por Sisto Cirioli
(2018)
(2018)
O fascismo pode ser realmente compreendido como uma “entidade” política independente? Pode ser cindido da imensa figura de Benito Mussolini, encarnação por excelência do conceito de cesarismo?
É necessário, em primeiro lugar, de modo propedêutico, delinear os contornos principais do cesarismo. Por cesarismo (ou bonapartismo) entendemos um tipo particular de regime autoritário, ancorado na existência – física – de um líder indiscutido e estabelecido, mediante um ato juridicamente traumático, como reação a uma situação de crise profunda. O “césar” – homo novus, estranho à classe dirigente – é o clássico chefe carismático: celebrado como o homem do destino as honras que lhe são concedidas se assemelham à idolatria pagã. Ainda que os únicos modelos indiscutíveis de cesarismo sejam a ditadura de Caio Júlio César e o governo de Napoleão Bonaparte, imponentes perfis cesaristas podem ser encontrados nos regimes totalitários do século XX, associados por um eloquente fio condutor: o culto (nada menos que obsessivo) ao grande condutor.
Em relação a isso pode ser particularmente interessante uma breve referência ao conto “Heart of Darkness”, escrito por Joseph Conrad e publicado, pela primeira vez, em 1899. A obra do autor polaco-britânico, de fato, através da tenebrosa figura de Kurtz, comerciante de marfim, constitui uma triste metáfora, inconscientemente profética, das consequências sangrentas às quais teriam chegado os regimes cesaristas do século XX. Pode, portanto, o regime fascista, à luz das considerações feitas, ser definido como cesarista, fundado, isto é, imprescindivelmente, na pessoa de Benito Mussolini? “É verdade ou não é verdade, Presidente, que uma sucessão de vinte, trinta anos seria dificílima, ou mesmo impossível? Presidente, o que é o Estado hoje? A fé em Mussolini. Nós não chegamos, até agora, ao Estado que dá força aos homens. É o homem que dá força ao Estado. O que acontecerá quando não houver este homem?”. O dilema sobre o qual o Ras de Cremona – Roberto Farinacci – põe ênfase enfaticamente é dotado de desarmante linearidade: o regime fascista havia sido concebido para sobreviver à morte de Mussolini ou, ao contrário, estava destinado a perecer junto ao seu fundador, aderindo à lógica milenar do “simul stabunt, simul cadunt”?
Sendo tais os termos da questão, se fazem necessárias, agora, algumas considerações determinantes. Primeiramente, induz à reflexão a inexistente designação, por parte de Mussolini, de um herdeiro político (ou, em todo caso, a inexistência, no seio do Grande Conselho do Fascismo, de um mecanismo dedicado à gestão da inevitável sucessão). Qual teria sido a razão íntima de tal escolha – o espectro de um parricídio ou, na verdade, a busca tenaz por um lúcido projeto bonapartista – conta apenas relativamente: no caso de uma morte prematura do Duce a herança fascista teria sido acometida por uma ruinosa tempestade de incerteza. Farinacci, em relação a isso, não tinha qualquer dúvida: “Eu estou firmemente convicto de que enquanto Deus o conservar em vida e no governo da Itália – com ou sem esporas – o Regime se manterá firme. Todos os italianos, te digo com melhor garantia do que muitos daqueles que estão próximos de você, se tornam supermussolinianos quando pensam por um só instante que a vossa morte poderia precipitar a Itália na catástrofe. Você acredita que amanhã o povo italiano encontraria uma solução coerente com o seu passado recente? Eu não creio. Diante de nós há um grande mistério. Não há nenhuma ideia forte que possa vencer nos homens do Regime o canibalismo, a inveja, a desconfiança, e a você sucederá uma luta fratricida e contra o fascismo, voltando seus dentes contra si mesmos, se lançarão a parte do povo que não é fascista e a parte do exército que se distancia de nós mais a cada dia pela estultice política do general Gazzera”.
Emerge de forma espontânea, a tal ponto do discurso, a imensa distância em relação ao paralelo experimento nazista. O plano Valquíria original (habilidosamente aplicado, em um segundo momento, pelos conspiradores de Claus Schenk von Stauffenberg) prevendo a mobilização das milícias de reserva em caso de colapso da frente interna, delineava, de fato, o modus operandi necessário para confrontar situações emergenciais e, com isso, abstratamente idôneo a tutelar a ordem pública em caso de morte prematura de Hitler. Mesmo na URSS, apesar da eficiência dos expurgos impedir delinear um pós-Stálin, a centralidade do Partido garantia a sobrevivência da estrutura estatal ao seu “grande timoneiro”.
Em segundo lugar, retomando o núcleo central do discurso, assume absoluta centralidade o valor inequívoco assumido pelo fato histórico: após a destituição de Mussolini (a noite de 25 de julho de 1943) o Regime se dissolve e a Itália, abandonada ao seu infausto destino, se precipitou em uma fase dominada pela desordem e pela covardia, culminando com o humilhante armistício de Cassabile, oportunamente definido como a “morte da Pátria”. A questão inicial, assim, se resolve ex se, estando agora madura a reflexão historiográfica para introduzir o conceito de Estado de Mussolini, no lugar do enganoso (e necessariamente simplista) “regime fascista”. Os anos 30 do século XX viram, de fato, completado o processo inexorável com o qual Mussolini, se beneficiando dos efeitos de uma extraordinária obra propagandista, passou a se substituir ao Estado e traduziu o patriotismo dos italianos no plano da fidelidade ao Duce: o canto de Mameli havia dado lugar à Giovinezza, celebração da laboriosa obra de redenção do povo italiano empreendido por aquele que aparecia como o homem da Providência.
A mudança de perspectiva proposta, em conclusão, é absolutamente vantajosa para o fim de introduzir a (necessária) distinção entre a ideologia fascista (o programa de San Sepolcro constitui, a tal propósito, um documento de absoluta importância) e a concretização histórica da mesma, objetivando, assim, definir a justa relação entre fascismo e mussolinismo.