por Edson Cáceres
(2025)
"Os filósofos da história consideram o passado como antítese e etapa prévia a nós, vendo em nós o produto de uma evolução. Nós nos fixamos no que se repete, no constante, no único, como algo que encontra eco em nós e é compreensível para nós". (Jacob Burckhardt)
A literatura enquanto ciência histórica, apresentada dessa forma por Immanuel Kant em sua Lógica, expressa figurativamente uma constelação de ideias que são convertidas em motivos seguidos na realidade literal: o mundo dos fatos é insuflado por meio de lendas e mitos. A história ocidental é um composto de formas de pregar a epopeia, seu tema principal é a conquista do herói em peregrinação iniciática rumo ao seu triunfo transformativo, uma enteléquia com seu início e fim retilíneos.
Outra forma de capturar a história está expressa no ordem cósmico oriental, como na religião védica, para a qual o tempo é um eterno repetir-se cuja ciclicidade vai desde uma idade de ouro até a idade de ferro, em degradação de níveis marcados como de prata e bronze. As idades ou yugas determinam o de cima e o de baixo, o movimento dos céus e os temperamentos.
Das figuras anteriores de conceber o tempo nasce a ideia de que a história do homem e seus eventos, estruturados em planos encadeados uns sobre outros e abaixo de outros, segue um progresso circular embora percebido como reto pelos limites da finitude do homem: novidades aparentes na contemporaneidade com o eterno.
Ernst Jünger, na diagnosis e prognosis que é seu livro O Trabalhador: Domínio e Figura, mostra que toda concepção tipicamente contemporânea, isto é, eterna, deve assentar-se sobre uma capacidade metafísica, a concepção figural do mundo. Desde a história antiga têm-se apresentado bandos que disputam a hegemonia de determinação material e espiritual do homem, como na Grécia de Tucídides com a Liga de Delfos e a Liga do Peloponeso, a milenar Roma com os optimates e os populares, a Europa medieval com os guelfos e gibelinos, culminando nos tratamentos antípodas do conservadorismo e do liberalismo, em suas diferentes facetas de desenvolvimento. O desenrolar da hegemonia na história segue um processo de endosmose e exosmose, de movimento ou dissolução e repouso ou coagulação, cuja cadência é determinada pela velocidade de seu transcurso: se muito rápido, revolução; se médio, reforma.
Em O Trabalhador oferece-se uma solução de continuidade: as modalidades antípodas e dialéticas, historicamente vistas, são absorvidas por um substrato metafísico: a figura do trabalhador.
"É nisso que se revela a intervenção da revolução verdadeira, a Revolução do Ser; essa intervenção afeta tanto as coisas mais visíveis quanto as mais ocultas e, em comparação com ela, todos os tipos de dialética revolucionária aparecem como algo insípido."
O trabalhador não é uma categoria de estratificação social; seu critério, mais que socioeconômico, é filosófico. Desde George Dumézil e sua teoria da trifuncionalidade, sabe-se que o ordem protoindo-europeu, conjunção do oriental e ocidental, estabelece-se em uma tríade de funções: o soberano, o guerreiro e o produtivo. Pode-se pensar que o trabalhador obedece à esquematização da produção industrial, mediante a divisão do trabalho, mas, pela experiência da Grande Guerra, para Jünger o guerreiro e o produtivo conjugam-se por uma liberação soberana dos limites: economia e política postas a serviço da guerra; isso é o que significa a chamada "mobilização total".
O soldado anônimo e o trabalhador anônimo, moldados pelo cenário industrial bélico, sangue e aço, são amostras evidentes do trânsito operado entre as Eras: da Era do terceiro estado à Era do trabalhador.
Para entender o trânsito anterior, é preciso indicar que um trânsito de tal índole foi operado na relação entre o terceiro estado ou a burguesia e a ordem estamental prévia. Clero, nobreza e terceiro estado conformavam a distribuição social tradicional; as lutas intelectuais e práticas dos dois primeiros estamentos —lutas entre o poder espiritual e o temporal—, com a evolução e fortalecimento crescente do último, deram passagem a uma disputa pelo poder e pela autoridade assentada na indústria, com a subsequente mudança nas categorias de valor. A salvação e a honra foram substituídas pelo império do número, pela mercadoria.
O trabalhador é uma expressão ontológica que rompe a ordem social burguesa, apesar das tentativas da burguesia de assimilá-lo a si mesma como classe social, em um afã de sobrevivência da ordem que domina com seu sistema axiológico próprio, mediante a união dos trabalhadores manuais, operários, industriais, fabris, isto é, por sua massificação, de cunho socialista. Para Jünger, assim como na ordem estamental regia a "personalidade única", na burguesia impera a "individualidade", expressão quantitativa por agregação de individualidades como "massa". Indivíduo e massa são duas formas qualitativamente iguais, predicados denotativos de uma mesma identidade.
A mudança operada pela figura do trabalhador atesta-se não apenas na humanidade da pessoa singular, mas no plano político-jurídico e artístico, ou seja, como mudança de Era. Para Jünger, a expressão de poder e de configuração por parte do trabalhador tem suas fontes na esfera ignota da natureza cósmica, no chamado "elemental", no movimento lúdico entre o ctônico e telúrico com o urânico e celeste.
"As fontes do elemental são de duas espécies. Por um lado, estão no mundo, o qual é sempre perigoso, como o mar, que sempre encerra em si o perigo mesmo nos momentos em que não sopra o vento. E por outro lado, acham-se no coração humano, o qual está sempre ansiando por jogos e aventuras, ódios e amores, triunfos e quedas.
[…] O que no fundo subjaz […] é a entrada em cena de uma antítese cósmica, a qual se repete cada vez que a ordem do mundo está quebrada e que aqui se expressa nos símbolos próprios de uma era técnica. É a antítese entre o fogo solar e o fogo telúrico, que de um lado aparece como chama espiritual e do outro como chama terrena, isto é, que de um lado aparece como luz e do outro como fogo; um intercâmbio de conjuros entre "os cantores no monte dos sacrifícios" e os ferreiros que têm a seu serviço as forças dos metais, do ouro e do ferro."
Através da qualidade mítica, herança interpretativa dos antigos sobre "o primordial", consegue-se dar sentido e destino aos processos ínsecos do mundo. Anteu, Prometeu e Atlas são as potências amorfas nas quais se aplica, como domínio e figura, o trabalhador como expressão metafísica.
O domínio não é algo a que se aspire nem é um objeto a conquistar; é a qualidade essencial de quem o possui, o significado total de propriedade. Precisamente, para Oswald Spengler, a propriedade "é o recinto no qual se exerce um poder ilimitado, um poder conquistado, defendido contra os iguais e mantido vitoriosamente. Não é o direito a um mero ter, mas a um soberano dispor". Jünger, herdeiro da concepção antropológica de Spengler, concebe que o ser é igual a poder. Contudo, a vontade de poder só é legítima ou conferida de autoridade quando se constringe à figura do trabalhador, como seu ponto de fuga de sentido: da concepção figural do poder emana o direito.
"É precisamente essa legitimação o que faz que um ser apareça já não como um poder elementar, mas como um poder histórico […]. Damos o nome de "domínio" a uma situação tal em que o espaço ilimitado de poder está referido a um ponto desde o qual esse espaço de poder aparece como espaço de direito."
O domínio é tratado em sua constituição política; a configuração, em sua constituição artística. Se o poder é uma magnitude para Jünger, a configuração é sua delimitação, sua rubrica ou estampa: "uma das características de todo imperium, de todo domínio indiscutível e indubitável que chegue até os confins do mundo conhecido, é a configuração unitária do espaço". Seguindo Spengler, toda forma de técnica, inclusive a linguagem, deve ser entendida como tática rumo ao domínio. A tecnificação industrial é a expressão tática do homem moderno; o cenário de oficinas é uma face da apropriação estereológica do trabalhador, ideias todas que substituem a decadência e mistificação da arte, enquanto "atividade museística", sinal de enfraquecimento vital, tipicamente burguês.
"Quando Gaia muda de pele, Anteu volta a tocar o solo frente a Hércules; e emergem sinais novos. A Terra volta atrás, vai das pátrias ao país natal.
Na economia cósmica não há perdas; o único que ocorre é que determinadas perspectivas deixam de ser importantes. A melhor liberdade é aquela de que menos se fala. É provável que estejam se preparando grandes transformações; por exemplo, a transformação da liberdade em beleza ou em espiritualização da Terra. Então também a técnica muda ou cumpre seu sentido."
Com Jacob Burckhardt e sua teoria das tempestades ou Walter Benjamin e seu anjo da história, entendemos que um novo titã se apoderou da história terrestre, Tifão como sinal do arrasador e tempestuoso. É precisamente disso que Jünger nos fala em seu romance-ensaio Eumeswil.
O protagonista, Manuel Venator, é um historiador que trabalha como parte do serviço noturno de um tirano, o Condor. A substância histórica em Eumeswil está esgotada: os mitos, motivos e fatos desbotam em tons sépia devido ao seu desgaste e reutilização. Os acontecimentos são indiferentes e indistintos em relação aos ideais de paixão e razão. O que move o mundo de Eumeswil é o cuidado modesto da vida cotidiana.
"A culpa deve ser da diluição, como quando em uma infusão se usam sempre as mesmas folhas. Vivemos de uma substância orgânica esgotada. As crueldades dos antigos mitos — Micenas, Persépolis, os tiranos jovens e velhos, os diádocos e os epígonos, a queda do Império Romano do Ocidente e depois do Oriente, os príncipes renascentistas, os conquistadores e ainda a paleta exótica, desde o reino de Daomé até os astecas... — parece que os motivos se desgastaram; já não bastam nem para feitos heroicos nem para atrocidades, servindo quando muito para pálidas ressonâncias."
Apesar disso, persiste a ideia de ordenação nas comunidades políticas, posteriores à transição dos Estados modernos para o Estado mundial. A operatividade da anaciclose ao longo de trechos históricos, progressivos em seu desenvolvimento e sofisticados em sua técnica, resulta em Eumeswil numa cidade-Estado ao estilo grego, com capacidade de transformação e transmissão das matérias e energias próprias do século XX cristão. A falcoaria, como prática cultural de poder nobiliário, convive em harmonia com aparatos de informação, como o fonóforo e o luminar.
Jünger nos ensina que o humor do historiador é melancólico, na medida em que sua materialidade de estudo são as catacumbas.
"Quase nunca se sentiu com tanta agudeza a dor do historiador. É a dor do homem, sentida muito antes de qualquer conhecimento, uma dor que o acompanha desde que escavou as primeiras tumbas.
Algum vigia abrirá um dia suas tumbas? O canto do galho os despertará de seu sono? Assim deve ser, e um dos indícios é a tristeza, o tormento do historiador. Ele é o juiz dos mortos quando já se extinguiu há muito o fragor da trombeta que acompanhava os poderosos, quando já foram esquecidos seus triunfos e suas vítimas, seus feitos e vilezas."
Por isso mesmo, o serviço a um tirano fornece, universalia in re, argumentos para o que um historiador, universalia post rem, aborda em suas temáticas investigativas elegíacas. O poder, a autoridade, a oposição, o dinheiro, os símbolos, fazem parte da complexio histórica, cuja abordagem se dá através de uma distância em relação a eles.
Diante do tirano, numa leitura tipicamente liberal, há uma rejeição na medida em que ele restringe a possibilidade dos direitos; entretanto, a reprovação da tirania mascara uma aversão à essência do poder, encarnado na figura do poderoso, seja tirano, ditador ou monarca. O anarquista, antípoda do poderoso, se assume contraditório ao poder sob o argumento da liberdade total.
"O confuso idealismo do anarquista, sua bondade sem compaixão ou sua compaixão sem bondade, o torna útil em muitos sentidos [...]. Pressente um mistério, mas não pode ir além: o poder imenso do indivíduo. Esse poder o embriaga, o consome como a luz à mariposa.
O anarquista depende, em primeiro lugar, de sua vontade obscura e, em segundo, do poder. Segue o poderoso como a sombra segue o corpo. O soberano está sempre em guarda contra ele.
O anarquista é o antagonista do monarca. Sonha com aniquilá-lo. Dirige-se contra a pessoa, mas consolida a sucessão."
O anarquista se autoconcebe como dominado pelo soberano, daí sua prática contrapositiva. Por outro lado, diante do soberano como conquistador e dominador, existe outra figura, que também conquista e domina: o anarca. «A contrapartida positiva do anarquista é o anarca. O anarca não é antagonista do monarca, mas seu polo oposto [...]. Não é o adversário do monarca, mas sua correspondência».
A posição de anarca permite revelar o poder intrínseco dos indivíduos, cujo conhecimento estabelece o reconhecimento de outros poderes. O quantum de potência do anarca, acima de tudo, aplica-se principalmente a si mesmo, daí que «o monarca quer dominar muitos, melhor ainda, todos; o anarca, apenas a si mesmo. Isso o coloca numa relação objetiva, e também cética, em relação ao poder, cujas figuras deixa desfilar sem tocá-las». Tudo isso se ilustra dizendo que o anarquista é um subordinado em relação ao monarca e ao anarca, e estes, entre si, estão coordenados.
A máxima principal da potência do anarca é a de que o homem é um ser que mata outros homens. Homo occidit: «em suas ações, o bem guia o anarca não como axioma no sentido de Rousseau, mas como máxima da razão prática [no sentido de Kant]».
Ao tirano Condor acompanham duas figuras típicas do espaço do poder e ordenação, simbolizadas pelo mítico-mágico e pela razão instrumental: Átila, o médico, e o Domo, braço direito e secretário plenipotenciário. Ambos os personagens, para Manuel, são complementados pela figura profissional de Bruno e Vigo, um filósofo e um historiador. As ideias-tipo que dão sentido aos personagens se compreendem na ideia das florestas e das catacumbas: «Vigo dedicou-se aos deuses; Bruno, aos titãs; o primeiro, à floresta; o segundo, ao mundo subterrâneo»; «assim como Vigo quer ir além da história, Bruno quer ir além do saber; um, além da vontade; o outro, além da representação».
Precisamente, se a história em Eumeswil é pós-cristã, cuja vitalidade e símbolos estão esgotados por sua exploração paroxística, surge daí a necessidade orgânica dos fundamentos das coisas: os fundamentos do poder, do espaço, das concepções imaginárias e racionais, das expectativas e finalidades; faz-se necessária uma re-cosmização, uma práxis de princípios. A infra-história e a supra-história são as fontes em que Manuel tenta encontrar o impulso cósmico, dar sentido ao seu ressaca. No médico Átila há uma práxis desse tipo, uma rememoração da Urpflanze goethiana, em seus contatos com a floresta inexplorada.
"Mas aqui flutuava no ar uma tempestade prometeica, e se havia ido muito além do que tentáramos fazer, com enormes dispêndios, em nossas retortas. Pressenti-o imediatamente, quase como o alquimista que, quando já não espera a grande transmutação, vê brilhar em seu forno o ouro maciço. E senti que também eu estava inserido na grande transmutação, num mundo novo, que mais tarde se confirmou com experiências concretas."
Um dos símbolos característicos do liberalismo e da história cristã moderna, anterior aos Estados combatentes e aos grandes incêndios segundo Jünger, é a concepção de que a história progride e evolui. As florestas são uma prova de que à evolução e ao progresso se impõe a mutação; assim, para Spengler,
"A história do Universo avança de catástrofe em catástrofe, possamos ou não concebê-las e fundamentá-las. A isso chamamos hoje [...] mutação. Esta é uma mudança interior, que subitamente se apodera de todos os exemplares de uma espécie, sem causa, naturalmente, como tudo o que acontece na realidade. É o ritmo misterioso do real".
Por sua vez, para o Domo, as experiências e expressões têm um sentido concreto e político, delimitado, situando-se aquém do mítico e arcano. Seu pensamento aplica-se aos desenvolvimentos da técnica: «o materialismo do Domo é de tipo realista, enquanto o de seus predecessores era racionalista. Ambos são superficiais, destinados aos usos políticos».
Dessa forma, tanto o otimismo ontológico quanto seu pessimismo oposto estão superados em Eumeswil. A atitude que predomina é a do arqueólogo explorador, que incentiva os autóctones a conhecer uma linguagem e uma tradição que ignoram em seus símbolos e vitalidade, mas que carregam no sangue por seus ancestrais distantes: um espaço de coisas penetrado pelo tempo do sangue.
Vemos que o que persistirá numa pós-história é um maquiavelismo instrumental superficial à efervescência magmática, cujos borbotões configuram figuras arcanas.
