por Manuel Noorglo
Os Neturei Karta (נטורי קרתא, nome aramaico traduzível como Guardiões da Cidade) são um grupo religioso judeu ortodoxo que se recusa a reconhecer a autoridade e a própria existência do Estado de Israel, em nome da sua interpretação do judaísmo, da Torá e de passagens do Talmude.
O grupo foi fundado em 1938 em Jerusalém por judeus que há muitas gerações viviam na Palestina, principalmente descendentes de judeus húngaros que se mudaram para a Palestina no início do século XIX e de judeus lituanos que já estavam lá há ainda mais tempo. O grupo surgiu da cisão de outro movimento de judeus ortodoxos, fundado em 1912 por Agudas Israel, que também tinha como objetivo a luta contra o sionismo, mas que ao longo dos anos tinha reduzido sua ação. A atividade dos Neturei Karta se estendeu para fora da Palestina, em vários casos devido à saída voluntária, alegando terem sofrido violências, prisões, torturas e pressões de todos os tipos por parte dos sionistas, e de qualquer forma pelo recuso de viver em um Estado que se recusavam a reconhecer como legítimo.
Atualmente, o movimento consiste de várias milhares de famílias, com um número elevado de simpatizantes dificilmente quantificável, presente não só em Jerusalém, mas também nos Estados Unidos da América, na Bélgica, no Reino Unido e na Áustria.
Oposição ao sionismo
Os Neturei Karta afirmam que querem combater a ideia de estabelecer um Estado judeu no tempo presente (tempo que consideram ainda de exílio), pois consideram contrário à autêntica tradição religiosa judaica estabelecer tal Estado sem esperar que essa terra seja explicitamente doada pelo Altíssimo. A motivação, portanto, não é de ordem política, mas de ordem religiosa.
Rejeitam os rótulos de grupo extremista e de ultraortodoxos, declarando não ter removido ou adicionado nada à lei e à tradição judaica, e em apoio à sua posição citam o Talmude, onde se afirma que os judeus não podem usar forças humanas para estabelecer um estado judeu até que venha o Messias da casa de Davi, e onde se afirma que devem ser cidadãos leais das nações em que vivem, sem tentar antecipar o fim do exílio. O exílio, de fato, tem a característica de punição divina pelos pecados cometidos e, portanto, não pode ser contornado por políticas de homens, mas apenas por oração, boa vontade e espírito de penitência.
Segundo a definição de Neturei Karta, os judeus devem considerar a vinda do Messias e se orientar por ela para estabelecer a conduta e o comportamento mais apropriados: existem, portanto, diferentes opiniões rabínicas sobre as situações vividas pelo povo judeu, e o Neturei Karta é uma delas. Todos os rabinos não deixam de considerar a relação com os não-judeus, estes últimos, especialmente na observância dos 7 preceitos de Noé. A promessa feita por Deus sobre o retorno com o advento da Era Messiânica de todos os judeus pertencentes ao povo de Israel à Terra Prometida, Eretz Israel, é selada eternamente como pacto divino também nessa ótica. Segundo alguns rabinos, o sionismo é a realização perfeita de algumas profecias bíblicas sobre Israel.
Segundo os Neturei Karta, a terra atualmente ocupada pelo Estado de Israel pertence àqueles que sempre ali viveram (ou seja, os palestinos, os judeus e os árabes, de todas as religiões, e aqueles que viviam pacificamente com eles); em várias ocasiões os Neturei Karta protestaram ao lado dos palestinos árabes; em 2002 manifestaram-se com a bandeira palestina, provocando reações fortes de ambientes judaicos.
Acusam também o Estado de Israel de ter se dotado de uma fachada religiosa (com o uso de nomes religiosos para os partidos políticos, a presença de rabinos nos mesmos, etc.) e de alterar os comentários à Torá de acordo com as necessidades sionistas. Afirmam ainda que os judeus sionistas não podem pretender falar e agir em nome de todos os judeus, e evitam participar das atividades civis israelenses (recusando eleições, assistência social, apoio financeiro, etc.).
A rejeição ao sionismo chega ao ponto de não tocarem cédulas ou moedas que representam imagens de sionistas (as com Albert Einstein e Moses Haim Montefiore são consideradas aceitáveis, enquanto as com Theodor Herzl e Chaim Weizmann não são); além disso, não se aproximam do Muro Ocidental do Templo de Jerusalém, argumentando que foi contaminado por interesses sionistas, o que o tornaria um abomínio.
Uma das figuras de destaque do movimento é o rabino Amram Blau, sobrevivente do Holocausto. Segundo o rabino Blau, o reconhecimento concedido pela ONU ao Estado israelense seria uma grave injustiça contra os próprios judeus.
Seu sucessor, o rabino Moshe Hirsch, colaborou como ministro do governo de Yasser Arafat. Em 2004, pouco antes da morte deste último, o movimento organizou para ele uma vigília de oração em Paris; um grande número de organizações judaicas protestou contra o gesto, afirmando não poder "nem ignorar nem perdoar" tais "traidores do judaísmo", já "excluídos há décadas das Sinagogas e das comunidades".
Em uma entrevista à televisão iraniana, Weiss disse não se preocupar muito com a negação do Holocausto, pois "os sionistas usam a questão do Holocausto para obter benefícios. Nós, judeus que sofremos o Holocausto, não o usamos para promover nossos interesses. Afirmamos que há centenas de milhares de judeus no mundo que identificam nossa oposição à ideologia sionista e que pensam que o sionismo não é igual ao judaísmo, mas é apenas uma agenda política".
No verão de 2006, todo o movimento protestou contra as atividades militares israelenses no Líbano. Em um comunicado de imprensa de 19 de julho de 2006, os Neturei Karta acusam o sionismo de ser a origem do antissemitismo, de ter roubado dos judeus o nome de Israel para um projeto político, anunciando que oram contra o sionismo para que cessem os sofrimentos na Terra Santa e o derramamento de sangue.