26/12/2024

Alberto Lombardo - A Simbologia da Obra Tolkieniana

 por Alberto Lombardo

(1998)


 

O objetivo da minha intervenção é um breve exame do uso do simbolismo por parte de Tolkien. Dada, porém, a vastidão do tema, o amplíssimo uso de símbolos pelo filólogo de Oxford e a amplitude de referências, ressonâncias e reflexões adicionais que cada símbolo suscita, esta análise não poderá, por força das circunstâncias, senão limitar-se a alguns breves apontamentos. Além disso, a própria resenha que pretendo propor aqui tem uma pretensão meramente “evocativa”, de fornecer, isto é, um conjunto limitado de imagens, aproximações e “visões” simbólicas, a fim de responder a estas perguntas: qual é a medida do uso dos símbolos por parte de Tolkien? Quais as implicações deste uso? E qual a consciência, por parte do autor, ao recorrer a esses símbolos – isto é: qual “rigor tradicional”, correspondência ao significado arcaico?

Pode-se adiantar, desde já, em resposta parcial a tais questões, que Tolkien não ignorava certamente uma das características principais dos símbolos, a sua dualidade (não dualismo): dois significados diferentes, muitas vezes opostos, estão encerrados em um único símbolo, muitas vezes corroborando-se mutuamente, sem se negarem um ao outro. Às vezes, aliás, essa dualidade é devida a razões de tipo histórico, acontecendo que um sentido novo substituísse o anterior, por oposição, por “mudança de civilização” ou pelo superpôr de uma nova sensibilidade. Consciente desta característica fundamental, Tolkien é, no entanto, plenamente homem do século XX. Nele, epos e mythos sentem os traços desta época, manifestando-se, a nível literário, numa melancolia, ou melhor, numa nostalgia (dor da distância). Este caráter, latente e difundido na obra tolkieniana, e que procurarei destacar adiante, é a razão do tanto fascínio atual, inatenuado (e aliás diria aumentado) a quase trinta anos da morte do autor de O Senhor dos Anéis.


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Os símbolos que tratarei primeiro estão ligados aos elementos naturais. A sua simplicidade não deve levar a pensar em banalidade: pelo contrário, ela é sinônimo de universalidade. Referindo-se a imagens como a da montanha (e do vulcão), da caverna (e do labirinto), da árvore, da floresta, do jardim ou da ilha, alude-se a elementos presentes aos homens de praticamente todas as épocas e lugares. Não apenas isto, mas também este é um motivo importante de sua universalidade, que não casualmente se expressa em termos semelhantes, atribuindo-se ao mesmo símbolo significados análogos em tradições diferentes. As referências que farei, além disso, serão limitadas na maior parte à área indo-europeia, porque, embora alguns vejam, e talvez não sem razão, influências diferentes em Tolkien (especialmente veterotestamentárias), parece-me que, em grande medida, à área espiritual e mitológica indo-europeia se deve recorrer, tanto ao procurar referências específicas de modelos de inspiração de Tolkien, quanto, e com maior razão, ao investigar a própria “visão do mundo” tolkieniana.

O primeiro símbolo a que farei referência, portanto, é o da montanha. Unanimemente, as tradições mundiais atribuem-lhe o significado de sede da divindade: isto ocorre tanto nos casos mais conhecidos do Olimpo grego, do Sumeru indiano (também conhecido como Meru), dos vários Sinai, Sião e Gólgota bíblicos, etc. Mas, na realidade, as crenças dos povos estão repletas de montes sagrados; por exemplo, em um ensaio recente (R. Del Ponte, Os Ligures. Etnogênese de um povo, Ecig, Gênova 1999) foi bem destacado como entre os antigos ligures, uma das principais populações itálicas antigas, na religiosidade encontrava-se uma posição totalmente preeminente um “culto dos cumes” com os respectivos santuários e divindades associadas. Não é por acaso, como notaram alguns pensadores tradicionalistas, que o termo “paraíso” deriva para a nossa língua, através do hebraico, do sânscrito paradesha, indicando um lugar elevado. No simbolismo, na iconologia antiga como nas mais remotas gravuras rupestres, a montanha é representada como um triângulo, mais ou menos equilátero, com um vértice voltado para cima. Este simbolismo do alto, do elevado, da direção vertical e ascendente, não é sem relação com uma visão do divino em que são invocadas as potências luminosas, solares, “masculinas”. Esclareceremos melhor este conceito mais adiante, tratando da montanha e da caverna.

Em muitos mitos europeus, especialmente medievais, a montanha é ligada à figura de soberanos, míticos ou reais, que, diz-se, nela descansam, para um dia retornar, despertados do seu longo sono, para restaurar o período áureo de sua realeza. Tudo isso reforça a imagem da montanha como lugar sagrado. Além disso, sobre as afinidades entre “ascese” e “ascensão” muito foi escrito: basta lembrar, aqui, como a própria experiência alpinística moderna forneceu em numerosas ocasiões o pretexto, a escaladores mais ou menos “profissionais”, para falar de “experiências de fronteira”, quando não de verdadeiros “estados transcendentes da consciência”. Em tudo isso, no contato e confronto direto do homem com a montanha, deve-se reconhecer uma daquelas “portas” para o suprassensível já claramente percebidas pelos antigos. Os ritos dionisíacos ocorriam nas alturas, e os mestres espirituais chineses, lembra René Daumal no seu livro O Monte Análogo, que constitui um pouco uma suma destas orientações, ensinavam aos discípulos às margens dos precipícios das montanhas.

A esta visão tradicional da montanha se acrescentava uma estrutura cósmica bem precisa. Ela tem uma sua teorização completa na Índia, onde ao Sumeru contrapõe-se um monte “eixo do universo” do outro lado do mundo: a imagem da montanha como Eixo do Mundo, diga-se de passagem, deveria ter uma antiguidade talvez ainda maior do que a da árvore. Esta mesma estrutura cósmica está presente também na Divina Comédia, onde o monte do purgatório se ergue precisamente na vertical da “natural burella” do cone do inferno.

Como se apresenta em Tolkien este simbolismo? Tomemos como exemplo, para responder, um dos principais trechos em que os personagens se encontram diante de uma montanha: o Caradhras. Aqui o monte é hostil: as expressões dos personagens a esse respeito são inequívocas. Ela se opõe à passagem da Sociedade do Anel, pois o braço do Inimigo tornou-se muito longo, e já alcançou também essas terras a ele muito remotas. O monte está, portanto, ainda perpassado de um senso do sagrado, mas terrível e incontrolável: a potência que o domina se revela hostil: será este o motivo que forçará a Sociedade a encontrar um caminho diferente.


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Um significado próximo à montanha, mas não igual, tem no simbolismo o vulcão. A falta do pico, que o caracteriza e o diferencia, não equivale à falta de caráter sagrado. Pelo contrário, o contato da chama incandescente que repousa nele com o ambiente externo é sinal de uma sacralidade em contato direto com o mundo – por sinal, muitas vezes com um aspecto terrível. Sem ir muito longe, pense-se no mito acerca do Etna, concebido como a forja na qual Vulcano forjava os raios de Zeus; uma tradição medieval, além disso, relatada por Graf, remete àquele “Artur no Etna” (talvez uma representação simbólica de Frederico II) de que se falou ao abordar a montanha. E é um vulcão, no Senhor dos Anéis, que constitui, na terra inimiga, o objetivo da busca sui generis que o protagonista deve realizar. Também aqui, o vulcão é a sede de uma manifestação do divino terrível, que destrói.


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Diretamente conectado, ou melhor, dependente do simbolismo da montanha, está o da caverna. Para retomar o tema iconográfico mencionado anteriormente, se a montanha era usualmente representada por um triângulo com o vértice voltado para cima, é um triângulo oposto, com o vértice voltado para baixo, que indica a caverna. A sobreposição dos dois símbolos, então, poderia dar origem ao chamado “Selos de Salomão”, que, além de ser o atual emblema de uma recente entidade estatal do Oriente Médio, é um símbolo universal, não sendo prerrogativa apenas do judaísmo (encontrando-se também na mais antiga Índia, por exemplo). Ele remete a uma conciliação dos opostos.

Segundo René Guénon, é a uma época diferente, mais recente, que se deve conectar o simbolismo sacral da caverna: como em épocas remotas o divino era naturalmente acessível a todos, e como tal visível por todos (tal como ocorre com a montanha), com uma nova era (e precisamente com a segunda fase do ciclo cósmico), os conhecimentos que estavam ligados à sede do divino devem “retirar-se” para um lugar mais remoto, inacessível a todos, dando forma ao esoterismo. Os povos, aliás, nem sempre se aproximaram das cavernas com o mesmo “sentir”. Povos que habitaram as cavernas muitas vezes manifestavam uma atitude “lunar” e “matriarcal” em relação à espiritualidade, ao passo que um sentir diferente geralmente animava aqueles que se dirigiam às cavernas com intenções rituais precisas. É no mitraísmo, religião nitidamente (embora não de forma totalmente inequívoca) solar, que os ritos de iniciação eram realizados nos recantos mais escuros.

Em Tolkien, e particularmente no Senhor dos Anéis, existem dois tipos de cavernas que têm relevância. As primeiras são as antigas casas dos hobbits: sua característica é o senso de acolhimento doméstico. O povo hobbit, por sua vez, é de natureza predominantemente caseira, burguesa e, portanto, “matriarcal”. As cavernas habitadas por eles no passado, no entanto, têm pouco da “caverna” no sentido clássico: das suaves e verdes colinas do Condado não surgem picos altíssimos, e as cavernas são proporcionalmente dimensionadas, também e sobretudo na “natureza” expressa pelos seus habitantes.

O outro tipo de caverna, ou melhor, a caverna por excelência no Senhor dos Anéis, é Moria. Na jornada da Sociedade para Moria, uma verdadeira “descida aos infernos” em plena conformidade, repetem-se modelos universais de simbolismo. A entrada no antro da caverna é antecipada por uma jornada perigosa; o local onde se encontra o “passagem” para o mundo inferior é sombrio e tenebroso. Essas características encontram correspondências precisas, por exemplo, no VI livro da Eneida e no primeiro canto do Inferno de Dante; mas de “descidas aos infernos” estão repletas quase todas as tradições: trata-se do modelo clássico da jornada iniciática. Após a entrada da Sociedade do Anel na caverna, o simbolismo dessa caverna cede, segundo um modelo muito comum, ao simbolismo do labirinto; de fato, Moria se desenrola em uma miríade de salas, construídas em tempos remotos pelos anões. Aqui, a Sociedade pode avançar apenas graças à orientação segura de Gandalf, elemento da luz espiritual, verdadeiro “fio de Ariadne”. A caverna, no simbolismo, está também intimamente associada ao coração, como René Guénon observou com particular eficácia. Não é, a meu ver, casual que o cerco ao qual a Sociedade é submetida seja marcado por um batimento (“tum, tum”) de tambores, com um ritmo cada vez crescente. Na jornada descrita no romance, seguem-se, com significado preciso, ao negro da caverna o combate de Gandalf, guardião do “Fogo Secreto”, contra as chamas do Balrog (fase “vermelha”) e, ao final de um longo percurso iniciático, o renascimento do protagonista como “Gandalf, o Branco, retornado da morte”. Sob essa perspectiva, o “retorno à luz” da Sociedade representa o cumprimento do “renascimento” iniciático.


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Neste ponto do romance, a Companhia volta a viajar à luz do sol e chega a Lorien: o jardim por excelência do livro. É um “jardim de delícias”: o povo encantado que o habita vive nas árvores que ama, imagens encantadas e maravilhosas se sucedem; o próprio tempo ali flui de forma incomum. Este tema do jardim maravilhoso e delicioso está presente em diversas tradições antigas (pense-se no jardim das Hespérides, na saga de Gilgamesh, no Paraíso terrestre bíblico). A árvore em si, que constitui um elemento essencial do jardim, tem em Tolkien características predominantemente “positivas” (luminosas no Silmarillion, de símbolo régio – em Minas Tirith – e de arcaísmo – no caso de Fangorn – em O Senhor dos Anéis), mas a Floresta, outra forma de manifestação do simbolismo da árvore, é carregada de um significado claramente dual. Existem, portanto, características bem diferentes entre os personagens que encarnam os primordiais “senhores das florestas”, como Tom Bombadil – que parecem tão próximos da imagem do “Waldgänger” de Jünger – e os personagens que, ao contrário, veem as florestas como lugares sombrios e tenebrosos (ou melhor, são diferentes os tipos de florestas). A floresta por excelência da Terra-média, ou seja, a Floresta de Fangorn, claramente se enquadra nesta segunda tipologia.

Giacomo Devoto, talvez o principal linguista italiano do século, escreveu em suas Origini indoeuropee: “O traço fundamental da paisagem indo-europeia original é dado pela floresta”. Da mesma forma, termos importantíssimos do vocabulário indo-europeu mais arcaico têm exatamente no cenário da floresta a sua fonte etimológica: a própria palavra fundamental “luz” deriva dessa manifestação particular que é dada por sua filtragem entre os ramos das árvores, especialmente nas clareiras. Assim, “luz” é intimamente relacionada a lucus, a floresta sagrada no latim antigo. Além disso, no imaginário medieval europeu, à floresta se vinculavam as mais diversas crenças: ela era vista como um lugar de encontros arcanos, de presenças perigosas, de entidades encantadas. Essas são as mesmas características da Floresta de Fangorn.


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A ilha, como se sabe, também tem uma parte importante na epopeia tolkieniana. A referência, clara, ao mito platônico sobre o afundamento da Atlântida é mais do que evidente na história de Númenor, sendo desnecessário determo-nos nela. O que se deve acrescentar é que o habitat dos “imortais” ou “imortalizados”, das presenças luminosas élficas incorruptas, permanece a ilha a Ocidente. Mito amplamente disseminado, até mesmo fora das fronteiras da Europa, o mito da ilha como sede mítica é testemunhado pela riqueza das tradições sobre as várias Thule, Avalón, Tir na mBeo, etc. Trata-se de diversas representações (e referidas, especialmente a primeira em comparação com as outras, talvez até a memórias distintas) de uma terra original e encantada, sede de diversos “heróis”, mortos e presenças imortais. Sobre esse tema voltaremos em breve, fazendo referência ao último dos símbolos tratados aqui.


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O encontro de hoje sendo dedicado à “Viagem da Companhia em direção ao terceiro milênio”, talvez seja o caso de acrescentar algo sobre essas palavras, começando pela Companhia. Nas sagas e lendas, deve-se observar, é mais frequente o herói solitário do que a companhia (mas há diversas exceções). De maneira muito sintética, me parece que a Companhia tolkieniana não é uma união comunista, na qual as personalidades individuais se fundem; nela permanecem traços hierárquicos e, além disso, uma especial “interracialidade”. Trata-se da elite das raças solares a se reunir na Companhia do Anel: nunca, para ser claro, um orc ou um haradrim poderia ter feito parte dela. Nela, ninguém perde sua identidade precisa e seu papel exato, também literário, mas, ao contrário, é por meio da própria Companhia que ele amadurece e vive sua verdadeira aventura, que combate, ou seja, sua Grande Guerra Santa. O espírito é o de uma companhia de aventura, ou ainda mais, o dos sodales medievais.

A empreitada iniciática da Companhia é a viagem, e não poderia praticamente ser diferente. Viajantes míticos são Dante, Ulisses, Eneias, Hércules, Gilgamesh, Sigfrido e tantos outros: é viajando que o herói se confronta com os perigos, cresce e melhora. E à viagem não pode haver outra conclusão natural senão o retorno: não é à toa que com as palavras “Eu voltei” se encerra O Senhor dos Anéis: de fato, o final da aventura de Sam é muito semelhante ao de Ulisses, que chega à sua Ítaca e faz justiça aos pretendentes que nela imperavam.

A realização da missão da Companhia do Anel conclui um verdadeiro ciclo cósmico: a Terceira Era chega ao fim e começa a Idade dos Homens. A concepção cíclica tradicional está bem presente em Tolkien – e sua atitude diante do destino de decadência do mundo moderno faz dele um guerreiro no sentido tradicional. Com o estabelecimento de um novo ciclo, novas formas simbólicas passam a predominar.


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Para concluir esta análise, gostaria de lembrar um último símbolo que aparece em Tolkien de uma maneira muito significativa. A Companhia do Anel está prestes a deixar Lorien para retomar sua jornada. Ao longo do Grande Rio, antes da despedida, uma embarcação com a forma de um grande cisne dourado se aproxima. Um canto doce e tristíssimo é o de despedida da branca e belíssima dama Galadriel, velado de tristeza, mas nele já se oculta, em pura potência, o chamado da redenção. O povo claro, puro e luminoso dá assim sua despedida. De maneira análoga, na “triste história dos filhos de Lir” irlandesa, sabemos como os filhos desse infeliz soberano foram transformados em cisne por um feitiço: seu canto doce e tristíssimo encanta aqueles que o ouvem. Ele pertence ou remete, assim, ao Outro mundo. No mito grego e romano, o cisne é um animal hiperbóreo, sagrado ao dórico e nórdico Apolo; não é por acaso que, da Suécia ao Vale Camônico, encontram-se gravações representando seu característico pescoço. Em um mito extremamente difundido, Faetonte, tendo imprudentemente guiado a carruagem de seu pai, deus solar, é precipitado nas águas do Erídano, onde morre. Ele é lamentado pelas Heliades, mas também por Cícno, o velho filho do rei dos lígures, que era seu parente. O canto de dor transforma o velho de cabelos brancos no animal que hoje leva seu nome, e que ascende ao céu (o fenômeno é definido desde os antigos como catasterismo). Sócrates, no Fédon platônico, afirma se assemelhar ao cisne, que não chora sua própria morte, na realidade, dolorosamente, mas com a alegria de quem sabe que se reconcilia com o elemento divino de onde provém.

Essa brancura do animal, como dos cabelos dos velhos, não é apenas o sinal da pureza originária, mas também remete à sua remota antiguidade hiperbórea. E o olhar para essa origem remota é a grande mensagem da obra simbólica tolkieniana.