por Daniele Perra
(2019)
Em alguns trabalhos anteriores publicados no site da revista "Eurasia" foi feita uma tentativa de estabelecer uma ligação entre a filosofia de Martin Heidegger e a teosofia islâmica xiita[1]. Como Claudio Mutti relata em seu texto "Exploradores do Continente", já em 2005, durante uma conferência realizada em Teerã sobre o tema "Martin Heidegger e o futuro da filosofia entre Oriente e Ocidente", o prof. Shahram Pazouki estabeleceu uma comparação entre o filósofo alemão e a gnose islâmica do shaykh medieval Shihaboddin Yahya Sohrawardi, identificando os dois "pensamentos" como o meio ideal para a "comunicação espiritual" entre Oriente e Ocidente[2]. É também bem conhecido que o grande iranista Henry Corbin, em seu tempo, encontrou semelhanças notáveis entre a teosofia islâmica e a analítica de Heidegger. Este autor, em uma obra recentemente publicada intitulada "Ser e Revolução" (NovaEuropa 2019), teve a audácia de ir mais longe, definindo o próprio pensamento de Heidegger como uma forma de teosofia. Isto porque o filósofo de Meßkirch, como os teosofistas "clássicos", no desenvolvimento do seu pensamento usa tanto argumentos racionais como os textos da tradição religiosa (especialmente da Grécia Antiga). Agora, para estabelecer uma primeira conexão entre os três pensadores mencionados no título, pode-se afirmar com algum conhecimento de causa que eles são todos os três "pensadores iniciais". Parmênides representa o início por excelência do pensamento grego e, com isso, "ocidental". Por sua vez, Suhrawardi e Heidegger são "iniciais" no sentido de que ambos se voltam para o início: para o pensamento da Pérsia Antiga o primeiro, para o mundo grego o segundo. E é precisamente neste caminho para o "início" que a originária comunidade espiritual do mundo eurasiático é redescoberta.
"Entre os dois mundos deve haver necessariamente um intermediário, um barzakh, ou seja, um mundo cuja condição não seja nem o estado absolutamente sutil das substâncias separadas, nem a densidade opaca das coisas materiais do nosso mundo. Se faltasse tal universo haveria um salto, haveria um hiato na gradação do Ser" (Shaykh Ahmad Ahsa'i)
Durante o semestre de inverno de 1942/43, Martin Heidegger deu uma série de palestras na Universidade de Freiburg sobre o pensamento do filósofo grego Parmênides baseado na hermenêutica de seu poema “Sobre a Natureza”. Esta investigação filosófica nasceu da necessidade de Heidegger de recuperar uma relação genuína com a Grécia e sua abertura original para o significado do Ser. Através desta "redescoberta", o objetivo heideggeriano não era certamente a mera restauração da Grécia clássica, mas fundamentalmente "entrar em discussão e diálogo com o início para perceber a voz da disposição para destinos futuros"[3].
A análise do filósofo alemão parte da observação de que Parmênides pensa a Verdade como uma deusa, a deusa Aλήθεια, e que o próprio pensamento parmenidiano parece tomar o tom de uma "revelação religiosa". Isto levou alguns filólogos a argumentar que o poema parmenidiano é construído à imitação dos homéricos. No entanto, segundo Heidegger, o que esses filólogos não teriam compreendido é o fato de que Parmênides e Homero não invocam divindade alguma, mas são eles que são invocados pelo divino. Parmênides e Homero nada mais fazem do que seguir o chamado do Ser; revelando a "verdade" e preservando-a de sua ocultação.
A verdade no sentido grego é, de fato, expressa em termos negativos (o termo αλήθεια apresenta o alfa privativo no seu início) como revelação. A verdade é o desvelado: algo que deve ser conquistado pelo conflito, arrancando-o da ocultação, e que só é entendido em relação ao seu oposto essencial, o "falso". A essência da verdade é a ausência de falsidade e nesta essência o conflito com o ocultamento é decisivo[4].
A deusa Verdade, nos primeiros versos do poema parmenidiano, afirma: "não é um destino adverso que te empurrou para este caminho - e na verdade este está situado à margem, longe do caminho batido pelos homens [...] é necessário que aprendas tudo, tanto o coração não ocultante do desvelamento que a tudo circunda".
O "caminho" do qual a deusa fala aqui é o caminho que o Pensador segue, a fim de ir diretamente em direção ao "desvelado". Mas neste caminho há possíveis "desvios" que afastam do caminho reto original. Estes "desvios" são enganos que determinam uma falsificação da ideia original, levando aquilo que deve ser realizado a permanecer ocultado.
O pensamento inicial do mundo grego se fundava na profunda ligação entre o mito, a palavra (o λόγος) e a ação/τέχνη (entendida como ato/atuação humana). O "mito" é aquilo em que o Ser se atribui ao homem de modo que ele o custodie em sua própria essência. O Ser é o princípio e o pensador inicial é "aquele que pensa expressamente o princípio"[5]; aquele que é iniciado/capturado desde o princípio. Através da custódia do Ser (do mito), o homem por sua vez pode encontrar e manter a sua própria essência como ser humano. A este respeito, não incorretamente, o pensador francês Alain de Benoist afirma expressamente que o mito é aquilo pelo que o homem se autointerpreta: "Graças ao mito, o homem se mantém no ponto em que o mundo e o Ser se encontram [...] O homem que recupera o mito se restabelece em si mesmo. Ele retorna à fonte para um novo início"[6].
Quando o Ser desafia diretamente o homem e este, em sua meditação, está disposto a ouvir e aceitar seu chamado, o Ser é custodiado. Se anuncia o que Heidegger chama de "in-solito" (o maravilhoso no mundo grego), cuja fundação é o próprio Ser. A essência deste Ser é o aparecer que desvela: ou seja, o divino. O divino é o Ser que se dá a si mesmo entrando no ente. É o que contempla e resplandece.
O divino, no mundo grego inicial, aparece e resplandece. Resplandecendo se mostra e se mostrando indica e dispõe. É um raio de luz: aquele fulgor que no fragmento 64 de Heráclito (colocado como memento na entrada da cabana de Heidegger, na Floresta Negra) governa todas as coisas.
Os deuses gregos, portanto, não são "personalidades" ou pessoas que comandam o Ser, mas o próprio Ser que olha para o ente. Por esta razão, apesar das suas características humanas, eles são superiores, mais espirituais e imateriais, do que qualquer outra forma divina. E, querendo estabelecer um primeiro termo de comparação com a teosofia xiita, nisto eles recordam os "catorze imaculados": os doze Imãs aos quais se acrescentam o Profeta Maomé e a sua filha Fátima.
Agora, é necessário enfatizar que o mito é o único sistema adequado através do qual o homem pode se referir a um Ser que aparece de semelhante forma. "A palavra do mito", diz Heidegger, "é a resposta à palavra do chamado em que o próprio Ser se atribui ao homem"[7]. Sem esse mostrar-se, aparecer e referir-se da essência divina à essência humana, o homem deixa de ser homem.
O "progresso", na verdade, cortou o "canal de comunicação" entre o homem e o divino. O mito é desvinculado do λόγος e a palavra, custódia da referência do Ser ao Homem, torna-se exclusivamente ratio (razão). Isso reduz o papel do pensamento de não mais fazer aparecer o velado, mas usar a razão de forma "certa" e "moral": a delimitar o uso correto e incorreto da faculdade racional humana no âmbito da subjetividade do próprio homem. A este, privado da ligação com o mito e desviado por uma interpretação errada do λόγος, resta apenas a ação como um fim em si mesmo em meio ao ente. Uma agressão no confronto com o ente que se caracteriza pela intervenção destinada à produção acumulativa e empresarial. No âmbito desta ação, acontece o esquecimento: aquele velamento que subtrai algo de essencial e que distancia o próprio homem de si mesmo.
Este velamento pode se dar de diferentes maneiras. Por exemplo, pode ser uma cobertura que tenta preservar algo de originário: algo que o homem se tornou incapaz de ver.
Martin Heidegger, neste sentido, usa expressamente o termo alemão verhehlen que significa esconder. Um termo que recorda bastante outro princípio próprio do xiismo, o da taqiyya: da dissimulação ou ocultação que visa preservar os membros da comunidade no caso dela ser alvo de perseguição.
À mesma raiz verbal da palavra verhehlen, continua Heidegger, pertence a palavra die Höhle (caverna), que indica um lugar escondido que pode dar abrigo, e ao qual o filósofo associa a antiga palavra enthehlen: tirar algo da dissimulação ou remover do ocultamento.
Escusado será dizer que o tema da ocultação dentro de uma morada subterrânea representa uma constante em quase todas as tradições eurasiáticas. Do zoroastrismo ao mitraísmo, dos cultos dos dácios ao hinduísmo, até islamismo xiita, todos eles, de uma forma ou de outra, abordaram ou se referiram a este tema.
Aquilo que se oculta o faz por causa humana. O Ser, de fato, é ao mesmo tempo dedicação e subtração. Isto implica "estar presente", mas também sair da presença, ausentar-se, se o homem se torna incapaz da custódia da "presença". "O tempo vasto e elusivo ao cálculo - escreve Sófocles no Ajax - permite que tudo o que não se manifesta se abra, mas também oculta (novamente) em si mesmo aquilo que apareceu".
Esta incapacidade humana para a custódia é ditada pela perda do imaginário: aquele mundo intermediário (mundus imaginalis) no qual se realizam as manifestações das visões divinas e proféticas[8]. Sem ela, a imaginação ativa é reduzida a mera fantasia irreal pela filosofia científica do cálculo que produz niilismo e o a-teísmo: os traços fundamentais desse esquecimento do Ser que transforma o próprio "Ser" em uma simples expressão verbal.
No final do Πολιτεία, Platão conta pela boca de Sócrates o mito de Er, um guerreiro que morreu em batalha, mas escolheu contar aos homens sobre o mundo intermediário e, para isso, retornou à vida.
A localidade mencionada neste mito não se encontra nem no céu nem na terra. É o lugar do "in-solito": o lugar onde o divino brilha e está sempre presente. E o próprio caminho de Er se eleva ao grau de viagem iniciática. Er reabre os olhos ao amanhecer quando seu corpo está deitado na lenha, pronto para ser queimado. Ele vê a ascensão da luz e a sua visão torna-se clara.
Este mundo intermediário visitado por Er na tradição islâmica é o barzakh. O barzakh é o lugar corânico da "confluência entre dois mares": da confluência entre o modo de ser necessário e o modo de ser possível.
Entre os dois mundos, espiritual e sensível, o mundo intermediário garante que eles não transbordem um para o outro. Estes mundos se articulam entre si, formam um todo contínuo, mas o esquecimento de um ou mais deles determina o "hiato na gradação do Ser" que é descrito na citação preposta a este trabalho.
O barzakh, portanto, é alma em projeção: uma imagem projetada pelo mundo do Espírito que ainda não é a Verdade eterna, mas que se afasta do mundo material do ocultamento. É um espaço hierofânico que, como tal, está sempre no centro. Em termos heideggerianos, pode-se dizer que ele representa o centro do Geviert: o símbolo (semelhante a uma cruz de Santo André) no centro do qual o filósofo alemão reúne céu, terra, homens e deuses.
É somente através deste mundo que se pode produzir o desocultamento que, na esfera do xiismo imamita, coincide com a restauração de todas as coisas em seu esplendor e integridade primitivos. A história, de fato, não se dá na perspectiva horizontal de uma evolução indefinida, mas em um eixo vertical. Não é uma evolução irreversível, mas uma reversão progressiva. Uma descida seguida por uma "elevação do tempo em direção à vontade primordial".
Esse desocultamento é um processo gradual que leva o "peregrino do espírito" a subir às alturas do mundo mediano e celestial para reproduzir em si mesmo o advento de Muhammad al-Mahdi, o Imã Oculto e Senhor do Tempo.
"Desperta a ti mesmo." Assim, o primus magister, o Imã dos filósofos Aristóteles, sugere a Suhrawardi no diálogo místico por ele narrado no seu Livro dos Diálogos. A alma desperta para si mesma torna-se luz pura. Ela, elevando a si mesma, deixa cair nas suas trevas as provas empíricas impostas pela permanência e morada terrena na Terra celestial. Os teósofos são os despertos (ou vigilantes) que habitam eternamente o instante do Sol da Meia-Noite: a aurora boreal do Espírito.
A tarefa destes "despertos" é vigiar o lugar onde o Ser se manifesta, garantindo a sua custódia, de tal forma que ao se manifestar novamente, mais uma vez em termos heideggerianos, o homem já não se volte para o ente, mas apenas para o Ser mesmo.
Escusado será dizer que o "Sol da Meia-Noite" do qual Suhrawardi fala tem muito pouco a ver com o recente uso desta expressão pelo ideólogo russo Aleksandr Dugin como um instante da manifestação do chamado "Sujeito Radical". Dugin, de fato, demonstrando nisto a persistência do "vício moderno" em sua filosofia, esquece o entremundo e projeta diretamente seu "Sujeito" do mundo sensível à conquista do mundo espiritual e, a partir daí, de volta ao mundo terreno. Com as devidas proporções, como Nietzsche que se propôs a derrubar o platonismo, permanecendo numa perspectiva eminentemente platônica, Dugin afirma derrubar a modernidade (e a pós-modernidade), permanecendo numa perspectiva moderna que experimenta o "pôr-do-sol" única e exclusivamente no sentido spengleriano da morte[9]. O "ocaso", pelo contrário, é superável apenas se redescoberto e pensado o início e o inicial. Heidegger se propõe claramente esta pergunta: "E se o pôr-do-sol da Helenidade fosse apenas o evento em virtude do qual a essência inicial do Ser e da verdade fosse abrigada no próprio ocultamento, tornando-se somente assim futura?”[10]
Se assim fosse, de que forma se poderia redescobrir a essência inicial do Ser? Como se poderia conseguir este despertar?
A resposta está mais uma vez no início, que como "antigo" é sempre essencialmente "novo". Neste caso, a sabedoria da Pérsia Antiga, investigada por Suhrawardi, e tão semelhante à do mundo grego, vem em auxílio.
A fim de evitar mal-entendidos, é bom lembrar antes de tudo que a fenomenologia irano-mazdeana da terra é, em todos os aspectos, uma angeologia. Cada arcanjo (em todos os seis mais a Sabedoria Suprema representada por Ahura Mazda) tem uma tarefa precisa, mas três deles são quase uma espécie de "trindade". Esta "trindade" é descrita nestes termos por Henry Corbin: "Na energia vital do ser humano há um Pensamento; ali se assenta Spenta Armaiti (filha favorita de Ahura Mazda, como Atena para Zeus). Neste Pensamento há uma Palavra; ali se assenta Ashi Vanuhi. E nesta Palavra há uma Ação; ali tem a sua sede Daena (filha de Spenta Armaiti)"[11]. Pensamento-Palavra-Ação forma o "pensamento perfeito": uma intersecção capaz de substanciar e vivificar o Ser de modo a transformá-lo de Ser em-latência para Ser em-potência.
Através deste "pensamento perfeito", na perspectiva mazdeana, o homem reproduz em si mesmo o pensamento de sabedoria que é a própria essência de Spenta Armaiti, satisfaz o chamado do Ser e faz a Terra celestial florescer em si mesma. A Terra celestial, sempre presente na secreta nostalgia do coração dos homens, é tipificada na gnose xiita de Fátima, a Brilhante: a filha de Maomé que "assume" o papel que foi de Spenta Armaiti no mazdeísmo.
A tríade Pensamento-Palavra-Ação assemelha-se muito ao tríptico grego mytho-λόγος/palavra-τέχνη/ação mencionado acima. Reunir e restabelecer a autêntica e inicial co-pertença entre estes termos hoje representaria um ato revolucionário. Esta "revolução", porém, deve ser entendida no sentido etimologicamente correto do termo: "uma reversão que implica como condição fundamental que o próprio ponto de referência com respeito ao qual a reversão ocorre permaneça o mesmo e seja mantido como o mesmo"[12]. Esta "revolução" é uma redescoberta da verdade. E a verdade é o próprio começo.
O "ocaso do Ocidente" ocorreu no momento em que a capacidade de ouvir o que é simples e foi revelado pelos pensadores iniciais se perdeu. Contudo, este pôr-do-sol não conhece a inexorabilidade biológica do "pensamento" spengleriano. Um Sol que nasce no Ocidente, em civilizações puramente tradicionais, anuncia sempre o declínio definitivo do Velho Mundo e o amanhecer do Novo[13].