30/11/2020

Marco Scarsini – A Batalha de Shiroyama: O Confronto Decisivo entre o Bushido e a Modernidade

 por Marco Scarsini

(2019)



Há muito tempo que estamos habituados a ver o Japão como uma das nações mais modernas e tecnologicamente avançadas do Extremo Oriente e do mundo. Em Tóquio, na verdade, vemos a modernidade ocupar cada vez mais espaço à custa da tradição, com enormes arranha-céus de fazer ciúmes às metrópoles dos EUA e tremendas luzes de neon que deslumbram os turistas, que se aventuram nas ruas em busca de anime e lojas de videogames em vez dos vestígios antigos de uma das civilizações mais fascinantes do mundo. Às vezes nos perguntamos por que o país dos tremendos guerreiros samurais é mais conhecido no Ocidente como a pátria do Playstation, mas talvez a resposta esteja escondida na própria história japonesa.


A Restauração Meiji


No final do século XIX, o Japão viu finalmente a restauração do poder imperial sagrado às custas do Estado feudal dos xoguns Tokugawa, uma família de senhores da guerra que havia controlado a nação durante vários séculos. Este processo, que passou por uma guerra civil nada desprezível, é conhecido pela história como a Restauração Meiji, a partir do nome da família imperial que voltava finalmente a assumir o poder político.

Entre os partidários do imperador encontramos em primeiro lugar os famosos samurais, formidáveis guerreiros dedicados ao Bushido, o caminho do guerreiro: um código moral e de comportamento que não tem igual na história e só remotamente pode ser comparado com o ideal cavalheiresco ocidental. Entre os princípios fundadores de Bushido encontramos honra, coragem e dever, mas também cortesia, compaixão e honestidade, princípios a serem seguidos até a morte, por vezes buscada através do ritual de seppuku, o emblemático suicídio ritual. Um dos líderes destes samurais é Saigō Takamori, um guerreiro respeitado e muito fiel à causa imperial.

O período Meiji é um veículo de grande progresso tecnológico para o Japão, que quer se tornar uma potência moderna através da assimilação de diferentes modelos ocidentais. Entre as novidades da Restauração Meiji, a reforma do exército é fundamental: o Japão está de fato equipado com um exército nacional com armamentos modernos comprados dos EUA e uma leva de recrutas treinados por oficiais japoneses e estrangeiros, especialmente americanos e britânicos. Alguns acordos comerciais desejados pela classe política também preveem uma forte cessão de soberania em relação às potências estrangeiras ocidentais.


A Rebelião contra o Imperador


Tudo isso não podia deixar de provocar a raiva e o descontentamento dos samurais, que tanto lutaram pela causa imperial e que agora a viram traída pela crescente corrupção entre as fileiras do governo. Saigō Takamori deixou todos os cargos públicos para voltar indignado às suas terras, ao feudo de Satsuma, onde fundou escolas para ensinar aos jovens os princípios do Bushido e a ética dos samurais.

O governo central, assustado com o consenso de que goza Saigō, não hesita em enviar os seus emissários às terras de Satsuma para investigar sobre atividades subversivas. Estes homens, capturados, confessam ter recebido ordens para matar Saigō. As hostilidades que levaram à rebelião de Satsuma em 1877 se iniciaram pouco depois.

O exército samurai foi reforçado pelos muitos descontentes do governo Meiji e pelos soldados que viam em Saigō Takamori um líder honrado, mas o destino da rebelião já estava marcado desde o início, dada a disparidade de homens e meios entre os samurais heroicos e o exército imperial moderno.


O Poema Épico da Batalha de Shiroyama


Após alguns meses de guerra, os fiéis sobreviventes de Saigō enfrentam os seus adversários em uma batalha digna dos melhores poemas épicos em Shiroyama, em uma proporção de 1:60. Apesar das ofertas de rendição, a honra do Bushido impede que o senhor de Satsuma se renda. Após uma forte chuva de artilharia terrestre e naval, as forças imperiais lançam um ataque frontal contra os rebeldes samurais que empreendem um combate corpo a corpo rechaçando o inimigo por muito tempo e heroicamente, apenas para serem dominados pela sua superioridade numérica esmagadora. Saigō, ferido por várias balas, é levado para um lugar seguro para cometer seppuku. Após sua morte, os poucos samurais sobreviventes desembainharam suas espadas e se lançaram contra as forças imperiais pela última vez, sendo derrubados pelos modernos gatling americanos. A batalha de Shiroyama marca o fim da era da espada e o advento da modernidade no Japão.

O importante papel dos samurais de Saigō na defesa da tradição não foi esquecido. Alguns anos após sua morte em 1889, o Imperador foi forçado pela opinião pública a perdoá-lo postumamente. Mais tarde, o paladino de Satsuma foi homenageado com uma estátua na sua amada região e em Tóquio, e a figura do samurai será muito recordada nas tradições do exército imperial japonês: os kamikaze são apenas um dos muitos exemplos de como o caminho do Bushido ainda era seguido durante a Segunda Guerra Mundial.

Foi talvez propriamente o sacrifício de Saigō, também recordado no famoso filme "O Último Samurai", a abalar as consciências e a permitir ao Japão preservar sua tradição milenar, apesar do advento do progresso tecnológico. Uma tradição que ainda hoje está adormecida e que às vezes consegue romper as barreiras da modernidade como os três poderosos "Banzai!" lançados pelo primeiro-ministro Shinzo Abe durante a recente coroação do novo imperador.