11/07/2021

Carlos Pissolito – Geopolítica da Dívida Externa

 por Carlos Pissolito

(2020)



"Há duas maneiras de conquistar e escravizar uma nação. Uma é a espada, a outra é a dívida". - John Adams. 2º Presidente dos Estados Unidos da América (1797-1801)


Como introdução: Niall Ferguson é um conhecido historiador, escritor e professor de história econômica e financeira que ocupa as cadeiras de História na Universidade de Harvard e de Administração de Empresas na Harvard Business School. Ele sempre demonstrou um grande interesse pelo curso da economia argentina; ele sustenta que ela é uma espécie de laboratório onde acontecem questões interessantes. Além disso, ela assegura que muitas vezes, estas estão à frente do que acontece a nível global.

Especificamente, em seu livro "A Ascensão do Dinheiro", [1] ele examina a longa história do dinheiro, do crédito e dos bancos; ele prevê uma crise financeira como resultado da economia mundial e, em particular, profetiza que o uso excessivo do crédito pelos Estados Unidos está produzindo uma grande bolha, prestes a estourar.

Historicamente, ele argumenta que foi a República Argentina que produziu o primeiro default da história e levou à falência da Baring Brothers House, em Londres. Ele explica que isso se deveu ao nosso não pagamento de um empréstimo contraído pelo Ministro do Governo e das Relações Exteriores da Província de Buenos Aires, Sr. Bernardino Rivadavia, em julho de 1824, por um total de um milhão de libras esterlinas. Este empréstimo deveria ser pago 80 anos depois, durante a presidência de Julio A. Roca.

Quase dois séculos depois do nosso primeiro default, outro jornal britânico, o "The Financial Times", afirmou, há apenas alguns meses, em sua edição semanal, que a Argentina estava se aproximando de seu nono default.

O objetivo deste trabalho não é fazer uma análise econômico-financeira de nossas frequentes e recorrentes inadimplências. Tampouco é para fazer um prognóstico do próximo. Nossa principal ciência de estudo é a geopolítica. Portanto, o objetivo é analisar nossa dívida externa a partir do objeto e com as metodologias dessa ciência.

***

Desenvolvimento: Antes de continuar com nossa análise é necessário definir o que entendemos por geopolítica, uma vez que ela nos fornecerá o marco conceitual deste trabalho. De acordo com seu significado etimológico, à geopolítica, em termos gerais, é atribuída como objeto de estudo o impacto da geografia sobre a política, e vice-versa. Mas, ao longo dos anos, esse campo de ação foi sendo ampliado. Em particular, ela tem sido orientada para o desenho de estratégias ligadas ao posicionamento, deslocamento e uso de forças em relação às massas terrestres e aos espaços marítimos circundantes e sua interação mútua.

Mais recentemente, a geopolítica tem sido surpreendida por uma série de fenômenos, como a globalização, que por sua vez se opõe à fragmentação dos Estados, ao progresso tecnológico e aos efeitos das mudanças climáticas; ela teve que se adaptar para explicar os novos cenários. Dentre essas tentativas, destaca-se a metageopolítica defendida pelo neurologista e filósofo Nayef Al-Rodhan. Uma teoria que propõe um estudo interdisciplinar que procura conciliar políticas de poder realistas com o desenvolvimento sustentável para a dignidade humana.[2] Também os princípios metapolíticos que norteiam as ações do Papa Francisco podem ser inscritos neste quadro. [3]

Passando ao tema em questão, ou seja, nossa dívida externa; poderíamos fazer uma análise exaustiva, mas acreditamos que tal esforço excede os limites do nosso trabalho e a paciência dos nossos leitores. Por outro lado, acreditamos que a análise de apenas uma delas, a primeira, e sobre o qual já não pesam mais acusações políticas; será suficiente para explicar nossa tese. Que a dívida externa é tão injusta quanto impagável.

Nosso primeiro default começou a tomar forma quando o Conselho de Representantes da Província de Buenos Aires aprovou uma lei, em 19 de agosto de 1822, que deu poderes ao governo para: "...negociar, dentro ou fora do país, um empréstimo de três ou quatro milhões de pesos ao valor real". Estabelece que os fundos seriam utilizados para a construção do porto de Buenos Aires, o estabelecimento de cidades na nova fronteira, a fundação de três cidades na costa e para prover a cidade de Buenos Aires de água corrente.

Para fins de gestão financeira, foi criado um consórcio para gerenciá-lo, liderado por:  Braulio Costa, Felix Castro, Miguel Riglos, Juan Pablo Saenz Valiente e os irmãos Parish Robertson. Eles negociaram e contrataram com a firma Baring Brothers & Co. de Londres um empréstimo de 1 milhão de libras esterlinas. Sua colocação seria da ordem de 70%. Ou seja, um empréstimo foi estipulado para um total; mas do qual apenas 70% seria recebido. Os negociadores do consórcio levariam £120.000 e outros £30.000 iriam para o Baring como comissão.

Os juros seriam pagos, a cada seis meses, pela Baring House em nome de Buenos Aires, cobrando uma comissão de 1%. O Estado de Buenos Aires, por sua vez: "penhorou todos os seus efeitos, bens, rendas e terras, hipotecando-os ao pagamento preciso e fiel da referida soma de 1.000.000 de libras esterlinas e seus juros". O Baring reteria 200.000 títulos à taxa de 70 e venderia os 800.000 títulos restantes na bolsa de valores, cobrando outra comissão de 1%.

Como não havia sido especificado como o dinheiro chegaria à Argentina, o consórcio informou ao Baring que a melhor maneira de fazer isso era enviar boletos contra prestigiosas casas comerciais com garantias em Buenos Aires. Dentre eles, destacam-se os irmãos Parish Robertson, membros do consórcio.

Vamos poupar o leitor de cálculos complexos de matemática financeira para saber quanto do que foi prometido foi recebido. No final, do milhão de libras que totalizava, apenas cerca de £570.000 chegariam a Buenos Aires, a maioria em letras de câmbio e apenas uma pequena parte em dinheiro.

Por sua vez, as obras planejadas nunca foram realizadas; assim que o empréstimo chegou, o Legislativo mudou de ideia e decidiu que o dinheiro deveria ter outro propósito. Para tanto, foi entregue ao Banco de Descuento para ser entregue como empréstimo aos seus clientes, com juros muito inferiores aos pagos pela província por esse dinheiro. (Qualquer semelhança com o que aconteceu durante o governo de Mauricio Macri e seus amigos no poder não é mera coincidência).

Para resumir uma longa história, podemos resumir que até 1827, durante a administração de Manuel Dorrego, o serviço da dívida era equivalente a 120% da receita provincial. Portanto, uma inadimplência era vista como inevitável. Para atrasá-lo, em 1866 a dívida foi remarcada para mais de 30 anos. Finalmente, o empréstimo só seria pago na totalidade oitenta anos depois, durante a segunda presidência de Júlio A. Roca. Não sem antes produzir a grave crise conhecida como o Pânico de 1890. [4]

É muito interessante ver como a dívida do nosso primeiro default foi paga, pois acreditamos que também existem critérios para a solução do próximo.

Assim como fizemos com a geopolítica, é preciso fazer algumas distinções em relação à economia. Uma ciência na qual, também, existem escolas de pensamento que têm visões diferentes sobre as dívidas externas e o que fazer com elas. Por exemplo, a economia ortodoxa, sustenta que elas devem ser pagas como condição, sine qua non, para alcançar a desejada inserção internacional dos países, a chegada dos investimentos e sua decolagem econômica. .

É a escola mais difundida de todas e é apoiada por agências multilaterais de crédito, como o FMI. Mas não é estranho que eles trabalhem, na prática, como um lobby a favor dos credores dos países devedores. Essa pressão é acompanhada por consórcios de economistas locais que pressionam por contratos de dívida, ainda que estes sejam muitas vezes ilegais por não corresponderem à ordem jurídica e/ou constitucional do país em questão. Por exemplo, quando são inseridas cláusulas em que os Estados soberanos renunciam ao uso de seus próprios tribunais de justiça ou solicitam a anulação do contrato, se necessário.

Conceitualmente, os adeptos da escola ortodoxa não hesitam em afirmar que sua escola é a única possível e não se cansam de repetir que toda heterodoxia está fora mesmo de uma discussão saudável.

Mas, como vamos tentar explicar, existem outras escolas de pensamento econômico. Vejamos.

Para começar, podemos ir muito longe, quando éramos apenas um projeto da Nação. Como diz o especialista econômico americano Carlos Louge,[5] desde a época das Reduções Jesuítas, havia todo um sistema econômico nessas terras que valia a pena estudar. Um que foi posteriormente aperfeiçoado e continuado por Manuel Belgrano, Ernesto Tornquist e Silvio Gesell.

Especificamente, o sistema de economia jesuíta descrito por Louge foi baseado nas ideias da Escola de Salamanca. Uma escola que longe de passar despercebida, foi reconhecida pelo economista austríaco Joseph Schumpeter como o melhor antecedente de sua própria escola, a muito conhecida Escola Austríaca.

Este reconhecimento não é estranho, pois do próprio coração do Império Austro-Húngaro, o da dinastia dos Áustrias como Carlos V da Alemanha e Felipe II da Espanha, as ideias de Salamanca eram bem conhecidas e respeitadas. Isto permitiu que, mutatis mutandi, fossem estabelecidas pontes que ligavam ambos os mundos. O americano com as experiências jesuítas de sucesso e o europeu com suas ideias teóricas, por outro lado.

Isto permitiu que muitos séculos depois dois pensadores americanos; mas de origem germânica, revolucionassem, cada um à sua maneira, o mundo das teorias econômicas.

Estamos nos referindo aos já mencionados, o banqueiro argentino Ernesto Tornquist e o economista germano-argentino Silvio Gesell. Ambos são intelectualmente responsáveis pelo fato de que durante a segunda presidência de Julio A. Roca, a crise econômica de 1890, produzida pela inadimplência do empréstimo contraído com o banco Baring em 1822, pôde ser evitada, nos termos que já explicamos.

Naquela época, o mundo econômico girava em torno da libra esterlina apoiada pelo padrão ouro. Mas tanto Tornquist quanto Gesell aconselharam a Roca que a Argentina deveria abandoná-lo para sair da crise. Roca os ouviu e, para isso, o governo criou o Peso Moneda Nacional, unificando o sistema monetário argentino. A experiência foi um sucesso.

Depois dessa experiência bem sucedida, que atraiu a atenção do mundo, Gesell gozou da rara honra que um dos maiores economistas da história, J.M. Keynes, sustentou que suas idéias eram baseadas nas deles; pois ele afirmava que a posteridade deveria mais às suas ideias do que às de Karl Marx.[6] Nossa última menção a Keynes não é acidental. Pois, como todos sabemos, foram as ideias de Keynes que inspiraram o presidente americano Franklin D. Roosevelt a tirar seu país da Grande Depressão de 1929.

É por isso que, antes de continuarmos, nos perguntamos se, no lugar de olharmos para fora, buscando teorias e doutrinas de outras pessoas, não chegou a hora de olhar para dentro. Quando, precisamente, tínhamos algo a dizer e éramos ouvidos e respeitados. Preferindo, dessa forma, ao nosso em detrimento do que é estrangeiro para nós.

Às vezes, parece que temos a sensação de Bill Murray em seu famoso filme: O Feitiço do Tempo. Já que parece que toda vez que acordamos, fazemos isso no mesmo dia e ao mesmo tempo. Não importa o quanto façamos para mudar nosso destino, parecemos condenados a repeti-lo. Mas, como o personagem do filme, nós também queremos sair deste ciclo e conquistar a nossa Rita. Ou, neste caso, deixar de viver num país pobre; pois, como diziam os romanos: não há homem rico num império pobre.

Vamos ver como podemos fazer isso.

A primeira é reconhecer que a dívida externa da Argentina, por um lado, não tem justificativa administrativa, econômica ou financeira, como defende um de seus maiores estudiosos: Alejandro Olmos. [7] Por outro lado, certamente devemos aceitar o que o segundo presidente dos Estados Unidos, John Adams, afirma: "Há duas maneiras de conquistar e escravizar uma nação. Uma é a espada, a outra é a dívida".  À confissão de parte, alívio probatório, acrescentamos.

A segunda coisa é adotar uma "insubordinação fundante", como afirma e fundamenta Marcelo Gullo,[8] que explica que sendo um país periférico como somos, temos duas atitudes possíveis. Sermos complacente com os poderes estabelecidos ou, pelo contrário, diferenciar-se e construir o nosso. Além disso, longe de qualquer xenofobia, é o mesmo autor que nos aconselha a seguir o mesmo caminho dos países que a alcançaram, como a Grã-Bretanha da Revolução Industrial e os EUA de federalistas como Alexander Hamilton. Para tanto, adotar uma política externa realista, baseada em nossos interesses nacionais e longe de qualquer alinhamento automático. Se necessário, por exemplo, tomar a decisão de deixar o Mercosul.[9]

A terceira coisa é recriar os critérios daquele sucesso econômico que nos permitiu superar nosso primeiro default sem maiores problemas com as teorias econômicas desenvolvidas por Silvio Gesell.

Com o dinheiro não utilizado para o pagamento da dívida externa e seus serviços, nós o utilizamos para reativar nosso aparato produtivo, para isso:

Reativar a economia real através de medidas que visem reduzir drasticamente os impostos nacionais, provinciais e municipais, especialmente o IVA sobre alimentos, combustíveis e taxas de serviço público. Para tanto, que as famílias e as pequenas e médias empresas tenham capital para voltar a funcionar.

Colocar em marcha toda a infraestrutura produtiva do Estado, das fábricas militares aos estaleiros navais, incluindo laboratórios médicos. Também, joint ventures de alta tecnologia, como o INVAP.

Redesenhar e colocar em operação todos os meios de transporte estratégicos disponíveis a serviço do desenvolvimento nacional; tais como ferroviários, aéreos e marítimos, promovendo, entre outros, as ferrovias, Aerolíneas Argentinas e recriando o ELMA.

Proteger e explorar nosso Mar Argentino para, por um lado, evitar sua depredação por agentes de pesca estrangeiros e, por outro lado, desenvolver e fortalecer nossa indústria pesqueira.

Nacionalizar a administração de nossos recursos minerais, criando uma agência estatal com capacidade técnica para monitorar e controlar as poderosas empresas mineradoras que operam em várias de nossas províncias.

Como o que nos interessa, nesta oportunidade, é desenvolver o 3º ponto da nossa lista, que é recriar os critérios daquele sucesso econômico que nos permitiu superar nosso primeiro default sem grandes problemas. Vamos continuar com este tema. Mas, antes de fazer isso, é fundamental que entendamos qual é o papel do dinheiro. Qual é o uso do dinheiro e seus correlatos, o crédito e como ele produz lucros?

Para começar, deve ser dito que para os Antigos o dinheiro era um meio de subsistência. Era o melhor de todos os meios, era o meio de adquirir quase todos os bens e serviços disponíveis em uma sociedade. Entretanto, Aristóteles sempre advertiu que o dinheiro não poderia gerar dinheiro. Ou seja, ele deve ser sempre utilizado para troca de mercadorias, não para ser mantido em troca de uma taxa de juros. Eventualmente foi aceito o pagamento de uma taxa pelo dinheiro depositado, através de vários instrumentos financeiros. Estes variavam desde a letra de câmbio, inventada pelos Templários, até as moedas virtuais atuais, como o bitcoin.

Transformar dinheiro em um fim em si mesmo é um problema, pois apesar de produzir uma enorme riqueza, sua distribuição era muito desigual e isso acaba causando graves crises periódicas.

As causas dessa desigualdade são muito fáceis de identificar.  Pois enquanto nossa massa vive do que é chamado de economia real ou "Main Street", há uma elite que vive do que os ativos financeiros ou "Wall Street" produzem. A razão para isso é a diferente taxa de crescimento das duas economias. Enquanto o verdadeiro só pode crescer naturalmente e aritmeticamente. Este último o faz de uma forma artificial e geométrica. 

Vejamos, por exemplo, um produtor de vinho. Se ele quer melhorar sua rentabilidade, terá que aperfeiçoar seus procedimentos de irrigação, poda, colheita, produção e comercialização. Mas seus avanços serão sempre modestos e sujeitos às alternativas da duração de seu ciclo produtivo, que é anual. Sem falar de outros fatores, como o clima ou variações no preço de seu produto devido a vários fatores fora de seu controle.

Pelo contrário, um investidor que invista a mesma quantia de dinheiro que aquele produtor tinha, por exemplo, para a compra de cubas de vinho de carvalho, em ativos financeiros; obterá um lucro rápido e geométrico. Sem mencionar, se a "City" deste investidor é Buenos Aires; já que ele poderia atingir uma rentabilidade de três dígitos medida no prazo de dias, como aconteceu no nosso passado recente.

Alguém poderia nos dizer que, bem, estas são as regras do jogo e que o dinheiro do segundo (o investidor) é necessário para que o primeiro (o produtor) obtenha um crédito para que, por sua vez, ele possa usá-lo para iniciar ou manter uma atividade produtiva.  E que para isso funcionar, deve haver uma taxa de juros que justifique a imobilização, momentaneamente, desse dinheiro por parte do investidor.

Isto é parcialmente verdade, pois o problema reside nos diferentes níveis de lucro que cada um recebe pelo seu respectivo esforço. Como o produtor só poderá produzir, mais ou melhor vinho, mas sempre terá que produzir algo concreto, seus ganhos serão, na melhor das hipóteses, de natureza aritmética. Enquanto que o investidor, pelo simples fato de manter seu dinheiro amarrado, vai cobrar juros, que serão multiplicados geometricamente.

Outro problema que se soma, em nosso país, são as altíssimas taxas de juros que temos em nosso mercado financeiro. Elas respondem, entre outras coisas, não apenas ao preço do dinheiro, mas à crescente dívida produzida pelo déficit crônico do Estado. Isto porque ao custo de cada bem ou serviço (incluindo os serviços públicos) que pagamos, devemos acrescentar os impostos municipais, provinciais e nacionais. Boa parte dos quais será destinada pelo Estado ao pagamento dos serviços da dívida externa. Em outras palavras, a mesma situação que nos levou à crise de 1890.

Neste ponto, torna-se evidente que devemos buscar mecanismos que permitam um equilíbrio, baseado em uma melhor reciprocidade de mudanças. De tal forma que tanto o investidor receba seu lucro; mas, ao mesmo tempo, que haja um incentivo para que não tenham seu dinheiro "apreendido" em uma atividade especulativa. Da mesma forma, também, para que o produtor receba sua parte, para que, em última instância, possa continuar produzindo os bens reais que todos nós consumimos.

O já citado Silvio Gesell viu a necessidade de forçar os portadores de dinheiro a fazê-lo circular para promover diversas atividades produtivas. Ele o chamou de "dinheiro selado", ou seja, que sua simples posse era penalizada ou então era retirado de circulação a cada dois ou três anos.


***


Como conclusão: Como sabemos, muitos anos se passaram desde as ideias de Gesell até nossos dias. Mas, há uma realidade que permanece subjacente. Que é a grande quantidade de recursos financeiros, seja em dólares ou em nossa moeda, que nós argentinos retemos, sem outra perspectiva que não seja a de obter imensos lucros depositando-os, a taxas de juros muito altas, no caso de fazê-lo em pesos, ou como testá-los como reserva de valor, no caso de fazê-lo em dólares.

Bem, chegou a hora desse dinheiro assim imobilizado ser transformado em produção. Obviamente, medidas políticas serão necessárias para incentivar esta liberação. Mas, também, instrumentos contábeis que o permitam. Como a nacionalização e regulamentação dos bancos e do comércio exterior.

Por exemplo, após a última crise, em 2001, uma das formas que as províncias encontraram para se financiar foi o uso do chamado quase-moedas. Estas, em grande parte, respondem ao conceito de "dinheiro selado" inventado por Silvio Gesell. Uma realidade que parece estar prestes a se repetir em várias províncias argentinas, como Chubut, Neuquén, La Pampa e Chaco.

Lembremos que nem todo o quase-dinheiro foi um fracasso. Alguns deles, como o "patacón" de Buenos Aires ou o "petrom" de Mendoza, funcionaram bastante bem, já que tinham uma data de vencimento e não podiam ser valorizados, por isso tinham que ser gastos na compra de bens e serviços. Isso produziu um boom produtivo, ao mesmo tempo em que aumentou a receita e permitiu a eliminação do déficit fiscal.

Talvez tenha chegado a hora de olhar novamente para eles e, se necessário, aplicá-los de uma forma mais sofisticada.

Notas

(1) “The Ascent of Money: A Financial History of the World”. Penguin Press, Londres 1994.
(2) “Geopolitics and Global Futures”. https://www.gcsp.ch/topics/geopolitics-and-global-futures
(3) BUELA, Alberto. “Francisco y el sentido metapolítico de Argentina”. http://www.alainet.org/es/active/74023 
(4)  Para alguns autores como o economista Jorge Gaggero, o empréstimo Baring terminou de ser pago em 1947, durante a presidência de Juan Domingo Perón, ou seja, 120 anos depois. Mas ninguém duvida que se demorou muitos anos para fazê-lo.
(5) “Keynes y Gesell ¿Nuevo Paradigma?” El orden económico natural y breve historia monetaria argentino. Ed. ERREPAR S.A., Buenos Aires, 2015.
(6) KEYNES,John M. “General Theory on Employment, Interest and Money”. Ed. Berlín 1936, p. 300.
(7) OLMOS, Alejandro. “Todo lo que Ud. Quiso Saber sobre la Deuda Externa y Siempre se lo Ocultaron. Quienes y Como la Contrajeron”. Ed. Continente, 5ta edición, Buenos Aires, 2004. 
(8) “La Insubordinación Fundante. Breve Historia de la Construcción del Poder de las Naciones” . 4ta Ed. Biblos, Buenos Aires, 2008.
(9) SPERONI, Iris. “Ha llegado el momento de irnos del Mercosur”. http://www.laprensa.com.ar/471450-Ha-llegado-el-momento-de-irnos-del-Mercosur.note.aspx