08/06/2021

Rémy Valat - Arqueirismo e Artes Marciais Japonesas

por Rémy Valat

(2020)


A história dos guerreiros japoneses, suas técnicas de combate e sua ética fascinam o público ocidental. Estudos, romances, filmes, animações e mangá nos oferecem uma imagem muitas vezes enganosa desses homens retratados como fanáticos, servos zelosos, fiéis à morte, o drama da Grande Guerra na Ásia confirmando para muitos essa interpretação dos guerreiros japoneses. Uma vez terminada a guerra, um Japão pacificado, colocado sob a tutela norte-americana, tentou esquecer seu passado violento e militarista e forjar uma nova imagem, que recentemente passou a ser conhecida como Cool Japan.

A sede do público europeu e norte-americano por uma espiritualidade exótica, e consequentemente mais verdadeira, mais autêntica, favoreceu o desenvolvimento no Ocidente das artes marciais modernas, exportadas do Japão. O Budô, que surgiu no início da era Meiji, representa hoje a imagem que o Japão e os japoneses gostariam de dar de si mesmos ao mundo. Existe uma grande lacuna entre o Hagakure de Yamamoto Tsunetomo (e suas apologias contemporâneas, O Japão Moderno e a Ética Samurai, de Yukio Mishima) e as publicações contemporâneas sobre artes marciais que promovem o desenvolvimento pessoal, na realidade mascarando, no caso do kendô, por exemplo, uma atividade esportiva ocidentalizada.

O livro de Michel Coquet, Le kyûdô, art sacré de l'éveil (Kyudô, arte sacra do despertar), publicado este ano pela Chariot d'Or (grupo editorial Piktos), lança uma luz "objetiva" sobre o assunto, baseada em uma longa e sincera "experiência" de meditação, artes marciais em geral e kyudô em particular. Longe das extravagâncias, Michel Coquet, nascido em 1944, dedicou sinceramente sua vida ao aprendizado das artes marciais japonesas (karatê, kenjutsu, ïaïdô, kyûdô, aïkidô, etc.), um aprendizado espiritual, pois o budô, o caminho do guerreiro, não pode ser assimilado a um esporte ou a uma disciplina olímpica (como o judô, e como parte da federação internacional de kendô gostaria que fosse). No Japão, uma grande empresa de segurança patrocina lutadores, kendôkas e as lutas de sumô, cheiro de negócios... Hoje o budô inclui múltiplas disciplinas, tais como judô, kyudô, sumô, aikidô, shôrinji kempô, naginata, jukendô: o guerreiro de outrora está hoje dividido em múltiplas disciplinas diluídas. Em suma, "budô" designa "artes marciais" desde a era Meiji (1868-1912). Antes dessa data, os termos "bugei" e "bujutsu" eram usados, e até mesmo "a maneira antiga do guerreiro", ou "kobudô", é um neologismo. Bugei, ou a "arte do guerreiro", é um nome característico do período Edo, quando a arte militar era inspirada por outros domínios artísticos, como o noh (para movimentos e posturas) ou a cerimônia do chá (os katas), que manifestava o desejo de esteticizar as técnicas de combate.


Sobre a importância espiritual do homem


Autores contemporâneos lembram, não sem razão, que o ideofonograma que designa o guerreiro "bu" (武) se divide em "hoko", a parte superior do traçado que se assemelha a duas lanças entrelaçadas significando "lança, alabarda", e, em sua parte inferior "tomeru" (止, parar), ou seja, uma ideia defensiva, próxima ao ideal do shinkage-ryu, a "espada da vida". A interpretação mais satisfatória, por ser a mais antiga, lembra que o radical "tomeru" seria derivado de um ideograma de uma grafia próxima que significaria "pé", que designaria o homem portador de armas para a batalha ou o soldado raso. Outro, igualmente relevante e relacionado ao tema do livro de Michel Coquet, seria que todo o conjunto do kanji "bu" seria derivado de outro ideograma homofônico que designa "dança", particularmente em sua dimensão religiosa, o que sublinha o lugar da espiritualidade nas artes marciais desde sua origem.

A "Via" (道) é um termo polissêmico que prosaicamente significa "ponto de passagem", "caminho", "distância", um termo que também se refere a conceitos filosófico-religiosos, como um modo de agir, um campo de conhecimento, uma disciplina, um estado, uma essência, um segredo... Na China antiga, e em particular no Taoísmo, ele era usado em referência aos grandes princípios do universo. Em seu significado contemporâneo, "" insiste na importância espiritual, e não apenas na importância esportiva ou física, do indivíduo. A "Via" é um meio de desenvolvimento e realização pessoal. Kyudô é o caminho do arco, um caminho como tantos outros que podem conduzir ao despertar (no sentido budista do termo).

Após a invenção do propulsor, o arco foi a primeira máquina nascida da imaginação humana, uma máquina autônoma que nos permitiu ir além dos limites da anatomia, uma máquina que nos permitiu matar por comida, assim como defender o grupo. Foi a arma escolhida pelas comunidades de caçadores-coletores, e por todas estas razões esta arma foi objeto de veneração (leia Michel Otte, À l'aube spirituelle de l'humanité, Odile Jacob, 2012). Em seu livro, Michel Coquet se concentra na área cultural asiática, e em particular na antiguidade do subcontinente indiano, China e Japão. O arco ocupa um lugar importante nas mitologias e tradições asiáticas (e indo-europeias): o autor dedica um belo capítulo à leitura e compreensão da "jóia espiritual" que é o Bhagavad Gîtâ, um mito que apresenta o arqueiro Arjuna, envolvido em uma batalha que é mais espiritual que militar, a batalha pela autorrealização.


O arco, uma extensão do homem desperto


Do ponto de vista histórico e técnico, as primeiras escolas japonesas de arqueirismo teriam surgido, segundo a tradição, na virada dos séculos VI e VII, na época da introdução do budismo no arquipélago japonês. O arco era utilizado montado e era essencial para um guerreiro saber atirar a cavalo, e várias formas de treinamento foram desenvolvidas: atirar de um cavalo galopante, uma caça com cães como alvo, ou mesmo atirar a longa distância usando um arco específico, o tôya. O arco foi a pedra angular das estratégias desenvolvidas no campo de batalha, e os arqueiros mais hábeis, capturados pelo inimigo, eram às vezes mutilados para evitar que voltassem ao serviço (durante a Guerra dos Cem Anos na Europa, um ou mais dedos eram amputados dos arqueiros feitos prisioneiros, muitas vezes o dedo indicador e/ou médio, uma prática que deu origem ao dedo do meio). A introdução de armas de fogo por marinheiros portugueses em 1543 mudou tudo isso. Como na Europa, o arqueirismo estava então condenado: ferreiros habilidosos conseguiram imitar e melhorar os protótipos originais, e um bom número de armas fabricadas no Japão foi exportado para toda a Ásia. Entretanto, o rifle permaneceu uma arma sem valor espiritual, pois no fundo os japoneses valorizavam os duelos ou formas de mostrar sua habilidade e coragem, o que era o caso dos arqueiros montados e dos soldados de infantaria que lutavam com armas brancas.

Durante sua estada no Japão (1969-1973), Michel Coquet foi iniciado no kyudô, e seu último livro volta a esta experiência, pois nas artes marciais, a única realidade é a Experiência. Os katas que se repete incansável e sinceramente para dominar uma técnica marcial fazem parte do ensino tradicional, como no passado o aprendizado por repetição e meios mnemônicos (basta reler a Odisséia ou a Ilíada para perceber isto). A postura do corpo, a maneira de andar, a respiração, participam desta busca do "não pensamento" ou do "tempo explodido" (o termo é de Kenji Tokitsu), todas estas pequenas coisas "esquecidas", esmagadas pela consciência (e pela modernidade) e ainda fundamentais e características de nossa espécie.