23/10/2019

ARPLAN - Peregrinos no Vazio: O Partido Comunista Alemão, o Nacional-Bolchevismo e a “Linha Schlageter”

por ARPLAN

(2018)



A Ocupação do Ruhr

Em 11 de janeiro de 1923, várias fileiras de tropas francesas e belgas marcharam pela Renânia desmilitarizada rumo ao Vale do Ruhr. "Estamos buscando carvão", anunciou o primeiro-ministro francês Poincaré, e isso, pelo menos na superfície, fornecia a justificativa oficial para a ocupação agressiva do Ruhr. A Alemanha havia repetidamente falhado nos pagamentos de reparações exigidos pelo Tratado de Versalhes;  devia à França 200 mil metros de postes telegráficos e vários milhões de marcos de ouro em carvão; e assim 70 mil soldados estrangeiros entraram no coração industrial da Alemanha.

O povo alemão, no entanto, suspeitava que motivos mais cínicos estavam levando os engenheiros e administradores gauleses que estavam agora, sob proteção militar, a confiscar recursos alemães para exportação forçada para o Ocidente. A aversão de Poincaré pela nação alemã era infame, assim como as ambições territoriais francesas na Renânia; aos olhos de muitos alemães, o verdadeiro propósito da ação franco-belga não era “buscar carvão”, mas aleijar permanentemente e desmembrar o corpo ferido da nação alemã.

Ironicamente, a tentativa da França e da Bélgica de enfraquecer a nascente República Alemã criou uma frente unida de resistência, alimentando as chamas do nacionalismo alemão. Não há meios mais eficazes de inflamar uma onda de patriotismo do que uma invasão estrangeira, particularmente em uma nação que já sofre com as humilhantes feridas da rendição, da dívida de guerra, da instabilidade política e de uma crescente hiperinflação. A conseqüência imediata da ocupação foi o reagrupamento dos segmentos da sociedade alemã que, até o barulho das botas francesas e belgas vagando pelas estradas renanas chegarem aos seus ouvidos, estavam na garganta uns dos outros.

O Chanceler Wilhelm Cuno, da centro-direita, declarou seu apoio a uma campanha de resistência passiva local. Os industriais alemães recusaram-se a entregar as remessas exigidas de carvão. Os social-democratas organizaram greves e manifestações. Os sindicatos se uniram às associações de empregadores para levantar fundos para trabalhadores engajados em ações industriais. E os nacionalistas radicais – veteranos dos Freikorps, ativistas völkisch e Verbänden patrióticos, muitas vezes apoiados clandestinamente pelo exército – se envolveram em atos de represália violenta, retaliando contra massacres, prisões e buscas domiciliares conduzidas pelas forças de ocupação francesas com seus próprios atos de sabotagem, assassinato e terrorismo.


A Morte de Schlageter

Em 9 de maio de 1923, um desses nacionalistas radicais foi sentenciado à morte pela corte militar francesa por sua participação na explosão de uma ponte ferroviária. A execução em 26 de maio desse sabotador da Ruhrkampf, Albert Leo Schlageter, resultou em sua ascensão ao status de mártir, tornando-se um herói simbólico da resistência alemã – não apenas para nacionalistas e para a direita em geral, mas, também, para o movimento comunista. A morte de Schlageter e sua subsequente celebração pela Internaiconal Comunista iniciou um breve, mas vibrante e estranho, período na história do comunismo alemão – um caracterizado pela aberta colaboração nacional-comunista e pela adoção oficial pelo Partido Comunista da Alemanha (KPD), pela primeira vez, de uma postura abertamente nacional-bolchevique.

Schlageter era uma figura incomum para receber a aclamação do movimento marxista-leninista internacional. Um soldado da Primeira Guerra Mundial condecorado, veterano das campanhas do putsch Kapp e das Freikorps no Báltico e na Alta Silésia, participante do esmagamento da revolta dos trabalhadores no “Levante de Março”, comerciante de armas clandestino e organizador político nacional-socialista - Schlageter na verdade, era a personificação de tudo o que os comunistas afirmavam estar lutando contra.

O homem que se tornou o campeão póstumo de Schlageter, Karl Radek, era igualmente improvável. Radek era um judeu polonês austro-húngaro, um objetor de consciência, um revolucionário bolchevique, um compatriota de Lênin e Rosa de Luxemburgo, co-fundador da Liga Espartaquista, um homem de tais inclinações naturalmente radicais, que acabou por alinhar-se com a Oposição de Esquerda de Trotsky, antes de ser aniquilado no Grande Expurgo. No rescaldo da Revolução Bolchevique, Radek passou a ser considerado o "especialista alemão" da Comintern; suas atividades clandestinas promovendo a revolução no território alemão lhe renderam não apenas um ano de prisão no cárcere de Moabit em 1919, mas também uma compreensão perspicaz do caráter e da cultura alemães.

Porém, Radek era também um estrategista maquiavélico, um realista (ou, menos caridosamente, um oportunista) disposto a negociar com políticos, generais e industrialistas burgueses tanto como com outros revolucionários. Foram essas qualidades que garantiram que ele reconhecesse a atração instintiva que o nacionalismo tinha sobre os corações do povo alemão, inclusive de seu proletariado. Radek acreditava que a Ruhrkampf e o fermento nacionalista que ela havia agitado forneciam uma plataforma revolucionário potencial, ou pelo menos uma possibilidade de aumentar a distância entre a Alemanha e o Ocidente. Ele não poderia permitir que a perspectiva de atrair esse levante nacionalista para canais marxistas se desperdiçasse. Radek viu no martírio de Schlageter uma oportunidade.

Foi em 20 de junho de 1923 que Radek levou o destino de Schlageter à atenção do mundo em geral. Clara Zetkin, uma proeminente ativista socialista alemã e representante do KPD no Reichstag, acabara de discursar em Moscou sobre o fascismo para o Comitê Executivo da Internacional Comunista (ECCI). O discurso de Zetkin apresentara o fascismo como uma ameaça contraditória e hipócrita, um movimento politicamente falido cuja agenda oculta era restaurar e revitalizar o capitalismo na Itália, Alemanha e em qualquer outro lugar que o marxismo representasse uma ameaça à ordem estabelecida. Radek, que falou imediatamente depois, não refutou diretamente a avaliação de Zetkin. Mas ele ofereceu uma visão dos fascistas, e não do fascismo, que não apenas era simpática, mas até mesmo admiradora. Radek afirmava, em suas observações iniciais, profundamente comovido pela recente execução de um Albert Leo Schlageter. Schlageter era, como muitos “fascistas”, um “peregrino no vazio” - um homem ousado, corajoso e de princípios lutando pelo povo alemão e contra a escravidão nacional, mas fazendo isso sob a bandeira errada, a serviço dos líderes errados:

“Contra quem o povo alemão quer lutar: contra os capitalistas da Entente ou contra o povo russo? Com quem querem se aliar: com os operários e camponeses russos, a fim de se livrar do jugo da capital da Entente para a escravização dos povos alemão e russo? (…)Acreditamos que a grande maioria das massas de mentalidade nacionalista não pertence ao campo dos capitalistas, mas ao campo dos trabalhadores. Queremos encontrar e encontraremos o caminho para essas massas. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para fazer homens como Schlageter, que estão preparados para morrer por uma causa comum, não peregrinos no vazio, mas peregrinos rumo a um futuro melhor para toda a humanidade; que eles não devem derramar seu sangue quente e altruísta para o lucro dos barões do carvão e do ferro, mas na causa do grande povo alemão trabalhador, que é um membro da família de povos que lutam por sua emancipação”.

Comunistas e a Linha Schlageter

A notável elegia de Radek a Schlageter como um "corajoso soldado da contrarrevolução" recebeu uma recepção positiva da maioria do Pleno do ECCI, embora isto talvez não seja surpreendente, considerando que ela já havia sido checada e aprovada pelo Politburo. O discurso foi imediatamente interpretado como sinalizando uma nova tática por parte do movimento comunista internacional. Até recentemente, o "terror vermelho" havia sido apresentado como o único antídoto possível para o "terror branco" dos nacionalistas. A Guerra Civil Russa só havia acabado recentemente; os massacres dos Freikorps nas revoltas dos trabalhadores alemães ainda estavam frescos nas mentes das pessoas; os assassinatos brutais de Rosa de Luxemburgo, Karl Liebknecht e outros espartaquistas não foram (e nunca seriam realmente) perdoados. Os comunistas, tanto na Alemanha quanto em outros lugares, haviam sido instruídos pela linha oficial da Comintern, disseminada em sua imprensa e propaganda, a considerar os nacionalistas como "os assassinos dos trabalhadores", não como aliados em potencial. O discurso de Radek indicava que a Comintern estava mudando de rumo. A esquerda estava se abrindo para a direita, estendendo uma mão de amizade para fazer causa comum com os veteranos da Alemanha e suas classes médias contra um inimigo comum - a Entente.

A “Linha Schlageter”, como o novo rumo passou a ser chamado, não foi a primeira instância de comunistas alemães buscando uma estratégia nacional-bolchevique – nem seria a última. Foi a primeira, porém, a ter a sanção oficial da Internacional Comunista. O Rote Fahne (“Bandeira Vermelha”), veículo central do KPD, havia apenas um mês antes declarado em suas páginas que “cada trabalhador devia ser convocado para lutar contra o fascismo, contra a frente unificada dos exploradores”. Agora, em uma notável reviravolta, sua postura editorial era outra. O discurso de Radek foi publicado pelo jornal com grandes elogios, e o próprio Radek recebeu a oportunidade de escrever múltiplos artigos defendendo sua posição. Após alguns murmúrios iniciais de resistência, a linha Schlageter logo foi adotado pela quase totalidade da liderança do partido, com o Politburo apresentando uma frente unificada em seu apoio à nova estratégia radical. Essas figuras importantes do marxismo-leninismo alemão se uniram a Radek em incitar o proletariado a “concentrar o fogo de sua propaganda na Linha Schlageter” pelo abraço e conversão dos alemães de “entusiasmo nacional honesto”.

A adoção desse novo curso provocou uma resposta vigorosa dentro do movimento comunista alemão. Instruções foram passadas para as agências do Partido para organizar círculos de discussão com nacionalistas e veteranos dos Freikorps, atividades que foram tomadas com entusiasmo particular por membros da Liga dos Jovens Comunistas. Nacionalistas se dirigiram a reuniões comunistas. Comunistas se dirigiram a encontros nacionalistas. Ligações foram forjadas entre paramilitares comunistas e nacionalistas. Armas foram traficadas da direita para a esquerda e vice-versa. Reuniões conjuntas entre os campos concorrentes foram organizadas e anunciadas; por um tempo, os alemães foram tratados com a impressionante visão de pôsteres estampados tanto com a estrela soviética como com a suástica völkisch. O KPD estava determinado a mostrar aos nacionalistas que compartilhavam sua luta, que sua revolta contra o Ocidente e a República de Weimar era melhor servida através da adesão ao proletariado revolucionário sob as bandeiras vermelhas da foice e do martelo.

Esta situação levou vários comunistas a algumas situações notáveis. Radek, em sua oração a Schlageter, descreveu o nacionalista martirizado como um “peregrino no vazio”. No entanto, no caos lançado pela Linha Schlageter, foram os comunistas que se tornaram os verdadeiros peregrinos no vazio - sonâmbulos tropeçando em uma terra estrangeira, perdidos naquele espaço nebuloso e liminar onde o fascismo e o comunismo se misturam indiscriminadamente. Para chamar o völkisch para o seu lado, para provar a eles que o marxismo realmente representava os seus melhores interesses, os comunistas acabaram assumindo posições que muitos viriam a achar profundamente embaraçosas.

Em julho de 1923, Ruth Fischer, colíder da facção “ultra-esquerdista” do KPD, declarou em uma reunião de estudantes nacionalistas na Universidade de Berlim:

“Quem quer que denuncie o capital judaico, cavalheiros, já é um combatente classista, mesmo que não saiba disso. Vocês estão contra o capital judaico e contra os agentes do mercado financeiro. Muito bem! Esmaguem os capitalistas judaicos, pendurem eles nos postes. Mas, cavalheiros, qual é sua atitude em relação aos grandes capitalistas, em relação a Stinnes e Klöckner? Apenas em aliança com a Rússia, cavalheiros do campo nacional-popular [völkisch], pode o povo alemão expulsar o capitalismo francês do Ruhr”.

Fischer não era apenas uma 'ultra-esquerdista', uma radical que poucas semanas antes criticara seu próprio partido por não explorar plenamente a situação revolucionária no Ruhr - ela também era meio judia, uma das cofundadoras do Partido Comunista da Áustria e, até a adoção da Linha Schlageter, um firme internacionalista. Sua adesão à nova estratégia nacional-bolchevique do KPD, apesar de todas as suas convicções internas, fez dela, como tantos outros comunistas neste período, uma “peregrina no vazio” do caos e conluio ideológico.

Para os comunistas alemães da época, no entanto, a posição de Fischer era perfeitamente ortodoxa. Os judeus na Alemanha eram comumente associados ao capitalismo e, como consequência, o florescente movimento nacionalista-revolucionário do pós-guerra via a economia capitalista como uma imposição estrangeira exploradora. O KPD, com suas novas credenciais nacionalistas, viu neste antissemitismo um atalho para ganhar ativistas völkisch para o marxismo-leninismo e estava perfeitamente disposto a explorá-lo. Em 2 de agosto, Hermann Remmele, membro do Comitê Central do KPD e editor do Rote Fahne, juntou-se a Fischer no vazio anunciando a uma reunião conjunta nacionalista/comunista:

“Como esse tipo de antissemitismo surge eu posso entender facilmente. Você só precisa ir ao açougue durante o mercado de gado de Stuttgart para ver como os comerciantes de gado, a maioria dos quais é judeu, compram gado a qualquer preço enquanto os açougueiros de Stuttgart tem que ir embora de mãos vazias porque eles simplesmente não têm dinheiro suficiente para comprar gado... Vocês, os fascistas, agora dizem que querem combater o capital financeiro judaico. Tudo bem. Avante! Estamos de acordo! [Aplausos dos fascistas] Mas vocês não podem esquecer de uma coisa, do capital industrial! [Interjeições dos fascistas: ‘Combatemos este também!’]Porque o capital financeiro, realmente, não é nada além de capital industrial”.

O argumento de Remmele, que representava o ponto de vista oficial do KPD na época, buscava posicionar o antissemitismo alemão dentro da estrutura da estratégia nacional-bolchevique do partido. O antissemitismo não era explicitamente rejeitado, uma vez que fazer isso seria alienar imediatamente vastas camadas desses mesmos nacionalistas que o KPD estava tentando converter. Em vez disso, o partido apresentava o antissemitismo como apenas um fator em uma luta anticapitalista mais ampla; era perfeitamente aceitável opor-se aos judeus como agentes da finança internacional, mas a libertação alemã só poderia ser alcançada através da destruição de todas as formas e agentes do capitalismo, judeus ou não-judeus. Junto com polêmicas violentas contra o "imperialismo francês" e ataques ao Tratado de Versalhes como uma ferramenta anti-alemã de exploração ocidental, tais formulações teóricas formavam a base da Linha Schlageter.

“Fascistas” e a Linha Schlageter

Embora os princípios do centralismo democrático e a coesão da organização do KPD na época assegurassem uma adesão consistente à Linha Schlageter entre os líderes comunistas, a resposta no campo nacionalista não foi tão entusiasta quanto Radek talvez esperasse. Adolf Hitler, por exemplo, em face das coisas deveria ter sido um aliado perfeito para o recém-nacionalista KPD; o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) ainda era expressamente a favor da revolução violenta, ainda era fortemente orientado para o proletariado, e seu líder era bem conhecido por seus pronunciamentos provocativos e radicais. Em uma reunião em Salzburgo, em 1920, ele declarou que "preferiria ser enforcado em uma Alemanha bolchevique do que estar contente em uma Alemanha francesa"; em outro ele afirmou que preferiria ver meio milhão de rifles alemães nas mãos dos comunistas do que nas mãos da Entente.

No entanto, nesse período, Hitler não era o indiscutível Führer do nacionalismo alemão que mais tarde se tornaria. Seu movimento ainda tinha pouca adesão fora da Bavária, e no campo völkisch da Alemanha ele era apenas um líder sectário entre muitos. Hitler não levaria seus Parteigenossen em qualquer movimento do qual ele não fosse o líder ou que ele não pudesse controlar - ele até mesmo proibiu os nacional-socialistas de participarem do terrorismo nacionalista-revolucionário no Ruhr, embora isso não tenha desencorajado membros como Schlageter (nem desencorajou o NSDAP de posteriormente venerar Schlageter como um mártir). Alguns nacional-socialistas individuais participaram de reuniões nacionalistas/comunistas conjuntas e colaboraram com ativistas do KPD, mas o fizeram sem sanção oficial.

O interesse pela Linha Schlageter não veio do NSDAP mas de outras figuras importantes do nacionalismo alemão, como o político völkisch veterano Conde Ernst Zu Reventlow. Reventlow, um aristocrata com histórico de serviço na Marinha Imperial, tinha também um histórico de envolvimento na política nacionalista e antissemita desde o final do século XIX. Por volta de 1923 Reventlow era uma das principais cabeças do Partido da Liberdade do Povo Alemão (DVFP), que havia originalmente surgido a partir de uma dissidência dos nacionalistas burgueses do DNVP e era à época o maior e mais importante partido político racialista-nacionalista. As fortes simpatias anticapitalistas de Reventlow depois o levaram a abandonar o plácido DVFP pelo mais abertamente socialista e dinâmico NSDAP, e foram essas tendências nacional-bolcheviques instintivas que atraíram seu interesse para a nova estratégia de colaboração fasci-comunista do KPD.

Embora hoje em dia haja uma tendência errônea a considerar o socialismo do nacional-socialismo como uma farsa ou uma ilusão, as convicções de Reventlow eram passionalmente sustentadas e levadas tão a sério por seus inimigos quanto por seus admiradores. Os discursos e escritos de Reventlow estavam principalmente preocupados em abordar os problemas e condições dos trabalhadores industriais, e ele fez seu nome - seja como membro do DVFP ou do NSDAP - com seu desgosto pelo capitalismo, sua defesa de reformas, e seu apoio a uma aliança militar com a Rússia bolchevique. De acordo com aqueles que o conheciam, ele era um dos poucos oradores völkisch cujos discursos recebiam uma resposta universalmente amigável das classes trabalhadoras. Reventlow também parecia ter pelo menos algum nível de respeito de ativistas da esquerda; as reuniões que ele realizava eram raramente (ou nunca) interrompidas pela Frente Vermelha ou Reichsbanner e, como membro do Reichstag, ele se dava confortavelmente bem com deputados comunistas e socialistas.

As credenciais social-revolucionárias de Reventlow asseguravam que ele estava aberto à idéia de colaboração völkisch-comunista e certamente concordava com as afirmações comunistas de que os nacionalistas alemães tinham muito mais a ganhar com uma política externa que apoiasse a Rússia soviética do que com uma que envolvesse seguir acefalamente as “plutocracias” ocidentais. Reventlow não só escreveu uma resposta ao discurso sobre Schlageter de Radek em seu próprio jornal Reichswart ("Guardião do Reich"), mas no final de agosto de 1923 ele e o jornalista comunista Paul Frölich publicaram uma série de artigos dentro do Rote Fahne debatendo dialeticamente a relação entre nacionalismo e revolução.

Em última análise, no entanto, a cautela de Reventlow em relação ao KPD impediu que ele oferecesse apoio incondicional aos comunistas. Apesar de saudar a oportunidade que lhe foi dada de “disseminar idéias völkisch entre os idealistas comunistas”, ele não podia aplacar sua aversão pelos muitos líderes judeus do Partido, nem poderia abalar a suspeita de que a Linha Schlageter era na verdade apenas um blefe cínico pensado para enganar os nacionalistas para que apoiassem um partido que acabaria por subordinar o seu país a Moscou. No final, Reventlow, como muitos revolucionários nacionais com convicções anticapitalistas, concluiu que a causa da libertação nacional e social não tinha futuro real em um movimento que tirava suas ordens de uma potência estrangeira.

Outro nacionalista envolvido na Linha Schlageter foi o filósofo conservador-revolucionário Arthur Moeller van den Bruck. Moeller era um intelectual, um homem de disposição artística que fez seu nome como tradutor de Dostoiévski, um idealista cujas lutas contra a depressão e o alcoolismo o levaram a um túmulo prematuro. Após a Grande Guerra, ele se tornou ativo na política nacionalista-conservadora, ajudando a fundar o lendário Juniklub e escrevendo numerosos artigos defendendo um conservadorismo revitalizado que seria revolucionário, socialista, orientado para o Oriente e capaz de destruir o “poder profano” do liberalismo. Sua magnum opus foi Das Dritte Reich ("O Terceiro Império"), um livro que popularizou o conceito de um Terceiro Reich nos círculos nacionalistas e que foi publicado no mesmo ano - 1923 - que o discurso de Radek.

Moeller, como Reventlow, era muito menos receptivo à estratégia do KPD do que seus escritos poderiam ter sugerido. Em Das Dritte Reich, ele escreveu com aprovação sobre a Rússia Soviética, tecendo uma visão do experimento bolchevique como uma forma de nacional-socialismo oriental:

“Cada povo tem o seu próprio socialismo. O socialismo russo da revolução deu origem ao militarismo dos sovietes. Aqueles mesmos milhões que abandonaram a Guerra porque queriam paz e apenas paz, se permitiram transformar em um novo Exército Vermelho. Chegou um momento em que as únicas fábricas que ainda funcionavam eram as de munição. O russo curvou sua cabeça em aceitação paciente do militarismo severo de uma nova autocracia... Ele saudou a autocracia do socialismo; ele até pediu por ela; ele a aceitou, o bolchevismo é russo, e não poderia não sê-lo”.

No entanto, Moeller também estava profundamente desconfiado de Radek e seus companheiros peregrinos no vazio, apesar das melhores tentativas de Radek de bajular o alemão. Radek declarou que o diário de Moeller, Gewissen ("Consciência"), era "o único jornal pensante dos círculos nacionalistas alemães". Radek também estendeu convites explícitos a Moeller para que enviasse artigos para Rote Fahne sobre o tema do discurso sobre Schlageter. Há algumas evidências circunstanciais, também, de que Moeller e Radek se encontraram pessoalmente pelo menos uma vez, talvez várias vezes. De todas as formas possíveis, o astuto bolchevique parecia determinado a conquistar o elogio de Moeller. No entanto, Moeller nunca pareceu disposto a agarrar a mão da amizade.

Em julho de 1923, Moeller respondeu a Radek publicando três longos artigos descrevendo suas principais objeções à Linha Schlageter. Moeller não podia se comprometer com uma ditadura do proletariado, nacionalista ou não; o proletariado, aos seus olhos, não era capaz de liderar. Moeller tampouco via o capitalismo da era do pós-guerra como merecendo a eliminação apocalíptica exigida pelos bolcheviques; o capitalismo era agora mais "socialmente coeso", exigindo apenas um tom socialista de corporativismo para remover seus últimos vestígios de exploração. Finalmente, Moeller parecia hesitar em suas exigências anteriores de uma aliança germano-soviética; agora que tal perspectiva parecia mais concreta, de repente viu nela várias ameaças aparentemente apresentadas pelos franceses. De todas as maneiras que Radek se virava, Moeller estava lá para encontrá-lo com uma rejeição e uma sacudida de cabeça. Como uma das mais proeminentes figuras pró-soviéticas no campo nacionalista, a recusa de Moeller em aceitar a sugestão de Radek de apostar no nacional-bolchevismo do KPD só podia ser vista como um fracasso significativo da parte de Radek.

As coisas desmoronam

O fracasso da linha Schlageter não se limitou apenas à incapacidade de Radek conquistar nacionalistas de alto escalão. Apesar das reuniões e discursos, apesar da enxurrada de artigos e panfletos, apesar do tráfico clandestino de armas e munições, houve uma oposição significativa à campanha dentro das fileiras dos campos völkisch e comunista.

Embora o sentimento nacionalista entre o proletariado alemão pudesse ser bastante poderoso, muitos comunistas de base eram tão desconfiados da nova estratégia de colaboração quanto os "fascistas". Independentemente de quais anúncios estridentes fossem impressos no Rote Fahne ou de que conceitos teóricos abstratos fossem discutidos e lecionados por seus intelectuais, os trabalhadores comunistas comuns não poderiam facilmente deixar de lado anos de conflito de classes para abraçar aqueles que sempre viram como inimigos. Eles nunca estiveram tão ansiosos ou dispostos como seus líderes a se tornarem peregrinos no vazio ideológico.

Os nacionalistas também tiveram considerável dificuldade em aceitar as declarações do KPD. Aqueles nacionalistas que haviam dado as mãos aos comunistas asseguraram a seus antigos inimigos que se uniriam a eles de todo o coração em sua batalha contra o capitalismo e o imperialismo caso se livrassem de seus líderes judeus. Isso, é claro, nunca aconteceu - nunca poderia ter acontecido. Radek, o arquiteto da estratégia nacional-bolchevique, era judeu. Muitos líderes eminentes do KPD eram judeus. Mesmo se, de alguma forma, estes tivessem sido marginalizados ou removidos do Partido, o KPD purificado e tornado puramente alemão, o problema ainda permaneceria de que muitos dos líderes russos eram judeus. Marx era judeu. O bolchevismo, aos olhos dos "cavalheiros do campo völkisch", sempre seria inatamente judaico. Este era um obstáculo intransponível.

O resultado final dessa desconfiança mútua enraizada foi uma espécie de esquizofrenia política. Enquanto os líderes comunistas se engajavam em uma troca civilizada de idéias com seus colegas nacionalistas, a violência nas ruas continuava a aumentar. Em parte, essa dicotomia havia nascido da difícil posição em que o KPD se colocara: por um lado, tentava apelar aos nacionalistas com a Linha Schlageter de Radek, enquanto, por outro, ainda tentava conquistar os trabalhadores do campo dos social-democratas (SPD). Em parte, a dicotomia também foi causada pela crescente força do NSDAP, especialmente na Bavária. Não só os nacional-socialistas recrutavam do mesmo círculo eleitoral da classe trabalhadora como os comunistas (muitas vezes com grande sucesso), mas a sua recusa em se envolver com a Linha Schlageter significava que eles não eram parte de qualquer tipo de trégua nacionalista-comunista.

A violência era, portanto, inevitável, particularmente quando o KPD na época via a solução para ambos os problemas - recrutar do SPD e combater o NSDAP - como estando nas atividades de seus paramilitares do período, as Centúrias Proletárias. A propaganda ativista era considerada uma ferramenta de recrutamento muito eficaz, e os ativistas das Centúrias Proletárias estavam entre os comunistas menos propensos a considerar os "bandidos fascistas" como aliados-em-potencial. Isso levou a algumas situações bizarras, como o seguinte apelo aos nacionalistas radicais sendo divulgado pela imprensa do Partido poucos dias antes de uma manifestação do Dia Anti-Fascista organizada pelo KPD em 29 de julho:

“A Entente e os judeus são caracterizados pelos völkisch como os únicos exploradores do povo alemão. Não há dúvida de que os capitalistas da Entente exploram as massas trabalhadoras alemães e não há dúvida de que os capitalistas judeus engordam explorando o povo alemão”.

Os nacionalistas também deram o melhor de si, e as batalhas de rua só se tornaram mais comuns quando Julho entrou em Agosto. Além disso, como os comunistas envolvidos na campanha Schlageter vieram a observar, eles constantemente pareciam estar em desvantagem quando comparados aos nacionalistas que tentavam converter, e os nacionalistas sabiam disso. Havia uma sensação de que os nacionalistas, apesar de serem uma força menos organizacionalmente unificada, eram mais fortes, mais apaixonados e tinham um apoio popular muito maior - significando, em essência, que apesar das intenções do KPD eram as forças da 'Reaktion' que estavam geralmente exercendo atração sobre os comunistas e não o contrário.

A realidade é que a Linha Schlageter foi um fracasso, o projeto foi quase totalmente abandonado no final de agosto. Nenhuma colaboração revolucionária real no Ruhrkampf havia sido realizada, e nenhuma ruptura importante havia sido conduzida entre a Alemanha e o Ocidente. Radek estava relutante em desistir de suas tentativas de diplomacia, mas em face da crescente insatisfação da base e da inabilidade do Comintern de impedir os camaradas alemães de se envolverem violentas brigas antifascistas, até ele foi forçado a admitir a Moscou que seus esforços acabaram sendo infrutíferos. O artigo do líder do KPD, Heinrich Brandler, no Rote Fahne, “Schlagt die Faschisten, wo ihr sie trefft” (“Ataque os fascistas onde quer que você os encontre”) foi talvez um sinal final para os membros de que as coisas voltaram ao normal.

O que finalmente colocou os remanescentes da campanha Schlageter na berlinda foram os levantes revolucionários no final de 1923. A Revolta de Hamburgo de 23 de outubro viu o KPD de Hamburgo, com assistência e planejamento do partido russo, tentar lançar uma revolução nacional que derrubaria o Estado e puxaria a Alemanha para a órbita de Moscou. Foi um esforço fútil, mas, não obstante, sinalizou àqueles poucos nacionalistas que ainda trabalhavam sob a ilusão da colaboração entre os comunistas e völkisch, que os comunistas não eram verdadeiramente confiáveis. Da mesma forma, o Bürgerbräukeller-Putsch do NSDAP de 8 a 9 de novembro forneceu a mesma lição para os comunistas. O primeiro flerte do KPD com o nacional-bolchevismo terminou efetivamente com uma enxurrada de balas e duas revoluções fracassadas.
Legado

Qual foi o legado da Linha Schlageter? Diante da situação, alguém poderia supor que ela serviu para fazer pouco mais do que demonstrar a inutilidade de uma estratégia nacional-bolchevique na Alemanha - nenhuma colaboração real foi alcançada, afinal de contas. É verdade que a visão de Radek de inflamar o Vale do Ruhr com a revolução, ou pelo menos de expulsar as forças franco-belgas da Alemanha e para longe das fronteiras russas, não deu em nada. Essa perspectiva, no entanto, seria míope. A realidade é que esse breve e estranho período na história do comunismo alemão teve efeitos intrigantes e de longo alcance sobre o movimento comunista alemão.

A tática fracassada de Radek na verdade lançou as bases para futuras tentativas mais bem-sucedidas de conquistar membros do campo nacionalista. A Linha Schlageter havia provado que as tentativas de colaboração direta não eram uma área de força para o KPD, particularmente à luz da popularidade desequilibrada do movimento nacionalista e da relutância que os líderes völkisch haviam demonstrado em se envolver diretamente com as metas marxistas. Movimentos posteriores do KPD para o território ideológico nacional-bolchevique seriam mais populares e mais espontâneos, concentrados no recrutamento de trabalhadores fabris fascistas para greves e manifestações; ou focalizariam em táticas de conversão em alvos mais realistas do que veteranos burgueses ou Mittelstanders, tais como os homens proletários da SA e membros intelectuais do NSDAP desiludidos com os princípios anticapitalistas do seu partido.

A Linha Schlageter também teve um impacto de longo prazo em partes do campo nacionalista. As ligações forjadas entre seções do KPD e os Freikorps permaneceriam até o início dos anos 30, com organizações veteranas como a Freikorps Oberland se transformando em Rechtsbolschewisten ("bolcheviques da direita") pró-comunistas. Sentimentos pró-soviéticos também permaneceriam entre várias organizações nacionalistas militantes, com figuras até mesmo reacionárias como Kapitan Hermann Ehrhardt, do Bund Wiking, considerando o objetivo da Linha Schlageter de uma aliança imperial germano-soviética como uma oportunidade perdida que deveria ser resgatada.

Visões posteriores de um nacional-bolchevismo mais abertamente völkisch promovido por pensadores nacionalistas como Ernst Niekisch, Otto Paetel e até mesmo Otto Strasser, em parte deviam sua inspiração às formulações teóricas discutidas e debatidas pela primeira vez no tempo da estratégia Schlageter. Com o passar do tempo, conforme a situação da Alemanha tornou-se mais terrível e sua política mais instável e insustentável, o número de homens e mulheres da direita e da esquerda dispostos a reexaminar o curso Schlageter anterior e dar o mergulho como peregrinos no vazio apenas aumentou. Para muitos, a crença era de que eles - e a Alemanha - não tinham mais nada a perder.

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