura. Eles devem especialmente não apresentar fichas eleitorais para as eleições europeias, o que certamente enfraqueceria a oposição. Eles devem permanecer elusivos, causar o menor dano possível às pequenas empresas, remover com firmeza criminosos externos do movimento e, talvez, concentrar suas demandas em temas que melhor unifiquem sua raiva, exigindo, por exemplo, a instituição do referendo de iniciativa popular.

N.G.: E o "grande debate nacional?"

A.B.: Guy Debord disse que se as eleições pudessem mudar alguma coisa, elas teriam sido banidas há muito tempo. Podemos dizer o mesmo sobre o “grande debate” lançado por Emmanuel Macron: se fosse realmente provável que satisfizesse as exigências dos Coletes Amarelos, simplesmente não teria acontecido. Quando os parlamentares querem enterrar uma questão, eles criam uma comissão. Para ganhar tempo, Macron propõe - está na moda - “abrir o chão”. O “grande debate” é o divã do doutor Freud: “Deite-se e conte-me todas as suas misérias, depois você se sentirá melhor”. Discutir, em vez de decidir, sempre foi o método preferido da classe burguesa. Na pior das hipóteses, o “grande debate” terminará sem resultados. Na melhor das hipóteses, a montanha dará à luz um rato[2]. Eles farão concessões aqui e ali (o imposto sobre o carbono, o limite de velocidade de 80 km/h, etc.), mas não tocarão nas questões difíceis. Ou seja, as questões que implicam uma mudança real na sociedade.

Aqueles que estão no poder hoje são incapazes de encarar as exigências dos Coletes Amarelos porque o mundo inferior é mental, cultural e fisiologicamente estranho a eles. Eles imaginam que estão enfrentando demandas do tipo clássico (“pessoas descontentes”) às quais podem responder por meio de meros anúncios e estratégias de comunicação apropriadas. Eles não veem que eles são, na realidade, confrontados com uma revolta necessariamente existencial, vinda de pessoas que, depois de terem desperdiçado suas vidas tentando conquistar algo, descobriram que o que ganham não permite mais que elas vivam e, assim, elas não tem mais nada a perder. No auge das manifestações, no momento em que um helicóptero circulava o Eliseu para o caso de Macron precisar ser extraído, eles, não obstante, estavam com medo. Fisicamente com medo - e nós não temos visto isso há muito tempo também. Hoje, eles recuperaram seu desprezo de classe, mesmo quando tentam ser empáticos, nunca perdoarão aqueles que os assustaram.

Os "relutantes gauleses" são dignos sucessores dos "mendigos" (Geuzen) que, no século XVI, na Flandres e na Holanda fizeram um título de glória com um nome pejorativo, carregando o descontentamento popular que recebeu o apoio de Guilherme de Orange contra a autoridade de Rei Felipe II da Espanha. A guerrilha que lideraram ao longo dos anos a partir de 1556 acabou por alcançar a libertação total das Províncias Unidas. Uma linda canção holandesa celebrando sua memória foi intitulada “Vida Longa aos Mendigos!” Ela merece ser cantada novamente hoje.

Notas:

1)    Beauf é um coloquialismo francês para um homem chauvinista, ignorante e burro com opiniões fortes, mas toscas, popularizado pelo cartunista Cabu, do Charlie Hebdo, que criou um personagem com este nome, derivado de uma contração do francês para cunhado, "beau-frère". O termo pode ser associado ao "redneck" no inglês americano. 

2)    Em francês, “La montagne accouchera d’une souris” significa que um resultado medíocre será obtido de um esforço incomensurável.