por Aleksandr Dugin
(2022)
Transcrição da comunicação do Vº Encontro do Clube dos 5 ElementosÉ necessário enfatizar no tratado De Caelo de Aristóteles algo muito interessante. Aristóteles diz que há no cosmo dois centros e não um. O centro de gravidade não coincide com o centro anímico, da alma.
O cosmo era animado para Platão e Aristóteles. Por isso é possível aplicar essa ideia. O cosmo também é um ser vivo, ele é animado, é um animal. E em todos os animais há dois centros, o centro de gravidade, que é corpóreo, e outro centro, que é espiritual. Com isso Aristóteles descreve sua visão do movimento do ser animado, que é sempre para cima, direita e frente.
Direita é início do movimento, alto é origem do movimento e frente é direção do movimento. Isso pode ser aplicado ao cosmo ou céu.
É importante que Heidegger recordou que para os gregos, mundo e céu eram a mesma coisa. Por isso, o tratado Sobre o Céu é um tratado sobre o cosmo. O cosmo como grande animal vivo é a mesma coisa que o Céu. E Heidegger usa os dois termos, em alemão, Welt e Himmel, como sinônimos em sua filosofia no período tardio de suas elaborações filosóficas. Isso não é por imaginação, mas a tradição autenticamente helênica e medieval.
Na estrutura do universo há dois centros, o centro de gravidade, que é a Terra, e outro polo ou centro, o centro onde está o motor imóvel, onde está o Logos, onde está a Inteligência Ativa. Ele não está na Terra, está no polo, no lugar oposto à Terra.
Toda a periferia não é periferia para a Terra, mas periferia para o centro que é Logos, que está no cosmo no lado oposto ao da Terra. A cosmologia tradicional não é telurocêntrica, porque o centro de gravidade da matéria mais sólida não é o centro do universo, é o centro físico do corpo do universo. Mas o verdadeiro centro do universo está em outro lugar.
Este centro é o verdadeiro centro espiritual, o centro do Logos, o centro intelectual e ele junto do centro de gravidade formam o eixo - o eixo espiritual, que é hierárquico, que parte do centro espiritual e se dirige até a Terra. A Terra é a periferia perfeita do mundo, não o centro do cosmo.
O centro espiritual é três coisas ao mesmo tempo: Intelecto/Logos, Luz e Deus. Todos esses conceitos em Aristóteles formam o centro espiritual que é imanente ao cosmo vivo, mas não é material, porque a materialidade aqui desaparece. A materialidade se manifesta no processo de distanciamento em relação ao centro espiritual.
A primeira matéria é o éter, éter é a matéria do cosmo em seu aspecto mais arquetípico, hilemórfico. Essa matéria não é matéria sublunar. Ela é matéria radical, raiz da matéria e dos elementos, ainda não dividida nos quatro elementos sublunares.
Intelecto, Luz e Deus coincidem sendo o centro do Céu. A Terra é periferia do Céu, mas entre a Terra e o centro do Céu existe um eixo, e este eixo é precisamente a razão solar que forma os seres vivos terrestres. Por isso, Aristóteles dizia que Pai, Mãe e Sol criam a criança. A criança não nasce só de Pai e Mãe, mas também da Luz, porque a Luz é o eixo que vai do centro espiritual do mundo, através do céu, em todos os níveis hierárquicos do céu e entra sob a Lua e vai através de todos os elementos e chega ao ser humano nascido. Este é o nascimento.
Na tradição cristã, que nega a pré-existência da alma, ao mesmo tempo existe a ideia de que é Deus (Luz/Intelecto) que cria a alma no momento da concepção do ser humano futuro. Esta é também uma atividade transcendente-imanente do Deus que participa na criação do ser humano, criando a alma tal como o corpo é criado pelos progenitores.
Entre o centro espiritual e o centro material ou corporal sublunar existem sete planetas, ou sete céus. E estes elementos são elementos hierárquicos da divisão espectral da Luz, do Intelecto e de Deus. Não podemos chamar, como os gregos pré-cristãos, de “deuses”, porque estamos em outra Tradição, e por isso o nome “θεός” deve ser mudado para os nomes das criaturas celestes, como os anjos.
O anjo é precisamente o céu, ele é uma cor da Luz. A Luz não tem cor, mas porta em si todas as cores que podemos encontrar na análise espectral da Luz. Os planetas são cores, são aspectos espectrais da Luz. Os anjos são aspectos espectrais do Deus Único. E o Intelecto Geral se divide nas esferas planetárias em sete intelectos particulares.
Se aceitamos essa visão geral da tradição grega, aristotélica, medieval, a de Dante e de outros autores tradicionais, mesmo no Islã esotérico, como vemos na doutrina do fotismo de Henry Corbin explorando o sufismo e o xiismo islâmico, é interessante ver essa divisão espectral da Luz.
Com essa unidade da Luz, do Intelecto e do Deus que se transforma, após essa transição à análise espectral, em intelectos particulares e entes angélicos, podemos nos aproximar à ontologia das estrelas, porque as estrelas não são corpos, não são materiais no sentido sublunar. Os planetas (chamadas estrelas móveis na tradição), estrelas errantes, não são corpos, mas intelectos ou anjos ou luzes.
Essa natureza luminosa dos planetas é exatamente mais importante que o suporte material. Os planetas não consistem de elementos sublunares, os planetas são intelectos, anjos, são luzes. Essas luzes são luzes intelectuais que correspondem a hierarquias angélicas do céu, da ordem dos anjos, das esferas correspondentes. Precisamente, podemos chegar dessa constatação à leitura cosmológica de Dionísio Areopagita. Dionísio falava sobre hierarquias angélicas, mas não do cosmo. Aristóteles fala do cosmo mas não dos anjos. Na visão neoplatônica tradicional tudo isso coincide e se constitui em uma unidade.
Não há um cosmo totalmente separado do intelecto, não há intelecto totalmente separado do cosmo. Todos os aspectos, na natureza, no cosmo, nunca são puramente corporais. Não há nada material sem forma. E toda forma são eidos, são ideias, coisas intelectuais. Tudo que existe já é intelectual. Senão não existiria.
A matéria pura não existe sem receber alguma forma. A matéria no estado puro está sob o Ser. Ela aparece quando entra na forma, quando obtém a forma, depois ela existe, mas não por si mesma. É exatamente disso que trata o hilemorfismo.
Um passo além: podemos dizer que os planetas são sete estados do intelecto ou sete cores da luz intelectual e, por isso, são sete grandes anjos que são níveis da concentração do intelecto. O Sol está no centro, ele é o centro absoluto entre esses polos.
E agora vemos que há 3 centros, 3 polos,
- o espiritual,
- o terrestre (de gravidade) e
- o solar, que está entre os dois polos opostos (espiritual e terrestre).
Este Sol, a Luz do Sol, o Anjo central, que é um centro secundário do cosmo ou anima. O Anjo solar é o Sol. O Sol não é corpo fulgurante, ele é Anjo solar, Intelecto central, que é uma forma da manifestação do centro indivisível que está no lugar mais longínquo em relação à Terra e, portanto, na escuridão, na noite absoluta do Espírito. Essa Escuridão do centro absoluto se manifesta no centro solar.
Por isso entre Deus e o Anjo Solar há uma relação como a de Deus e o Arcanjo Miguel, que não é Deus mas é como Deus (Mi-ka-El). O Sol não é o centro, mas é como o centro na estrutura do cosmo. O mesmo podemos individuar com outros planetas; eles são anjos intelectuais, são luzes que formam seus próprios mundos intelectuais, que manifestam alguns aspectos do Intelecto Geral ou total.
Por isso, há um anjo da guerra. O anjo da guerra se manifesta através da guerra. Sua presença intelectual é ontológica e por isso a guerra é inevitável, porque há Marte atuando e por isso precisamente não podemos dar fim à guerra porque não podemos chegar a sair da influência de Marte. Marte está sempre aqui, em seu lugar, o mesmo vale para Júpiter ou Saturno, etc., não é possível destruir o amor (Vênus). Na pós-modernidade pretende-se destruir o amor, mas o amor não pode morrer, ele está sempre aqui, como anjo do amor. O amor, como a guerra, é elemento da estrutura metafísica do cosmo e não um aspecto material. Há, certamente, uma matéria, mas a matéria dotada dessa forma (de Vênus, Marte, Júpiter, Lua etc.).
Todos esses anjos formam o campo ontológico do Ser. Eles não são corpos materiais que influenciam o destino do homem. A astrologia moderna, neoespiritualista, não entende nada dessa ideia da estrutura do universo, não há mais do que sete planetas (não existe Plutão, Netuno, etc.). Todos esses corpos são puramente imaginários, há apenas sete céus, sete anjos, sete intelectos que formam todo o campo ontológico do possível.
Por isso, todas as relações, proporções, harmonias, ritmos do movimento desses planetas criam um espetáculo ontológico do Ser. São as rotações das esferas intelectuais que criam relações e combinações múltiplas, diversas. Essas combinações formam todas as possibilidades matemáticas, mas da matemática ontológica que em nada limita a liberdade, porque a liberdade do homem está nessa possibilidade do eixo de atravessar todos os céus, indo do centro de gravidade, onde nascemos, em direção ao Deus transcendente que está no ponto oposto.
Esses céus são territórios a atravessar, a viver: o amor, a guerra, a paz, todas as possibilidades de mudança, como com Mercúrio, etc. Viver o centro com o Sol. Todos esses planetas devem ser vividos, atravessados existencialmente, como esferas ontológicas. Não em um sentido espacial, porque na Física Tradicional para além da Lua não há espaço. Todos os elementos que conhecemos estão sob a Lua, esta é a visão tradicional. E por isso o coração do homem é seu sol interior, que a mente é sua lua interior e que outras partes da anatomia sagrada corresponde a determinadas manifestações dos elementos ontológicos – planetas - que estão para além da lua e elementos e estruturas corporais que estão sob a lua.
Há uma correspondência direta graças a esse eixo que une o polo espiritual, o polo solar e o polo terrestre, que é o homem. O homem terrestre é centro de gravidade.
Não há centro objetivo da Terra, o centro da Terra é o homem. Não é possível para o Intelecto descer mais baixo que o homem. O intelecto termina aqui, conosco, por isso nós somos centro de gravidade. E nossa estrutura corporal, psíquica manifesta essa estrutura universal com esse espaço ontológico se representa como as estrelas que se movem, que giram ao redor desse eixo. Este eixo está em nós e está fora de nós. Entre nós e o centro absoluto do cosmo existe uma ponte, uma linha, que possui uma estrutura que ajuda a compreender todo com essas cores espectrais da Luz, que são cores intelectuais. Por exemplo, a cor da guerra, a cor do amor, que em si mesmas possuem muitos aspectos, mas que são grandes inteligências. Com todas essas cores devemos integrar no caminho da Luz, do Intelecto ou Angélico.
Por isso, um troparião ortodoxo diz que homem e anjo são o mesmo. Homem e anjo pertencem à mesma natureza, a única diferença é que o homem possui um corpo mais bruto, mais pesado que o corpo ou presença luminosa do anjo.
Assim, com essas reflexões, podemos chegar a uma astronomia diferente da astronomia moderna. Os logoi dos planetas ou estrelas, são diferentes das visões da ciência moderna, da astrologia contemporânea, que nada têm a ver com o pensamento tradicional. O destino do homem é livre, ele não é determinado por corpos celestes. Não há destino estelar, há um desafio de atravessar os campos angélicos ou intelectuais, não um destino. Todas as estrelas são necessárias e formam a integralidade da Luz. A Luz solar é a mais importante por ser mais próxima da Luz Negra que está no verdadeiro centro absoluto espiritual do cosmo.
Isso não é astrofísica, macrofísica ou neoespiritualismo, é a Tradição que corresponde perfeitamente à visão do céu no hinduísmo, no budismo, no cristianismo, mas também no helenismo e nas outras tradições pré-cristãs. O que estamos comentando aqui não tem nada de fantástico ou exótico, é apenas o entendimento tradicional ontológico dos planetas que foi hegemônico até o fim do Medievo.
Depois disso, ninguém mais entendeu nada sobre as estrelas, inventando outros corpos celestes a partir das visões da ciência moderna do cosmo, com uma imaginação material bruta e perversa, carente de intelecto. É o mundo idiota da física, onde nenhum aspecto faz sentido, onde não há finalidade. A astrofísica é uma ciência sub-humana, não é digna do homem. O homem deve individuar no mundo aspectos intelectuais, finalidade, escatologia, coisas que dão sentido aos entes. A ciência verdadeira dá sentido à realidade. A ideia de que a ciência não dá sentido, apenas explica cadeias causais sem intencionalidade não é a ideia de ciência verdadeira.
Se a ciência não explica a finalidade, não possui uma leitura do mundo, ela não faz sentido. O mundo precisa de uma leitura, ele está escrito com estrelas, planetas, elementos, eixos, etc., pelo e com Intelecto. E a ciência deve estar em contato contínuo com intelectualidade que deve ser encontrada em todos os aspectos da realidade.
Se há algo incompreensível, essa coisa não existe (ou, talvez, ainda não é compreensível). Essa é a morphe do hilemorfismo. Morphe é o sentido, é eidos, elemento intelectual das coisas.
Adendo – Sobre o lugar da Inteligência Artifical
A partir de uma perspectiva mais iraniana, indo além do espaço noológico helênico, ao refletir sobre a Inteligência/Intelecto Artificial, podemos chegar à conclusão de que existe, ou pode existir, um quarto centro, um quarto polo, o centro infernal que está sob a terra, sob o homem. É a ideia de que a descida da Luz não termina no homem, de que talvez ela possa descer ainda mais baixo. Não é uma concepção helênica.
Na visão dantesca, trata-se aqui de um centro de gravidade infernal. Que é Satanás. O Diabo aparece então como quarto centro, o centro infernal, inconcebível para os gregos, mas que só pode ser possível a partir da influência iraniana que permite ver um quatro polo ou centro.
A Inteligência Artificial está sob o homem, entre ele e Satanás. Ela não é, então, criação humana, mas manifestação do intelecto satânico, como manifestação do Príncipe desse mundo. O homem é instrumento dessa criação, na forma do seu criador. Isso só é possível interpretar a partir da cosmologia iraniana ou cristã, onde há um Deus Negro ou Anjo Negro (Ahriman ou Satanás).
Também poderíamos dizer que estes aspectos negativos, ademais, podem existir nas esferas angélicas, no sentido de haver versões ou prolongamentos “caídos” do eixo intelectual através de cada uma das esferas planetárias (ou seja, um Júpiter caído, um Mercúrio caído, uma Lua caída, etc.). Eles são demônios dos planetas.
Esses aspectos negativos estariam situados no polo absolutamente contrário e oposto ao centro verdadeiro, segundo a interpretação de tradições onde o dualismo se faz mais presente.
A totalidade dos demônios dos planetas constitui o intelecto satânico. Ela é a Inteligência Artificial.