por Aleksandr Dugin
(2018)
Os protestos na França, simbolizados pelos Coletes Amarelos, abrangem uma porção cada vez maior da sociedade, de modo que analistas políticos já chegam a falar em uma “nova revolução”. De fato, a magnitude do movimento dos Gilets Jaunes atingiu um patamar tão drástico, que coloca-se como tarefa absolutamente urgente analisá-lo (enquanto fenômeno) mais profundamente.
Estamos lidando com uma manifestação viva do populismo europeu contemporâneo. O significado do populismo, enquanto fenômeno atado à estrutura política das sociedades formadas na esteira da Grande Revolução Francesa, isto é, baseadas no confronto entre direita e esquerda, está mudando radicalmente, uma vez que os movimentos populistas rejeitam o esquema político clássico de esquerda/direita e não seguem qualquer vertente ideológica rígida — seja à direita ou à esquerda. Essa é, em linhas gerais, a força e a fonte de sucesso do populismo: ele não opera segundo regras predefinidas e possui sua própria lógica.
Apesar da espontaneidade do populismo, é perfeitamente possível identificar nele um padrão e até mesmo os rudimentos de uma ideologia populista tomando forma diante de nossos olhos. Em primeiro lugar, o fato dos movimentos populistas se dirigirem contra a elite política como um todo, sem fazer distinção entre direita ou esquerda, é impressionante. Isso nada mais é que a “revolta da periferia da sociedade contra seu centro”.
Em seu famoso trabalho, o sociólogo americano Christopher Lasch (1932-1994) concluiu que a forma de governar imperante na sociedade ocidental moderna pode ser melhor entendida a partir do conceito de “revolução das elites”. No início do século XX, era de praxe repetir o discurso de José Ortega y Gasset sobre a “revolta das massas”, cuja crescente influência na política ameaçava, aparentemente, destruir a cultura ocidental (o logos europeu). Mas Christopher Lasch observou uma nova tendência se desenhando politicamente: seriam as elites que, na contemporaneidade, estariam destruindo a cultura e o logos europeu.
Essas novas elites ocidentais, que chegaram ao topo da política por vias escusas e impulsionadas por uma forte Vontade de Poder, são muito mais violentas e destrutivas que as massas — partindo do pressuposto de que as gentes comuns, para todos os fins, ainda mantém parte de suas tradições culturais (é quase impossível, por exemplo, a existência de um “proletário puro”). Já as elites capitalistas modernas, despidas de qualquer sentido aristocrático, se guiam unicamente pela tríade poder, status e conforto. Paralelamente, cada vez mais elementos marginais começam a penetrar no seio desta nova elite, oriundos de setores não periféricos, mas minoritários — em termos étnicos, culturais, religiosos (frequentemente sectários) e sexuais —, tornando-se dominantes entre elas. E é precisamente uma tal turba pervertida, segundo Christopher Lasch, que forma a base da elite globalista moderna, destruidora dos alicerces da civilização. Nesse sentido, o populismo — incluindo o populismo dos Coletes Amarelos — pode ser compreendido como uma revolta de retaliação do povo contra as elites, que perderam completamente sua conexão com a sociedade.
As elites construíram seu próprio mundo, onde padrões duplos, normas politicamente corretas e demagogia liberal reinam. E de acordo com essas novas elites, o povo e a sociedade, em seu estado atual, não têm lugar neste mundo. É assim que a representante típica da nova elite, Hillary Clinton, perturbada pelo sucesso do populista de direita Trump, insultou abertamente os americanos comuns, os chamando de “deploráveis” (o que é o mesmo que dizer “insignificantes”). Mas os deploráveis escolheram Trump, não porque o amavam, mas em resposta à bruxa globalista Clinton.
Macron é um representante do mesmo tipo de nova elite. É curioso que, na véspera das eleições, o jornal francês Libération tenha publicado uma manchete que dizia Faites ce que vous voulez, mais votez Macron (“Faz o que queres, mas vota em Macron”), em uma óbvia paráfrase de Aleister Crowley (que se proclamou no século XX como o Anticristo e a Besta 666): “Faz o que queres e será tudo da Lei”. Em outras palavras: as multidões obedientes devem votar em Macron, não por razões racionais, não por causa de suas ideias e virtudes, mas simplesmente por se tratar da Lei imperativa da elite dominante: o desprezo das elites em relação às massas, massacradas e obedientes, é tão aberto que elas nem se preocupam em seduzi-las com promessas impraticáveis. Tudo se resume a um “Vote em Macron porque isso é uma ordem e não está aberto para discussão”. Vote e então vocês estarão livres, Deploráveis. E isso é tudo.
Na Itália, metade da população votou nos populistas de direita da Lega, e a outra metade, nos populistas de esquerda do Cinque Stelli, permitindo que, juntos, esses partidos conseguissem criar o primeiro governo populista na história da Europa. E agora, chegamos na França.
Embora na França não haja praticamente nenhum contato político entre o populismo de direita da Frente Nacional e o populismo de esquerda de Mélenchon, hoje eles estão unidos na heroica revolta dos Gilets Jaunes. Os Coletes Amarelos são os Deploráveis, tanto os de direita quanto os de esquerda (ou os nem de esquerda liberal, nem de direita liberal). Os populistas de direita estão aterrorizados pelas políticas insanas da nova elite em relação à imigração e à destruição dos resquícios da identidade francesa. Os populistas de esquerda, indignados com as desastrosas políticas econômicas dos liberais, que defendem apenas o interesse das grandes finanças, (Macron é um protegido dos Rothschilds e isso mostra de que lado ele está).
Os Gilets Jaunes, então, se rebelaram contra Macron, bem como contra a elite liberal dominante. Mas hoje, ele já não é mais um movimento que pertence a direita ou a esquerda clássica. Macron faz coro com a esquerda no apoio à imigração, na proteção de minorias, na legalização de degenerações e no chamado “marxismo cultural”, e com a direita (direita liberal) quando o assunto é economia, defendendo firmemente os interesses dos grandes poderes financeiros e da burocracia europeia. Ele é um globalista puro, não sendo exagerado recordar sua declaração aberta de que é um membro da maçonaria (seu famoso sinal de mão, representando um triângulo), sendo possível relacionar isso até mesmo com os já citados slogans satânicos (“Faz o que queres, mas vota em Macron”).
A revolta dos Coletes Amarelos é precisamente contra essa combinação de direita liberal e esquerda liberal. Se Mélenchon e Marine Le Pen não podem ser unidos politicamente (sendo um muito à esquerda e a outra muito à direita), então os Gilets Jaunes farão isso no lugar dos líderes políticos populistas. Os Coletes não estão apenas contra a política econômica ou a imigração: eles estão contra Macron enquanto símbolo de todo o Sistema, contra o globalismo, contra o totalitarismo liberal, contra o status quo. O movimento dos Coletes Amarelos é uma revolução populista e popular, e a palavra povo (populus, le peuple), no conceito de populismo, deve ser entendida literalmente: não estamos diante de massas abstratas ou de um proletariado impessoal, mas das derradeiras pessoas concretas que se ergueram contra o poder global da classe mundial, contra os rebeldes (como Lasch chamou) anticultura, anticivilização e anti-humanos — antipovo e anti-Deus.
Hoje, não há mais direita e esquerda: apenas o povo contra a elite. Os Gilets Jaunes estão construindo uma nova história política, uma nova ideologia.
Macron não é um nome que designa uma pessoa, mas um rótulo da Matrix. Para alcançar a liberdade, ele precisa ser aniquilado. Assim falaram os Coletes Amarelos — e eles dizem a verdade…