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06/08/2020

Adriano Scianca - Entrevista com Alain de Benoist: A Ideologia de Gênero é Anti-Sexo

por Adriano Scianca, Alain de Benoist

(2015)


O debate sobre a teoria do gênero está bloqueado porque os defensores desta ideologia… negam a sua existência. Segundo o movimento gay, nunca houve tal teoria, já que a única coisa que afirmam fazer é lutar contra a discriminação. A teoria do gênero, explicam os ativistas gays, foi inventada pelo Vaticano para fazer as pessoas acreditarem que existe um complô gay com objetivos misteriosos e sórdidos. Finalmente, existe ou não uma teoria do gênero?


Claro que há! Autores como Judith Butler, Eric Fassin, Monique Wittig e muitos outros, o que eles são senão representantes da teoria do gênero, ou seja, partidários de uma teoria que afirma que as identidades sexuais não são de todo dependentes do sexo biológico ou da filiação sexual? Mas esta teoria também não é o resultado de nenhuma “conspiração homossexual”. Ela se baseia na ideia de que a identidade sexual é derivada de uma pura “construção social”. Afirma que não há diferença significativa entre meninos e meninas ao nascer (postulado de neutralidade); afirma que o indivíduo não deve nada à natureza e pode se construir a partir do nada (fantasma da autogeração).

Quanto à discriminação, há formas muito diferentes de combatê-la. Se a discriminação consiste em tratar homens e mulheres de forma desigual, eu sou, naturalmente, o primeiro a querer que ela desapareça. Mas precisamos saber se a igualdade deve ser entendida como sinônimo de egoísmo. Em outras palavras, precisamos saber se, para restaurar a igualdade entre os sexos, a diferença entre eles precisa desaparecer, no que eu obviamente não acredito. O mesmo se aplica aos “estereótipos”, que nada mais são do que verdades estatísticas abusivamente generalizadas. A forma como algumas pessoas imaginam que, para “desconstruir estereótipos”, é preciso atacar as próprias noções de masculino e de feminino revela que, por muito que finjam o contrário, aqueles que pensam desta forma aderem ao postulado básico da teoria do gênero.

26/02/2014

Entrevista com Alain de Benoist sobre a Crise Ucraniana

Entrevista dada à Rede Estatal Iraniana



Como avalia os acontecimentos na Ucrânia?

É-nos difícil de avaliar devido a estarmos de certa maneira ainda no meio do caos, há dias levaram-se a cabo confrontos armados em Kiev entre os manifestantes e as forças da polícia, hoje anunciaram-se eleições antecipadas, etc.  Não dispomos do distanciamento necessário para ver se caminhamos para uma crise e, principalmente, quem serão os beneficiários. Surpreende-me que a este respeito as potências ocidentais, e em particular a União Europeia, tenham deitado muita lenha para o fogo apoiando manifestantes da oposição que só tinham, de fato, como ponto de união a hostilidade para com o presidente Yanukovych, pois tudo o mais os divide.

Que opina acerca da reação imediata da Rússia, aludindo à intenção de um golpe de Estado?

Compreendo muito bem a posição de Lavrov ao dar-se conta que estes eventos foram controlados à distância, do estrangeiro, produzindo-se uma ingerência dos Estados Unidos e da Europa, cujos alguns representantes de topo se deslocaram à Ucrânia para animar os manifestantes a levarem a cabo ações que não teriam admitido no seu próprio país. Penso também que a oposição é extremamente variada, tal como na Síria há uns meses onde os opositores correspondiam a facções com opiniões completamente diferentes umas das outras. Na Ucrânia o padrão é o mesmo, sendo que uns são favoráveis à União Europeia, a favor da OTAN e dos Estados Unidos e outros são nacionalistas ucranianos anti-russos, portanto apresentar a oposição como se fosse um movimento unido parece-me extremamente questionável.

Podemos falar em risco de desmembramento do país?

É uma hipótese a ter em conta, a Ucrânia encontra-se dividida há anos, uma parte solidariza-se com a Eurásia Oriental, a Rússia e o Leste enquanto que a outra parte se sente politicamente, religiosamente e culturalmente mais próxima da Europa Ocidental. Esta velha separação combinada com os atuais acontecimentos podem levar-nos a pensar que há um risco, se não de uma guerra civil pelo menos de uma separação.

Não se deslocaram à Ucrânia somente líderes europeus, mas também alguns representantes oficiais dos Estados Unidos, como explicar a atitude dos Estados Unidos?

Há muito que os Estados Unidos tentam cercar a Rússia e impedir a sua liberdade de acção, lembram-se das revoluções coloridas na Geórgia? O objetivo é sempre o mesmo: estender a OTAN até à fronteira da Rússia, algo que a Rússia entende como uma provocação ou até mesmo como uma agressão. A situação geográfica e geopolítica da Ucrânia tornam-na numa posição crucial entre a Rússia e os países da Europa Ocidental e Central. Os Estados Unidos estão a tentar aumentar a sua influência, de todas as maneiras possíveis, nos países da anterior União Soviética com o intuito de cercar cada vez mais a Rússia. Não é por mero acaso que as visitas dos representantes dos Estados Unidos a Kiev tenham por base uma campanha de opinião contra a Rússia e Vladimir Putin, como nos melhores momentos da Guerra Fria. Os Estados Unidos estão a tentar maximizar os seus próprios interesses por intermédio de altercações nacionais que não são muito habituais nesses países.

19/02/2014

A Quarta Teoria Política: Além da Direita e da Esquerda

Entrevista com o jornalista alemão Felix H. Widerstand por Natella Speranskaya.


Natella Speranskaya:  Como você descobriu a Quarta Teoria Política? E como você avalia as chances dela se tornar uma grande ideologia do Século XXI?

Felix H. Widerstand:  Eu descobri a Quarta Teoria Política depois de fazer algumas pesquisas e buscar por formas alternativas de organização política. Eu compreendi que os conceitos de “esquerda” e “direita” são meios enganosos para confundir as pessoas a fim de dividí-las; e que deve haver uma forma real de combater o globalismo e resistir à “nova ordem mundial” que está sendo implementada pelo Ocidente controlado por Sionistas (EUA, Israel e União Europeia).

Então eu descobri a Terceira Posição, e tornei-me um defensor do movimento nacional-revolucionário em uma ordem geopolítica multipolar (Nos países Árabes eles têm o Baathismo e o Nasserismo; na América Latina eles têm o Peronismo, Bolivarianismo; e em nossos países temos o Eurasianismo). Isso também é conhecido como “nacionalismo internacional”; contra o chauvinismo e racismo, mas a favor da preservação de todas as identidades e de todas as culturas. Vejo o Eurasianismo, ou a Quarta Teoria Política, como uma forma contemporânea de resistência para aqueles de nós que vivem “das Ilhas Canárias até Vladivostok”. Pela resistência contra o sistema plutocrático, materialista e economicista disfarçado de “democracia”, e contra o imperialismo cultural americano.

As chances de se tornar uma grande força ideológica agora são ainda muito baixas na minha opinião (pelo menos para os ocidentais), por causa da constante lavagem cerebral que a nossa sociedade está exposta. Consumismo, individualismo, Mamonismo, e todo tipo de sujeira está sendo lançada na mente do nosso povo diariamente pelos meios de comunicação. Mas o primeiro passo deve ser o de difundir a ideia, para abrir os olhos das pessoas, deixando-as saber que outras formas de organização social são possíveis. Portanto, precisamos de bons líderes capazes de organizar as pessoas e que possam permanecer fortes e desafiadores contra a Nova Ordem Mundial, sempre defendendo a soberania nacional a qualquer custo.

A melhor forma de organização política, na minha opinião, é a tradicional, na qual os valores espirituais sejam respeitados, o orgulho coletivo seja encorajado e a justiça social seja implementada; contra a usura, a exploração e o capitalismo. Mas essas ideias são vistas como “extremistas”, ”fascistas” e “antidemocráticas” pela esquerda e direita politicamente corretas.

Natella Speranskaya:  Leo Strauss ao comentar sobre a obra fundamental de Carl Schmitt “O Conceito do Político”, observa que apesar de toda a crítica radical do liberalismo incorporado contida nele, Schmitt não segue isso, já que sua crítica permanece no âmbito do liberalismo. “Suas tendências anti-liberais, –  afirma Strauss, – continuam limitadas pela ‘sistemática do pensamento liberal’, que não foi superada até agora, a qual –  como o próprio Schmitt admite –  ‘apesar de todas as falhas, não pode ser substituída por qualquer outro sistema na Europa atual’”. O que você identifica como uma solução para o problema da superação do discurso liberal? Você poderia considerar a Quarta Teoria Política do professor Alexander Dugin como uma solução? A teoria que está além das três grandes ideologias do século XX – o Liberalismo, o Comunismo e o Fascismo, e que é contra a doutrina Liberal.

Felix H. Widerstand:  De fato, a doutrina Liberal (plutocracia, usura e  capitalismo selvagem) é o sistema econômico parasitário usado pelos imperialistas norte-americanos (Sionistas, porque os Sionistas não estão apenas em “Israel”, estão em Washington e em Nova York também) para controlar o mundo e destruir a soberania econômica e nacional de todos os países que ainda seguem políticas independentes e não se curvam ao globalismo. Vimos isso muito recentemente na Líbia, vimos isso no Iraque, na Iugoslávia, e estamos testemunhando o mesmo outra vez com os eventos em curso na Síria. Que coincidência que todos os países que estão sendo destruídos pelos belicistas tinham um sistema bancário independente e não eram seguidores da doutrina Liberal!

Leo Strauss foi o principal autor da ideologia “neocon”, ele era um Sionista supremacista como todos os seus seguidores poderosos e ativos agora (Elliott Abrams, Paul Wolfowitz, Charles Krauthammer, Richard Perle, Douglas Feith, e assim por diante – todos esses criminosos sujos e repugnantes têm uma agenda muito ruim).

A solução para o Liberalismo seria restaurar a soberania nacional e econômica de todos os países, em um mundo geopoliticamente multipolar. Temos que sair da “União Europeia”, sair do Banco Mundial, a Grécia (por exemplo) deveria parar de pagar juros aos banqueiros do Goldmann Sachs; todos os países que querem de volta a soberania nacional devem sair de todas essas organizações globalistas internacionais que, de forma Orwelliana, estão escravizando países em nome da “liberdade e democracia”.

Vejo a organização e ativismo do Professor Dugin como uma alternativa muito boa para lutar contra esse sistema.

Natella Speranskaya:  Você concorda que hoje existem “duas Europas”: a Liberal (incorporando a ideia de “sociedade aberta”, direitos humanos, registro de casamentos do mesmo sexo, etc) e a outra Europa (“uma Europa diferente”) – politicamente engajada, pensadora, intelectual, espiritual, aquela que considera o status quo e a dominação do discurso liberal como um verdadeiro desastre e traição da tradição Europeia. Como você avalia as chances de vitória de uma “Europa diferente” sobre a “primeira”?

Felix H. Widerstand:  Claro, existem essas duas Europas; a primeira está sendo imposta sobre nós pelos arquitetos Maçônicas da agenda liberal – ver “plano Kalergi” – particularmente desde a chamada “Escola de Frankfurt” (Horkheimer, Adorno, Marcuse...) todo tipo de sujeira e veneno espalhou-se para derrubar a sociedade e os valores Europeus tradicionais com o seu “Marxismo cultural” e “politicamente correto”; pois eles (por sinal) influenciaram diretamente os protestos de Maio de 1968 na França (a operação da CIA, a primeira “revolução colorida”, muito tempo antes da Ucrânia) com levantadores como Cohn-Bendit, a fim derrubar o Presidente De Gaulle, que não se curvou à OTAN como solicitado.

Essa “Europa Liberal”, que lentamente nos sufoca, infelizmente é a tendência majoritária; particularmente no Ocidente. A “outra” Europa, a “diferente”, é a que resiste a essa guerra psicológica e estratégia de domínio. Nós somos a minoria. Mas essa Europa espiritual, tradicional, orgulhosa, consciente de suas raízes e disposta a preservar a sua soberania e a sua identidade é geograficamente muito melhor representada no Oriente: Eu vejo a Rússia como uma grande esperança para todos os Europeus.

 Natella Speranskaya:  “Não há nada mais trágico do que a incapacidade de compreender o momento histórico que estamos atravessando atualmente; – observa Alain de Benoist – este é o momento da globalização pós-moderna”. O filósofo Francês enfatiza a importância da criação de um novo Nomos da Terra ou uma forma de estabelecer relações internacionais. Como você acha que o quarto Nomos será? Você concorda que o novo Nomos vai ser Eurasiano e multipolar (transição de universum para pluriversum)?

Felix H. Widerstand:  Sim, devemos redescobrir nosso passado para entender melhor nosso presente, porque se entendermos nosso presente, seremos capazes de construir o nosso futuro. A visão de mundo Multipolar, como a proposta pelo movimento Eurasiano, é a única alternativa contra a hegemonia planetária dos imperialistas.

Natella Speranskaya:  Você concorda que a era da raça branca Europeia terminou, e o futuro será determinado pelas culturas e sociedades Asiáticas?

Felix H. Widerstand:  Eu prefiro dizer que a raça branca Europeia tem sido forçada a um fim na Europa, devido a engenharia bio- social, e a um Programa muito cuidadoso e bem preparado a longo prazo (lembre-se do plano de Kalergi).

Na verdade, os Asiáticos (especialmente as massas Chinesas e Indianas) superam muito os Europeus, e os Africanos também... Eles são muito numerosos, enquanto os brancos estão diminuindo cada vez mais.

Nesse contexto das culturas Asiáticas, é triste notar que a grande nação Japonesa, com história e tradição heróicas, foi americanizada nas últimas décadas, tornando-se também uma sociedade capitalista-mercantilista corrupta, quase tão ruim quanto a moderna civilização Ocidental.

Natella Speranskaya:  Você considera a Rússia como uma parte da Europa ou você aceita a visão de que a Rússia e a Europa representam duas civilizações diferentes?

Felix H. Widerstand: Considero a Rússia um caso particular, uma própria civilização, mas com raízes Europeias. Hoje em dia há uma enorme diferença entre a mentalidade média do ocidental comum e a mentalidade dos russos (e outros Europeus Orientais); porque os Russos e os Orientais ainda não estão tão corrompidos pelo veneno ocidental, e eles ainda são capazes de preservar a sua herança e identidade.

Natella Speranskaya: Ideologias contemporâneas são baseadas no princípio da secularidade. Você prevê o retorno da religião, o retorno de sacralidade? Se sim, de que forma? Você considera que seja o Islã, o Cristianismo, o Paganismo ou quaisquer outras formas de religião?

Felix H. Widerstand: As ideologias contemporâneas que proliferaram no Ocidente depois da Revolução Francesa e foram reafirmadas durante o século XX por correntes Freudo-marxistas realmente propagaram o secularismo e ateísmo. Os arquitetos Maçônico-talmúdicos por trás dessas ideologias modernas sabem perfeitamente bem que este é o melhor método para enfraquecer a sociedade: espalhar o individualismo e condenar o comunitarismo e a espiritualidade: “Dividir e conquistar!”

O Cristianismo foi infiltrado e destruído a partir de dentro no mundo Ocidental, e quase tudo que permanece (igrejas organizadas) é corrupto (o Vaticano, as seitas Protestantes, etc). Somente no Oriente, como na Rússia, a fé Ortodoxa representa ainda uma alternativa espiritual. O Islamismo, por outro lado, tem-se revelado como uma boa forma de resistência para os países Muçulmanos. Particularmente, a corrente Xiita, praticada principalmente no Irã, e que preserva também alguma herança antiga do Zoroastrismo Persa. Mas dentro do Islã também  há uma tendência de tentar destruir essa religião a partir de dentro, como um cavalo de Tróia: É o wahhabismo Saudita , o tipo “Calvinista” de Islã. Esses wahabitas (ou salafistas) fanáticos estão sendo apoiados pelo Ocidente, essa é a principal ideologia por trás da “Al- Qaeda” e todos esses grupos terroristas que assumiram controle da Líbia e estão tentando destruir a Síria. Além disso, essa é a ideologia dos terroristas Chechenos e dos Bósnios nas guerras Iugoslavas dos anos 90. Essa perversão demoníaca, que nada tem a ver com o verdadeiro Islã (como o estudioso Imran Hosein e muitos outros muçulmanos verdadeiros apontaram), está sendo usado pelo Ocidente como representantes, como mercenários, como “idiotas úteis”.

O imperialismo Sionista está tentando colocar o Cristianismo e o Islamismo um contra o outro (“choque de civilizações”) para destruir os dois mais facilmente. E o triste é que eles estão tendo êxito! Devemos acordar e perceber quem é o verdadeiro inimigo.

Apesar de simpatizar com o Paganismo antigo, acho que nós temos que ter muito cuidado com as tendências “neo-pagãs” que estão sendo espalhadas no Ocidente desde os tempos “hippies”; toda essa falsa espiritualidade “New Age” também é parte do plano para derrubar a cultura e a sociedade.

Na minha opinião, cada nação, cada cultura, deve estar ligada à sua própria tradição espiritual; ter orgulho disso e permanecer forte. Vemos isso com os líderes nacionais soberanos como o presidente Chávez, da Venezuela, que é um Católico fervoroso; ou com o presidente Lukashenko da Bielorrússia, que é um Cristão Ortodoxo devoto. Além disso, o mártir Gaddafi era um forte crente no Islã (ele incentivou o Sufismo e os estudos Islâmicos na Líbia). Ele condenou o terrorismo Wahhabi e salientou corretamente que essa repugnante ideologia Arábe nada mais é do que uma infiltração do Ocidente Sionista no mundo Árabe-Muçulmano.

07/09/2013

Guerra Civil na Síria - O que a Rússia fará? - Entrevista com Aleksandr Dugin

Entrevista com Aleksandr Dugin por Manuel Ochsenreiter da revista alemã Zuerst



Prof. Dugin, o mundo se depara agora na Síria com a maior crise internacional desde a queda do Bloco Oriental em 1989/90. Washington e Moscou se encontram em uma confrontação-proxy no campo de batalha sírio. Essa é uma situação nova?

Dugin: Nós temos que ver o conflito pelo poder geopolítico como o velho conflito entre o poder terrestre, representado pela Rússia, e o poder marítimo, representado pelos EUA e seus parceiro da OTAN. Esse não é um fenômeno novo; é a continuação da velha luta geopolítica e geoestratégica. A década de 90 foi a era da grande derrota da potência terrestre representada pela URSS. Mikhail Gorbachev se recusou a dar continuidade a esse conflito. Essa foi uma forma de traição e resignação perante o mundo unipolar. Mas com o Presidente Vladimir Putin no início do novo milênio, veio uma reativação da identidade geopolítica da Rússia como potência terrestre. Esse foi o início de um novo tipo de competição entre poder marítimo e poder terrestre.

Como começa essa reativação?

Dugin: Ela começa com a Segunda Guerra Chechena (1999-2009). A Rússia a essa época estava sob pressão de ataques terroristas chechenos e o possível separatismo do norte do Cáucaso. Putin teve que perceber que todo o Ocidente, os EUA e a União Européia assumiram o lado dos separatistas chechenos e terroristas islâmicos lutando contra o Exército Russo. Essa é a mesma conspiração que testemunhamos hoje na Síria ou ontem na Líbia. O Ocidente deu apoio à guerrilha chechena, e esse foi o momento de revelação do novo conflito entre poder terrestre e poder marítimo. Com Putin, o poder terrestre se reafirmou. O segundo momento de revelação foi em agosto de 2008, quando o regime georgiano pró-ocidental de Sakashvili atacou Zchinwali na Ossétia do Sul. A guerra entre a Rússia e a Geórgia foi o segundo momento de revelação.

A Crise Síria é agora o terceiro momento de revelação?

Dugin: Exatamente. Talvez seja o último, porque agora tudo está em jogo. e Washington não intervir e aceitar a posição da Rússia e da China, esse seria o fim dos EUA como um tipo de candidato a única superpotência. Essa é a razão pela qual eu penso que Obama pretende ir longe na Síria. Mas se a Rússia se puser de lado e aceitar a intervenção americana e se Moscou eventualmente trair Bashar al-Assad, isso significaria imediatamente um golpe muito duro para a identidade política russa. Isso significaria a grande derrota do poder terrestre. Após isso o ataque ao Irã se seguiria e também ao norte do Cáucaso. Entre os poderes separatistas no norte do Cáucaso há muitos indivíduos que são apoiados pelos poderes anglo-americanos, israelenses e sauditas. Se a Síria cair, eles começarão imediatamente a guerra na Rússia, nosso país. Isso significa: Putin não pode ficar de lado; ele não pode desistir de Assad, porque isso significaria o suicídio geopolítico da Rússia. Talvez estejamos agora na maior crise da história geopolítica moderna.

Então agora ambas potências globais dominantes, EUA e Rússia, estão em um conflito por sua existência futura...

Dugin: De fato. No momento não há qualquer outra solução possível. Não podemos encontrar qualquer compromisso. Nessa situação não há solução que satisfaça a ambos lados. Nós sabemos disso por outros conflitos como o conflito armênio-azeri ou o israelense-palestino. É impossível encontrar uma solução para ambos os lados. Nós testemunhamos o mesmo agora na Síria, mas em uma escala maior. A guerra é a única maneira de estabelecer um cheque de realidade.

Por que?

Dugin: Nós temos que imaginar esse conflito como um tipo de jogo de cartas como o pôquer. Os jogadores tem a possibilidade de ocultar suas capacidades, de fazer todos os tipos de truques psicológicos, mas quando a guerra começar todas as cartas estão em jogo. Se a América tiver sucesso, ela poderia garantir para si mesma por algum tempo uma posição dominante absoluta. Essa será a continuação da unipolaridade e do liberalismo global anglo-americano. Este seria um momento muito importante porque até então os EUA não foram capazes de tornar sua dominância estável, mas no momento em que eles vençam a guerra, eles o farão. Mas se o Ocidente perde a terceira batalha (a primeira foi a Guerra da Chechênia, a segunda a Guerra da Geórgia), este seria o fim dos EUA e sua dominação. Então vejamos: nem EUA nem Rússia podem recuar dessa situação. Simplesmente não é possível para ambas não reagir.

Por que o presidente americano Barack Obama hesita com sua agressão contra a Síria? Por que ele apelou ao Congresso Americano? Por que ele pede por permissão da qual ele não necessita para atacar?

Dugin: Nós não devemos cometer o erro de começar a fazer análises psicológicas sobre a pessoa do Obama. A guerra principal ocorre bem agora por trás dos panos. E essa guerra é travada ao redor de Vladimir Putin. Ele está sob grande pressão de funcionários liberais pró-americanos, pró-israelenses ao seu redor. Eles tentam convencê-lo a se colocar de lado. A situação na Rússia é completamente diferente da situação nos EUA. Um indivíduo, Vladimir Putin, e a grande maioria da população russa que o apóia estão de um lado, e o povo ao redor de Putin é a Quinta Coluna do Ocidente. Isso significa que Putin está sozinho. Ele tem a população com ele, mas não a elite política. Então temos que ver no passo da administração de Obama em perguntar ao Congresso um tipo de espera. Eles tentam impor uma pressão sobre Putin. Eles usam todas as suas redes na elite política russa para influenciar a decisão de Putin. Essa é uma guerra invisível que está sendo travada nesse momento.

Esse é um fenômeno novo?

Dugin: (ri) De forma alguma! É a forma moderna das tribos arcaicas tentando influenciar o chefe do inimigo fazendo barulho, gritando e batendo tambores. Eles batem no peito para tentar impôr medo ao inimigo. eu penso que as tentativas dos EUA de influenciar Putin são uma forma moderna dessa guerra psicológica antes de que a verdadeira batalha comece. A administração americana tentará vencer essa guerra sem o oponente russo em campo. Para isso eles precisam convencer Putin a ficar de fora. Eles tem muitos instrumentos para fazê-lo.

Mas novamente: E quanto a posição de Barack Obama?

Dugin: Eu penso que todos aqueles aspectos do lado americano são menos importantes do que os do lado russo. Na Rússia uma pessoa decide agora sobre guerra e paz. Nos EUA o Obama é mais um tipo de administrador burocrático. Obama é muito mais previsível. Ele não age por conta própria; ele simplesmente segue o meridiano da política externa americana. Nós temos que perceber que o Obama não decide nada. Ele é a figura de um sistema político que toma as decisões realmente importantes. A elite política toma as decisões, Obama segue o cenário escrito por elas. Para dizer com clareza, Obama não é nada, Putin é tudo.

Você disse que Vladimir Putin tem a maioria da população russa ao seu lado. Mas agora é tempo de paz. Eles também o apoiariam em uma guerra na Síria?

Dugin: Essa é uma ótima pergunta. Em primeiro lugar, Putin perderia muito de seu apoio se ele não reagisse a uma intervenção ocidental na Síria. Sua posição seria enfraquecida caso ele se colocasse de lado. O povo que apóia Putin o faz porque eles querem apoiar um líder forte. Se ele não reagir e ficar de lado por causa da pressão americana, essa será considerada pela maioria da população como uma derrota pessoal para Putin. Então veja, essa é muito mais uma guerra do Putin do que uma guerra do Obama. Mas se ele intervir na Síria ele se deparará com dois problemas: a sociedade russa quer ser uma potência global, mas não está pronta para pagar pelos custos. Quando o volume desses custos se tornarem claros, isso poderia causar um tipo de choque na população. O segundo problema é o que eu já mencionei, que a maioria da elite política é pró-ocidental. eles imediatamente se oporiam à guerra e começariam sua propaganda criticando as decisões de Putin. Isso poderia provocar uma crise interna. Eu penso que Putin sabe desses dois problemas.

Quando você diz que os russos podem ficar chocados pelos custos de tal guerra, não há um perigo de que eles possam não apoiar Putin por causa disso?

Dugin: Eu penso que não. Nosso povo é muito heróico. Olhemos para nossa história. Nosso povo jamais esteve preparado para entrar em uma guerra, mas se eles o fizeram, eles venceram a guerra apesar dos custos e sacrifícios. Olhem para as Guerras Napoleônicas ou a Segunda Guerra Mundial. Nós russos perdemos muitas batalhas, mas eventualmente vencemos essas guerras. Então nós nunca estamos preparados, mas nós sempre vencemos. 

24/05/2013

Entrevista de Alain de Benoist sobre Dominique Venner

por Nicholas Gauthier




Alain de Benoist, você conhecia Dominique Venner desde 1962. Além da pena e do desgosto, você se surpreendeu com seu gesto? Apesar de ele ter faz tempo renunciado à política, este gesto é coerente com a sua vida, com sua luta política?

Me desagradam sobretudo certos comentários. "Suicídio de um ex-membro da OAS", escrevem uns; outros falam de uma "figura da extrema-direita", de um "violento opositor do matrimônio gay" ou de um "islamofóbico". Sem contar os insultos de Frigide Barjot, que revelou sua verdadeira natureza, cuspindo sobre um cadáver. Esta gente não sabe nada de Dominique Venner. Não leram nunca uma linha sua (entre outros cinquenta livros e centenas de artigos). Ignoram mesmo que, após uma juventude agitada - que ele mesmo detalhou em Le cœur rebelle (1994), que está entre suas melhores obras -, ele tinha já renunciado a toda forma de ação política faz quase meio século. Exatamente em 02 de Julho de 1967. De fato, eu estava presente quando ele comunicou sua posição. A partir daí Dominique Venner se dedicou à escrita, primeiro com livros sobre a caça e sobre armas (no assunto, era um reconhecido especialista), depois com ensaios históricos cintilantes pelo estilo e o mais das vezes competentes. Tinha fundado, depois, a Nouvelle Revue d'Histoire, publicação bimestral de alta qualidade.

O seu suicídio não me surpreendeu. Fazia tempo que sabia que Dominique Venner - baseado no exemplo dos antigos Romanos e também de Cioran, para citar somente ele - admirava a morte voluntária. A julgava a mais de acordo com a ética da Honra. Lembrava Yukio Mishima e não por acaso o seu próximo livro, que no mês que vem será publicado por Pierre-Guillaume de Roux, se chamará Un Samouraï d'Occident. Desde já se pode avaliar o caráter de testamento. Portanto, esta morte exemplar não me surpreende. Me supreendem o momento e o lugar.

Dominique Venner não tinha "fobias". Não cultivava qualquer extremismo. Era um homem atento e reservado. Com os anos, o jovem ativista da época da guerra da Argélia se transformou em um historiador meditativo. Sublinhava fortemente o quanto a história é sempre imprevisível e em aberto. Nos mostrava motivo para não ter desespero; de fato, refutava toda forma de fatalismo. Mas era acima de tudo um homem de estilo. Por isto que o que mais apreciava nas pessoas era a tenacidade. Em 2009 tinha escrito um belo ensaio sobre Ernst Jünger, explicando sua admiração pelo autor de Nos Penhascos de Mármore através de sua tenacidade. No seu universo interior não havia lugar para os cancãs, para o escárnio, para as disputas de uma política politiqueira que justamente desprezava. Por isto era respeitado. Procurava a tenacidade, o estilo, a equanimidade, a magnanimidade, a nobreza de espirito, por vezes até ao excesso. São termos cujo senso escapa a quem vê apenas os jogos televisivos.

Dominique Venner era pagão. Mas escolheu uma igreja para colocar fim aos seus dias. Uma contradição?

Penso que ele mesmo respondeu à pergunta na carta que deixou, pedindo que fosse tornada pública: "Eu escolho um local altamente simbólico, a Catedral de Notre Dame de Paris, que eu respeito e admiro: ela foi construída pelo gênio de meus ancestrais no local de cultos ainda mais antigos, reclamando nossas origens imemoriais". Leitor de Sêneca e Aristóteles, Dominique Venner admirava especialmente Homero: a Ilíada e a Odisséia eram para ele os textos fundadores de uma tradição européia na qual reconhecia sua pátria. Apenas Christine Boutin pode imaginar que ele se "converteu no último segundo"!

Politicamente esta morte espetacular será útil, como outros sacrifícios célebres, tal qual o de Jan Palach em 1969 em Praga, ou aquele mais recente do ambulante tunisiano que em parte provocou a primeira "primavera árabe"?

Dominique Venner se expressou também sobre as razões do seu gesto: "Diante de perigos imensos, sinto que devo agir até que tenha força para tanto. Acredito ser necessário me sacrificar para romper a letargia que nos oprime. Enquanto muitos homens são escravos de suas vidas, meu gesto corporifica uma ética de vontade. Eu me entrego à morte para despertar consciências adormecidas". Não se poderia ser mais claro. Mas se estaria errado ao não ver nesta morte além do contexto estreito dos debates sobre o "matrimônio para todos". Faz anos, Dominique Venner não aguentava mais ver a Europa fora da história, sem energia, esquecida de si. Dizia constantemente que a Europa estava "em letargia". Quis acordá-la, como Jan Palach, de fato, ou, em um outro período, Alain Escoffier. Assim provou sua tenacidade até o fim último, sendo fiel à sua imagem do comportamento de um homem livre. Escreveu também: "Ofereço aquilo que resta da minha vida em uma intenção de protesto e fundação". Esta palavra, "fundação", é o legado de um homem que escolheu morrer de pé.

09/02/2012

Entrevista de Alain de Benoist ao Jornal " IL FEDERALISMO " - 2005



1 – A França é um estado jacobino por excelência. Como você interpreta a reflexão federalista?

A.B : A França possui de fato uma tradição secular jacobina, que não começa, também, com a Revolução: a tendência de centralização das autoridades locais estava bem encaminhada no Antigo Regime, a Revolução que radicalizou tal fato. Esta tradição está relacionada ao modo de formação da nação francesa, que surgiu com a expansão gradual de um núcleo central, combinado com o estabelecimento de um mercado nacional e um espaço legal unificado. No entanto, deve-se lembrar que sempre houve, também, resistência à centralização, especialmente por parte da nobreza, mas também nas massas. Todos os tipos de pensadores, que vão de Henry de Boulainvilliers à Tocqueville, denunciaram fortemente os jacobinos. Nas províncias periféricas, a personalidade do forte regionalismo e autonomismo têm permanecido até hoje. No Século 19, esquerdistas como Proudhon, homens de direita como Maurras, ou, especialmente, jovens como Barres afirmam de forma explícita o federalismo.
Pessoalmente, eu vim para o federalismo por uma simpatia espontânea pelos movimentos regionalistas ( Bretão, Normando, Flamengo, Alsáciano, Basco, Córsego, etc ) comprovada desde a minha juventude, e por uma reflexão relevante da filosofia política. O Federalismo apareceu-me como o único sistema político capaz de conciliar a individualidade e a multiciplidade, isto é, as exigências aparementemente contraditórias da unidade, necessária para a decisão, e para a liberdade, de manutenção da diversidade. Mas também tenho sido influênciado por uma série de autores como Paul Sérant e Thierry Maulnier, que escreveram no século 20 ( o século federalista ), como, também, Robert Aron, que faz parte dos "não-conformistas dos anos 30", que continuou a defender as idéias de Sorel, do Socialismo Associativo, do Mutualismo Francês, além de Alexander Marc, diretor do L' Europe en formation e teórico do "federalismo integral", etc.


2 – A democracia representativa contemporânea tem em si o risco de não representar ninguém, muito menos o povo. Existe, segundo a lei, o problema da soberania?


A. B: A crise da representação agora é que afeta todas as democracias liberais. O enfraquecimento do Estado – Nação que, como tem sido dito muitas vezes, tornou-se muito grande para atender às expectativas das pessoas comuns, e muitos pequenos problemas estão se desenrolando em todo o mundo, resultando o afastamento social ( o Estado já não é mais um produtor social ) e uma pausa, sempre acentuada, entre políticos e cidadãos. Eles , então, tendem a refugiar-se na abstenção, ou votar em partidos puramente manifestantes, que não são forças construtivas. Podemos remediar essa crise, pondo em prática a democracia participativa em todos os níveis, desde a base, permitindo à todos a participação nos assuntos públicos.

O problema da soberania é outro problema. À partir da perspectiva jacobina do Estado – Nação, a soberania é definida, de acordo com Jean Bodin, como um conceito de indivisibilidade : a autoridade soberana é uma autoridade à qual, por definição, não podem ser atribuídos limites. Como uma autoridade soberana, sobre todos, tende naturalmente ao despotismo. Federalismo não rejeita o conceito de soberania, mas dá uma definição diferente. Soberania não é indivisível, mas compartilhada ou distribuída de acordo com o princípio da subsidiariedade ou competência suficiente. O poder soberano não é poder absoluto, ele representa apenas o poder localizado no mais alto nível e cujo campo de decisão é o maior, o que ocorre quando as autoridades locais nos níveis mais baixos, não são capazes para resolver os problemas.


3 – Parafraseando Johannes Althusius, acredita que é possível que o laço social pode ser reconstruído à partir da primeira forma de associação, ou seja, a família, então, transformando-se em municípios, províncias e regiões?

A.B: A revitalização das famílias é, certamente, uma das condições da re-criação de laços sociais, porque a família é um dos lugares de socialização da aprendizagem. Mas eu acho que é um erro grave considerar a sociedade global como um sistema de "matryoshkas" onde se pode passar sem qualquer ruptura real da família para os municípios e regiões. Este erro tem sido constantemente cometido pelos autores, geralmente de direita, que compararam a sociedade global com uma grande família ( muitas vezes com o objetivo de assimilar o soberano de uma família, onde os sujeitos seriam os "filhos") . A familía revela a dimensão privada da existência, os municípios e regiões, a dimensão pública. O tipo de relação, cuja família é o lugar, entre pais e filhos, é fundamentalmente diferente do que existe no seio da sociedade política. Ignorando a diferença de natureza entre a dimensão privada e a dimensão pública da existência humana, pode-se levar tanto a submeter-se à um totalitarismo político em todos os aspectos da vida privada, ou, inversamente, à um liberalismo que procura uma "privatização" generalizada de assuntos públicos.


4 – A sociedade atual é composta por individuos atomizados, separados uns dos outros, você vê a possibilidade do nascimento de um novo modelo antropologico?
A.B : Nós vivemos de fato em uma época em que o individualismo alcançou os seus maiores picos, mas ao mesmo tempo, e talvez em compensação, vemos o desenvolvimento espontâneo de novas formas de associação voluntária, tais quais as "tribos", comunidades, redes, etc. O verdadeiro problema é a colonização dos espíritos pelo imaginário economico e mercantil.

O modelo antropológico dominante é de um homem preocupado apenas com a maximização dos seus principais interesses, isto é, em geral, para chegar à uma quantidade cada vez mais de objetos consumidos. A mensagem implícita da mídia é a idéia de que a felicidade é sinônimo do consumo. Este modelo é igualmente descritivo e normativo: ela legitima tanto ao materialismo prático e à idéia de que o comportamento egoísta é o mais comum possível.

Neste contexto, o laço social invariavelmente derrotado, porque o outro aparece pela primeira vez como um rival em um campo transformado em um espaço social de concorrência generalizada. Portanto, de fato, é necessário trabalhar para a vinda de um novo modelo antropológico. Isto requer a capacidade de retornar ao imaginário simbólico, redefinir o homem como um ser fundamentalmente social e político, e remeter os valores de mercado para ele, necessariamente de forma subordinada.

5 – Existe na Europa um problema cultural para seus mútiplos povos?
A.B: Poderíamos repetir aqui a antiga distinção entre cultura e civilização, que também corta a distinção entre comunidade e sociedade, teorizada por Ferninand Tönnies. A civilização tende a ser única, enquanto as culturas sempre serão plurais. A diversidade cultural dos povos europeus – a diversidade em relação à medida em que essas pessoas têm uma herança em comum - é agora ameaçada pela homogeneização dos estilos de vida, induzidos pela globalização liderada pela superportência norte-americana, mas que se define, principalmente, como uma expansão global do capital de forma totalmente desterritorializada. Mias uma vez, acho que podemos combater esse processo, retornando à base, ao nativo, às comunidades. Isto é, atuação local para opor-se ao global, dando à globalização um conteúdo diferente, multipolar e diferenciado.

6 – O desaparecimento das línguas locais é, na sua opnião, um fato significativo?
A.B: O desaparecimento das línguas locais é, claramente, um aspecto do desaparecimento das culturas e redução da diversidade. Na época da Revolução, os jacobinos já haviam tentado remover de forma autoritária os "patois" ( dialetos não oficiais ) e as línguas locais. A III República continuou nessa direção ao tentar miminizar o uso das línguas regionais ao nível privado. Hoje as línguas locais são mais aceitas, e até protegidas, mas é todo o modo de vida caracteristico da sociedade global que lhes são desfavoráveis. O sistema mediático, e sobretudo a televisão, desempenha neste contexto um papel central: as crianças não falam mais como os seus pais, eles falam como se fala na televisão. Ao mesmo tempo, o inglês americano se impõe cada vez mais como a língua do novo koiné mundial. Contudo, a situação é bem diferente regionalmente. Algumas línguas são, obviamente, condenadas à desaparecer, outras têm uma boa chance de sobrevivência quando usadas diariamente em áreas que estão preservando a sua identidade.

7 – Quais são os cenários que estão previstos para os povos da Europa?
A.B: A construção política da Europa é agora totalmente bloqueada, tanto pela lógica persistência do Estado – Nação, quanto pela completa falta de vontade dos homens políticos, e pela burocracia. Ao invés de aprofundar suas estruturas institucionais, a Europa preferiu expandir rapidamente à países que não possuem outra ambição além de alcançar um vasto mercado transatlântico. A UE pretende agora adotar uma constituição, mesmo sem ter criado um poder constituinte, e pretende aderir à Turquia, mostrando que não há mesmo um acordo entre europeus sobre os limites da Europa.

O grande equívoco é que a grande maioria não está de acordo com as finalidades da integração europeia.
Este é o problema das finalidades que deve ser esclarecido. A alternativa é clara: ou a Europa dá prioridade à liberalização, a esposa da dinâmica de um grande mercado que se expandirá o máximo possível, e neste caso, a influência norte-americana irá se tornar predominante, ou se baseia em uma lógica de estruturas mais profundas de integração política através do federalismo e da subsidiariedade, tendo em vista, principalmente, a intenção continental de neutralizar o peso dos Estados Unidos.

8 – Qual Europa você anseia?
A. B: Vasta questão, mas penso que já respondi. Eu quero que a Europa se torne um poder independente em que possa desempenhar um papel regulador na globalização de um mundo multipolar, mas também uma Europa que não se limite à lógica exclusiva de poder, mas que possa ser novamente um projeto de civilização.


22/05/2011

Entrevista com Alain de Benoist

por Alexandre Latsa

Alain de Benoist, bom dia e obrigado por aceitar responder a estas questões. Pode sintetizar o seu percurso muito variado na cena intelectual e filosófica francesa?
Não se resume em algumas linhas um itinerário intelectual de meio século. Sou escritor, jornalista e também filósofo. Tenho bastante obra publicada, tanto em França como no estrangeiro. Dirijo igualmente duas revistas que criei, uma (Nouvelle Ecole) em 1968, a outra (Krisis) em 1988. Os meus domínios preferenciais são a história das ideias e a filosofia política. Não pertenço a qualquer partido ou movimento político, e não desejo pertencer a nenhum. Na época de transição que constitui o nosso actual horizonte, tento desempenhar da melhor forma possível o papel que todo o intelectual digno do seu nome deve assumir: compreender e fazer compreender melhor o mundo em que vivemos.

Qual é a sua opinião acerca do actual panorama políticoa francêsa? Thierry Meyssan afirmou recentemente numa entrevista que "Sarkozy não é de direita nem de esquerda, mas queria fazer como os yankees". Pensa que o futuro político das sociais-democracias europeias passa pelo modelo americano, do tipo "dois candidatos eleitos em primárias (ilusão de democracia) que defendem globalmente as mesmas ideias"?
Que os candidatos se apresentem às eleições sejam ou não designados previamente pelas «primárias», parece-me um detalhe completamente desprezável. A actual cena política francesa, como a maior parte das cenas políticas ocidentais, é uma cena pré-codificada. Isso significa que os únicos que têm possibilidade de aceder ao poder são aqueles de quem se sabe previamente não terem qualquer intenção de mudar (ou tentar mudar) os fundamentos de uma sociedade actualmente totalmente dominada pela ideologia comercial. Desse ponto de vista, não há hoje qualquer alternativa. A alternativa foi substituída pela alternância, tendo como consequência uma decepção permanente das massas populares, uma crise generalizada da representação e um fosso que não para de crescer entre o povo e a nova classe político-mediática.

Já que tem um grande conhecimento político, vou levantar o tema dos extremos no nosso país: tem-se frequentemente a impressão que a FN (Frente Nacional) não é mais do que um balão (para uma grande maioria de eleitores frustrados) constituído por "um grande vazio" (ausência de programa económico claro, tomadas de posição geopolítica contraditórias, incapacidade de gerir autarquias, etc.) mas mantida unida e em posição de força pelo seu presidente, Jean Marie Le Pen. Enquanto se desenham novas linhas políticas no interior do próprio movimento nacional (Soral apostando num soberanismo azul-branco-vermelho e no anti-sionismo, ou pelo contrário os identitários anti-jacobinos e euro-regionalistas), como vê o pós-Le Pen? A extrema-esquerda parece igualmente em reestruturação, depois do desmoronamento do PC (Partido Comunista) e a não penetração da LCR (Liga Comunista Revolucionária), PT e LO (Luta Operária) e o aparecimento do NRA liderado por Drucker... Dir-se-ia que este movimento é totalmente incapaz de aproveitar a oportunidade que no entanto se oferece (precarização social, crise financeira, etc). Estarão estes dois "não acontecimentos" ligados, constituindo a "prova" da abstenção total de oposição ao "sistema" (os partidos liberais da situação)?
A Frente Nacional obteve um certo sucesso no passado graças à soma de dois eleitorados bastante diferentes: um eleitorado popular, principalmente operário, e um eleitorado proveniente das camadas médias e inferiores das classes médias e da pequena-burguesia. Esse segundo eleitorado deixou de apoiar Le Pen durante a eleição presidencial de 2007 para se juntar a Nicolas Sarkozy. Está hoje desiludido, mas isso não o leva a regressar à FN. Esta última, por seu lado, nunca aprendeu a lição do seu sucesso junto das classes populares. Os trabalhadores estão incrivelmente ausentes das instâncias dirigentes. O aproveitamento do partido, a sua banalização na paisagem política, a idade do seu líder, as suas divisões permanentes, explicam a estagnação actual. O período pós-Le Pen tem grande probabilidade de ver a FN dividir-se definitivamente em duas partes, subsequencialmente marginalizadas.
A extrema-esquerda beneficia, num contexto de crise social agravada, do espaço aberto pela aproximação do Partido Socialista à sociedade de mercado e pela social-democratização do PC, que já não é hoje um fantasma. Mesmo nesse contexto, no entanto, não marca tantos pontos como se esperaria. A razão principal baseia-se no povo não se reconhecer nas suas tomadas de posição. A esquerda radical, em particular, evita constantemente acusar o patronato de fazer dos imigrantes um exército de reserva do capital, que permite a redução dos salários dos autóctones. É por essa razão que Olivier Besancenot (líder da LCR), para citar um exemplo, tem um sucesso mediático que não se verifica nas urnas. O poder estabelecido utiliza, para além disso, Besancenot e os seus amigos para dividir a esquerda, da mesma forma que François Mitterrand utilizou a Frente Nacional para dividir a direita. Voltamos, por isso, à mesma constante: o povo não dispõe actualmente de nenhum partido no qual possa reconhecer-se.

Falamos da esquerda e da direita radical, que se entregam frequentemente à retórica anti-europeia ou soberanista. Esta palavra faz sentido numa época de mundialização? A França tem alguma hipótese de sobreviver (demograficamente, culturalmente, economicamente) sem a Europa? Qual é para si o futuro das nações europeias?
Os soberanistas são pessoas muito simpáticas, com quem partilho certas posições (no que diz respeito aos EUA ou à burocracia de Bruxelas, por exemplo), mas ainda não compreenderam que os tempos mudaram. O Estado-nação, que foi a forma política privilegiada durante a modernidade, entrou numa crise irreversível. Hoje é ultrapassado por cima (pela subida das influências planetárias) e por baixo (a emergência das redes e comunidades, o localismo, as exigências quotidianas dos cidadãos). O futuro não está mais nos Estados nacionais, mas nas grandes uniões continentais, cadinhos de cultura e civilização, as únicas formas capazes de regular a mundialização e de construir pólos activos num mundo multipolar.

Assistimos actualmente no mundo a uma espécie de renascimento de grandes espaços na Ásia (China, Índia), no mundo muçulmano (Turquia, União Pan-Africana), na Eurásia (Rússia), na América do Sul (Brasil, Venezuela). O corolário desse renascimento é o enfraquecimento do império Americano. Segundo este processo, quais as suas previsões para a próxima década? Pensa, como alguns, que existe um risco de "fuga para a frente" (deflagração de guerras) ou, pelo contrário, acha que estamos apenas no início de um processo quase inevitável: o mundo multipolar (caótico ou nem por isso)?
A grande questão passa, de facto, por saber se nos encaminhamos hoje para um mundo unipolar, dominado pela hiperpotência americana, ou para um mundo multipolar, um pluri-versum, articulado, como acabo de dizer, em torno de diversos blocos civilizacionais. Acredito, pessoalmente, que nos dirigimos, felizmente, para um mundo multipolar onde os países emergentes, como a Índia, a China e o Brasil, desempenharão um papel cada vez mais importante. Um tal mundo não será necessariamente instável, já que a ordem geral das coisas não será posta em causa. As leis da geopolítica determinam efectivamente as linhas de fractura e os desafios futuros. O grande conflito é o que opõe, estruturalmente por assim dizer, a potência do Mar (Estados Unidos) e a potência da Terra (o continente euroasiático). Nessa perspectiva, a Rússia desempenha um papel particular, porque corresponde àquilo a que os geopolíticos chamam de Heartland, ou seja, o coração do continente eurasiático.

Paradoxalmente a esse renascimento dos espaços, a Europa parece incapaz de se unir politicamente. As divergências parecem tão fortes que Aleksandr Dugin descreve-as no seu blogue como uma oposição entre a "velha Europa" (continental) e a "nova Europa" (atlantista). Qual a sua opinião?
A impotência da União Europeia não se explica unicamente pela oposição que descreve, apesar de ela ser bem real. Como partidário da construção europeia, não deixo de constatar que a Europa, desde o início, tem sido construída ao contrário da lógica. Tem dado permanentemente prioridade ao comércio e às finanças em vez da política e da cultura. Edificou-se sem legitimidade democrática - sem que algum povo tenha sido consultado - e a partir do alto (a Comissão de Bruxelas, que se autoproclama omnicompetente) em vez de se construir a partir da base, no respeito ao princípio da subsidiariedade (ou das competências suficientes). Em lugar de procurar aprofundar as suas estruturas políticas, preferiu alargar-se apressada e imprudentemente a países que estavam apenas preocupados em beneficiar da estabilidade monetária da União e em colocar-se sob o guarda-chuva americano, aderindo à NATO. Por fim, nunca esclareceu claramente quais os seus objectivos. Trata-se de fazer da Europa um grande mercado de fronteiras abertas, sucedendo-se a integração numa vasta zona de livre comércio euro-atlântico, ou pelo contrário, construir uma Europa-potência verdadeiramente autónoma, cujas fronteiras sejam rigorosamente determinadas pela geopolítica? É evidente que os dois modelos são totalmente opostos.

Têm soado apelos (de movimentos de extrema-esquerda e diversos intelectuais gaullistas) à integração da França na Organização para Cooperação de Xangai (organismo internacional de defesa composto essencialmente por países asiáticos). Na sua posição de crítico do regresso da França ao comando da NATO, que opinião tem sobre este tema?
Não tenho opinião formada sobre esse ponto. A NATO é uma organização defensiva criada no contexto da guerra fria. Não tem qualquer razão de existir após o desmoronamento do sistema soviético. Devia ter desaparecido ao mesmo tempo que o Pacto de Varsóvia. Em vez disso, essa organização totalmente controlada pelos EUA desenvolveu-se como uma espécie de clube ocidental americano-centrado, com capacidade de intervir em qualquer lugar do globo.
Nesse contexto, a decisão da França de reintegrar as estruturas da NATO, de onde o general De Gaulle a tinha feito sair em 1966, é mais do que uma falta: é ao mesmo tempo uma traição e um crime. Em todo o caso, a participação francesa na Organização para Cooperação de Xangai não é mais que uma hipótese teórica. A questão, neste caso, é saber se o grupo de Xangai tem uma vocação meramente regional, ou mais vasta. O meu desejo seria antes ver constituir-se, inicialmente pelo menos, uma organização europeia de defesa digna desse nome, e como tal, inteiramente independente da NATO. No entanto, neste momento, não é mais do que um desejo vago.

Numa época de crise financeira, todo o mundo diz que "pode ser" que a globalização liberal tenha "estourado", e que o modelo ocidental para a humanidade não é o "melhor". Do seu ponto de vista, "de onde" virão os novos modelos civilizacionais, filosóficos e económicos?
A crise financeira mundial deflagrada nos Estados Unidos no Outono de 2008 abriu sem dúvida os olhos a um certo número de pessoas. Mas essa crise, que está longe de terminada, não será provavelmente suficiente para fazer emergir um sistema alternativo. Os novos modelos surgirão quando o sistema actual estiver verdadeiramente no seu limite, sem que se possa saber especificamente quais as formas que daí surgirão. Ainda que as coisas se possam processar muito rapidamente, há ainda bastante por fazer para "descolonizar" os espíritos, tanto que os contemporâneos tomaram o hábito de viver num sistema da mercadoria, governado pela dialéctica da posse. Toda a modernidade foi tomada pela ideologia do progresso, os recursos naturais foram considerados ao mesmo tempo gratuitos e inesgotáveis, mesmo que não sejam nem uma coisa nem outra. A verdade é que um crescimento material infinito é impossível num mundo finito. Quando o compreenderem plenamente, poderão talvez sair da obsessão económica e dessa ideologia utilitarista que constitui um dos principais corolários do universalismo ocidental (o qual, como qualquer universalismo, não é mais do que um disfarce de etnocentrismo).

É tido como uma referência da geopolítica, nomeadamente junto do movimento eurasiático de Aleksandr Dugin, que é bastante elogioso a seu respeito. Podemos falar disso? O que pensa que as teorias Eurasiáticas podem trazer à Europa e a França?
Tenho grande amizade e admiração por Aleksandr Dugin, pela sua cultura, a sua coragem, a sua capacidade de trabalho, a amplitude da sua obra e a grande continuidade dos seus esforços. Deve-se-lhe a actualização do pensamento dos primeiros teóricos eurasiáticos e de ter demonstrado a actualidade dessa linha de pensamento. Soube também confrontar, para fazer uma síntese sugestiva, acervos ideológicos por vezes diferentes. Deu à geopolítica uma dimensão espiritual que lhe faltava. Sigo o seu trabalho com muita atenção. Quanto às teorias eurasiáticas, podem trazer muito, não só à Europa e à França, mas também aos habitantes de outros continentes, se considerarmos que para além da Eurásia geográfica, permite encarar um novo "Nomos da Terra" constituído segundo a ideia de diversidade, autonomia dos povos, democracia participativa e primazia dos valores não comerciais.

Para os franceses e europeus, as grandes preocupações do futuro são a plausível liderança económica da China e a explosão demográfica das populações muçulmanas, nomeadamente no interior da Europa. De que forma analisa a (in)compatibilidade destes elementos?
A China foi obviamente chamada a desempenhar um papel de primeiro plano no século XXI, mas é demasiado cedo para dizer que exercerá uma verdadeira "liderança económica". A China inscreve tradicionalmente a sua acção num quadro a longo prazo. O seu modelo não está isento de contradições, e deverá debater-se com numerosas dificuldades interiores (não serão apenas as disparidades entre as suas regiões e os seus meios sociais). No plano geoestratégico, espero ver a China associada ao continente euroasiático, mas ignoro a sua tendência natural ao "auto centrismo". No que diz respeito aos Estados Unidos, parecem hesitar entre diversas atitudes possíveis. Quanto à explosão das populações muçulmanas, é um facto real, mas que não deve ser sobrevalorizado. Na Europa, no espaço de uma ou duas gerações, os imigrantes adoptam os comportamentos demográficos locais. À excepção da África negra e da zona indo-paquistanesa, o crescimento demográfico tem vindo a abrandar um pouco por toda a parte. O verdadeiro problema está relacionado com a baixa natalidade dos países europeus, que cria uma baixa de pressão e se traduz por um envelhecimento da população.

Foi, durante muito tempo, uma das pontas-de-lança do GRECE. Que é feito do grupo actualmente?
O Grupo de Pesquisa e Estudos para a Civilização Europeia (GRECE) é uma associação cultural criada em 1969. Participei regularmente nas suas actividades, mas nunca ocupei um cargo dirigente. A associação continua actualmente o seu trabalho, em ligação com diversas universidades e intelectuais europeus.

Questão de ficção científica: como imagina o futuro do continente (Europa e Rússia) em... digamos, 2020?
Não é a minha tarefa prever o futuro, e não tenho imaginação para especular onde estarão a Europa e a Rússia em 2020. A história está sempre aberta, o que não significa que tudo seja possível. Naturalmente, é possível fazer cenários, mas a dificuldade começa quando queremos atribuir-lhes um coeficiente de probabilidade.

No último 24 de Março, registou-se o aniversário dos bombardeamentos de 1999 sobre a Sérvia. Há um ano, o Kosovo "tornou-se" um Estado independente. O que tem a dizer sobre estes acontecimentos? Qual é, a seu ver, o futuro do Kosovo?
O aniversário dos bombardeamentos de 1999 sobre a Sérvia desperta em mim a lembrança de uma grande cólera e de uma terrível humilhação. Cólera diante do dilúvio de contra-verdades e de mensagens difamatórias que então foram transmitidas pela imprensa ocidental contra o povo sérvio, humilhação de ter assistido ao primeiro bombardeamento de uma capital europeia pelos americanos desde o fim da última Guerra Mundial. A Europa revelou nessa ocasião uma triste verdade: impotente, quase paralisada, sem qualquer consciência dos desafios globais, objecto da história dos outros em vez de sujeito da sua própria história. Quanto ao Kosovo, observo que a sua proclamação de independência foi apoiada pelas mesmas potências que se recusaram a reconhecer a independência da Abkhazia ou da Ossétia do Sul: a Geórgia teve direito ao respeito da sua "integridade territorial", enquanto a Sérvia não teve esse direito. Isso dá uma ideia da lógica que prevalece actualmente na diplomacia internacional. Por agora, o Kosovo parece-me ser o primeiro Estado mafioso da História. Duvido que o seu futuro seja particularmente brilhante.

Poderia aconselhar-nos cinco obras essenciais, e cinco sítios ou blogues a consultar?
Não me sinto muito à vontade no universo dos blogues para recomendar aqueles que serão os melhores. Da mesma forma, sinto-me incapaz de enumerar "cinco obras-chave a ler". Quanto a obras-chave, há pelo menos várias centenas! Recomendo apenas a leitura de obras que ajudem a compreender o momento histórico que vivemos, e por outro lado os grandes clássicos do pensamento político e geopolítico cujos ensinamentos podem ainda ter valor actualmente, de Maquiavel, Hobbes e Rousseau até Max Weber e Carl Schmitt. Por último, sem dúvida por inclinação pessoal, diria que a compreensão das coisas supõe um mínimo de conhecimento filosófico. Heidegger, para dar um exemplo, desempenhou na minha formação um papel que ainda hoje subsiste.