30/12/2020

Nicolas Gauthier - Entrevista com Alain de Benoist: Mesmo na Idade Média o Confinamento dos Sadios Nunca Acabou com Qualquer Pandemia

 por Nicolas Gauthier e Alain de Benoist

(2020)


Agora que as coisas parecem estar em vias de apaziguamento, podemos dizer que o governo, mesmo tendo obviamente sido pego com as calas nas mãos, fez em excesso ou não fez o suficiente diante da epidemia, ou fez apenas o que podia?

Não há outra palavra para isso: a resposta do governo ao Covid-19 foi verdadeiramente calamitosa. Cinco meses após a epidemia, ainda não atingimos a capacidade de triagem que deveríamos ter tido quando ocorreram as primeiras mortes. O governo primeiro se refugiou na negação (não chegará nós, é uma gripezinha), após o que assistimos a um desfile interminável de confusões, de instruções contraditórias e mentiras de Estado. Nada havia sido previsto, apesar de muitas vozes terem se levantado nos últimos anos para prever uma nova pandemia vinda da Ásia. A causa principal está na incapacidade dos poderes públicos de pensar além do curto prazo. Mas a causa mais fundamental é que, para se conformar às regras da ideologia liberal, o setor de saúde pública tem sido submetido aos princípios de rentabilidade, da concorrência e da gestão just-in-time, o que tem levado ao fechamento de milhares de leitos, à destruição dos estoques de reserva e à crescente precarização do pessoal já mal pago. Em outras palavras, integramos ao sistema de mercado uma área que, por definição, está fora do mercado. O resultado tem sido um colapso generalizado da capacidade hospitalar pública.

25/12/2020

Julius Evola - Natalis Invicti

por Julius Evola

(1933)


É sempre interessante trazer à tona o significado primordial mantido em símbolos e tradições que se tornaram ao longo do tempo costumes quase sempre ignaros de suas raízes originais. É o caso, por exemplo, das duas grandes festas desses dias, o Natal e o início do Ano Novo. Muito poucos suspeitam que com a celebração desses festivais significativos hoje, em meio ao século das multidões cosmopolitas, dos arranha-céus, do rádio, se continua uma tradição que pode muito bem ser chamada de primordial e cósmica, uma vez que seus traços nos levam de volta aos mesmos tempos que viram a aurora da humanidade e nela se refletia não tanto uma crença dos homens, quanto a grande voz das coisas mesmas.

Antes de tudo, deve-se notar que originalmente o Natal e o Ano Novo coincidiam: em todo um ciclo de civilizações antigas, o início do ano novo caía no solstício de inverno, que tem precisamente a data do Natal: 25 de dezembro. Tal data em Roma era uma data solar: era a da ressurreição do Deus Sol Invictus: Natalis Solis Invicti. Com ele, enquanto dia do "Sol novo" - Sol Novus - começava na era imperial o novo ciclo anual. Mas o Natal solar romano, por sua vez, remete a uma tradição muito mais antiga. Afinal, Sol, o sol, já aparecia entre os dii indigetes, ou seja, entre as divindades das origens, que vieram aos romanos de uma antiguidade anterior e misteriosa.

23/12/2020

Aleksandr Dugin - Introdução à Noomaquia (Lição VI) - A Civilização Européia

ÍNDICE

Lição I: Noologia
Lição II: Geosofia
Lição III: O Logos da Civilização Indo-Europeia
Lição IV: O Logos de Cibele
Lição V: O Logos de Dioniso
Lição VI: A Civilização Européia


por Aleksandr Dugin

(2018)


Vamos agora deixar de lado as outras sociedades indo-europeias, para nos concentrarmos na análise da história e cultura europeias. Agora está claro que a civilização européia se baseia na superposição de dois horizontes existenciais e na existência de um centro com o problema de Dioniso e sua interpretação. A história européia é caracterizada por uma Titanomaquia contínua ou Noomaquia, e a condição básica dessa Titanomaquia é a descida da cultura indo-europeia turânica no campo da civilização da Grande Mãe. Na lição anterior [1], também identificamos Dioniso como o principal problema desta civilização, representando o próprio terreno do confronto em que essa titanomaquia se desenvolve.


O Urheimat dos Bálcãs


Para iniciar a análise noológica da civilização européia, é aconselhável partir de um de seus principais pólos, constituindo o verdadeiro Urheimat das tradições agrícolas europeias, que é o Leste Europeu, erroneamente considerado periférico.

O primeiro povo indo-europeu a emergir historicamente foi o trácio. Os trácios desceram aos Bálcãs antes dos eslavos, por volta de 1200 a.C, estabelecendo uma espécie de império tribal, inicialmente nos Bálcãs do norte, para então ocupar aproximadamente a grande área da Europa Oriental. O que é importante notar é que os territórios nos quais a civilização trácia se expandiu eram os centros ou pólos da civilização da Grande Mãe – Lepenski Vir,  a cultura de Vinča, a cultura Karanavo-Gumelnita e a cultura de Cucuteni-Tripiliana, etc. – que passaram a constituir o substrato do horizonte existencial trácio. Aliás, não podemos dizer com certeza que os trácios foram os primeiros povos indo-europeus a aparecer nesses territórios, mas eles são os mais antigos dos quais temos conhecimento.

15/12/2020

Dwight Longenecker - “A Terra Desolada” de T.S. Eliot e a Pandemia do Coronavírus

por Dwight Longenecker

(2020)


Escrito há cem anos, o amargo poema de T.S.Eliot A Terra Desolada poderia ter sido escrito nesta primavera. Abril de 2020 foi certamente o mês mais cruel. O coronavírus era real. As cabeças estavam fora da areia, e as negações ecoavam vazias na boca dos homens que as fizeram.

A história pode não ter se repetido, mas com certeza estava rimando. Em 1918 a humanidade estava apenas cambaleando para fora dos horrores de uma guerra mundial, quando foi atingida pela gripe espanhola. Em 1920, 500 milhões de pessoas haviam sido infectadas e 50 milhões morreram. Mais soldados norte-americanos pereceram devido à gripe do que foram mortos na guerra.

Publicado em 1922, o retrato sombrio de Eliot da Europa pós-guerra e pós-pandemia possui tom apocalíptico. Sua obra-prima pessimista foi saudada como o hino de uma geração desiludida. O poema, como a sociedade que ele refletia, era “um amontoado de imagens quebradas”. Fragmentos visionários em italiano, latim, alemão e francês tombavam como um caleidoscópio quebrado com gírias americanas, vozes cockney e poetas ingleses. Alusões ao mito grego, a Wagner, a Dante, a canções pop e a recortes dos jornais de ontem se confundiam em uma mistura desconcertante de miséria.

10/12/2020

Claudio Mutti - Estranhas Reconciliações e Antifascisteria

 por Claudio Mutti

(2004)



"O século 20 não vai acabar sem testemunhar estranhas reconciliações". - Pierre Drieu La Rochelle


No dia 27 de dezembro de 1942, enquanto em Stalingrado se desenrola a batalha que marcará o início da derrota do Eixo, Drieu La Rochelle observa em seu Diário: "Morrerei de alegria selvagem com a ideia de que Stálin será o mestre do mundo. Um mestre, finalmente. É bom que os homens tenham um mestre que os faça sentir a feroz onipotência de Deus, a voz inexorável da lei”.

Um mês depois, em 24 de fevereiro de 1943, Drieu esperava: "Ah, que todos esses burgueses morram também, eles merecem. Stálin vai lhes cortar a garganta, e depois deles a garganta dos judeus...talvez. Uma vez eliminados os fascistas, os democratas ficarão sozinhos diante dos comunistas: estou antecipando a ideia desse tête-à-tête. Exultarei na tumba."

Em 3 de março, ele esperava a vitória dos russos, e não a dos americanos: "Os russos têm uma forma, enquanto os americanos não a têm. Eles são uma raça, um povo; os americanos são um acólito de híbridos".

06/12/2020

Aleksandr Dugin - Introdução à Noomaquia (Lição V) - O Logos de Dioniso

ÍNDICE

Lição I: Noologia
Lição II: Geosofia
Lição III: O Logos da Civilização Indo-Europeia
Lição IV: O Logos de Cibele
Lição V: O Logos de Dioniso
Lição VI: A Civilização Européia


por Aleksandr Dugin

(2018)




Na lição anterior [1] identificamos e analisamos um momento muito importante na história da Europa [2], que define a estrutura principal do modelo de Noomaquia europeu. A estrutura do momento de Noomaquia é a chave para entender nosso ser histórico, para entender quem somos. Vimos como a chave para interpretar a história européia em sua dimensão ontológica e existencial consiste em seguir e observar como o processo de interação conflituosa de dois horizontes existenciais opostos se desenvolve em períodos diferentes. Também observamos que esse conflito se baseia na reinterpretação mútua das mesmas estruturas simbólicas, mitológicas e religiosas de duas perspectivas opostas – nisto se manifesta precisamente a Noomaquia no seu sentido mais autêntico, que é como um conflito semântico. O Logos de Cibele procura reinterpretar as mesmas figuras ou impor suas próprias no contexto da mistura cultural resultante da sobreposição dos dois Logoi apolíneo e cibelino.


O Reino de Dioniso


O “campo de batalha” dos dois espaços existenciais – paleo-europeu e turânico – cria um novo tipo de estrutura, um ponto de encontro, uma terceira estrutura para sermos precisos. No sentido mais autêntico, o Logos de Apolo é representado pela sociedade nômade turaniana; Da mesma forma, o Logos de Cibele, na sua forma mais pura, é representado pela sociedade agrícola, sedentária e matriarcal da “Velha Europa”. Mas, a partir do encontro desses dois espaços existenciais, cria-se uma nova dimensão, que constitui precisamente o campo de Dioniso, onde o conceito patriarcal do homem desce às profundezas da matéria. O que pertence ao céu desce à terra e alcança o centro da terra. Dioniso torna-se assim senhor do Inferno como Zagreus.

30/11/2020

Marco Scarsini – A Batalha de Shiroyama: O Confronto Decisivo entre o Bushido e a Modernidade

 por Marco Scarsini

(2019)



Há muito tempo que estamos habituados a ver o Japão como uma das nações mais modernas e tecnologicamente avançadas do Extremo Oriente e do mundo. Em Tóquio, na verdade, vemos a modernidade ocupar cada vez mais espaço à custa da tradição, com enormes arranha-céus de fazer ciúmes às metrópoles dos EUA e tremendas luzes de neon que deslumbram os turistas, que se aventuram nas ruas em busca de anime e lojas de videogames em vez dos vestígios antigos de uma das civilizações mais fascinantes do mundo. Às vezes nos perguntamos por que o país dos tremendos guerreiros samurais é mais conhecido no Ocidente como a pátria do Playstation, mas talvez a resposta esteja escondida na própria história japonesa.

28/11/2020

Julius Evola - Setores a Derrotar: A Burocracia "Não-Neutra"

 por Julius Evola

(1941)



É algo singular que, entre as diversas formas e manifestações do espírito burguês individual com as notórias polêmicas voltadas contra ele, muito pouca importância foi dada à que está entre as mais típicas e ainda mais insidiosas, posto prospera justamente nos gânglios mais essenciais do Estado: queremos dizer a burocracia.

A burocracia é tipicamente o "burguesismo político" e do espírito burguês em geral ela assume seus piores defeitos. No entanto, devo reconhecer lealmente que, apesar dos dezenove anos de fascismo, ainda estamos longe de poder ver, na Itália, uma efetiva "desburocratização", de fato e não no nome. Longe de ter abandonado as posições mais importantes já ocupadas por ela, a burocracia de fato garantiu novas posições, e isto - um paradoxo singular - até mesmo explorando habilmente algumas instituições revolucionárias.

15/11/2020

Leonid Savin - O Coronavírus está alterando o Cenário Global da Cibertecnologia

 por Leonid Savin

(2020)



Uma das consequências da disseminação do coronavírus e das medidas de quarentena que foram introduzidas em muitos países é que isto levou a um aumento na demanda da Internet. Dentro dos países, as autoridades estão tentando regular o tráfego com meios e medidas disponíveis. Um dos gigantes americanos nesta área é a Verizon, que recebeu permissão da Comissão Federal de Comunicações para o uso de um espectro adicional. Na Itália, o tráfego aumentou em março em 70%, na Polônia e na Espanha em 40%. Na Europa, Netflix, Amazon, YouTube e Facebook reduziram a qualidade dos vídeos. A virtualização dos locais de trabalho, o uso de aplicativos de entrega de alimentos, a exibição de diversos conteúdos, tudo isso afetou a largura de banda e o tráfego em muitos países. Além disso, vários países levantaram a questão da relevância da telemedicina. E os mais avançados chamaram a atenção para as capacidades dos supercomputadores em preparar cenários para a propagação de doenças e o desenvolvimento de medicamentos eficazes. E, é claro, tudo isso afetou a segurança cibernética.

13/11/2020

Aleksandr Dugin - Introdução à Noomaquia (Lição IV) - O Logos de Cibele

ÍNDICE

Lição I: Noologia
Lição II: Geosofia
Lição III: O Logos da Civilização Indo-Europeia
Lição IV: O Logos de Cibele
Lição V: O Logos de Dioniso
Lição VI: A Civilização Européia


por Aleksandr Dugin

(2018)




Para entender como a cultura indo-européia passou do estágio nômade para o estágio sedentário e o que aconteceu durante essa transição, durante essa mudança na estrutura do momento de Noomaquia, devemos considerar qual era o horizonte existencial que existia em Turan. As tribos indo-européia turanianas turânicas chegaram ao leste da Europa, na Anatólia, nos Bálcãs, no território de Elam na Pérsia, no espaço Indiano, mas todos esses territórios não estavam vazios. Havia alguma outra civilização, havia outros horizontes existenciais, com seu próprio momento de Noomaquia diferente daquele que caracteriza as tribos nômades das estepes. Estamos falando de civilizações pré-indo-europeias que estavam localizadas na Europa, nos Bálcãs, na Anatólia, na Pérsia e na Índia.


Velha Europa


Seguindo a teoria de Marija Gimbutas que mencionamos na lição anterior, existia na Europa, antes da chegada dos indo-europeus, a civilização da “Grande Deusa“, uma civilização muito antiga cujos primeiros pólos estavam localizados nos Bálcãs e na Anatólia. Lepenski Vir e Vinca na Sérvia, Çatalhöyük na Turquia e outros sítios arqueológicos nos contam de uma civilização da Grande Mãe nascida cerca de 7-8 mil anos antes de Cristo. As primeiras ondas migratórias das populações turânicas, por outro lado, aconteceram por volta de 3000 a.C. Portanto, essa civilização existiu antes do aparecimento dos indo-europeus. No caso da Europa, aplica-se o conceito usado por Marija Gimbutas de uma "Velha Europa" ou "Paleo-Europa". Essa civilização paleo-europeia teve seu centro em sítios arqueológicos localizados na Sérvia, Bulgária e outros territórios dos Bálcãs: Karanovo, Starcevo, Tisza, Körös, Panônia, etc. 

08/11/2020

Jean Yves-Camus – Alain de Benoist e a Nova Direita

por Jean Yves-Camus

(2019)


Alain de Benoist nasceu em 1943 em Saint-Symphorien, perto de Tours, França. Ele é considerado o principal pensador da chamada Nova Direita Francesa (nouvelle droite), um movimento intelectual estabelecido na França em 1968 para repensar a identidade europeia e desafiar tanto o marxismo então dominante como a direita liberal hegemônica. Desde o início dos anos 90, a Nova Direita francesa tem sido influente além da França, especialmente na Itália, Alemanha e Bélgica, e inspirou Aleksander Dugin na Rússia. Parte da direita radical americana e da "Alt Right" também afirma ter sido inspirada pelos escritos de De Benoist. Embora isso seja questionável, De Benoist e Dominique Venner também são vistos como os antepassados do movimento "identitário" na Europa. De Benoist já publicou cento e seis livros e mais de dois mil artigos, que foram traduzidos em catorze línguas[1]. Ele é o editor da publicação anual Nouvelle École (Nova Escola) e o redator da revista mensal Eléments, as duas publicações emblemáticas da Nova Direita francesa. É também diretor de uma publicação trimestral, Krisis. O objetivo de De Benoist e da Nova Direita francesa é semelhante ao dos Inconformistas dos anos 30 (um grupo francês que clamava por uma "nova ordem" não-totalitária)[2] e está ainda mais próximo do da Revolução Conservadora alemã, na qual eles se baseiam fortemente. De Benoist foi apresentado à Revolução Conservadora pelo antigo secretário de Ernst Jünger, Armin Mohler, enquanto este último era jornalista em Paris [3]. Fiel às suas crenças conservadoras revolucionárias, De Benoist ainda se propõe a ter uma abordagem crítica em relação ao conservadorismo dominante que é, no contexto francês, herdeiro do partido gaullista e da direita autoritária do século XIX.[4] Ele concorda com os conservadores em questões como preservar os valores tradicionais ocidentais e ter uma visão holística da sociedade[5], mas rejeita fortemente a economia do livre mercado, o primado dos direitos humanos e a herança cristã.

31/10/2020

Aleksandr Dugin - A Metafísica do Guerreiro: A Filosofia pelo Caminho da Espada

por Aleksandr Dugin

(2020)


Hoje falaremos novamente sobre o platonismo e esta conversa será dedicada à metafísica do guerreiro, a metafísica do princípio marcial. Platão não escreveu muito sobre o princípio marcial. Os guerreiros atuam como assistentes dos guardiães em Kallipolis, a bela cidade (que geralmente é traduzida como "Estado ideal"). De tempos em tempos, Platão lembra-se dos guerreiros, mas eles certamente não estão no centro de sua atenção. Ele fala principalmente de filosofia e de filósofos.

Portanto, não podemos destacar o tema dos guerreiros em Platão como um tema à parte, ou seja, tematizar esta questão e, portanto, vamos falar livremente sobre a metafísica do guerreiro, tendo em mente a antropologia geral e a ontologia de Platão, que neste, talvez, contexto mais geral de diálogo, ou melhor, de pensamento, será bastante apropriado.


Três Funções das Sociedades Indo-Européias


É melhor, em minha opinião, começar o tema da metafísica do guerreiro com o modelo clássico do filólogo comparativo francês Georges Dumézil sobre a estrutura trifuncional das sociedades indo-europeias. Nos escritos de Dumézil, ela é descrito de forma tão exaustiva, profunda e minuciosa e corresponde plenamente à visão tradicionalista dos três tipos básicos de homem, as três castas (nas quais insistem o grande tradicionalista René Guénon e todos os seus seguidores, assim como Evola e o próprio Dumézil).

Por outro lado, antropológico ou sociológico, Dumézil leva a conclusões absolutamente idênticas sobre a existência de três castas. É verdade, se para Guénon, as três castas representam o modelo humano comum, ou seja, do ponto de vista de Guénon, a humanidade é dividida em três castas principais e uma casta adicional, e ele considera que esta é uma lei universal, expressa explícita ou implicitamente nas culturas mundiais, mas para Dumézil (e esta é uma correção significativa) a presença incondicional de três funcionalidades é definida apenas para as sociedades indo-européias (ou seja, todas as sociedades indo-européias sem exceção: orientais - indianos, iranianos, indo-europeus do Afeganistão; Ásia Central - Tajiquistão, Paquistão; antigos hititas, assim como, segundo Dumezil, eslavos, bálticos, trácios, helênicos, latinos, germânicos, celtas, ilíricos e todos os outros).

Aqui a questão deve ser colocada da seguinte forma: entendemos o modelo guenoniano e evoliano de que todas as sociedades e todas as culturas são trifuncionais, ou seja, têm estas castas inevitavelmente ou é uma característica das sociedades indo-européias - este é um problema. Dumézil prova perfeitamente que, no caso das sociedades indo-européias, esta é uma verdade absoluta, sem dúvidas. Mas se é possível estender ou não o modelo trifuncional a outras sociedades é outra questão. Vamos deixar isso de lado. Agora vamos tirar de Dumézil a parte positiva de sua tese de que todas as sociedades indo-européias são sem dúvida trifuncionais e têm uma estrutura tripla: independentemente de esta estrutura constituir um fato político, ou seja, reconhecido como três castas, ou ser algum modelo hermenêutico para explicar narrativas, mitos, instituições, modelos éticos, etc. 

25/10/2020

Carlos Fernando Rodríguez – Aleksandr Dugin & Nicolas Gómez Dávila: A Rebelião do Eterno

 por Carlos Fernando Rodríguez

(2019)



História como "Leitmotiv"


Entre os motivos dos atos revolucionários da modernidade, os infames flagelos da escravidão, da servidão, da miséria, da desigualdade, da ignorância e da submissão sempre marcharam por seus caminhos retóricos. Motivações tangíveis e conscientes que transitam da boca dos indivíduos aos parlamentos das grandes sociedades contemporâneas e cujo combate cimenta as razões de ser dos nossos pactos sociais modernistas. Muito menos anunciado é o papel dos conceitos- imagem que são transparentes à nossa compreensão quotidiana da realidade e que, ao contrário das suas qualidades superenfatizadas e sobrestimadas, conformam o núcleo rizomático que emociona o movimento dos homens, das sociedades, das épocas. Falamos das ideias capitais que constroem as visões sobre o mundo, os homens e a história: a grande tríade metapolítica. É especialmente sobre esta última variável da equação - história - que como categoria fundamental, gravita o pensamento profundo de dois grandes gênios mantidos separados por antípodas geográficas, mas reunidos num espírito muito singular da crítica contra a modernidade. Nicolás Gómez Dávila, gênio extemporâneo do pensamento colombiano, e Aleksandr Gel'evich Dugin, grande ilustre da intelectualidade russa; representam dois táxons de uma mesma filosofia, erguendo paralelos na denúncia iliberal e construindo sua crítica, sua poesia e sua análise em torno dos diferentes sentimentos da história que estão sendo reproduzidos até a morte em nossa época contemporânea.

17/10/2020

Giacomo Maria Prati - Julius Evola e a sua Revolução

por Giacomo Maria Prati 

(2019)


“O absoluto não está atrás, mas à frente”.
(Julius Evola, O Problema do Espírito Contemporâneo)

“As revoluções na praça são feitas em nome da burguesia, que cria falsos mitos de progresso”.
(Franco Battiato, Patriotas às Armas)

Temos a certeza que Evola não permanece incompreendido até hoje? Estamos certos de que sua obra pode ser reduzida a uma exaltação de uma Tradição universal, autossuficiente, fim em si mesma? Do ponto de vista espiritual, o pensamento de Evola parece certamente semelhante ao de Guénon ao considerar como existente uma Tradição viva universal supra-histórica e supraconfessional, da qual Guénon expressa o aspecto sacerdotal-contemplativo e Evola a alma heróico-aristocrática, o carisma guerreiro. Mas esta não é uma ideia tradicionalista, mas uma ideia antiga, ainda que nômade e metamórfica, na medida em que já gnóstica, maniquéia, alexandrina.

Foi dentro do helenismo que as tradições hebreias, as culturas neoplatônicas gregas e as heresias cristãs se cruzaram e se influenciaram, na busca de uma co-presença culta e refinada à qual, por um lado, o catolicismo romano e, por outro, o islamismo político se opuseram e combateram ao longo dos séculos. Encontramos a mesma ideia tradicional-antitradicional na obra “Os Grandes Iniciados” de Edouard Schurè e na “Filosofia Perene” de Aldous Huxley, em Eliott e Joyce, na Aurora Dourada, no esoterismo volitivo e demiúrgico de D'Annunzio, nos simbolismos evocativos de Ezra Pound. A ideia da Evola de uma tradição oculta que emerge até nós das brumas do tempo não é novidade. É uma mitologia usada pelos próprios maçons do século XVIII para legitimar uma antiguidade que a maçonaria moderna não possuía. 

08/10/2020

Aleksandr Dugin - Introdução à Noomaquia (Lição III) - O Logos da Civilização Indo-Europeia

ÍNDICE

Lição I: Noologia
Lição II: Geosofia
Lição III: O Logos da Civilização Indo-Europeia
Lição IV: O Logos de Cibele
Lição V: O Logos de Dioniso
Lição VI: A Civilização Européia


por Aleksandr Dugin

(2018)



Vamos agora aplicar os princípios metodológicos apresentados nas duas primeiras lições a uma realidade concreta. Nós discutimos anteriormente a teoria dos três Logoi [1] e os conceitos de horizonte existencial e historialidade [2]. Agora, vamos aplicar isso à civilização indo-européia [3].

Antes de tudo, vamos lidar com o horizonte existencial indo-europeu. Nesse sentido, é necessário especificar que o conceito de horizonte ou espaço existencial pode ser aplicado em diferentes escalas, tanto para pequenas comunidades quanto para médias ou grandes comunidades, unidas, por exemplo, pelas mesmas origens linguísticas. O que, então, significa um horizonte existencial indo-europeu? Trata-se de um vasto tipo de união, coincidindo com o espaço em que vivem os povos que falam línguas indo-européias. A família de línguas indo-européias inclui as línguas latinas e românicas, o grego, as línguas germânicas, as línguas celtas, as línguas eslavas, o persa, o sânscrito e outras línguas prácritas, o hitita da antiga Anatólia, o frígio, a língua ilíricas, as línguas bálticas, etc. É interessante notar que a língua romani também pertence a essa comunidade linguística indo-europeia; os ciganos têm origens incertas, mas também falam um idioma indo-europeu. O mesmo pode ser dito da língua iídiche: ela também pertence a essa família, sendo uma língua essencialmente germânica. Portanto, o ecumenismo indo-europeu, o horizonte existencial indo-europeu, é mais ou menos coincidente com o espaço habitado pelos povos que falam essas línguas. É um espaço imenso, que cobre um número enorme de populações, e de histórias, muito contraditórias e conflituosas, mas que equivale ao espaço existencial dos povos que falam línguas indo-europeias.

Na segunda lição, vimos que podemos definir povos e culturas, por meio de seu horizonte existencial, pelo espaço, e também através de sua historicididade. Portanto, é correto falar da história indo-européia, ou melhor, da sequência de eventos históricos indo-europeus. Veremos mais adiante em que consiste essa sequência geral de eventos e quais versões ela admite. Agora, em vez disso, focaremos nas principais características do horizonte existencial indo-europeu, a fim de definir o Dasein indo-europeu. O que é o Dasein indo-europeu?

26/09/2020

Sofia Metelkina - Entrevista com Aleksandr Dugin: A Inteligência Artificial é a Humanidade sem Dasein

 por Aleksandr Dugin

(2017)



A humanidade está enfrentando um estágio em que os robôs não são mais praticamente diferentes dos humanos. Os robôs estão agora desenvolvendo uma ética humana, como na série "Westworld", e as pessoas estão gradualmente se tornando andróides. Mais importante ainda, muitos ficam paralisados e atordoados à espera de uma explicação de alguém sobre como "chegamos a esta situação".

O filósofo Alexander Dugin conversou com Geopolitika.ru em detalhes sobre as origens e os aspectos filosóficos da inteligência artificial. Ele expressou sua opinião sobre se o ciborgue ainda é uma criação de Deus, se um "deus computador" é possível e qual, de fato, é a diferença entre um homem-zumbi moderno e um robô equipado com uma rede neural.


Qualquer Inteligência já é Artificial


Como você descreveria a inteligência artificial de um ponto de vista filosófico? Quando se assentaram as bases desta idéia?


Na verdade, o conceito de "artificial" e "natural", em relação ao intelecto, de um ponto de vista filosófico, está dividido ao longo de uma linha muito fina. Porque tudo que é óbvio, como qualquer filósofo sabe, provavelmente está errado. Até mesmo os comerciantes do mercado moderno entendem que a maioria está sempre errada.

Quando falamos de inteligência artificial (de agora em diante IA, ed.), queremos dizer algo específico, mas partimos do fato de que existe um natural. Mas qualquer filósofo questionará esta afirmação: o que significa "natural"? É natural não possuir inteligência, que está espontaneamente presente e não coloca nenhum questionamento entre ela e o mundo, ou seja, o Logos. Então, somente a falta de inteligência é natural. A presença da inteligência é algo complexo, artificial, porque sua principal função é duplicar o mundo que nos cerca com algumas Gestalts, imagens e, em suma, conceitos. O que é a linguagem, ou pensamento, se não a projeção das impressões processadas do mundo externo em uma tela artificial, ou vice-versa, a projeção de idéias ou imagens para fora a partir de algum ambiente apofático interno?

20/09/2020

Giandomenico Casalino - A Epifania de Roma: A Identificação do Público com o Sagrado e do Privado com o Profano

 por Giandomenico Casalino

(2015)


O conceito contido no título deste ensaio pretende explicitar o Evento, providencial para a Europa, da manifestação (Epifania) de Roma como irrupção pelo Alto e do Alto no devir, nos assuntos dos homens, como Ação Espiritual Indo-Européia de natureza revolucionária que funda a Civitas e o Direito Público Ocidental.

Em nossos livros[1] sobre a cultura romana e a forma mental jurídico-religiosa, sempre orientada para as Origens, expressamos, de fato, mesmo de forma implícita, a certeza, como fato científico adquirido, de que, em toda a história romana, o conceito de "Público" é uno com o de "Sagrado" e que, de fato, tudo o que é semanticamente referenciável àquela categoria pertence à esfera desta última. Isto não significa que para a maneira romana de pensar e ver (desde a era arcaica até o final do Império...) o "Público" é sacralizado, entrando, após sua constituição enquanto tal, na esfera do Sagrado. Isso, por outro lado, já teria sido enormemente capaz de gerar legitimidade e poder, como aconteceu no cristianismo medieval (no estúpido e insípido "secularismo" moderno seria essa a única terapia capaz de salvar o "público" da lenta agonia à qual parece condenado por causa das metástases cancerosas que o atingiram!...).

A questão não se dá em tais termos! Na romanidade as coisas são ainda mais radicais! Nela, de fato, o Público não pode existir exceto como Sagrado no sentido de que, no momento em que ele é constituído, o Público se constitui como Sagrado e tudo o que é Público é Sagrado, não pode haver nada Público que não seja Sagrado ou Sagrado que não seja Público. Em suma, o Romano não pode pensar na categoria do Público, em sua própria existência senão como conseqüência de uma identidade originária e primária, em termos lógicos e portanto cronológicos, e é a identificação simultânea das "duas" esferas que somente os modernos, por influência dualismo cristão, vêem de forma dual. 

13/09/2020

Diego Fusaro - Marxismo, Antifascismo e Esquerda Cor-de-Rosa

 por Diego Fusaro

(2019)




Estou muito feliz que minha entrevista com o jornal El Confidencial tenha desencadeado um grande debate filosófico-político na Espanha. Devo agradecer, é claro, ao excelente jornalista Esteban Hernández por me dar esta oportunidade. A entrevista provocou um grande debate. O principal expoente da esquerda espanhola, Alberto Garzón, também interveio com algumas reflexões críticas, e tomou uma posição crítica em relação à minha entrevista. O assunto que tem provocado mais polêmica e reflexões contrárias tem sido o do fascismo e do antifascismo, bem como o problema do soberanismo populista de esquerda. Eu rapidamente começo com o primeiro problema e depois passo para o segundo.

É claro que a questão do antifascismo é absolutamente decisiva. Gostaria de resumir a questão da seguinte forma: na época de Gramsci ou Gobetti, limitando-nos ao contexto italiano, o antifascismo era indispensável e fundamental, e era, pelo menos em Gramsci, de função comunista, patriótica e contrária ao capitalismo. O problema, porém, surge quando o antifascismo continua a se desenvolver na ausência do fascismo ou, mais precisamente, quando o fascismo, se por essa expressão entendemos genericamente o poder, muda sua face.

12/09/2020

Aleksandr Dugin - Introdução à Noomaquia (Lição II) - Geosofia

ÍNDICE

Lição I: Noologia
Lição II: Geosofia
Lição III: O Logos da Civilização Indo-Europeia
Lição IV: O Logos de Cibele
Lição V: O Logos de Dioniso
Lição VI: A Civilização Européia


por Aleksandr Dugin

(2018)




Esta segunda lição é dedicada à geosofia, um termo derivado de duas palavras gregas: γεω (“geo”, a terra) e σοφία (“sophia”, sabedoria ou conhecimento). A geosofia consiste na aplicação dos princípios da Noologia ao estudo de culturas e sociedades específicas. Esta é uma análise civilizacional conduzida com a ajuda dos conceitos dos três Logoi. Na primeira lição [1] dedicada à Noologia, discutimos os três mundos ou universos conectados aos três Logoi. Podemos posicionar os três Logoi em um eixo vertical, sendo capazes de rastreá-los em todas as culturas e, assim, explicar cada cultura através deles. Bem, a geosofia consiste na interrelação desse eixo vertical com os aspectos do eixo horizontal correspondente às diferentes culturas.


Geosofia como Multinaturalismo


A idéia da geosofia está ligada ao que na filosofia e antropologia é chamado perspectivismo, uma abordagem desenvolvida pelo antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro.

O homem moderno ocidental acredita que existe apenas um mundo, o mundo físico e uma única cultura que pode entendê-lo corretamente, a cultura europeia ocidental moderna. Este é um tipo de “verdade” que implica genocídio, para todos os efeitos, de outras culturas, uma vez que aqueles que não reconhecem essa verdade e não seguem essa cultura específica são considerados subdesenvolvidos e, portanto, sujeitos à colonização e obrigados a obedecer ao modelo de homem branco. Uma visão puramente colonial, oposta por multiculturalistas ou pós-modernistas, que afirmam que existe apenas um mundo, mas várias maneiras de interpretá-lo. Comparada à visão puramente colonial, essa abordagem permite que outros pensem de maneira diferente, mas alguns antropólogos descobriram que a base ontológica desse mundo único, que para os multiculturalistas admite diferentes interpretações, ainda é a projeção do pensamento ocidental moderno sobre a natureza, isto é, a concepção científica da natureza européia que se supõe ser a realidade objetiva, então interpretada de forma subjetiva e diferente. É nisso que consiste o multiculturalismo.

07/09/2020

Nicolas Gauthier - Entrevista com Alain de Benoist: O Antirracismo Atual Não é o Oposto do Racismo, mas Racismo em Sentido Contrário

por Alain de Benoist e Nicolas Gauthier

(2020)



Impulsionada pelas repercussões do caso George Floyd nos Estados Unidos, a luta liderada por Assa Traoré contra a "violência policial" lhe parece ser um movimento de massas ou apenas o resultado de uma moda e uma agitação marginal cuja extensão seria superestimada por nossa mídia?


O caso George Floyd é uma notícia à qual o sistema midiático, aderido à ideologia dominante, tem dado uma ressonância planetária. A morte de Adama Traoré, outra notícia, não tem nada a ver com este caso, exceto pela cor da pele de dois criminosos multi-recidivistas que morreram como resultado de sua interpelação. Por outro lado, suas repercussões devem tudo à habilidade do comitê criado para defender sua "memória", que foi capaz de instrumentalizar os delírios do politicamente correto e as não menos delirantes conseqüências do movimento Black Lives Matter a seu favor, ao mesmo tempo em que tira proveito da crescente influência da ideologia indigenista.

A amálgama dos dois casos também destaca a americanização dos modos de pensar dos parentes de Assa Traoré, que se vê, ela própria, como uma nova Angela Davis. Como você sabe, todos os modos americanos, seja o Gay Pride, a teoria do gênero ou a "interseccionalidade" das lutas, acabaram se impondo na Europa. Mas o contexto é radicalmente diferente. Os Estados Unidos têm sido confrontados desde o início com uma questão racial que nunca pôde ser resolvida. Recordemos que em 1945, foi uma América segregacionista que conquistou a vitória sobre o racismo de Hitler! Quanto à violência policial, que é de fato comum nos Estados Unidos, ela está fora de qualquer proporção com o que vemos na França. Eu acrescentaria que na França, quando ocorre a brutalidade policial, ela é descaradamente dirigida contra os "gauleses" (com olhos furados, braços arrancados, feridas de guerra), como vimos na época dos Coletes Amarelos, muito mais do que contra a ralé e os migrantes.

04/09/2020

Robert Steuckers - Podemos Definir uma Geopolítica do Coronavírus?

 por Robert Steuckers

(2020)


Primeira observação: nada está claro nos discursos midiáticos, que são em sua maioria teleguiados a partir de escritórios americanos. As contradições se sucedem e se sobrepõem: este vírus é natural (uma variante mais perniciosa da gripe sazonal) ou ele escapou voluntária ou involuntariamente de um laboratório chinês? A prática do confinamento é útil ou totalmente inútil, como a experiência sueca parece provar? Outros projetos parecem ser enxertados nesta pandemia: o de poder eventualmente controlar melhor as massas humanas aglutinadas nas grandes megacidades; o de uma vacinação planetária que beneficiaria em grande parte as instâncias da “Big Pharma”, hipótese aparentemente confirmada pelas declarações anteriores e atuais de Bill Gates; uma vacinação tão generalizada também permitiria obter os recursos acumulados pelas políticas sociais socialistas e keynesianas dos países industrializados da Europa. Além disso, o despreparo dos Estados Unidos e as confusões nas encomendas e distribuição de máscaras sanitárias, a discussão sobre medicamentos na França com o Dr. Didier Raoult como principal protagonista defendendo um tratamento simples com cloroquina, a hipótese muito recente contestando a validade dos tratamentos escolhidos para conter a doença, o abuso fatal na distribuição de Rivotril nos lares de idosos, tudo isso alega a favor da hipótese (conspiracionista?) de uma encenação planetária, destinada a ampliar o pânico: nesse sentido, o sistema político-midiático, dominado e estipendiado pela alta finança, pelos lobbies farmacêuticos e pelo GAFA, desempenharia bem seu papel no cenário que lhe teria sido ditado, o de preparar as massas para aceitar vacinas, confinamento e outras medidas policiais inéditas e inauditas mesmo em regimes considerados os mais repressivos. Entretanto, o canal de televisão francês LCI acaba de revelar que os altos índices de letalidade e contagiosidade do vírus têm sido consideravelmente exagerados após os discursos alarmistas e apocalípticos dos representantes da OMS. O confinamento, contra o qual a opinião pública alemã e holandesa se opõe veementemente, tem sido, portanto, totalmente inútil ou um pretexto para desenvolver novas técnicas de controle policial, imitando as futuras (mas muito próximas) “smart cities” chinesas, entre as quais citaremos sobretudo as técnicas de reconhecimento facial. Sejam quais forem as hipóteses que possam ser formuladas sobre os efeitos, reais ou forjados, da atual pandemia, é preciso admitir que as convulsões em curso no cenário político internacional, especialmente na Eurásia, não serão de forma alguma travadas pela pandemia: muito pelo contrário, os escritórios dos estrategistas estão preparando ativamente o mundo que seguirá a crise do vírus. Esta pandemia obviamente permite camuflar uma série de mudanças benéficas para o hegemon, apesar das fraquezas que o hegemon parece mostrar em seu declínio industrial, na decadência de sua sociedade ou nas falhas de seu sistema de saúde. É necessária, portanto, a vigilância de todos aqueles que desejam ver recuar o domínio muitas vezes sufocante deste hegemon.

03/09/2020

Aleksandr Dugin - Barão Ungern: O Deus da Guerra

 por Aleksandr Dugin

(1997)



Petrogrado, 1920. Felix Edmundovich Dzerzhinsky está terminando um relatório para o camarada Lênin:


"Parece que Ungern é mais perigoso que Semenov. Ele é teimoso e fanático. Esperto e impiedoso. Ele ocupa posições-chave em Dauria. Quais são suas intenções? Atacar Urga na Mongólia ou Irkutsk na Sibéria? Dar a volta para Harbin, na Manchúria, e depois para Vladivostok? Marchar sobre Pequim e restaurar a dinastia manchuriana ao trono chinês? Seus planos monárquicos são ilimitados. Mas uma coisa é clara: Ungern está preparando um golpe. Ele é nosso inimigo mais perigoso até hoje. Destruí-lo é uma questão de vida ou morte".


Dzerzhinsky anexou ao seu relatório ao Soviete Supremo um trecho de uma carta que havia caído nas mãos de partisans siberianos:


"O Barão pronuncia as palavras 'commissário' e 'comunista' com ódio, muitas vezes acrescentando 'será enforcado'. Ele não tem favoritos, ele é excepcionalmente firme, inflexível em questões de disciplina, muito cruel e muito ingênuo... Ele vive cercado por lamas e xamãs... Por vício pelo escandaloso e incomum, ele se autodenomina um budista. É mais provável que ele pertença a alguma seita báltica de extrema-direita. Seus inimigos o chamam de 'Barão Louco'".

30/08/2020

Julius Evola - A Religião da Ciência

por Julius Evola 

(1971)



O "cientificismo" é uma espécie de religião da ciência, da ciência moderna, que se supõe fornecer um conhecimento autêntico da realidade e resolver também, com suas aplicações técnicas, todos os problemas humanos e conduzir a um futuro brilhante. Esta paixão fez sua primeira aparição no início do século, encontrando mesmo uma expressão coreográfica no balé "Excelsior" no qual as conquistas da ciência da época eram exaltadas e se louvava a vitória da Razão e da Ciência, instrumentos do Progresso, sobre o "obscurantismo", uma vitória que levaria também à fraternidade universal.

29/08/2020

Esteban Hernandéz - Entrevista com Diego Fusaro: Idiotas de Esquerda Combatem um Fascismo Inexistente e Aceitam o Mercado

por Esteban Hernandéz e Diego Fusaro

(2019)



Você acaba de publicar ‘La notte del mondo’. Explique-me, por favor, por que estamos em uma noite escura, e em que ponto se cruzam Marx e Heidegger.

Meu livro ‘La notte del mondo. Marx, Heidegger e il tecnocapitalismo’ (UTET, 2019) é uma tentativa de raciocinar segundo as categorias de Marx e Heidegger sobre o que o próprio Heidegger, com os versos de Hölderlin, define “A noite do mundo”. A noite do mundo é uma época na qual a escuridão está tão presente que já não vemos mais sequer a escuridão em si e, portanto, não somos conscientes desta escuridão. Heidegger o expressa dizendo que “é a noite da fuga dos deuses”, na qual já nem sequer somos conscientes da pobreza e da miséria nas quais nos encontramos. Esta é uma situação de máxima emergência. Por sua vez, Marx nos ‘Grundrisse’ dizia que “o mundo moderno deixa insatisfeito, ou, se satisfaz em algo, é de modo trivial”. É outra maneira de dizer que estamos efetivamente na noite do mundo, onde sequer vemos o enorme problema em que nos encontramos. No livro eu emprego as categorias de dois autores muito diferentes, como Marx e Heidegger, para tratar de expressar quais são as contradições de nosso presente em que todo o mundo calcula e ninguém pensa. No qual a razão econômica e técnica, técnico-científica, se impôs como a única razão válida e pretende substituir todas as demais.

28/08/2020

Aleksandr Dugin - Introdução à Noomaquia (Lição I) - Noologia: A Disciplina Filosófica das Estruturas Intelectuais

ÍNDICE

Lição I: Noologia
Lição II: Geosofia
Lição III: O Logos da Civilização Indo-Europeia
Lição IV: O Logos de Cibele
Lição V: O Logos de Dioniso
Lição VI: A Civilização Européia


por Aleksandr Dugin

(2018)




Noologia como Ciência da Multiplicidade do Pensamento Humano

O termo Noologia designa a uma nova disciplina filosófica. Noologia é um neologismo derivado de dois termos gregos: νοῦς (“nous”) e λόγος (“logos”). Logos indica palavra, discurso ou investigação. Assim, a Noologia é a disciplina que estuda o Nous. Mas o que é o Nous? Você pode traduzi-lo como mente ou intelecto, ou mesmo consciência. Em alemão, estaríamos falando do "Bewusstsein". Trata-se de algo que está profundamente dentro da mente humana. A questão então surge: o que se entende por humano?

O homem é um ser que difere de todos os outros do mundo em uma coisa: pensamento. Ele é o ser pensante. Toda outra qualidade é compartilhada com outros seres vivos, mas o pensamento constitui uma exclusividade do ser humano, que logo pode então ser definido como uma criatura pensante ou um ser pensante. Como resultado, o pensamento é, por definição, humano. Pensar é ser humano. Todos os seres vivos têm um corpo e várias instâncias relacionadas a ele (todos experimentamos dor física, prazer físico e assim por diante), mas nenhuma criatura, exceto nós, no mundo dos vivos, tem um intelecto e é capaz de pensar. O pensamento ou Nous, então, constitui a essência do homem. Todos os outros aspectos da vida são comuns ao homem e a outras criaturas, mas o pensamento, o intelecto é um aspecto único do homem e é o que nos torna humanos. Ser humano significa ser uma criatura pensante. Assim, o Nous é a raiz mais profunda do ser humano, da humanidade. Somos humanos porque o Nous está em nós. Sem o Nous, o humano não existe. 

Portanto, pensar o Nous, ou seja, explorar a Noologia, significa explorar não um tipo de objeto alienado, mas a nós mesmos. Refletir sobre o Nous significa refletir sobre nós mesmos, em nossa natureza mais profunda. Não se trata de algo abstrato, mas de uma espécie de introspecção destinada a conhecer as profundezas mais remotas do nosso ser, a humanidade dos seres humanos. Isto é o Nous.

12/08/2020

Israel Lira - Anticapitalismo ou Antiliberalismo?

por Israel Lira

(2020)




Em muitos lugares ao redor do mundo há uma onda de protestos contra o liberalismo (sob sua forma atual, neoliberalismo) e o capitalismo. Mas a pergunta é: por que não existem protestos com o mesmo vigor em nações capitalistas como Coreia do Sul, Cingapura ou Rússia, observadas as diferenças óbvias de cada país, como na França, Equador e Chile? Apenas para mencionar os casos mais recentes e conhecidos, o que realmente está em crise? Liberalismo ou capitalismo? Ambos? Vamos começar com o arcabouço teórico, uma vez que a categoria de capitalismo é talvez a mais usada e prostituída de todas, tomada como análoga a outras categorias, como propriedade privada e economia de mercado, o que gerou uma onda de defesa do capitalismo para pessoas pobres em que todos são capitalistas — a velha senhora que vende abacaxi nas ruas é capitalista, a mercearia é capitalista etc. Esse é precisamente o problema quando não temos conceitos claros.

10/08/2020

Roberto Bonuglia - A Economia como Ideologia: Raiz de Todos os Males

por Roberto Bonuglia

(2020)



“O desenvolvimento econômico tornou-se um fim em si mesmo, desconectado de todos os fins sociais”. Bernard Perret e Guy Roustang escreveram isso em "A Economia contra a Sociedade. Enfrentando a crise de integração social e cultural" (Paris, Editions du Seuil, 1993). Hoje, como ontem, é uma afirmação mais do que compartilhável, visando alertar que a economia estava se tornando cada vez mais um “fim” do que um “meio”. 

Na verdade, basta olhar para trás em sentido cronológico: nos trinta anos da globalização, a economia tornou-se muito mais do que apenas uma “forma de conhecimento de certos fenômenos sociais”. Tornou-se uma “técnica econômica”, afastando-se anos-luz dos postulados clássicos do que era precisamente a economia “política”.

Na sociedade padronizada do Terceiro Milênio, a lógica econômica tornou-se a mentalidade atual e predominante que acabou orientando as relações sociais, padronizando o senso comum, marginalizando a moral e todas as formas sociais.

06/08/2020

Adriano Scianca - Entrevista com Alain de Benoist: A Ideologia de Gênero é Anti-Sexo

por Adriano Scianca, Alain de Benoist

(2015)


O debate sobre a teoria do gênero está bloqueado porque os defensores desta ideologia… negam a sua existência. Segundo o movimento gay, nunca houve tal teoria, já que a única coisa que afirmam fazer é lutar contra a discriminação. A teoria do gênero, explicam os ativistas gays, foi inventada pelo Vaticano para fazer as pessoas acreditarem que existe um complô gay com objetivos misteriosos e sórdidos. Finalmente, existe ou não uma teoria do gênero?


Claro que há! Autores como Judith Butler, Eric Fassin, Monique Wittig e muitos outros, o que eles são senão representantes da teoria do gênero, ou seja, partidários de uma teoria que afirma que as identidades sexuais não são de todo dependentes do sexo biológico ou da filiação sexual? Mas esta teoria também não é o resultado de nenhuma “conspiração homossexual”. Ela se baseia na ideia de que a identidade sexual é derivada de uma pura “construção social”. Afirma que não há diferença significativa entre meninos e meninas ao nascer (postulado de neutralidade); afirma que o indivíduo não deve nada à natureza e pode se construir a partir do nada (fantasma da autogeração).

Quanto à discriminação, há formas muito diferentes de combatê-la. Se a discriminação consiste em tratar homens e mulheres de forma desigual, eu sou, naturalmente, o primeiro a querer que ela desapareça. Mas precisamos saber se a igualdade deve ser entendida como sinônimo de egoísmo. Em outras palavras, precisamos saber se, para restaurar a igualdade entre os sexos, a diferença entre eles precisa desaparecer, no que eu obviamente não acredito. O mesmo se aplica aos “estereótipos”, que nada mais são do que verdades estatísticas abusivamente generalizadas. A forma como algumas pessoas imaginam que, para “desconstruir estereótipos”, é preciso atacar as próprias noções de masculino e de feminino revela que, por muito que finjam o contrário, aqueles que pensam desta forma aderem ao postulado básico da teoria do gênero.

03/08/2020

José Francisco Garcia - Vida e Obra de Nicolás Gómez Dávila

por José Francisco Garcia

(2020)



O primeiro objetivo desse artigo é ser uma pequena introdução à vida e às ideias de Nicolás Gómez Dávila. O segundo é motivar um estudo mais profundo de sua obra.

Sua Vida


Nicolás Gómez Dávila nasceu em 18 de maio de 1913, na cidade de Bogotá. Era descendente de Antonio Nariño, um dos líderes do movimento de independência na Colômbia (então conhecida como Nueva Granada). Quando tinha seis anos de idade sua família se mudou para Paris, onde estudou numa escola beneditina até que um caso grave de pneumonia o obrigou a continuar sua formação com professores particulares. Obteve uma educação sólida graças a aprendizagem de línguas clássicas (grego e latim) e línguas modernas (inglês, francês e alemão). Com 23 anos voltou à Bogotá, já casado, e nunca mais deixou seu país (com exceção de uma breve estadia de seis meses na Europa) até sua morte em 17 de maio de 1994.

Passou a maior parte de sua vida recluso voluntariamente em sua biblioteca, rodeado de uma coleção de mais de 30.000 volumes, onde dedicou todo tempo que pôde à leitura e escrita. O Italiano Franco Volpi, um dos maiores divulgadores de seu pensamento na Europa, resume sua vida nessa frase: “Nasceu, escreveu, morreu”[1].

31/07/2020

Juan Gabriel Caro Rivera - Norberto Ceresole e a Crise Venezuelana

por Juan Gabriel Caro Rivera 

(2019)



Hoje o nome de Norberto Ceresole talvez seja desconhecido para a maioria das pessoas que nem conhecem seu trabalho, mas este sociólogo militar e analista geopolítico foi um dos grandes teóricos da revolução bolivariana na Venezuela.

Norberto Ceresole conheceu Hugo Chávez muito antes de ele se tornar presidente, em suas primeiras viagens à Venezuela em 1995. Naquela época, o exilado argentino tentou aconselhar Chávez e convencê-lo da necessidade de uma revolução baseada em uma geopolítica continentalista e em um caudilhismo pós-democrático que se tornaria um futuro farol de liberdade para a América Latina. Ceresole procurou aplicar seu modelo revolucionário segundo o qual o exército, o caudilho e o povo formariam uma tríade capaz de se entrelaçar em um destino comum, cujo objetivo seria a soberania, a independência técnico-militar e a criação de uma frente multipolar, aliada a outras nações do Terceiro Mundo, especialmente no Oriente Médio e próxima ao nacionalismo árabe. 

07/07/2020

Andrea Virga - Socialismo e Família: O que dizia o Direito de Família dos Países Socialistas?

por Andrea Virga

(2019)



Este artigo oferece uma antologia das concepções de família expressas nas mais importantes experiências políticas socialistas dos séculos XX e XXI, através de suas cartas constitucionais. Como se pode observar, quase todas reconhecem que a família é uma parte fundamental da sociedade, merecedoras portando de proteção por parte do Estado, e que o matrimônio, tendo como finalidade a procriação e a educação da prole, é também reconhecido explicitamente como união entre um homem e uma mulher, mesmo nos lugares em que se aceitam as uniões civis. Para além das diferenças culturais, o contraste com a esquerda progressista de matriz individualista e liberal, que prega a dissolução da família sobre uma base subjetivista, não poderia ser maior.

05/07/2020

Andrew Korybko - A Guerra Híbrida chegou aos EUA

por Andrew Korybko

(2020)


Dezenas de Desestabilizações


Está se tornando norma os comentaristas opinarem que “a América está mais dividida do que nunca” a cada dia que passa, mas isso na verdade é um reflexo preciso da realidade atual, especialmente no contexto dos tumultos de quase uma semana que tomaram conta de dezenas das grandes cidades americanas. O pretexto para essa desestabilização é a morte de George Floyd nas mãos de (ou melhor, sob o joelho de) um policial de Minneapolis, mas ao invés de protestos pacíficos inspirados em Martin Luther King serem o método através do qual os enlutados memorializam o homem que muitos acreditam ter sido vítima de um abuso de poder racista por parte da polícia, muitos deles em vez disso exploraram esse incidente como um pretexto conveniente para realizar uma onda de crimes em âmbito nacional. Pilhagens e saques tem infelizmente caracterizado muitos desses supostos “protestos pacíficos”, dividindo ainda mais os americanos no processo.

“Os Manifestantes são Revolucionários Heróicos Dedicados à Paz e à Justiça!”


Aqueles que apóiam essas multidões violentas que estão se espalhando por todo o interior do país acreditam que esses crimes de destruição são “atos legítimos de protesto” ou mesmo o início de um “movimento de resistência revolucionário”. Não importa para eles que pessoas inocentes e seus bens estejam sendo atacados porque os perpetradores tendem a ser afro-americanos, o que lhes dá carta branca para fazerem o que quiserem aos olhos de praticamente todos os críticos dos EUA, sejam eles esquerdistas ou “anti-imperialistas”. Alguns chegaram a inventar a ridícula teoria de que todo criminoso capturado pelas câmeras é na verdade um “policial disfarçado” ou “supremacista branco”, o que desafia a crença, pois é óbvio, pela infinidade de filmagens disponíveis, que estes são apenas puros oportunistas que viram uma chance de roubar coisas e causar estragos. No entanto, esses criminosos estão sendo saudados como heróis, e qualquer reação de autodefesa a eles é enquadrada como um “crime de ódio racista”.

02/07/2020

Thierry Meyssan - Genealogia da Questão Curda

por Thierry Meyssan

(2019)



Todas as guerras envolvem um processo de simplificação: existem apenas dois campos no campo de batalha e cada um deve escolher o seu. No Oriente Médio, onde há uma quantidade incrível de comunidades e ideologias, esse processo é particularmente aterrorizante, pois nenhuma das particularidades destes grupos pode mais ser expressa e cada um tem que se aliar a outros que desaprova.

Quando uma guerra termina, todos tentam apagar os crimes que cometeram, voluntariamente ou não, e às vezes erradicar aliados problemáticos que desejam esquecer. Muitos, então, tentam reconstruir o passado para dar a si mesmos um papel formidável. É exatamente isso que estamos testemunhamos com a operação turca “Nascente de Paz” na fronteira síria e as incríveis reações a ela.

Para entender o que está acontecendo, não é o suficiente saber que todos estão mentindo. É necessário você descobrir o que todos estão escondendo e aceitar isso, mesmo quando constatar que aqueles que você admirava até então eram, na verdade, bastardos.

Genealogia do Problema


Se acreditarmos na mídia europeia, pensar-se-ia que os turcos perversos exterminarão os bons curdos que os sábios europeus estão a tentar salvar, apesar dos covardes americanos. No entanto, nenhuma destas quatro potências desempenham o papel que lhe foi atribuído.

29/06/2020

Armin Mohler - Zeev Sternhell: Novo Historiógrafo do Fascismo

por Armin Mohler

(1986)



Um livro, publicado em Paris em 1983, mudou completamente a historiografia do fascismo. Este livro tem o título: "Nem direita nem esquerda: a ideologia do fascismo na França" (em francês: Ni droite ni gauche: L’idéologie du fascisme en France). Com um tamanho de 412 páginas, foi publicado pela editora Seuil, conhecida por suas tendências de esquerda. O autor, Zeev Sternhell, professor de ciência política na Universidade Hebraica de Jerusalém, nasceu na Polônia em 1935. Atualmente, é diretor do Centro de Estudos Europeus, e, pouco antes da publicação de “Nem direita nem esquerda”, fundou o Centro Interdisciplinar de Pesquisa sobre Civilização Francesa.

Seu livro é muito denso. Ele também está repleto de repetições porque, o que importa para Sternhell, um homem de temperamento ardente, é incutir no leitor certos julgamentos incomuns. Contudo, seria errado culpá-lo por usar “conceitos vagos”. Ao contrário do especialista até então acreditado no estudo do fascismo, Ernst Nolte, Sternhell não recebeu treinamento filosófico. Ele é um historiador autêntico que se preocupa com registrar o passado. Para ele, cada realidade histórica é “irredutível”, não pode ser reduzida a um único conceito, as várias facetas devem ser consideradas. Portanto, diferentemente de Nolte, Sternhell não constrói um esquema abstrato do fascismo, no qual será necessário incluir fenômenos concretos. Ele preferencialmente refere esses fenômenos a toda uma variedade de conceitos que, no entanto, extrai do vocabulário político tradicional, a fim de identificá-los e localizá-los.

Embora seja nossa intenção resumir aqui um trabalho tão complexo, nossa apresentação não pode, no entanto, substituir a leitura deste livro. Pelo contrário, é uma introdução.

27/06/2020

Antonin Campana - O Covid-19 na Geopolítica do Contrato Social

por Antonin Campana

(2020)



Nossas sociedades ocidentais foram construídas, ou pelo menos afirmam ter sido construídas, em torno de um “contrato social”. Essas sociedades contratuais seriam o produto de uma livre reunião de indivíduos que decidiram “fazer sociedade” em torno de valores universalmente compartilhados por toda a espécie humana, seja qual for a origem, raça, religião e cultura das pessoas que compõem a espécie humana.


O Contrato Social como Fundamento


Sabemos que esses “valores”, que se diz derivar da natureza humana, na verdade, mais certamente, das ilusões filosóficas do século XVIII, são os que sustentam o “pacto republicano”, o contrato social da República dita “francesa”. Graças ao contrato social, ou pacto republicano, uma sociedade pode se organizar e funcionar com pessoas de todo o mundo, pois os valores e princípios que regem esta organização e funcionamento derivam da natureza humana universal, e não de qualquer cultura em particular. Assim, uma sociedade baseada nos direitos humanos naturais (o direito à liberdade, à igualdade, à propriedade) seria aceitável para todos, pois não contradizeria as aspirações essenciais de ninguém. Os flautistas de Hamelin simplesmente se esqueceram de definir o que significava “liberdade”, “igualdade” ou “propriedade”…

21/06/2020

Andrea Virga - Índios e Identidade: Mesmo Inimigo, Mesma Barricada

por Andrea Virga

(2019)



Nos últimos meses, os indígenas americanos, vulgarmente chamados “índios”, parecem ter voltado “à moda”. Em março, o novo presidente do México, o populista de esquerda Andrés Manuel López Obrador, começou a exigir um pedido de desculpas da Espanha e do Papa pela conquista ocorrida cinco séculos antes. Por outro lado, seu homólogo brasileiro, Jair Bolsonaro, havia se distinguido por uma abordagem completamente oposta, fortemente antagônica aos povos indígenas do Brasil, culpados de viver há milênios em territórios ricos em recursos naturais. Mais tarde, em outubro, realizou-se o Sínodo da Amazônia, com uma controvérsia contígua sobre a aculturação, intensificada pela exibição de algumas estátuas da Pachamama em uma igreja romana. Finalmente, chegamos aos recentes acontecimentos na Bolívia, com a derrubada subversiva do Presidente Evo Morales, o primeiro presidente indígena eleito na América do Sul.

Em todos estes casos, a discussão do tema no debate local, para variar, deixou a desejar. À esquerda, estão agarrados ao mito roussseauniano do bom selvagem, mas isso não deve nos surpreender, dada a tendência de certos pensamentos neoiluministas de brincar com tipos ideais que não correspondem à realidade, como os rebeldes sírios moderados e o capitalismo ético. Os governos pós-coloniais independentes, ligando-nos ao primeiro exemplo, têm falhas mais graves para com os nativos do que a Igreja ou a Coroa espanhola, que se comprometeram desde o início, embora muitas vezes em vão, a proteger as populações nativas da ganância feroz dos colonizadores e conquistadores. Nem – para dizer a verdade – havia realmente necessidade de um sínodo especial para a região amazônica, agora que as novas fronteiras da evangelização são a África e a Ásia Oriental.

19/06/2020

Leonid Savin - Nacionalismo Médico, Identidade e Multipolaridade

por Leonid Savin



Como já aconteceu muitas vezes na história, 2020 tinha uma surpresa reservada para a humanidade – durante vários meses, o ecossistema fortemente entrelaçado do mundo globalizado foi transformado por um novo coronavírus, que escalou de poucos casos na China para uma pandemia global. A pandemia da COVID-19 alterou os processos políticos internacionais. Comparações já estão sendo feitas: a crise global de 2008 levou à formação dos BRICS, o FMI foi criado durante a Segunda Guerra Mundial e o G7 surgiu após a crise do petróleo de 1973, portanto, com certeza esta crise também levará ao surgimento de alguma nova configuração.

Os globalistas ansiosos estão gritando que uma nova onda de nacionalização está começando em todo o mundo, e regimes autocráticos estão agarrando a oportunidade de consolidar seu poder. Os EUA estão prevendo que a crise econômica iminente será ainda pior que a anterior e aumentará a taxa de desemprego do país para 20%.

Em artigo datado de 18 de março de 2020, o ex-secretário de Estado adjunto dos EUA para Assuntos do Leste Asiático e Pacífico, Kurt Campbell, e o diretor da Iniciativa de Estratégia da China da Brookings Institution, Rush Doshi, observou que “embora suas implicações geopolíticas devam ser consideradas secundárias às questões de saúde e segurança, essas implicações podem, a longo prazo, ser igualmente conseqüentes – especialmente quando se trata da posição global dos Estados Unidos”.