20/06/2021

Aleksandr Dugin - Fenomenologia: A Realidade Não é Real

 por Aleksandr Dugin

(2021)


De tempos em tempos, decido dedicar minhas diretrizes à Filosofia. Hoje vamos falar de fenomenologia. 

A fenomenologia tornou-se uma das tendências mais amplas da filosofia no século XX graças ao trabalho único do filósofo alemão Edmund Husserl. Husserl foi um seguidor direto do filósofo austríaco Brentano, o pai fundador deste movimento. As próprias ideias de Husserl foram desenvolvidas mais tarde por seu brilhante aluno Martin Heidegger, o Príncipe dos Filósofos.

Husserl rapidamente capturou a mente de muitos dos pensadores do mundo com uma reviravolta inesperada. O ponto principal de sua filosofia era este. 

Ele se propôs a construir uma imagem do mundo colocando fora de parênteses (ἐποχή) a questão de se as coisas fora do âmbito de nossa percepção são reais ou não.

Para Kant esta coisa-em-si - Ding-an-sich, coisas fora de nós, coisas enquanto tais - já representava um problema. Husserl propõe não resolvê-lo, mas esquecê-lo - nem que seja por um tempo - completamente. E nos concentramos mais em como percebemos e compreendemos a realidade. Afinal, a palavra "realidade" deriva da palavra latina "res", ou seja, coisa. E nós não devemos transformá-la em um ídolo. Ninguém está invadindo a realidade. Os fenomenólogos só nos convidam à sua desmistificação.

É aí que começam as coisas mais interessantes. 

Afirma Husserl: nossa consciência está sempre voltada para alguma coisa. Essa é a ideia principal da intencionalidade introduzida por Brentano. E aquilo para que ela está direcionada está dentro de nossa consciência. Ela contém os nomes, formas, qualidades e atributos das coisas percebidas, "intencionadas". As coisas são construídas dentro da percepção e só então - depois, a posteriori - as relacionamos (convencionalmente) com o que deveria estar fora da consciência. Mas Husserl mostra que tal teste de dentro comparado com fora está longe de ser necessário para construir uma verdadeira filosofia da consciência. Podemos nos virar muito bem sem ela.

Isto não é mera psicologia, embora possa parecer à primeira vista. Não. É precisamente um sistema filosófico, elaborado em detalhes e brilhantemente exposto e fundado. A fenomenologia estuda as coisas tal como elas estão em nossa mente, na estrutura do ato intencional (segundo Brentano) ou como existencial (segundo Heidegger - existencial, não existenciário). O fato de que podemos estar enganados sobre uma coisa externa, tomando uma alucinação pela realidade, não muda essencialmente nada. Em sociologia isto se manifesta claramente na regra principal: o fato social não é o que é, mas o que a sociedade acredita ser. A psicologia complementa isto examinando os efeitos da hipnose, do transe e da psicanálise pelas teorias do desejo e dos sonhos. 

Mas a fenomenologia é mais do que isso. É o estudo do mundo como construído pela consciência humana - através da percepção, linguagem, distinção, avaliação, relação, conexão e desconexão. Husserl insiste em submeter todas as ciências modernas a um sério repensar fenomenológico, uma revisão - caso contrário, caímos constantemente sob a hipnose do ingênuo "mito da realidade", e nos afogamos em paradoxos até atingirmos o horizonte da teoria da relatividade ou da mecânica quântica, onde as visões mecânicas anteriores são rejeitadas. Quanto mais confiável e precisa a ciência, mais claro é o fato: o que quer que o homem estude, ele estuda apenas a si mesmo. É melhor admitir isto honestamente, sem esperar pelo colapso total da ciência.

A realidade não é científica. Reconhecendo isto, é possível construir um edifício completo de uma nova ciência. Com base na fenomenologia.

A fenomenologia é perfeitamente adequada para compreender as imagens do mundo de diferentes povos e civilizações. Não apenas as religiões e os mitos dependem do ambiente cultural. Cada povo tem sua própria ideia do mundo, da matéria, do tempo, do espaço, do homem. Um povo carrega o mundo dentro de si mesmo - como seu ato intencional cumulativo gigantesco. Não é por nada que Martin Heidegger chama a própria noção de 'mundo' de parte do existencial (Existential) - 'Ser-no-mundo', in-der-Welt-Sein.

Prevejo o público encolhendo os ombros em aborrecimento. Para que todas essas coisas? Do que se trata esta diretriz? O que deve ser feito?

A resposta da fenomenologia é: virar seu olhar para dentro. 

Não podemos lidar com algo de fora porque não temos ordem dentro. Não há nada dentro, exceto o que colocamos lá. Vamos colocar algo lá que seja mais decente, belo e sublime.