por Israel Lira
(2020)
Em muitos lugares ao redor do mundo há uma onda de protestos contra o liberalismo (sob sua forma atual, neoliberalismo) e o capitalismo. Mas a pergunta é: por que não existem protestos com o mesmo vigor em nações capitalistas como Coreia do Sul, Cingapura ou Rússia, observadas as diferenças óbvias de cada país, como na França, Equador e Chile? Apenas para mencionar os casos mais recentes e conhecidos, o que realmente está em crise? Liberalismo ou capitalismo? Ambos? Vamos começar com o arcabouço teórico, uma vez que a categoria de capitalismo é talvez a mais usada e prostituída de todas, tomada como análoga a outras categorias, como propriedade privada e economia de mercado, o que gerou uma onda de defesa do capitalismo para pessoas pobres em que todos são capitalistas — a velha senhora que vende abacaxi nas ruas é capitalista, a mercearia é capitalista etc. Esse é precisamente o problema quando não temos conceitos claros.
Em geral, quando falamos de capitalismo para uma pessoa comum, o relacionamos ao uso de uma propriedade privada e/ou capital para gerar riqueza, o que é impreciso, uma vez que, se fosse assim, até o primeiro humano que pegou uma pá e a usou seria um capitalista. Isso nos faz expor o primeiro conceito: não confundir o uso do capital (ação humana) com o capitalismo (sistema socioeconômico), uma vez que o uso do capital ocorre em todos os sistemas econômicos, mesmo nos socialistas (China, Vietnã). Dito isso, entendemos que o capitalismo não é o mero uso de capital, porque, da mesma forma, o mercado é anterior ao capitalismo. O capitalismo é 1) propriedade privada dos meios de produção e 2) empréstimo a juros. Essa forma particular de sistema socioeconômico emerge na Inglaterra com dois eventos principais, a fundação do Banco da Inglaterra em 1694 e o seguinte processo de industrialização dessa nação no século XVIII. Como se vê, esses eventos acontecem no mesmo nível da consolidação progressiva da escola econômica clássica, com Adam Smith liderando-a no mesmo período. Ou seja, capitalismo e liberalismo emergem paralelamente. Assim, todos nós somos trabalhadores assalariados, com exceção dos proprietários dos meios de produção (empresas de grande capital acumulado — capitalistas strictu sensu, que fazem parte do 1% da população mundial que atingiu 47% da riqueza do mundo), e o empregador nem sempre é capitalista, mas na maioria das vezes é apenas mais um trabalhador (S.A.C, E.I.R.L.).
Hoje, o liberalismo reproduz a lógica do sistema capitalista que surgiu em 1694, diminuindo assim a diferença entre antiliberalismo e anticapitalismo, na opinião do filósofo francês Daniel Bensaid (2007). Por outro lado, devemos observar que as categorias de capital, propriedade privada e economia de mercado não são exclusivas do capitalismo e que é falso pensar que tudo quanto não seja capitalismo deve rejeitar essas categorias. Pode haver uma economia de mercado em um sistema não capitalista (Garrido, 2005), como na China, em que é possível estabelecer uma diferença entre propriedade privada (atributo humano elementar) e propriedade capitalista (capital como técnica e instrumento de dominação econômica), como José António Primo de Rivera propôs, assim como Marx considerou a distinção entre propriedade pessoal e propriedade privada burguesa.
Dito isso, e como segundo apontamento, temos o que está se tornando um atrito irreversível entre o capitalismo que surgiu em 1694, o capitalismo liberal, da propriedade privada dos meios de produção, do empréstimo de juros e de um Estado às margens da economia com exceções pontuais, e o liberalismo, como modelos hegemônicos que surgiram simultaneamente e estão em crise. Então, ser anticapitalista hoje implica ser antiliberal, nesse sentido. Fora dessa estrutura e dentro de um contexto não hegemônico e local, temos variantes mistas e inovadoras até o momento que estão em um período de emergência, como, por exemplo, o capitalismo confucionista asiático e o capitalismo gerenciado russo, que são capitalismos precisamente iliberais, em que a propriedade dos meios de produção continua sendo privada, mas há uma forte regulamentação por parte do Estado e também empresas pertencentes ao Estado em setores estratégicos. A economia não se regula a si mesma nesses sistemas.
Contudo, o que é certo é que o socialismo real perdeu a batalha contra o capitalismo liberal em todo o desenvolvimento das forças produtivas, e agora este último está perdendo a batalha contra os capitalismos iliberais, todos reunidos diante do socialismo de mercado que se apresenta cada vez mais triunfante. Economias mistas são o futuro.
Referências
BENSAID, Daniel. (2007). ¿Antiliberalismo o anticapitalismo? In: http://danielbensaid.org/Antiliberalismo-o-anticapitalismo?lang=fr
GARRIDO, Jorge. (2005). El Nacionalsindicalismo como alternativa al capitalismo. Text of the conference celebrated by Jorge Garrido San Román on May the 7th in the headquarters of the Spanish Falange of the JONS in Valladolid.
Bibliografia
MARX, Karl & ENGELS, Friedich. (1975). Manifiesto del Partido Comunista. Foreign Languages Edition, Pekin. People’s Republic of China.
PRIMO DE RIVERA, José Antonio. (1970). Obras Completas. Chronological Edition, Compilation by Agustin del Rio Cisneros. National Delegation for the Movement’s Female Wing.
PEARCE, Joseph. (2017). What is Capitalism and When did it start? In: https://theimaginativeconservative.org/2017/08/capitalism-start-joseph-pearce.html
FORBES, La mitad de la población mundial posee sólo el 1% de la riqueza. In: https://www.forbes.com.mx/50-de-la-poblacion-mundial-posee-solo-1-de-la-riqueza/
GUTIERREZ DEL CID, Ana Teresa. Rusia en la era de Vladimir Putin: la búsqueda del interés nacional ruso. Revista Mexicana de Política Exterior. In: https://revistadigital.sre.gob.mx/images/stories/numeros/n74/gutierrezc.pdf
LABARCA ENCINA, Claudia (2009). El capitalismo confuciano en la era de la globalización: nuevas bases para construir xinyong y guanxi. Instituto de Estudios Internacionales. Universidad de Chile. In: https://revistaei.uchile.cl/index.php/REI/article/download/13750/14028/
CORNEJO BUSTAMENTE, Romer. (1997). Confucianismo y desarrollo económico. Estudios de Asia y África. Vol. 32, No. 3 (104) (Sep. – Dec., 1997), pp. 519-538. In: https://www.jstor.org/stable/40313243
PEOPLE’S DAILY ONLINE. (2005). China has socialist market economy in place. In: http://en.people.cn/200507/13/eng20050713_195876.html