30/08/2020

Julius Evola - A Religião da Ciência

por Julius Evola 

(1971)



O "cientificismo" é uma espécie de religião da ciência, da ciência moderna, que se supõe fornecer um conhecimento autêntico da realidade e resolver também, com suas aplicações técnicas, todos os problemas humanos e conduzir a um futuro brilhante. Esta paixão fez sua primeira aparição no início do século, encontrando mesmo uma expressão coreográfica no balé "Excelsior" no qual as conquistas da ciência da época eram exaltadas e se louvava a vitória da Razão e da Ciência, instrumentos do Progresso, sobre o "obscurantismo", uma vitória que levaria também à fraternidade universal.

Apesar de tudo o que aconteceu nesse meio tempo e apesar do surgimento de uma crítica imanente à ciência, tal atitude ainda persiste em certos círculos. Embora Ugo Spirito (outrora gentiliano e hoje comunista) enquanto filósofo seja uma nulidade, ele também nos oferece um exemplo característico de cientificismo duradouro. Segundo Spirito, a ciência toma o lugar da metafísica e da filosofia, e como existe um consenso universal em relação às verdades da ciência, para além de todas as fronteiras, também na ciência se pode encontrar a base para a unidade dos povos. É lamentável que com o título "Crepúsculo ou Eclipse dos Valores Tradicionais?" a Editora Rusconi tenha publicado um livro em que a palavra é dada a Spirito, e uma discussão crítica de Augusto Del Noce também é acrescentada. Afinal, Del Noce se encontra no mesmo nível intelectual que Spirito e parece saber pouco sobre os verdadeiros valores tradicionais. Em nossa opinião, em tais casos, não se deve discutir, deve-se opor o que os franceses chamam de "une fin de non recevoir": rechaçar e basta.

Na mesma Editora Rusconi, porém, um livro de Giuseppe Sermonti intitulado "Crepúsculo do Cientificismo" também foi publicado mais recentemente. Talvez o título não seja inteiramente adequado, pois é antes de tudo uma "crítica" do cientificismo; um "crepúsculo" dele, como já foi mencionado, hoje infelizmente não seria o caso (deve-se notar, entre outras coisas, o valor dado ao mito da ciência pelo marxismo, pelo comunismo e pelas ideologias "progressistas" em geral). As críticas de Sermonti são válidas e pertinentes, embora nem sempre originais, e também são levadas a domínios especializados. O livro merece ser lido porque liquida muitos modismos do cientificismo, que podem abalar o despreparado.

Dois aspectos devem ser considerados na tomada de uma posição crítica diante da ciência moderna. A primeira diz respeito ao valor de conhecimento da ciência, a segunda diz respeito às suas aplicações.

Sobre o primeiro aspecto, o valor da ciência tem sido relativizado por algum tempo, não por estranhos mas por epistemólogos, como um Poincaré, um Boutroux e um Le Roy no início do século, depois por um Braunschvicg, um Meyerson e muitos outros. Sermonti retomou seus argumentos, deixando dois pontos claros. A ciência moderna (especialmente enquanto ciência da natureza) foi construída e desenvolvida com base em uma escolha limitadora (para não dizer mutiladora) operada na realidade; na realidade, ela considera apenas o que é mensurável e traduzível em fórmulas matemáticas. O resto - tudo o que é qualitativo, irrepetível e ligado a significados - ela considera inexistente, irrelevante, "subjetivo", perturbador. O resultado é a criação de algo abstrato e até inumano, ao qual não se pode atribuir o valor de um conhecimento em sentido autêntico, concreto e vivo: tanto que a ciência mais recente, completamente algebrizada, se tornou incompreensível fora de um círculo restrito de especialistas.

Portanto, todo o saber "científico" é desvinculado da experiência humana, não é de forma alguma uma integração dela. O significado último daquilo que eu vejo, de todo processo e fenômeno - luz, sol, fogo, mar, céu, plantas que florescem, seres que nascem e morrem - não se torna mais transparente. Antes, pelo contrário: a cargo do saber científico se deve colocar não somente este deslocamento do pensamento em uma esfera abstrata, mas também a "dessacralização" em geral do mundo, o obscurecimento do que nele pode ter o caráter de um símbolo, de um significado, de reflexo de uma ordem superior. Aqueles que tiveram suas mentes enchidas de noções científicas "positivas" já na escola, não podem deixar de formar um olhar que vê tudo à nossa volta de uma forma desanimada e cinzenta e que, portanto, age num sentido destrutivo.

A realidade é que a ciência moderna, em vez de visar o conhecimento do sentido integral e tradicional, é informada pela necessidade prática, pelo impulso de dominar o mundo e isto já em seus procedimentos. Todo o sistema da ciência - já tínhamos escrito - "é uma rede que se aperta cada vez mais em torno a um quid que permanece incompreensível, com o único propósito de poder sujeitá-lo a propósitos práticos". E o cientificismo encontra seu álibi preferido em tudo que a ciência tornou possível através de suas aplicações técnicas; de fato, hoje a ciência não interessa tanto enquanto conhecimento, quanto como instrumento eficiente para aumentar o bem estar, a riqueza e o poder material.

Agora, colocando de lado alguns setores, talvez os da medicina e da higiene, aqui, porém, devemos considerar a responsabilidade que a ciência tem tido na construção de uma sociedade que acabou tendo o rosto de uma sociedade meramente consumista e tecnológica que desperta crescentes reações contestatórias. Em seu livro, Sermonti também considera estes aspectos. Afinal de contas, não há nada que não seja pago. Estes não são os aspectos mais conspícuos, e com demasiada freqüência destacados, das possíveis catástrofes causadas pelo uso não pacífico da energia termo-nuclear e das múltiplas contaminações que a natureza sofre no ar, na água e no solo. Devem ser levados em conta também os processos internos, no contexto das contribuições da ciência e da tecnologia aos desenvolvimentos econômicos que se apossaram do homem. Estamos nos referindo à situação em que os produtos não são criados tanto para as necessidades naturais do homem quanto tendem a despertar e alimentar desejos nas massas por causa da proliferação de produtos no mercado. Daqui deriva um crescente condicionamento do homem moderno (destacado também por Marcuse), condicionamento, além disso, que pela maioria de nossos contemporâneos é despreocupadamente aceita, pois para ele abandonar o conforto e a facilidade é um preço demasiado alto para garantir um maior grau de autonomia.

Quando Sermonti aponta que diante de tais desenvolvimentos não se deve pensar quase em um destino tecnológico, mas sim lembrar o homem de suas responsabilidades, ele está perfeitamente certo. E, em nossa opinião, ele não está menos certo em indicar em um novo gosto pela sobriedade e simplicidade a melhor maneira de retornar a um modo de vida normal. Infelizmente, dado o clima predominante, não se pode deixar de reconhecer os contornos utópicos desta solução razoável. Mesmo recentemente na Itália não ouvimos os políticos repetir sempre de novo que a única maneira de superar a crise econômica é aumentar a produção (com base em um aumento do investimento)? Bem, o aumento da produção não requer a redução, mas o aumento das necessidades, confirmando o círculo fechado acima mencionado. Mais válida seria a imagem de Werner Sombart, que comparou a produção e a economia moderna exasperada pela tecnologia como um "gigante descontrolado" que deveria ser refreado, a todo custo, em nome de valores humanos superiores.

Voltando a Sermonti, parece-nos que suas críticas agudas à ciência moderna e ao cientificismo carecem de uma contrapartida positiva justificatória, o que seria a indicação de um tipo diferente de conhecimento (como fez a escola tradicionalista, por exemplo um Guénon, um Schuon, um Burckhardt). Em segundo lugar, devem ser feitas reservas quando Sermonti acusa um "despotismo totalitário exercido sobre a natureza e a terra" e espera que "um cuidado especial seja tomado por ela", para não se tornar "a longo prazo, seus convidados indesejáveis". Certamente, uma atitude contemplativa contra o brutal domínio técnico e exploratório da natureza corresponde a uma necessidade justa. Entretanto, deve-se sustentar o justo meio, evitando acabar em um naturalismo idílico à la Thoreau, se não também à la Rousseau.