por Carlos Salazar
(2021)
Durante os últimos dois meses de 2020, participamos de várias instâncias de colaboração com intelectuais e ativistas da luta anti-imperialista no mundo. Em 19 de novembro, como representante do Círculo, falei na conferência internacional "Uma Alternativa Multipolar para a América Latina: Geopolítica, Ideologia, Cultura". Naquela ocasião, além de apresentar os temas que já havia abordado em meu texto: "A Quarta Teoria Política ou Um Pensamento para a América do Sul", pude apreciar muito boas apresentações de Vicente Quintero (Venezuela), Pavel Grass (Brasil), Nino Pagliccia (Canadá/Venezuela), Valeri Korovin (Rússia) entre outros, e concordar com eles em vários pontos de vista. Destacou-se a apresentação do professor Aleksandr Dugin, na qual ele fez o inevitável convite aos povos de Nossa América para abordar seus problemas a partir da Quarta Teoria Política (4TP), desta vez fazendo uma proposta para pensar num novo tipo de socialismo, que se distingue do antigo socialismo e também da esquerda liberal ("liberal-bolcheviques" como ele os chama, não sem um certo sarcasmo).
Este novo socialismo, que, seguindo a ideia de Dugin, deveria buscar suas raízes no populismo integral (antiliberalismo radical), tomaria os melhores aspectos do antigo socialismo, como a luta da classe trabalhadora contra a exploração capitalista, mas também resgataria aqueles aspectos que a direita (hoje, liberal e globalizante) abandonou, ou instrumentalizou para defender os interesses das oligarquias, como a defesa da Pátria e certas tradições ligadas à identidade dos povos.
Já há algum tempo trabalhamos nesta proposta no Círculo Patriótico de Estudios Chilenos e Indoamericanos, com base em duas vertentes: por um lado, o nacionalismo da práxis e, por outro, o revisionismo da tradição. O primeiro toma como espinha dorsal a guerra de classes como uma luta de libertação nacional (leia o artigo homônimo escrito por Luis Bozzo, disponível em praxipatria.cl) e o segundo se baseia no princípio de Viver a Tradição Popular, ou seja, pensar o passado a partir do futuro e não ao contrário como aspiram os reacionários (veja meus artigos "Um Novo Patriotismo" e "Revisionismo da Tradição", também disponíveis em praxispatria.cl). Ambas as vertentes passaram a constituir um corpus do Pensamento Autêntico Chileno e Indo-Americano e que se conecta com a proposta geopolítica do 4TP, contra o atual unipolarismo, liderado por nosso maior opressor, o Império dos Estados Unidos e seus capangas da oligarquia (anti)chilena local.
Sem dúvida, a 4TP é controversa porque propõe uma superação tanto do nacionalismo/fascismo defunto quanto do antigo socialismo real, para criar uma nova força de oposição ao liberalismo. Além do indivíduo, da classe, da nação ou do Estado, propõe que o sujeito da nova teoria política é Dasein (Ser-aí). Na filosofia de Martin Heidegger, este "Ser-aí" é o homem (ou mulher) que é lançado ao mundo e, portanto, pode existir de muitas maneiras como ente (como trabalhador, estudante, profissional, desempregado, amigo, habitante, cidadão, etc.), mas ao perguntar "Quem sou eu?" procura desvendar o próprio significado de seu "Ser". Ou seja, o "Ser-aí" é o ente que faz a pergunta sobre o "Ser". E é o único ente que faz essa pergunta. Todos os outros entes têm seu próprio "Ser", ou seja, elas "são", existem como entes, mas não colocam a questão do "Ser". O "Ser-aí" é ontic preeminente em relação a outras entidades na medida em que tem consciência de sua própria existência e a partir dela pode escolher se existe ou não como ela mesma (existência autêntica e existência não autêntica). No entanto, é também preeminente no nível ontológico, na medida em que é ele que faz a pergunta de seu próprio "Ser".
Este assunto foi abordado na entrevista que Luis Bozzo deu ao Professor Dugin em 4 de dezembro de 2020, quando solicitado por uma explicação mais abrangente sobre o "Ser-aí" ou "Dasein", Dugin afirmou que no nível da Quarta Teoria Política, o "Dasein" é o Povo. Uma intuição que compartilho, pois no âmbito político são as próprias pessoas que se questionam "Quem sou eu?" e são as pessoas que reafirmam sua maneira de existir e se reafirmam (ver Feinmann, "Uma Filosofia para a América Latina"). Tanto José Pablo Feinmann como Dugin afirmam que o significado de conhecer "Quem sou" está na negação do que "não sou", em outras palavras, o Povo se rebela contra as imposições do que é estranho ao seu "Ser", e isto ficou mais do que claro com o surto social de 2019 com o slogan "Chile Despertou". O Chile que durante tantos anos foi vendido como um produto para o mercado internacional (o Chile inautêntico), como um "exemplo do triunfo dos princípios neoliberais", e como "uma criança favorita das ideias de Milton Friedman", subitamente se levantou para quebrar suas cadeias ideológicas e recuperar seu modo autêntico de existência (Dasein).
Cada civilização tem sua própria forma de existência autêntica, seu próprio "Dasein", por assim dizer. Assim como, por exemplo, se no Eu europeu a autenticidade reside no tradicionalismo e nas raízes pagãs da cultura, e no Eu eurasiático o encontramos no cristianismo ortodoxo, no xamanismo siberiano, ou mesmo no patriotismo soviético e pós-soviético; na América Latina, o Eu é reafirmado em oposição à dominação imperialista (anteriormente do Império Espanhol, e hoje do Império dos Estados Unidos) e em oposição ao sistema do império, o capitalismo. Sem dúvida, a vontade de Nossa América está orientada para o socialismo e o patriotismo que lutam pela soberania. A diferença entre o antigo socialismo e o novo socialismo proposto pelo 4TP é que este último leva em conta o Povo como seu sujeito principal, ou seja, o "Ser-aí" da América Latina e do Chile. É uma proposta para superar, de certa forma, o dogmatismo de analisar tudo como sendo exclusivamente uma questão de "luta de classes". Isto implica, de forma alguma, um abandono ou uma negação do marxismo. O próprio Dugin afirma que:
"O marxismo é relevante para sua descrição do liberalismo, sua identificação das contradições do capitalismo, sua crítica ao regime burguês e a revelação da verdade por trás das políticas demo-burguesas de exploração e escravidão que são apresentadas como 'desenvolvimento' e 'libertação'. O potencial crítico do marxismo é muito útil e aplicável e pode ser incluído no arsenal da Quarta Teoria Política" (A. Dugin, A Quarta Teoria Política, p. 64).
Em princípio, a análise da luta de classes, é válida como sempre, mas reduzir toda análise política à cosmogonia entre burgueses e proletários pode estreitar um pouco o quadro, especialmente se levarmos em conta a realidade da globalização e como ela gerou o grupo humano pós-proletário chamado de "precariado", ou os meandros das relações geopolíticas de hoje. É aqui que o pensamento existencial de Heidegger pode nos ajudar com o "Ser-aí" ou sua aplicação na política, o que traduz este Ser-aí em "O Povo".
Podemos definir o Povo como: "o grupo humano organicamente estruturado, consciente de seu destino histórico, cujos componentes estão unidos por ideais comuns mais ou menos bem definidos" (Revisão da definição de Povo na praxispatria). Este povo cumpre um papel soberano e político, identificando-se como uma classe social, ou seja, a chamada "Classe Popular", combatendo o despotismo e a tirania, exercendo o direito de rebelião para consolidar a vida plena, fazendo sua própria história. Daí a fórmula: "Contra o horror do tirano, o terror popular". Este Povo ou Classe Popular, embora não seja exatamente o que o marxismo identifica como proletariado, está intimamente ligado a ele, pois o coração do Povo é a classe proletária, e portanto inclui também os setores da pequena burguesia que tendem para a proletarização.
Um socialismo que coloca a luta pela soberania do povo em seu centro é praticamente o mesmo que o Nacionalismo da Praxis ou patriotismo popular, ou seja, um populismo integral, uma ideia que vai além do antigo socialismo e do antigo nacionalismo, mas que integra os aspectos mais avançados de ambos. Esta é a única maneira de entender um 4TP em nosso amado Chile e em nossa amada América Autêntica.