29/11/2019

José Alsina Calvés - Notas sobre a Geopolítica

por José Alsina Calvés

(2019)



Neste artigo introdutório à geopolítica, queremos discutir algumas questões relacionadas a esta disciplina.

Em primeiro lugar combater os erros e mentiras que certa propaganda de guerra se espalhou em algum momento sobre essa ciência. A geopolítica não faz parte da doutrina "nazista". Primeiro, porque suas origens são muito anteriores. Segundo, porque um de seus criadores, Halford Mackinder, era um inglês muito comprometido com a política externa do Império Britânico, a ponto de ser um dos ideólogos do Tratado de Versalhes. Terceiro, porque outro de seus criadores, o alemão Karl Haushofer (contrariamente ao que divulgou a imprensa britânica à época) não era o cérebro de Hitler, ao contrário, foi perseguido pelos nazistas, internado em Dachau e seu filho mais velho assassinado.

Mas em quarto lugar, e acima de tudo, porque a essência da doutrina nazista não era a geopolítica, mas a raciologia. As grandes decisões estratégicas que Hitler e seus colaboradores tomaram basearam-se em sua teoria da "raça ariana", segundo a qual a expansão da Alemanha seria realizada às custas dos povos eslavos, supostamente "raças inferiores", e devia-se buscar uma aliança com ingleses e franceses, que também eram da "raça ariana". Haushofer, com base em princípios geopolíticos, defendeu a aliança Alemanha-Rússia, seguindo a ideia de Mackinder de unir a Europa com o "Coração da Terra"; ele também defendeu o apoio alemão a povos subjugados pelo Império Britânico para que se rebelassem contra ele. Nenhuma dessas propostas agradou a Hitler, que desprezava os eslavos e que havia escrito no “Mein Kampf” que o Império Britânico e a Igreja Católica eram os principais bastiões da civilização ocidental. O verdadeiro ideólogo do nazismo não era Haushofer, mas Rosenberg, autor de “O Mito do Século XX”.

Outra questão interessante é o status epistemológico e gnoseológico da geopolítica: É uma ciência? É uma tecnologia? É um campo interdisciplinar? Quais são suas relações com outras disciplinas? À luz das possíveis respostas a essas perguntas, descreveremos uma pequena história da geopolítica. Por fim, analisaremos o possível papel da geopolítica na elaboração de um novo discurso na Teoria das Relações Internacionais e nos fundamentos teóricos de um mundo multipolar, como defendeu Aleksandr Dugin.


Reivindicação da Geopolítica

Ao concluir a Segunda Guerra Mundial, com a vitória dos Aliados sobre a Alemanha, Itália e Japão, havia uma formidável ofensiva ideológica e de propaganda, destinada a mostrar que nas nações derrotadas imperavam regimes políticos que representavam a encarnação do “Mal Absoluto”. O regime nacional-socialista era o alvo preferido dessas campanhas, especialmente quando a existência de campos de concentração foi descoberta, onde membros de certas minorias raciais ou religiosas (ciganos, judeus) haviam sido exterminados. Os propagandistas aumentaram os crimes dos derrotados, enquanto escondiam seus próprios (bombardeio atômico em duas cidades japonesas sem nenhum interesse estratégico, Hiroshima e Nagasaki, bombardeio com napalm na cidade de Dresden, assassinatos e violações da população civil, especialmente por parte das tropas russas).

Mas a raiva dos propagandistas não parou por aí. Personagens da vida intelectual alemã, que haviam sido silenciados, boicotados e até perseguidos pelo nazismo, foram acusados de colaboradores, apenas pelo fato de terem flertado com ele em suas origens (que alemão não teria simpatizado inicialmente com um movimento que pretendia rever o Tratado de Versalhes?). Foi o caso de Ernst Jünger, Martin Heidegger ou Karl Haushofer.

Karl Haushofer, um dos criadores da geopolítica, nasceu em 27 de agosto de 1869 em Munique. Em 1887, ele escolheu a carreira militar, e em 1890 ele já é um oficial de artilharia da marinha da Bavária. Em 1896 se casa com Martha Mayer-Doos, uma mulher de origem judaica (escolha curiosa para um suposto "nazista"). Dois filhos nascerão deste casamento, Albrecht e Heinz [1].

Professor da Academia de Guerra em 1904, é enviado ao Japão em 1908 para organizar a marinha imperial. Em 1913, já retornado à Alemanha, apresentou seu primeiro trabalho para o público em geral, “Dai Nihon” (o Grande Japão). No mesmo ano, ele começou a estudar geografia na Universidade de Munique. Ele é mobilizado em 1914 e, após o armistício, é nomeado comandante da 1ª brigada de artilharia da Bavária. Ele retorna à universidade, conclui doutorado em 1919, e deixa a carreira militar para se dedicar ao ensino.

Em 1919, ele conhece Rudolf Hess, com quem iniciou uma grande amizade, e através do qual entrou em contato com os círculos nacional-socialistas. Hess protegerá a esposa de Huashofer, de origem judaica, e seus filhos, considerados semi-judeus após a promulgação das Leis de Nuremberg. Mau começo para a suposta "eminência parda de Hitler", segundo propagandistas ingleses.

Em 1923, ele fundou a prestigiada “Revista de Geopolítica”, junto com seu colega Ernst Obst, reunindo em torno dela uma prestigiada equipe de colaboradores [2]. A princípio, as ideias desenvolvidas por Haushofer foram bem recebidas por Hitler e pelos círculos nacional-socialistas. De fato, o conceito geopolítico de Lebesraum (espaço vital) foi incorporado à terminologia nazista, mas sempre subordinado à ideia raciológica de "raça ariana". Em 1936, o NSDAP definiu geopolítica como "A ciência dos fundamentos territoriais e raciais que determinam o desenvolvimento dos povos e dos Estados" [3].

Logo as coisas mudaram. A defesa da aliança russo-alemã defendida por Haushofer, baseada no critério geopolítico do "Coração da Terra" e não em critérios raciológicos, desagradou a Hitler e à cúpula nazista. A ideia de apoiar os povos submetidos ao Império Britânico (supostas "raças inferiores") para se rebelassem tampouco foram do agrado da hierarquia. De fato, desde 1933 [4] Haushofer era vigiado por agentes do regime, embora à época não fosse incomodado graças à proteção de seu amigo Rudolf Hess.

A partir de 1941, com o vôo de Hess para a Inglaterra e seu desaparecimento do cenário político, a situação de Haushofer e seus filhos é complicada. Seu filho Albrecht é preso e o próprio Haushofer é interrogado pela Gestapo. Após o fracassado atentado a Hitler, em 20 de julho de 1944, Haushofer é internado em Dachau e seu filho Heinz trancado na prisão de Moabit, em Berlim. Mais tarde, ele será libertado, mas seu outro filho, Albrecht, será morto em abril de 1945.

Apesar de tudo isso com a vitória dos Aliados, a perseguição a Haushofer se intensificou, porque, segundo a imprensa britânica, era o "cérebro de Hitler". O Tribunal de Nuremberg o absolverá, mas o título de professor honorário e o direito a uma pensão serão retirados. Em março de 1946, Haushofer e sua esposa Martha se suicidam. Um pouco antes, ele publicou seu último trabalho, “Apologia da Geopolítica Alemã”, onde claramente distinguia o seu trabalho do nazismo.

Status Gnoseológico da Geopolítica

A gnoseologia, epistemologia ou teoria do conhecimento é a parte do discurso filosófico que trata do problema do conhecimento, do método científico, da demarcação do conhecimento científico e da classificação das ciências. Essa estrutura conceitual é onde podemos fazer as perguntas “O que é geopolítica?”, “É uma ciência?”, “É um campo interdisciplinar?”, “É uma tecnologia?”.

Alguns autores tentaram resolver o problema, argumentando que a geopolítica pode realmente ser subsumida na geografia. Em parte, eles estão certos, porque nas origens da geopolítica encontramos os geógrafos como os principais protagonistas. O trabalho pioneiro de Frederich Ratzel, publicado em 1896, tinha o título de “Politische Geographie” (Geografia Política), e de formação geográfica também foram Mackinder (autor de “O Pivô Geográfico da História”) e o próprio Haushofer.

No entanto, subsumir a geopolítica na geografia não resolve o problema de seu status gnoseológico, uma vez que, como Lacoste revelou [5], a ausência absoluta de qualquer reflexão teórica entre os geógrafos é surpreendente. O debate epistemológico, a crise de fundamentos ou os problemas metodológicos que surgiram em muitas disciplinas provocaram o surgimento das chamadas "filosofias particulares" (filosofia da história, da física, da biologia etc.). Nada disso ocorreu na geografia, quando paradoxalmente, a situação dessa disciplina como "articulação" entre ciências naturais (geomorfologia, botânica) e ciências sociais (história, economia) parecia torná-la um campo ideal para esse tipo de debate.

Para definir o status gnosiológico da geopolítica teremos em conta as seguintes variáveis:

1 – A existência de um objeto de estudo e de um método
2 – A relação com outras ciências ou disciplinas
3 – A existência de uma comunidade científica ou “colégio invisível”
4 – A existência ou não de uma teoria unificadora (paradigma) e de programas ou tradições de investigação

Existem várias definições de geopolítica, mas todas se referem à influência (determinante ou condicionante) de fatores geográficos na política dos Estados. Isso coloca a geopolítica em uma situação de "articulação" entre ciências naturais (geomorfologia, climatologia) e ciências sociais (política). Portanto, o objeto de estudo da geopolítica será duplo (ou trino): os fatores geográficos, a política dos Estados e a influência dos primeiros nos segundos.

Sua metodologia também apresentará uma dualidade: na análise de fatores geográficos, utilizará os métodos próprios das ciências naturais, enquanto na análise de fatores políticos, utilizará métodos próprios das ciências sociais.

Quanto ao seu relacionamento com outras ciências ou disciplinas, deve-se notar que a geopolítica nasce no âmbito da geografia (na verdade, pode ser considerada um ramo ou especialidade dela), mas acaba tendo uma identidade própria.

Outro aspecto interessante a ser observado é que a geopolítica nunca foi configurada como um "conhecimento pelo conhecimento", mas que a teoria sempre esteve profundamente ligada à práxis. Além disso, podemos afirmar que, antes que a geopolítica se constitua como disciplina, antes mesmo de o nome existir, já havia uma práxis geopolítica. Na dialética de Estados e Impérios, no desenvolvimento de estratégias diplomáticas e militares, sempre foram levados em consideração o fator geográfico, a dominação e a apropriação do espaço.

É no final do século XIX e início do século XX que nasce o nome "geopolítica" e as comunidades científicas começam a se constituir, basicamente ao redor da docência universitária (nas faculdades de geografia) ou nas escolas militares. O surgimento de periódicos especializados é outra característica ligada ao nascimento das comunidades científicas, a “Revista de Geopolítica”, fundada em 1923 por Haushofer e Obst, a primeira do gênero.

Finalmente, diremos que não há teoria ou paradigma unificado compartilhado por todas as escolas e autores da geopolítica. Como a geopolítica é uma “ciência espacial”, o lugar ocupado por uma escola ou um autor é fundamental. Assim, pode-se falar de uma “geopolítica do mar”, de uma “geopolítica da terra” e, mais recentemente, de uma “geopolítica do ar”. No entanto, existe um conjunto de conceitos básicos, desenvolvidos por Mackinder, como Heartland (Coração da Terra), que são compartilhados pela maioria das escolas.

Breve História da Geopolítica

Ao tentar descrever o desenvolvimento histórico da geopolítica, devemos distinguir qual seria a práxis geopolítica do nascimento da geopolítica como disciplina. A práxis geopolítica é inseparável da dialética de Estados e Impérios. Como Gustavo Bueno apontou muito bem, em toda sociedade política devemos distinguir uma Camada Basal (o controle ou soberania sobre um território, que será a Terra dos Pais ou Pátria), a Camada Conjuntiva (as instituições governamentais) e a Camada Cortical (as relações com outras sociedades políticas, isto é, diplomacia e guerra). Tanto a Camada Basal como a Cortical implicam uma práxis geopolítica.

O termo "geopolítica" e o início da disciplina devem ser colocados em 1896, quando Frederich Ratzel publicou “Geografia Política”. As ideias de Ratzel foram posteriormente desenvolvidas por Rudolf Kjellén, em seu livro “O Estado como Forma de Vida”, publicado em 1916. Ele definiu a geopolítica como “a influência de fatores geográficos, no sentido mais amplo da palavra, no desenvolvimento político de povos e Estados". Para Kjellén, a geopolítica é um dos cinco ramos que compõem o Estado, sendo os demais a Cratopolítica, a Demopolítica, a Sociopolítica e a Oicopolítica [6].

Na primeira metade do século XX, as duas grandes figuras a se destacarem são Karl Haushofer, que já tratamos no parágrafo anterior, e o inglês Halford Mackinder.

O conceito geopolítico de Heartland foi introduzido por Mackinder [7] e vinculado à existência geográfica de bacias endorréicas, ou seja, grandes bacias hidrográficas que desembocam em mares fechados (Mar Cáspio, Mar Negro). Heartland vem do inglês “heart” (coração” e “land” (terra), sendo talvez "terra nuclear" ou "região cardíaca" as traduções mais próximas do espanhol. O Heartland é a soma de uma série de bacias hidrográficas contíguas cujas águas darão corpos aquáticos inacessíveis à navegação oceânica. Trata-se das bacias endoréicas da Eurásia, além da parte da bacia congelada do Oceano Ártico na Rota Norte, com uma camada de gelo entre 1,2 e 2 metros, e, portanto, impraticável uma boa parte do ano - exceto para os quebra-gelos de propulsão atômica (que apenas a Federação Russa possui) e embarcações similares. [8]

A regra de ouro de Mackinder poderia ser traduzida como "Quem una a Europa com o Coração da Terra dominará o Coração da Terra e, portanto, a Terra". O Heartland não possui um centro nevrálgico claro e pode ser definido como um corpo gigantesco e robusto em busca de um cérebro. Como entre Heartland e Europa não existem barreiras geográficas naturais (cadeias de montanhas, desertos, mares etc.), a cabeça mais viável para Heartland é claramente a Europa, seguida a longa distância por China, Irã e Índia.

A marcha da humanidade européia em direção ao coração da Ásia culminou quando a cultura grega foi introduzida na própria Mongólia: hoje a língua mongol é escrita com caracteres cirílicos, de herança greco-bizantina, o que significa que a queda de Constantinopla realmente projetou a influência bizantina muito mais a leste do que os imperadores ortodoxos jamais poderiam imaginar. No entanto, a tarefa da Europa não termina aqui, pois apenas a Europa pode empreender a empresa que converta o Heartland no poderoso espaço fechado profetizado por Mackinder.

Para aprofundar o assunto, é necessário familiarizar-nos com a cosmogonia mackinderiana, que dividiu o planeta em vários domínios geopolíticos claramente definidos.

A Ilha Mundial é a união entre Europa, Ásia e África, e o mais parecido que há nas terras emersas de Panthalassa ou Oceano Universal. Dentro da Ilha Mundial se encontra a Eurásia, a soma entre Europa e Ásia, que é uma realidade mais separada da África desde a abertura do Canal de Suez em 1869, que permitiu que o poder marítimo envolvesse ambos os continentes.
O Heartland não precisa de introdução. A teoria mackinderiana parte do fundamento de que o Heartland é uma realidade geográfica no seio da Ilha Mundial, do mesmo modo que a Ilha Mundial é uma realidade geográfica no seio do Oceano Mundial.
O Rimland, também chamado de Crescente Interior ou Marginal, é uma enorme franja terrestre que circunda o Heartland e que consiste nas bacias oceânicas anexas ao mesmo. Pentalasia, os Bálcãs, Escandinávia, Alemanha, França, Espanha e a maior parte de China e Índia, se encontram no Rimland.
O Crescente Exterior ou Insular é um conjunto de domínios ultramarinos periféricos, separados do Crescente Interior por desertos, mares e espaços gelados. África Subsaariana, Ilhas Britânicas, as Américas, Japão, Taiwan, Indonésia e Austrália se encontram no Crescente Exterior.
O Oceano Mediterrâneo (Midland Ocean) é o Heartland do poder marítimo. Mackinder definia o Oceano Mediterrâneo como a metade norte do Atlântico somado por todos os espaços marítimos tributários (Báltico, Baía de Hudson, Mediterrâneo, Caribe e Golfo do México). Recordemos que as maiores bacias fluviais do mundo são as que desembocam no Atlântico – depois vem as do Ártico e só em terceiro lugar vem as baías do Pacífico.

Observe-se que essas ideias geopolíticas serviram de guia na política e na estratégia estrangeiras inglesas. Na Primeira e na Segunda Guerra Mundial, a diplomacia britânica conseguiu impedir uma aliança Alemanha-Rússia que teria unido a Europa com o Heartland. De fato, Mackinder, longe de ser um mero intelectual, era uma pessoa muito comprometida com a diplomacia e a política externa inglesas. Ele foi um dos ideólogos do Tratado de Versalhes, cujo objetivo era a neutralização política e militar da Alemanha. Ele também foi um dos ideólogos do apoio inglês aos russos brancos, na luta contra os bolcheviques. O objetivo era fragmentar a Rússia em uma série de pequenos Estados feudatários do Império Britânico, embora a vitória bolchevique frustrasse esse plano.

Como já comentamos, após a Segunda Guerra Mundial, o termo "geopolítica" foi estigmatizado e relacionado ao regime nazista. Essa campanha de propaganda, dirigida principalmente contra Haushofer, não impediu que os conceitos geopolíticos seguissem sendo usados na dialética dos Estados e Impérios, especialmente no confronto EUA-URSS que se deu na Guerra Fria.

O primeiro europeu a publicar uma versão não-alemã da geopolítica foi o francês Jacques Ancel, com seu trabalho “Geopolitique”, em 1936 [9]. Embora muito crítico dos alemães, que ele acusa de "pedantes com aparência científica", Ancel revisa o conceito de "fronteira" e "nação" na linha iniciada por Ratzel.

Nos Estados Unidos, graças ao trabalho dos geógrafos alemães refugiados naquele país, a partir de 1941, começaram a ser publicados trabalhos relacionados a questões geopolíticas. O exemplo mais significativo é o de Hans W. Weigert, refugiado nos Estados Unidos desde 1938 e professor do Trinity College em Chicago. Em 1942, ele publicou “Generals and Geographers: The Twilight of Geopolitics”, onde descreve os conceitos e ideias centrais dos autores clássicos e reivindica a obra de Haushofer, isentando-o de qualquer relação com o regime nazista [10]. Outros autores norte-americanos, como Mahan, Dorpalan ou Spikman, não foram tão receptivos a Haushofer e se dedicaram a distorcer a geopolítica alemã, e até mesmo a rejeitar o termo frente ao de Geografia Política [11].

Também devemos mencionar o geopolitólogo austríaco Robert Strausz-Hupé, que publicou em 1942 “Geopolitics: The Struggle for Space and Power”, onde ele insiste nos fatores geográficos na política e nas relações de poder.

Na política externa dos Estados Unidos, o uso de conceitos e estratégias baseadas na geopolítica era constante desde que James Monroe, em 1823, anunciou sua doutrina "América para os americanos", algo ademais lógico, porque a práxis geopolítica tem sido uma constante na história da dialética dos Estados e Impérios. Na mesma linha, poderíamos citar o Destino Manifesto (1840), o Corolário Roosevelt (1905) ou os 14 Pontos de Wilson (1918).

Logicamente, o início da Guerra Fria significou a reutilização desses conceitos e estratégias, mesmo que o termo "geopolítica" fosse rejeitado e associado ao nazismo. Nesta linha, devemos mencionar Nicholas Spykman, que em seu trabalho “American Strategy in World Politics”, publicado em 1942, tenta equilibrar o termo "Geopolítica", que por um lado associa o regime nazista, por outro, considera-o sinônimo da "geografia política" e da qual ele finalmente reconhece sua importante utilidade em uma política de segurança.

Para Spykman, os Estados Unidos devem ser a potência hegemônica mundial, com poder suficiente para impor sua lei no interior e no exterior. De fato, ele foi o ideólogo da política de controle sobre as nações latino-americanas, com a imposição de ditaduras militares fantoches. Muitos de seus postulados foram coletados na Doutrina de Segurança Nacional (março de 1947) dos Estados Unidos.

Inspirado em Spykman (e também em Mackinder) foi o artigo de Georges Kennan, "As Fontes do Comportamento Soviético", publicado em 1947 na revista “Foreign Affairs”, com o pseudônimo de "X". A conclusão prática dessas políticas foi uma política externa expansiva, destinada a criar "clones da doutrina americana" na América Latina, no Caribe e no sudeste da Ásia, para conter a "expansão comunista". Observe que a atual globalização nada mais é do que uma extensão dessas políticas para todo o mundo.
Finalmente, devemos mencionar várias escolas geopolíticas que surgiram nos países latino-americanos. No México, devemos mencionar Jorge A. Vivó Escoto e Alberto Escalona Ramos. O primeiro publicou em 1943 “Geopolítica. Sobre a necessidade de dar uma nova organização à geografia política do Caribe”, onde o pensamento de Haushofer ainda está associado ao nazismo, embora ele reconheça que a geopolítica e o nazismo não são equivalentes. Muito mais duro é Leonardo Martin Echevarria, professor da UNAM, onde em seu livro “Geografia Humana” (1948), ele define geopolítica como "uma contemplação parcial e cruel da geografia humana, deturpada por geógrafos alemães".

A geopolítica recebeu um novo impulso no México em 1959, com a publicação de “Geopolítica e Geoeconomia Mundial” por Alberto Escalona Ramos, onde desenvolve extensivamente os argumentos históricos, geográficos e políticos de natureza global que dão suporte às suas abordagens.

No Brasil, Milton Santos deve ser mencionado como o representante máximo da escola brasileira, nascida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, e a fundação da revista “Geógrafos Brasileiros” em 1934.

No Peru, devemos mencionar Israel Lira e o Centro de Estudos Crisolistas que, embora não sejam especificamente dedicados à Geopolítica, mas à disseminação e adaptação da Quarta Teoria Política de Dugin, geralmente usam conceitos geopolíticos.

Finalmente é necessário citar o interesse que a geopolítica desperta na Escola Superior de Guerra na Argentina e em círculos intelectuais vinculados ao peronismo radical.

Geopolítica e Multipolaridade

A geopolítica é um instrumento fundamental na elaboração da teoria da multipolaridade por Aleksandr Dugin [12]. Dugin basicamente usa dois conceitos extraídos da geopolítica: o de "Heartland" ou Coração da Terra, a que já nos referimos, e a distinção entre Civilizações da Terra e do Mar, desenvolvida por Carl Schmitt.

As civilizações telúricas ou terrestres são caracterizadas por uma série de itens ideológicos e sociológicos. Conservadorismo, holismo, antropologia coletiva e culto aos valores do ascetismo, da honra e da lealdade. São civilizações enraizadas na terra e dos valores da Tradição e da continuidade. Em contraste, os valores individualistas, universalistas e comerciais predominam nas civilizações talassocráticas ou marítima. O oceano carece de fronteiras e o navegador perde facilmente suas raízes. Nos tempos antigos, a oposição entre Roma (a Terra) e Cartago (o Mar) é um bom exemplo dessa dualidade. Na modernidade, a Inglaterra é um exemplo primitivo da civilização talassocrática, assim como os EUA, a partir de um determinado momento de sua história.

Carl Schmitt, para explicar as diferenças entre esses dois tipos de civilizações, cita o mito das doutrinas cabalistas, que representavam a história universal como a luta entre a baleia poderosa, o Leviatã, contra um monstro não menos poderoso, o Behemoth, o qual representavam como um touro ou um elefante. Ambos os nomes vêm do livro de Jó. Em sua luta, o Behemoth tenta destruir o Leviatã com seus chifres e presas, enquanto o Leviatã fecha com suas barbatanas as mandíbulas e o focinho da besta para impedi-lo de comer e respirar. Para Schmitt, essa imagem mítica representa o bloqueio de uma potência terrestre por uma marítima, que corta seus meios de suprimento para matá-los de fome. Schmitt acrescenta que, para os judeus cabalistas, tudo termina com a morte dos monstros (isto é, das potências em luta), enquanto eles, que permaneceram à margem, comem a carne dos animais mortos e constroem tendas com sua pele.

Para Dugin, a Rússia sempre foi uma civilização telúrica. Do Rus de Kiev, do czarado moscovita, à URSS ou à atual Federação Russa, por cima (ou por baixo) das diferenças políticas ou ideológicas, há um conjunto de características comuns no curso da história da Rússia: o confronto contínuo, ideológico e geopolítico com as civilizações "do mar". A Guerra Fria e o atual confronto da Rússia de Putin com os EUA e seus aliados são um bom exemplo desse confronto, mesmo com diferentes motivações políticas e ideológicas.

À política da globalização, que é uma tentativa de estender de maneira totalitária os pressupostos da civilização ocidental (e especialmente dos EUA) a toda a Terra, impondo seus valores (mercado, individualismo, democracia formal), mesmo que pela força, Dugin opõe a uma concepção multipolar, com a ideia de Grandes Espaços que coincidem com as grandes civilizações.

Nesse sentido, o bloco formado pela Rússia e seus aliados coincide com a Eurásia e o domínio do Heartland e deve desempenhar um papel fundamental na geopolítica do futuro, em aliança com a China e outros países emergentes (Índia, Brasil) para se opor à Globalização.

A partir daqui,o conceito de eurasianismo assume dois significados diferentes. Em seu sentido mais restrito e original, refere-se à afirmação e defesa do bloco euro-asiático e dos valores da civilização cristão-ortodoxa, capazes de se opor à política unipolar dos Estados Unidos. Mas, em um sentido geral, onde há defesa de uma identidade nacional ou cultural contra a homogeneização globalizada, o eurasianismo pode ser mencionado em um sentido mais genérico.

Assim, quando os poloneses afirmam sua identidade nacional e católica, quando os franceses ou os gregos se defendem das políticas neoliberais da UE, ou quando os espanhóis defendem nossa identidade hispânica contra o separatismo ou contra as modas "made in USA", Mesmo sem saber, estamos praticando eurasianismo.

O eurasianismo torna-se assim a bandeira ideológica de todos aqueles que lutam por um mundo multipolar, respeitoso não apenas com as diferenças das grandes civilizações (europeia, eurasiática, árabe etc.), mas também com as diferenças étnicas e peculiaridades culturais de os diferentes povos que compõem cada uma dessas grandes civilizações.

De nossa parte, pensamos que esse uso genérico do termo "eurasianismo" pode ser confuso ou ser interpretado como uma espécie de "imperialismo doutrinário" russo. Acreditamos que a aplicação das ideias de Dugin à realidade espanhola deve ser chamada de hispanismo (assim como no Peru nosso amigo e colega Israel Lira chama crisolismo de aplicação à sua realidade nacional da Quarta Toería Política).

Dugin ressalta, a esse respeito, que o Estado Nacional, apesar de suas origens liberais e sua contribuição para a homogeneização das populações, como um primeiro passo para a total homogeneização da Globalização, pode desempenhar um papel de resistência à mesma. Embora seja verdade que nenhum Estado Nacional, por si só, possa resistir à Globalização, sua resistência à perda de poder pode retardar seu progresso. Temos um bom exemplo na França, onde a defesa do Estado Nacional Francês pela Frente Nacional de Marine Le Pen se tornou um obstáculo aos processos migratórios e às políticas neoliberais patrocinadas pela UE.

Notas

[1] Steuckers, R. (2012) “Karl Haushoffer (1869-1946)” Nihil Obstat, revista de historia, metapolítica y filosofía, nº 18-19, pp. 83-90.

[2] Cuellar Laureano, R. (2012) “Geopolítica. Origen del concepto y su evolución” Revista de Relaciones Internacionales de la UNAM, nº 113, pp.59-80.

[3] Cuellar, obra citada.

[4] Borrel, J.J. (2017) “Karl Haushoffer frente a sus críticos. Presentación de Apología de la Geopolítica alemana” Revista de la ESG, nº 595, pp. 61-68.

[5] Lacoste, Y. (1977) La Geografía: un arma para la guerra. Barcelona, Editorial Anagrama.

[6] Cuellar, obra citada.

[7] Em sua obra The Geographical Pivot of History publicada em 1904

[8] Alsina Calvés, J. (2015) Aportaciones a la Cuarta Teoría Política. Tarragona, Ediciones Fides, pp. 110-112.

[9] Cuellar Laureano obra citada.

[10] Idem.

[11] Cadena Montenegro, obra citada.

[12] Dugin, A. (2017) Geopolítica del mundo multipolar. Tarragona, Ediciones Fides; (2017) Teoría del mundo multipolar. Tarragona, Ediciones Fides. (2018) Geopolítica existencial. Conferencias en Argentina. Tarragona, Ediciones Fides.