09/10/2019

Carlo Giuliano Manfredi - O Mito Solsticial

por Carlo Giuliano Manfredi

(2018)



Deixe-me ir
Do Não-Ser ao Ser
Das Trevas à Luz
Da Morte à Imortalidade
(Brihad Aranyaka Upanishad)

Quando o ano chega ao término, vive-se um momento de passagem dos mais dramáticos, e paradoxais, de todo o ciclo natural das estações (como manifestações das leis que regulam aquela realidade física estruturada pelo nascimento, crescimento, amadurecimento e morte).

Que a escuridão reina soberana, as noites se alongam e a luz parece vencida, todavia no momento em que esta última parece extinguir-se totalmente e o mundo das trevas festeja o próprio triunfo, enquanto tudo parece perdido, na manhã de 21 de dezembro ocorre uma reviravolta da situação, é o evento do Solstício de Inverno (do latim, solstitium “sol” e “que não se mexe”).


Circunstância caracterizada por uma misteriosa (com referência particular à ação/intenção de fechar a boca, emudecer) dimensão na qual tudo resulta suspenso no aguardo de uma revolução (do latim “revolutio”, retorno), e o próprio tempo, em efeito, parece parar. Eis, então, que a escuridão se rende à luz que, lentamente, começa a prevalecer sobre as brumas invernais. É o renascimento após a morte, vitória e ressurreição do novo Sol concebido como uma força invicta, símbolo de um novo ciclo luminoso.

Tal aspecto representa paralelamente uma orientação interior para aqueles que vivem conscientemente o evento, momento ritual (de passagem ou de iniciação) destinado a renovar as energias (o homem velho morre para que o novo possa nascer).

Afinal, a passagem entre o ano velho e o novo, é também análoga àquela entre dois ciclos cósmicos: e é simbolicamente uma reintegração do mundo na sua origem informal. Em relação e em referência ao calendário romano arcaico, evocando Jano e Saturno, se evidencia que o primeiro Deus mencionado é ligado aos solstícios (especificamente com o nome de “juanua coeli” para aquele do inverno) e é ele que introduz a era primordial acolhendo Saturno em Roma. É, então, identificado ao Criador (“jan” significa “gerar”) e Saturno é a sua semente de ouro. Relativamente a este último, ele corresponde ao primeiro terço do inverno e, em sua honra, era celebrada a recorrência pré-solsticial precisamente chamada “Saturnalia” (17-24 de dezembro). Em um clima particularmente festivo (no qual os escravos eram temporariamente libertos, presentes eram trocados, e se elevava também um tipo de rei das brincadeiras) se recordava a “noite ártica” e a renovação do seu Sol Hiperbóreo (setentrional), renovação anual na qual se reestabeleciam simbolicamente as condições anteriores ao princípio (motivo pelo qual os ritos e os costumes de balbúrdia e de “suspensão da ordem” se inseriam coerentemente no corpo mais antigo da festa).

Finalmente, como todos os momentos de passagem, o solsticial é um período carregado de valores simbólicos e mágicos, dominado por mitos e símbolos provenientes de um passado longínquo e, sobretudo, recorrente em todos os âmbitos relativos à civilização indo-europeia e suas ramificações. Particularmente, faz-se referência ao Yule/Jól (festa de solstício de inverno na tradição nórdica) onde se evidencia o mito da “Caçada Selvagem”.

A desordem se desvela como veículo de sabedoria para além e por cima do tempo profano: eterna e profunda Verdade que ainda hoje pode ser apreendida e experienciada como no tempo hiperbóreo das origens das estirpes indo-arianas, posto que todos os mitos conduzem indubitavelmente ao “retorno à origem”.

Este Mito, ligado aos dias solsticiais, se passa nas “doze noites santas”, aquelas que vão do Natal à Epifania, quando o tempo não corre e a realidade é suspensa.

Os Doze se dividem em duas metades, uma que vai dos seis dias de 25 a 30 de dezembro, e os outros seis do 1 a 6 de janeiro. O 31 de dezembro é, assim, excluído dos Doze porque representa a “divisão no tempo”, que como o “nunc”, o presente, exclui simbolicamente o UR (ou seja, aquilo que é passado) e introduz o que deve vir, quando aquilo que é espírito divide e contemporaneamente unifica o divino em relação ao mundano, o passado em relação ao presente. A noite de São Silvestre tem como finalidade se referir à mudança, ao desaparecimento para renascer, à “passagem da divindade na vida humana”. O Armanismo, tal como seu sistema religioso, o Wotanismo, fundiu intimamente conhecimento, ação e fé, de modo que o ário-germânico não só soubesse aquilo em que acreditava, como também confirmasse com suas ações aquilo que sabia e acreditava e com isto reconhecesse a sua “wihinei” (o sagrado) não só como opinião doutrinária com palavras vazias, confirmando-a no sentido mais amplo e pleno da palavra, com o seu agir e operar na vida.

Nos preparamos assim para a aproximação desta importante data posto que na Tradição ela representa não só uma passagem de estação, mas principalmente o renascimento do Homem espiritual.