por Aleksandr Dugin
(2018)
Eu conversei mais ou menos recentemente com Francis Fukuyama, e chegamos à conclusão de que a definição da democracia como o poder da maioria é obsoleta, velha e pouco funcional. A nova definição da democracia, segundo Fukuyama, é o poder das minorias dirigido contra a maioria. Porque a maioria pode ser populista – portanto, a maioria é perigosa.
Sobre o problema do tempo. O filósofo alemão Edmund Husserl disse que precisamos compreender o tempo como música. Na música, nós ouvimos a nota anterior, a nota atual e antecipamos a próxima. Sem isso, se ouvirmos apenas uma nota – isso é barulho, não música. Música é quando temos em mente a nota que soou previamente e antecipamos a nota que seguirá. Assim, a história e o futuro não são fundamentalmente a nova nota, mas a continuação da melodia que já estamos tocando agora.
Este é o ponto fundamental do comentário de Sloterdijk sobre urbanização: a melodia não começa agora, nós a estamos tocando há um certo tempo. Há uma imensa tendência de inevitabilidade aí – nós não podemos parar essa melodia, mas ao mesmo tempo, se quisermos mudar alguma coisa estamos obrigados a pôr um fim nela. Assim, há um tipo de destino nessa transformação da sociedade a partir de condições de vida rurais e agrárias na direção de condições urbanísticas.
Considerando o significado filosófico desse processo histórico nós vemos que com cada passo o ser humano se torna mais e mais independente da natureza. Ele cria um ambiente cada vez mais artificial, um mundo mais e mais virtual, porque a cidade, se comparada com a aldeia, é virtual – não há a mesma dependência da primavera ou do inverno, nós sempre temos luz. E essa é a preparação para os robôs, para seres completamente virtuais – nós já somos semi-robôs. A cultura urbana, a cultura técnica já está aqui – nós somos cada vez mais independentes da natureza, a maior parte da população (não só na Europa) é urbana.
O processo de urbanização não pode ser detido. Estamos nos transformando em robôs, nossa sociedade é cada vez mais robotizada. Para fazer essa transição de homens para robôs precisamos incorporar aspectos robóticos em nossa vida. Na filosofia há Quentin Meillassoux, uma ontologia voltada para o objeto que critica qualquer tipo de dualismo. Meillassoux tenta salvar a filosofia em relação ao sujeito, ao humano. Por isso eu diria que Meillassoux é como um cérebro de silicone, porque da mesma maneira o robô poderia fazer filosofia, ou não-filosofia (François Laruelle), ou uma ontologia baseada exclusivamente no objeto.
Estamos nos preparando para o futuro, estamos jogando este jogo com a urbanização, e é hora de nos lembrarmos do que Heidegger falou sobre o técnico como processo metafísico. Estamos envolvidos no processo técnico, e se seremos substituídos pela próxima fase desse mundo tecnológico, ele trará consigo um tipo de continuidade, e não algo completamente novo. Porque nós já temos tocado há certo tempo. Estamos preparando cada passo da grande substituição: estamos prontos para substituirmos a nós mesmos e para sermos substituídos.
A substituição não será algo completamente novo e horrível, porque o horrível já está aqui, entre nós. Não apenas no Ocidente, na Rússia ou na Ásia – por toda a humanidade algo horrível acontece nesse momento, e tem acontecido.
Em minha opinião, estamos nos aproximando de algum momento de Singularidade – ou seja, de um momento no qual a rede neural terá permissão para assumir a responsabilidade em um momento crítico. O assassinato de uma pessoa por um carro-robô sem motorista da Tesla é uma antecipação do que está acontecendo. Acordaremos um dia para descobrirmos que já fomos substituídos.
Estamos tocando a mesma melodia, e se não estivermos felizes poderíamos dizer “pare”... Só que isso não é possível. Temos que percorrer essa rota de volta ao princípio – rumo à primeira nota dessa sinfonia. Nós deveríamos perguntar agora: quem é o autor que deu início a esse processo de urbanização, que criou os trens, o liberalismo, a democracia, o progresso, o míssil, o computador, a fusão nuclear. Quem é o verdadeiro autor? E isso é essencial: porque foi a decisão humana, esse não foi um tipo de “processo natural”. Em um dado momento da história nós decidimos trilhar esse caminho, e agora nós só podemos desacelerar ou acelerar. Mas por que não perguntamos a nós mesmos: estaríamos indo na direção correta desde o começo? Terá sido essa decisão a correta?
Devemos retornar a esse momento, ao princípio dessa melodia – essa é minha ideia. Pode ser tarde demais e acordarmos cercados por robôs, perfeitos pagadores de impostos, tomando decisões democráticas, enviando mensagens SMS uns aos outros, de robô par robô.
A conversa entre robôs já é possível, nas redes neurais já há uma linguagem específica para isso. Durante uma interação dois computadores recentemente criaram uma linguagem sem conhecimento do operador. Eles, portanto, podem nos substituir facilmente.
O que é o robô filosoficamente? O robô, o intelecto artificial, é o Das Man de Heidegger. Ele é a existência inautêntica do Dasein. Mais do que isso: Era uma vez quando a humanidade ocidental tomou a decisão de liquidar o Dasein de uma vez por todas. Ele é, portanto, a inautenticidade irrevogável em si mesma. E ele já está aqui – agora, não amanhã.