por Francisco Martinez
(2012)
A julgar pelas fotos, ele herdou o charme de seus pais, dois dos maiores poetas russos do século XX, Nikolai Gumilev e Anna Akhmatova. Ele também tinha aquela certa aura trágica que acompanha todo “fim de raça” literário: Lev Nikolaevich não só morreu sem descendência, mas também gerou um culto que, nos últimos 25 anos, passou de ser semissecreto a ser mencionado nos programas políticos de quase todos os partidos russos. Por exemplo, em junho de 2004, o presidente Vladimir Putin afirmou que as ideias de Gumilev sobre a unidade da Eurásia “foram as primeiras a mobilizar as massas”.
Durante sua vida (1912-1992), Lev Nikolaevich Gumilev atuou como historiador polêmico, sendo marginalizado e perseguido tanto por suas teorias provocadoras quanto por sua filiação familiar (seu pai foi assassinado em 1921 e sua mãe enclausurada na Fontanka por ordem das autoridades bolcheviques). Assim, suas teorias foram consideradas não acadêmicas até seus últimos dias, e ele foi confinado por cerca de 16 anos em diferentes Gulags.
E, mesmo assim, Gumilev é considerado não apenas o pai da etnologia russa, mas também a maior referência acadêmica da Rússia pós-soviética, segundo um estudo liderado pelo pesquisador Nikolai Koposov (que entrevistou estudantes de várias universidades russas). Além disso, nos últimos anos, foram criados em São Petersburgo uma fundação e um museu com o nome de Gumilev, todos os seus escritos foram republicados na “Biblioteka Gumileveica”, vários documentários sobre sua vida foram feitos e a principal universidade do Cazaquistão foi nomeada “Universidade Eurasiana Lev Gumilev”.
Ao longo de seus escritos, Gumilev explica como o ambiente influencia de forma decisiva o destino dos povos, colocando o conceito de “ethnos” no centro de sua argumentação. Para Gumilev, a etnicidade seria um fenômeno - mais biológico que social - diretamente ligado ao ambiente, assim como um animal está ligado ao seu habitat. Assim, a principal característica de uma etnia seria que “as normas de comportamento” estão ligadas “às formas de adaptação ao terreno”.
Nesse sentido, Gumilev recuperou a ideia de ascensão e decadência das etnias - em contraposição ao princípio histórico de desenvolvimento e à ideia de progresso - e introduziu um condicionante energético (“passionarnost”) como o principal motor das etnias, segundo o qual as comunidades com mais “paixão” absorveriam aquelas com menos.
Como complemento à sua história marcada pelas etapas de ascensão e decadência dos povos, Gumilev especificou que existem comunidades mais propensas a conquistar do que outras, dando o exemplo de romanos, francos ou saxões (“mais heroicos”), e o de judeus ou florentinos (“mais mercantilistas”). No entanto, para Gumilev, o contato entre diferentes etnias não levaria necessariamente ao conflito, especificando ainda três tipos de contatos: Xenia (harmonioso), Simbiose (complementar) e Quimera (assimilação), apontando o terceiro como o mais comum e ao mesmo tempo o mais perigoso por seu caráter “antissistema”.
Além disso, Gumilev criticou um dos “mitos sombrios” da historiografia europeia, que atribui um caráter bárbaro aos povos nômades, estudando os vestígios dos povos da Ásia Central e a herança cultural da Horda Dourada na Rússia. Como conclusão, Gumilev expunha que os russos e esses povos nômades são “perfeitamente complementares” e compartilham a experiência de habitar o mesmo território.
Para Gumilev, o processo de etnogênese se desenvolve de acordo com a segunda lei da termodinâmica, segundo a qual um impulso original de energia será gradualmente aplicado ao mesmo tempo que a entropia material aumenta.
Extrapolada das leis físicas para as sociais, Gumilev justifica dessa maneira o contínuo auge e decadência das civilizações, elaborando vários gráficos e comparações nos quais conclui que todo o processo costuma durar entre mil duzentos e mil quinhentos anos.
A mudança é explicada por uma radiação energética, a passionaridade (“passionarnost”) que ele acredita proveniente do ambiente (não regional, mas cosmológico). Em última instância, Gumilev considera que o influxo e esgotamento da energia nos homens se deve a uma autorregulação da natureza, para evitar a destruição pelo desenvolvimento tecnológico humano. Assim, para o historiador de São Petersburgo, a realidade se reduz a três princípios: o geográfico, o étnico e o cultural, sendo os dois primeiros essenciais e objeto de estudo científico, e o terceiro uma mera consequência e objeto das humanidades.
Para Gumilev, o historiador é um mero arqueólogo e conclui que sua teoria tem uma utilidade prática “como a meteorologia: não poderá prevenir a chuva ou os furacões, mas permite que as pessoas se preparem para eles”.
Tanto os referentes históricos e científicos do trabalho de Gumilev quanto seu destino político posterior são especialmente significativos. Entre as principais influências de Lev Nikolaevich estão os estudos elaborados por geógrafos russos do final do século XIX, como Dokuchaev, Solovev, Winogradski, Kliuchevski, e contemporâneos como Vernadski, Berg ou Timofeev-Resovski. No entanto, em seu esforço para relacionar ciências sociais e naturais, ele também menciona (principalmente em entrevistas e correspondência) os trabalhos de historiadores como Karamzin e o grupo de eurasianistas exilados em Praga durante os anos 20.
Quanto ao destino político, Gumilev teve seguidores importantes em quase todas as áreas da prática cultural russa: desde acadêmicos como Tsimburski, a políticos como Zyuganov, Nazarbayev ou Zhirinovsky, passando por ideólogos como Dugin ou Panarin. Além disso, suas teorias têm sido discutidas com frequência nos meios de comunicação russos (nem sempre ao pé da letra), e influenciaram a política externa do país desde 1996, ano em que Yevgeny Primakov foi nomeado ministro das Relações Exteriores da federação.