Muitos autores distinguem entre, por um lado o Catolicismo, que se supõe ser um Cristianismo negativo encarnado por Roma e um instrumento anti-germânico, e, por outro lado, o Protestantismo, que supostamente seria um Cristianismo positivo emancipado do Papado Romano e receptivo em relação aos valores germânicos tradicionais. Nessa perspectiva, Lutero seria um liberador da alma alemã em relação ao jugo despótico e mediterrâneo da Roma papal, seu grande sucesso sendo a germanização do Cristianismo. Os protestantes, assim, se incluiriam na linha dos cátaros e dos valdenses como representantes do espírito germânico em ruptura com Roma.
Mas na realidade, Lutero foi o primeiro que fomentou a revolta individualista e anti-hierárquica na Europa, que encontraria expressão no plano religioso pela rejeição do conteúdo "tradicional" do Catolicismo, no plano político pela emancipação dos príncipes alemães em relação ao Imperador, e no plano do sagrado pela negação do princípio de autoridade e hierarquia, dando uma justificativa religiosa ao desenvolvimento da mentalidade mercantil.
No plano religioso, os teólogos da Reforma trabalharam por um retorno às fontes, ao Cristianismo das Escrituras, sem acréscimos e sem corrupção, quer dizer, aos textos da tradição oriental. Se Lutero se rebelou contra "o papado instituído pelo Diabo em Roma", é apenas porque ele rejeitava o aspecto positivo de Roma, o componente tradicional, hierárquico, e ritual subsistente no Catolicismo, a Igreja marcada pelo direito e ordem romanas, pelo pensamento e filosofia gregas, em particular aquela de Aristóteles. Ademais, suas palavras denunciando Roma como "Regnum Babylonis", como uma cidade obstinadamente pagã, relembram aquelas empregadas pelo Livro da Revelação e os primeiros cristãos contra a cidade imperial.
O saldo é completamente negativo no plano político. Lutero, que se apresentou como "um profeta do povo alemão", favoreceu a revolta dos príncipes germânicos contra o princípio uniersal do Império, e consequentemente sua emancipação em relação a qualquer elo hierárquico supranacional. Em efeito, por sua doutrina que admitia o direito de resistência a um imperador tirânico, ele legitimaria a rebelião contra a autoridade imperial em nome do Evangelho. Ao invés de assumir novamente a herança de Frederico II, que havia afirmado a idéia superior do Sacrum Imperium, os príncipes alemães, em apoio à Reforma, passaram ao campo anti-imperial, não desejando nada mais do que serem soberanos "livres".
Similarmente, a Reforma é caracterizada no plano do sagrado pela negação do princípio de autoridade e hierarquia, os teólogos protestantes não aceitando qualquer poder espiritual superior ao das Escrituras. Efetivamente, nenhuma Igreja ou Pontífice tendo recebido do Cristo o privilégio da infalibilidade em questões de doutrina sagrada, cada cristão é capaz de julgar por si mesmo, pelo livre exame individual, à parte de qualquer autoridade espiritual e qualquer tradição dogmática, a Palavra de Deus.
Além do individualismo, essa teoria protestante do livre exame está conectada com outro aspecto da modernidade, o racionalismo, o indivíduo que rejeitou qualquer controle e qualquer tradição se baseando no que, para ele, é a base de todo juízo, a razão, que então se torna a medida de todas as coisas. Esse racionalismo, muito mais virulento do que aquele que existia na Grécia antiga e na Idade Média, daria origem à filosofia do Iluminismo.
Começando a partir do século XVI, a doutrina protestante forneceria uma justificativa ética e religiosa à ascensão da burguesia na Europa, como o sociólogo Max Weber demonstra em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, um estudo sobre as origens do capitalismo. Segundo ele, durante as fases iniciais do desenvolvimento capitalista, a tendência de maximizar lucros é o resultado de uma tendência, historicamente único, de acúmulo muito acima do consumo pessoal.
Weber encontra a origem desse comportamento no "ascetismo" dos protestantes marcado por dois imperativos, o trabalho metódico como a principal tarefa na vida e gozo limitado de seus frutos. A consequência não-intencional dessa ética, que havia sido imposta sobre os crentes através de pressões sociais e psicológicas para que provassem a própria salvação, era o acúmulo de riqueza para investimento. Ele também demonstra que o capitalismo não é nada senão uma expressão do racionalismo ocidental moderno, um fenômeno próximo ao da Reforma. Similarmente, o economista Werner Sombart denunciaria a Handlermentalitat (mentalidade mercantil) anglo-saxã, conferindo um papel significativo ao Catolicismo como uma barreira contra o avanço do espírito mercantil na Europa Ocidental.
Liberado de quaisquer princípios metafísicos, dogmas, símbolos, ritos, e sacramentos, o Protestantismo acabaria se desligando de qualquer transcendência e levando a uma secularização de qualquer aspiração superior, ao moralismo e ao Puritanismo. É assim que em países puritanos anglo-saxões, particularmente na América, a idéia religiosa veio a santificar qualquer realização temporal, sucesso material, e riqueza, a própria prosperidade sendo considerada como um sinal de eleição divina.
Em sua obra, Les États-Unis aujourd'hui, publicada em 1928, André Siegfried, após ter enfatizado que "a única religião americana autêntica é o Calvinismo", já havia escrito: "Se torna difícil distinguir entre aspiração religiosa e busca de riqueza...admite-se assim como moral e desejável que o espírito religioso se torne um fator de progresso social e de desenvolvimento econômico". A América do Norte destaca, segundo uma fórmula de Robert Steuckers, " a aliança do Engenheiro e do Pregador", isto é, a aliança de Prometeu e Calvino, ou da técnica tomada da Europa e do messianismo puritano nascido do monoteísmo judaico-cristão.
Transpondo o projeto universalista do Cristianismo em termos profanos e materialistas, a América objetiva suprimir fronteiras, culturas, e diferenças de modo a transformar os povos vivos da Terra em sociedades idênticas, governados pela nova Santíssima Trindade de livre iniciativa, livre-comércio global, e democracia liberal. Inegavelmente, Lutero e, ainda mais, Calvino, são os pais espirituais do Tio Sam...
Enquanto para nós, nós jovens europeus rejeitamos visceralmente esse Ocidente individualista, racionalista, e materialista, o herdeiro da Reforma, a pseudo-Renascença, e a Revolução Francesa, como manifestações da decadência europeia. Nós sempre preferiremos Fausto a Prometeu, o Guerreiro ao Pregador, Nietzsche e Evola a Lutero e Calvino.