por Aleksandr Dugin
(2024)
No dia 14 de novembro de 1831, faleceu Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), o maior filósofo romântico na história do pensamento. Heidegger, junto com Nietzsche, acreditava que Hegel foi aquele que completou a história da filosofia do Logos Ocidental e o ápice da história da filosofia e da filosofia em geral. Se Platão foi o filósofo do início, então Hegel e Nietzsche foram os filósofos do fim. Nesse sentido, Hegel foi o filósofo somativo.
Tudo é a alteridade do Outro
A filosofia política de Hegel é muito complexa. Ela se baseia em sua visão filosófica geral. Como já vimos, toda filosofia sempre tem a possibilidade de eliciar uma dimensão política. Como Platão, Hegel em sua "Filosofia do Direito" faz esse gesto, aplicando sua filosofia à política, ou seja, ele situa explicitamente o lugar da filosofia política no contexto de sua filosofia como um todo. Através da filosofia, ele explica a filosofia política, simultaneamente esclarecendo a política através de sua dimensão metafísica.
Nesse aspecto, Hegel é um filósofo clássico que implicitamente inclui a filosofia política. Assim, Heidegger estava absolutamente certo ao dizer que se entendêssemos a "Fenomenologia do Espírito", poderíamos deduzir tudo o mais dela. Quanto à leitura, duas obras fundamentais de Hegel são habitualmente sugeridas: "Fenomenologia do Espírito" e "Filosofia do Direito".
A ideia básica de Hegel é que existe o Espírito Subjetivo primordial, o “espírito para si” (em alemão: der subjektive Geist). Este ponto coincide com a tese teológica sobre a existência de Deus – o Espírito Subjetivo é Deus para Si Mesmo. Para se empregar para o Outro, este Espírito Subjetivo projeta-se no Espírito Objetivo (em alemão: der objektive Geist) no qual se torna natureza e matéria, ou seja, o sujeito projeta-se no objeto.
Observe a diferença fundamental aqui com a topologia cartesiana que predefiniu a estrutura da modernidade. Para Descartes, existe um dualismo entre sujeito e objeto, enquanto Hegel tenta remover esse dualismo e superar o pessimismo epistemológico de Kant distinguindo a matéria ou o objeto do Espírito. De fato, isso nada mais é do que um desenvolvimento do modelo kantiano do “Eu sou” absoluto, mas tomado em um modelo dinâmico e dialético. Se Fichte foi uma reação a Kant, então Hegel é uma reação a Fichte, mas em diálogo constante com Kant e o cartesianismo.
Assim, Hegel argumenta que existe o Espírito Subjetivo que se revela através do Espírito Objetivo via alienação dialética. A Tese é o Espírito Subjetivo e a Antítese é o Espírito Objetivo, ou natureza. Portanto, a natureza não é natureza, pois, segundo Hegel, nada é idêntico a si mesmo, mas tudo é uma alteridade do Outro, daí o termo “dialética”.
O ciclo de partida e retorno: o Espírito Absoluto
Em outras palavras, existe o Espírito Subjetivo como tal que se projeta como a Antítese. E assim começa a história. Para Hegel, a filosofia da história é de fundamental importância porque a história é nada mais do que o processo de desdobramento do Espírito Objetivo que adquire em um novo estágio seu componente espiritual que está em sua essência. Mas o primeiro ato do Espírito Objetivo é esconder seu caráter espiritual, se disfarçar de matéria ou natureza, e então, ao longo da história, essa alteridade do Espírito Subjetivo retorna, através do homem e da história humana, à sua essência.
Mas então essa é uma nova essência; não é mais o Espírito Subjetivo (o “espírito para si”) nem um “espírito para outro”, mas um “espírito em si”. Em outras palavras, o espírito retorna a si mesmo através de sua própria alienação. Assim surge o ciclo de partida e retorno, sendo este último mais importante para Hegel do que a partida. Este último cria as condições para o retorno, e o retorno, passando por todo o ciclo, retorna ao Espírito Subjetivo, tornando-se o terceiro espírito – o Espírito Absoluto (em alemão: der absolute Geist). Ou seja, primeiro há o Espírito Subjetivo, depois o Espírito Objetivo e, em seguida, o Espírito Absoluto.
O Espírito Absoluto, segundo Hegel, se desdobra ao longo da história humana e se dirige ao fim da história. O significado da história é a realização do Espírito através da matéria. Primeiro o Espírito tem a si mesmo, mas não está autoconsciente, depois começa a se realizar, mas não se possui. A natureza em si mesma abriga as pré-condições da história porque é um elemento da história. Daí a história da religião, a história das sociedades, e como resultado do desdobramento do Espírito através da história, ela atinge seu clímax no fim da história, quando o Espírito está plenamente consciente de si mesmo e se possui. Tese, Antítese, Síntese. Assim, a história termina.
Essa é uma visão geral da filosofia de Hegel, que possui muitos nuances e complexidades. Assim, segundo Hegel, a história se move positivamente, mas esse é um positivismo diferente daquele na filosofia da Grande Mãe. O princípio titânico implica que no início havia menos e depois mais. Em sua leitura de Hegel, Marx removeu o Espírito Subjetivo e disse que existe uma natureza autoaperfeiçoadora. Assim, ele restaurou a filosofia da Grande Mãe segundo a qual tudo cresce a partir da matéria e da natureza.
Mas Hegel não é Marx. Em Hegel, esse crescimento, esse processo, esse movimento de baixo para cima se baseia no fato de que no início houve um salto para baixo. Primeiro o Espírito salta e cai na natureza, e portanto a natureza começa a crescer, e a natureza não é tanto outra coisa quanto a alteridade do Espírito. A Antítese ao Espírito não é simplesmente seu oposto – pois ela mesma é também tal em forma removida. O conceito de “remoção” em Hegel é muito importante, pois a Antítese não destrói a Tese, mas a remove, absorve, e então demonstra através da Síntese.
Portanto, a Tese não é absoluta, e a Antítese não é absoluta. Todos eles são dialeticamente dependentes. Apenas a sua Síntese é absoluta, através da qual ocorre a remoção da Tese e da Antítese. Nesse sentido, a compreensão hegeliana da história como o desdobramento do Espírito ocorre através de fases: há o Espírito Subjetivo (pré-histórico), o Espírito Objetivo, que se manifesta através da história, e finalmente o Espírito Absoluto, que se manifesta através da maior tensão da história, através da criação de algum tipo de pico cultural e sociopolítico, a pirâmide do Espírito, que finalmente se tornou o Absoluto.
Hegel e a ideia do Estado alemão
Onde a filosofia política se encaixa aqui? Claramente, de certa forma, a história se torna política. Daí a ideia de Hegel sobre a evolução dos sistemas políticos, modelos e regimes como momentos do devir do Espírito Absoluto. A política é a cristalização da Síntese. A história política é o movimento do Espírito para se tornar Absoluto. A política é a história da absolutização do Espírito.
Hegel estabelece uma hierarquia entre diferentes formas políticas. Por um lado, esta é uma hierarquia evolutiva, já que cada regime é melhor do que o anterior. Mas, ao contrário das ideias de Marx, esta evolução não é apenas um reflexo da Antítese, e não é o desenvolvimento da matéria ou da natureza. Este é o discernimento do Espírito que estava originalmente inerente à matéria e à natureza. Consequentemente, não há materialismo aqui. Estamos lidando com um esquema complexo que combina a opção platônica (no começo havia Espírito, não matéria) e o modelo evolutivo (no qual começamos a considerar a história a partir da Antítese, que lembra a ideia da Grande Mãe). Marx amputou a parte platônica, daí sua reinterpretação de Hegel em um sentido exclusivamente materialista. Mas Hegel é mais complexo.
Outro ponto importante em Hegel é como ele define o fim político da história, o auge do devir da história política e a expressão do Espírito Absoluto. Aqui Hegel diz algo interessante sobre a Prússia e o Estado alemão. Os alemães não tinham um Estado, então historicamente não havia tal expressão. Assim, os alemães absorvem a lógica do movimento mundial, e o Estado prussiano-alemão é a expressão do Espírito Absoluto. Toda a história é, portanto, um prelúdio para a formação da Alemanha no século XIX. Hegel disse que grandes povos são aqueles que têm ou um grande Estado ou uma grande filosofia. Ele disse que os russos têm um grande Estado, enquanto no século XIX os alemães não tinham Estado algum. Como resultado, os alemães deveriam ter uma grande filosofia – e então um grande Estado.
O mais impressionante é que Hegel formulou a filosofia de um grande Estado alemão antes que a Alemanha aparecesse. Ele forjou essa teoria enquanto vivia em uma Alemanha fragmentada em principados que estava longe de ser um Estado poderoso e forte. Hegel uniu a Alemanha, dotou-a de uma missão intelectual e criou, juntamente com Fichte e Schelling, o conceito idealista e romântico de estadismo alemão como uma expressão do Espírito tornando-se Absoluto. O auge e o fim da história, segundo Hegel, é, portanto, o Estado alemão.
Além disso, Hegel pensava que o sistema político mais otimizado é uma monarquia iluminada, dominada por filósofos políticos hegelianos, os portadores da Síntese de todo o Espírito mundial que reconhecem a lógica da história mundial. Hegel se considerava um profeta da filosofia, da humanidade e da Alemanha, e em certo sentido era um místico. Metodologicamente, a filosofia de Hegel era absolutamente racional, mas irracional em suas premissas. Ele fundamentava a ideia de que a sociedade civil, a Revolução Francesa e a época do Iluminismo eram outro momento dialético na formação da monarquia iluminada. A sociedade civil é aquilo a partir do qual a monarquia cresce e que a monarquia abole. Assim, Hegel era um monarquista místico que considerava a lógica da história como o caminho das diferentes formas políticas em direção à monarquia russa.
Não é surpresa que essa ideia tenha sido adotada pelos fascistas italianos, especialmente na teoria do Estado italiano de Giovanni Gentile, que era um hegeliano. Paradoxalmente, nem o fascismo nem o nazismo podem ser vistos como representantes do nacionalismo clássico. Nessas duas visões de mundo, havia certos elementos que não podem ser considerados formas clássicas ou mesmo radicais do nacionalismo burguês europeu, porque, nesse caso, a adição da instância hegeliana na forma do Espírito Subjetivo e toda a metafísica da história que Gentile colocou nos fundamentos da teoria do fascismo italiano eram simplesmente hegelianismo aplicado à Itália.
Apesar de ser considerado um clássico da filosofia política, Hegel é um caso bastante complexo e composto. Sua filosofia política não reflete a ideologia da Terceira Via, e a teoria marxista foi construída sobre um hegelianismo metafisicamente truncado. Em outras palavras, o "hegelianismo de esquerda" tornou-se a base da Segunda Teoria Política, e o "hegelianismo de direita" influenciou algumas peculiaridades da Terceira Teoria Política. Além disso, a ideia hegeliana do fim da história foi adotada e aplicada ao modelo liberal por seu aluno, Alexandre Kojève, seu seguidor Francis Fukuyama e outros filósofos. Marx aplicou o "fim da história" ao comunismo, Gentile ao Estado, e alguns filósofos hegelianos ao triunfo da ordem mundial liberal. Portanto, os últimos disseram, a sociedade civil não é uma prolegômena para a monarquia (como o próprio Hegel acreditava), mas o auge do desenvolvimento da civilização humana.
Essa ideia foi tomada como premissa por Francis Fukuyama, que empregou o termo "fim da história". Esse termo era de fundamental importância para Hegel, na medida em que marcava o momento final da conquista do Espírito de sua fase absoluta através da história, o momento dialético do retorno do Espírito a si mesmo, em si mesmo e para si mesmo – a Síntese.
Assim, podemos encontrar no hegelianismo todas as três ideologias clássicas da modernidade, mas isso não significa que o hegelianismo possa ser qualificado do ponto de vista de qualquer uma delas. Hegel é mais amplo que todas as teorias políticas da modernidade e, portanto, não recai nelas. Assim, no hegelianismo há aquilo que foi pilhado em fragmentos pelas três ideologias políticas da modernidade, bem como aquilo que não foi tomado, como a ideia do Espírito Subjetivo primordial que precede qualquer movimento descendente. Este elemento do salto platônico primordial, neoplatonismo, que então transita para topologias mais ou menos progressivo-evolutivas, nos permite abster-nos de classificar Hegel como um dos filósofos ou filósofos políticos da modernidade, porque, como vimos, o paradigma da modernidade não presume nenhum componente material prévio.
Uma leitura não-liberal, não-marxista e não-fascista de Hegel nos permite revelar seus componentes para uma alternativa à modernidade e integrá-lo na Quarta Teoria Política. Através dessa operação, movemos Hegel da época da modernidade em que ele viveu e pensou para outro contexto. Este é outro Hegel, outra filosofia política de Hegel, na qual o foco está no salto platônico descendente. Esta parte de sua filosofia não recebeu, e de fato não poderia receber, encarnação política no âmbito do paradigma da modernidade. No entanto, pode encontrar expressão no contexto da Quarta Teoria Política.