17/10/2020

Giacomo Maria Prati - Julius Evola e a sua Revolução

por Giacomo Maria Prati 

(2019)


“O absoluto não está atrás, mas à frente”.
(Julius Evola, O Problema do Espírito Contemporâneo)

“As revoluções na praça são feitas em nome da burguesia, que cria falsos mitos de progresso”.
(Franco Battiato, Patriotas às Armas)

Temos a certeza que Evola não permanece incompreendido até hoje? Estamos certos de que sua obra pode ser reduzida a uma exaltação de uma Tradição universal, autossuficiente, fim em si mesma? Do ponto de vista espiritual, o pensamento de Evola parece certamente semelhante ao de Guénon ao considerar como existente uma Tradição viva universal supra-histórica e supraconfessional, da qual Guénon expressa o aspecto sacerdotal-contemplativo e Evola a alma heróico-aristocrática, o carisma guerreiro. Mas esta não é uma ideia tradicionalista, mas uma ideia antiga, ainda que nômade e metamórfica, na medida em que já gnóstica, maniquéia, alexandrina.

Foi dentro do helenismo que as tradições hebreias, as culturas neoplatônicas gregas e as heresias cristãs se cruzaram e se influenciaram, na busca de uma co-presença culta e refinada à qual, por um lado, o catolicismo romano e, por outro, o islamismo político se opuseram e combateram ao longo dos séculos. Encontramos a mesma ideia tradicional-antitradicional na obra “Os Grandes Iniciados” de Edouard Schurè e na “Filosofia Perene” de Aldous Huxley, em Eliott e Joyce, na Aurora Dourada, no esoterismo volitivo e demiúrgico de D'Annunzio, nos simbolismos evocativos de Ezra Pound. A ideia da Evola de uma tradição oculta que emerge até nós das brumas do tempo não é novidade. É uma mitologia usada pelos próprios maçons do século XVIII para legitimar uma antiguidade que a maçonaria moderna não possuía. 

A novidade de Evola, ainda hoje explosiva e altamente original, é dada por dois fatores: o haver sistematizado esta ideia ao nível da teoria filosófica, esgotando e superando todo idealismo e convertendo-o em um novo/antigo "objetivismo-realismo transcendental" e o fato de ter movido o centro de gravidade sobre o indivíduo e sobre a sua "auto-evolução". O componente tradicional postula um renascimento das capacidades mitopoiéticas e projetivas de um gosto antigo, mas esta é apenas uma das polaridades de tal pensamento. A sua alma decisiva é uma alma irradiante que tende para o futuro. O de Evola é um futurismo esotérico, espiritualista, onde a Tradição é suporte, mas não o fim, porque o fim é uma vida superior a ser atingida e vivificada por via experimental. O aspecto automanipulador e experimental revela uma alma profundamente e espiritualmente revolucionária, em comparação com todo precipitado histórico, religioso e ritualístico. Revolucionária enquanto teúrgica, mágica, demiúrgico-prometeica. 

O protagonista não é a Tradição, um termo neutro e técnico, não direcional, mero pressuposto formativo-cultural, mas o Indivíduo Absoluto, entidade postulada como indestrutível, imortal, estável e metamórfica como um Deus interior ancestral, semelhante ao daimon greco-romano. A Tradição serve ao Indivíduo Absoluto como Ideal, como uma realidade latente a ser realizada de uma forma total, seja individualmente como socialmente. A Tradição que Evola exalta é aquela que ritualiza nos milênios as "fugas do mundo" celebradas por Elémire Zolla. Uma Tradição não conservadora mas iniciática onde o herói é o iluminado, o iniciado, não o defensor de uma ordem política pré-estabelecida. Uma tradição solar e teúrgica que dá prosseguimento a Plotino no querer "atrair os deuses" ao indivíduo e não distanciar o homem de si mesmo.

Nisto, Evola aparece supremamente revolucionário e pós-moderno no recuperar do Antigo o quanto de individual seja possível: Plotino, a teologia negativa de Eckart e Silésio, o aristotelismo experimental de Francis Bacon, as formas e mitos da cavalaria guibelina. Evola filosoficamente é o último pensador integral e total depois de Schopenhauer e junto com Heidegger: ele combina ciência e meditação, filosofia da história e valoração teológica, estética e iconologia, doutrina política e ascese interior. Evola é um pensador total, que expõe e sistematiza o seu pensamento, isto é a sua versão individual de uma Tradição elitista milenar, em todas as dimensões da existência: do sexo ao alpinismo. Um pensador que une os tempos e que podemos considerar o "Aristóteles do século XX", tanto quanto Heidegger foi e é o insuperável Platão do século XX. Tenho a certeza de que não estou exagerando, apenas afirmando os fatos. Na verdade, Evola é o último a recuperar o conceito, reformulando-o, de "causa formal" e "causa final" na sua profunda Teoria do Indivíduo Absoluto. Como nos antigos filósofos, Pitágoras, Epimênides, Proclo, Anaximandro, também em Evola não se pode separar o pensamento mágico do pensamento científico, o raciocínio lógico do impulso ideal. O suficiente para incentivar sua (nada fácil) leitura, hoje absolutamente estimulante para o pensamento ético e estético. Pode uma sociedade hiper-individualista (e ao mesmo tempo hipoindividualista) não apreciar o máximo teórico de um "Indivíduo Absoluto" na história do pensamento humano? Por esta simples razão, o pensamento filosófico não cristão morreu após 1945: Censurou-se e demonizou-se Evola, cujo experimentalismo radical ainda hoje aparece atual e criativo.

De um certo ponto de vista, hoje, qualquer pessoa que tenha uma busca espiritual livre e solitária própria, não completamente incluída no mundo cristão, não pode deixar de contar com o pensamento de Evola, não pode deixar de se dizer, mesmo que em parte e inconscientemente, evoliano. Do ponto de vista das Religiões reveladas, das Tradições religiosas históricas, o pensamento de Evola é um pensamento de modo geral subversivo porque propõe um Infinito não-pessoal, e o coloca não tanto fora do indivíduo, mas sim na sua raiz interna. Evola como o maior dos anárquicos, como o maior sistematizador de um pensamento mágico autárquico, livre dos limites da "natureza" e do "cosmos" presentes em Aristóteles e na cultura renascentista. Nenhuma Tradição religiosa poderia aceitar o livre e heroico experimentalismo evoliano, nem mesmo o budismo e o taoísmo de hoje. Isto porque para a Evola a Tradição é um primeiro caminho, não o destino final. A Tradição heróica e iniciática serve para iniciar uma jornada que só a própria vontade pode decidir continuar e concluir, alcançando as profundezas do Indivíduo Absoluto como status suprapessoal e supratemporal. Neste estado, o conceito de ordem e tradição esvanesce, evapora, perde a sua própria dizibilidade e definibilidade. Assim como todos os raios convergem no único centro da roda, também os caminhos da Tradição nesta lógica esotérica estão destinados a ser ultrapassados e transcendidos numa Ordem superior, transcendente, mas acessível através de caminhos individuais e solitários.

Hoje, quando todo sentido de qualquer ordem está falhando ou já foi perdido, a epopeia da vontade própria de Evola como uma espécie de "alquimia do Eu" mostra todo o seu poder subversivo, insurrecional e rebelde, permanecendo mitogonicamente por cima do "niilismo do indiferenciado" que é dominante hoje. Colocar o Absoluto como alvo e conquista, dentro e não fora, perto e não longe, à frente e não atrás, impessoal mas também individual, faz do asceta-herói-iniciado o demiurgo do próprio Caminho, o arauto das próprias vitórias, a epifania do Absoluto como singularidade e do singular como forma formante baconiana de absolutização do existir. O ethos evoliano é uma Via da escolha e da diferenciação, da responsabilidade total e da heróica e fatídica assunção do hic et nunc. A singularidade irredutível da raiz do indivíduo é o centro do cosmos. A "Teoria do Indivíduo Absoluto" gira inteiramente em torno desta antiga intuição romano-estóica renovada pelo nosso pensador: a escolha do singular é uma matriz universal de valor na medida em que contorna o apeiron que se abre antes da escolha e o indeterminado que se fecha depois dela. Aquilo que é determinado revela-se superior ao infinito enquanto indeterminação.

A de Evola é uma extremíssima filosofia do valor, que esgota todo idealismo, devolvendo-o ao leito de uma metafísica objetiva, ainda que impessoal, onde o único absoluto dinâmico é o das possibilidades do singular. O autarca no lugar da mônada vazia, o Limite contra a nulificação do sentido, a Forma como via de ascese em oposição à moral da rendição, o eros do conflito contra a esterilidade da neutralidade. Nada mais totalmente antropocêntrico e protagoriano e, portanto, dialeticamente a-tradicional. Nada mais contemporâneo e pós-moderno. Mas se hoje o mundo inteiro é pagão, como se diferencia o paganismo evoliano? Os critérios de diferenciação são claramente fornecidos pelo mesmo filósofo que muitas vezes esclarece em todas as suas obras como sempre houve dois tipos de "paganismo", ou seja, dois tipos de matrizes arquetípicas: uma solar, ativa, viril, heróica e guerreira, que visa a ascese, da qual sua vida e sua obra são a expressão, e uma lunar, passiva, feminina, caótica, orgiástica e tribal, que visa a dissolução e a subversão (poderíamos redefini-la hoje: pseudo-dionisíaca ou hipo-dionisíaca), hoje predominante mas inconclusiva e insatisfatória. Também nisto Julius ressurge para nós como nosso contemporâneo na sua essência anti-ideológica, vital e experimental. A Tradição relançada por Evola é uma tradição de espíritos e experiências "antitradicionais" para a maioria: uma tradição minoritária, oculta, elitista, herética. Evola indicou e promoveu a única forma real de superar o conceito de Tradição: assumi-lo integralmente, na multiplicidade das suas almas, e vivê-la. Enquanto a Tradição permanecer um fetiche, um simulacro, então ela durará como cristalização totêmica, uma imagem autorreferencial. Elusiva e continuamente retornante. Nada de mais assíduo e próximo dos fantasmas na aldeia estúpida dos simulacros visíveis.