por Nuccio d'Anna
(1998)
Quando George Dumézil começou seus estudos sobre a civilização indo-europeia, as muitas críticas davam a impressão de que o estudioso francês havia se aventurado em uma área incerta, à beira da temeridade. Aos poucos, porém, uma longa fila de especialistas de diversos campos desta disciplina aceitou os resultados de suas pesquisas e sua obra saiu da marginalização na qual, inicialmente, o mundo acadêmico parecia querer confiná-lo. Entre os inúmeros méritos que Dumézil pode ostentar está também o de ter formado um grande grupo de estudiosos que continuam suas análises com autoridade e, muitas vezes, os direcionamentos de pesquisa.
Entre eles, Bernard Sergent é provavelmente o menos classificável sob rótulos pré-determinados, com suas múltiplas especializações que tocam a história e a arqueologia, a antropologia biológica e a mitologia. É, sem dúvida, um dos estudiosos mais promissores entre os que a “escola duméziliana” conta. Autor de um grande ensaio sobre os Indo-Europeus, no qual estudou todo o material surgido nos últimos cem anos com uma minuciosidade que faria corar um filólogo da escola antiga, ele então prosseguiu suas investigações focando-se em alguns campos específicos desta vastíssima disciplina: a gênese da Índia primeiro, a relação entre homossexualidade e mundo divino depois e, finalmente, aquela entre homossexualidade e iniciações.
Suficientemente preparado para abordar com um método comparativo materiais de difícil compreensão, Bernard Sergent então ousou enfrentar um assunto que nenhum indo-europeista havia tocado de maneira sistemática, aquele concernente às relações entre a mitologia grega e celta. Assim nasce o texto "Celtas e Gregos. O Livro dos Heróis", que agora as Edições Mediterrâneas de Roma propõem à atenção dos estudiosos italianos na prestigiosa coleção "Horizontes do Espírito".
Precedido por uma introdução do professor Enrico Montanari da Universidade “La Sapienza” de Roma, o livro é dividido em três partes que estudam contextos mitológicos particulares.
À primeira vista, pareceria realmente difícil comparar personagens secundários da mitologia helênica como Céfalo ao quase totalmente desconhecido herói celta Celtchar. O mesmo pode ser dito sobre a relação estabelecida por Bernard Sergent entre Belerofonte e o mais conhecido Cuchulainn, o herói de uma infinidade de cenários guerreiros da antiga Irlanda. A análise desses heróis é cuidadosa, rigorosa, mas a névoa que envolve grande parte de seus dossiês mitológicos não permite conclusões certas, apesar da contínua atenção em identificar os elementos fundamentais que delimitam a “personalidade” desses protagonistas de um mundo nem sempre de fácil abordagem.
Mais complexa é a comparação entre o famoso herói helênico Aquiles, com o igualmente famoso Cuchulainn, o herói celta que muitas vezes é conhecido apenas por suas colossais bebedeiras.
Bernard Sergent procede gradualmente. Sua longa análise começa comparando o nascimento dos dois heróis e sua educação. Elementos essenciais do perfil das respectivas mães e até dos educadores escapam a uma realidade “humana” e se situam, em vez disso, dentro de um contexto mitológico no qual ganham relevância formas de iniciação que transformam o jovem em um poderoso guerreiro. Essa qualidade permite ao Herói até mesmo operar nos limites da ordem social de sua civilização e frequentemente constituir um elemento de perturbação. Uma série de traços comuns aproxima os dois Heróis: a juventude, o fato de que em certo ponto de suas vidas assumam traços femininos, sua beleza quase feminina, a substancial brevidade de suas vidas, a cor vermelha que parecem preferir, a potência de seu grito de guerra, a realeza que os coloca acima de todos os homens.
Passa-se então ao contexto em que Aquiles e Cuchulainn vivem, as armas que preferem: a lança e o escudo; os animais que os ajudam em suas façanhas guerreiras: os cavalos e o cão. Finalmente, o tipo de ação guerreira que os tornou únicos: a quantidade de inimigos mortos, os massacres, as próprias formas de matança, as decapitações. Um destaque particular pode ser dado à tripla classificação dos adversários enfrentados, que remete a rituais guerreiros nos quais tinha um papel fundamental um monstro tricéfalo. É ainda nesse contexto ritual que ganham importância as referências à circumambulação do campo de batalha, ou ao hábito de um combate solitário, ou aquele contra as potências ctônicas sobre as quais insistem alguns cenários mitológicos.
Aquiles e Cuchulainn são Heróis que representam um mundo cultural particular, personificam categorias mentais transpostas no mito e muitas vezes simbolizam importantes formas rituais não mais praticadas na época histórica. Estamos diante de uma forma de civilização guerreira que não pode ser confinada aos cânones do combatente normal, mas que transcende em uma realidade iniciática da qual na época histórica se perdeu toda a cognição. A própria morte dos dois protagonistas mostra semelhanças surpreendentes se considerarmos os contextos sagrados nos quais os Heróis operam. Aquiles é morto por Páris, um protegido do deus Apolo, enquanto a morte de Cuchulainn é causada pela intervenção do celta Lug, o deus que muitas vezes é comparado por suas semelhanças precisamente ao Apolo helênico.
A investigação de Bernard Sergent é rigorosa e não deixa espaço para críticas dos classicistas, não acostumados a comparar materiais tão difíceis mas ricos em perspectivas. De suas pesquisas surge uma nova maneira de se aproximar ao mundo grego. A superstição, que fazia da civilização helênica uma espécie de milagre irrepetível, desmorona diante de toda uma série de estudos que mostram como a mitologia helênica surge do mesmo substrato cultural e ritual que deu vida à civilização da Índia e da Escandinávia, da Celtidade e de Roma.
Estudos como este podem estimular a encontrar novos espaços de pesquisa e explorá-los até o fim.