por Alain de Benoist
Definição
Muitos creem que viver de forma pagã consiste em dar liberdade a seus instintos, desfazer-se de toda idéia de pecado ou exame de consciência, comer bem, beber bem e copular melhor, ou melhor dito, um paganismo de boulevard no qual alude-se aos atos antigos no culto a Dionísios - bacanais, embriaguez - sem advertir que aquela era a época de decadência do império grego, como também a orgiástica oriental que já foge à norma.
O paganismo é todo o contrário e põe entre o homem e o universo uma relação fundamentalmente religiosa. O paganismo é uma fé que repousa sobre a idéia do sagrado, e sagrado quer dizer respeito incondicional por alguma coisa. O paganismo não é o retorno ao passado, à origem pura, pois o antiquado cai por si mesmo; trata-se de voltar a univer a história com o hoje, unir-nos ao eterno, fazê-lo refluir, voltar à escola do mythos e da vida (Hölderlin).
O paganismo está em conformidade com as leis gerais do que é vivo.
Concepção Pagã
São pagãos todos os que dizem "sim à vida", por isso Deus é a palavra que expressa o grande sim a todas as coisas (F. Nietzsche, o Anticristo, p.102).
Não pode-se discutir que o homem é um animal, um ser físico, porém há dentro dele uma parte metafísica.
No paganismo o mundo, não sendo outro que Deus, é também perfeito e vice-versa, Deus é também imperfeito tal como é o mundo; ademais disso há uma importante visão da criação, para o pagão ao começo foi a Ação (Goethe), enquanto que em outras religiões ao começo foi o Verbo.
Não há necessidade de acreditar em Júpiter ou em Wotan para ser pagão, não há que erigir altares a Apolo ou ressuscitar o culto a Thor; implica buscar por trás da religião a maquinaria mental onde produz-se o universo interior que reflete a forma de conceber o mundo que denota considerar o seguinte:
Deuses: Centros de Valores
Crenças: Sistemas de Valores
Os Deuses e as crenças passam, porém os valores permanecem.
Valores
Pode-se citar uma lista enorme que justificam o papel decisivo dessa fé dentro dos grandes impérios que existiram na antiguidade, entre eles:
- Ética fundamentada sobre a Honra.
- Atitude heróica diante de inconvenientes da existência.
- Exaltação e sacralização do mundo.
- A Beleza.
- O Corpo.
- A Força e a Saúde.
- Rechaço aos paraísos e infernos.
- Inseparabilidade entre estética e moral.
O paganismo não poderia separar o bom do belo e isto é bastante normal, posto que o bom são acima de tudo as formas mais excelentes deste mundo. Para os gregos a arte era a forma mais elevada sob a qual o povo representava aos Deuses.
O valor de um povo ou de um homem mede-se por seu poder de colocar sobre sua experiência o selo da eternidade (Nietzsche).
Quando Paulo entra em Atenas para tratar de retirar o povo de suas convicções ancestrais, descreve a cidade como cheia de ídolos (Atos 17), em meio desses ídolos há estátuas de divindades (17-29), porém também de filósofos, epicuristas e estóicos. O que não impede Paulo de declarar: "Atenienses, em todos os conceitos, vós sois os mais religiosos dos homens".
Paganismo - Religião
O paganismo tem familiaridade com as religiões indo-europeias antigas (história, teologia, simbolismo, mitos, etc.). Não trata-se de acumular conhecimentos das diferentes províncias da Europa pré-cristã, trata-se de identificar estas crenças, suas projeções e transposições aos valores que concernem-nos como herdeiros de uma cultura.
A religiosidade cósmica "pagã" está vinculada à idéia de que a vida não morre jamais, que renova-se sem cessar, que a história pode regenerar a si mesma, que há uma eterna solidariedade dialética entre a vida e a morte, entre o começo e o fim, entre o homem e os Deuses, daí os sacrifícios oferecidos pelos pagãos.
A religião é indissociável do costume pagão.
A religião pagã regula situações de interesse coletivo, dedica especial atenção à pessoa tendo em conta suas raízes, logo no paganismo a pessoa é inseparável de sua raça e de sua família.
Politeísmo vs. Monoteísmo
O politeísmo é a visão política do mais além já que nele recorre-se ao pluralismo buscando a verdadeira identidade do homem com a natureza. Há continuidade entre os seres mais humildes da natureza e os Deuses mais elevados; isto não implica igualdade, ao contrário formam grupos separados e hierarquizados.
No monoteísmo todos os homens são iguais na medida em que foram criados por um único deus e não por vários.
Para o monoteísta é fundamental o perdão das ofensas e o apelo da face esquerda que estende-se depois de ter sido golpeada a direita.
O politeísta apela ao "adversário fraterno", e ambos criam o "duelo" no qual a guerra religiosa e a luta de classes fica excluída. Prova: Davi mata Golias à traição.
Para o monoteísta não crer em seu deus é servir ao diabo, é o ápice da blasfêmia.
Para o politeísta não existe definição objetiva do mal.
No monoteísmo Deus é o único criador e criou aos homens.
No politeísmo o homem cria seus Deuses a sua imagem, dos quais oferece uma representação sublimada. Os homens superando a si mesmos.
O deus cristão afirma "meu reino não é deste mundo" (João 18 - 36).
O pagão acredita que um Deus que não pertence a este mundo não é um Deus, já que Deus é o elemento único e distinto deste mundo.
No monoteísmo tem-se a idéia de um deus déspota, ciumento, soberbo, e ao qual considera-se perfeito.
O judaico-cristianismo é uma religião sem mitos.
O odinismo, o celtismo, o hinduísmo, entre outras religiões, são ricas em mitos e são os mitos os que refletem o mundo e sacralizam-o.
No politeísmo os Deuses combatem com os homens e também entre eles - a Ilíada. Zeus e Odin são soberanos, não déspotas. Cria-se também a figura do herói, que é um intermediário entre os dois níveis, quer dizer, um semideus.
Os Deuses são homens imortais e os homens são Deuses mortais. Nossa vida é sua morte e nossa morte é sua vida.
Para os cristãos o mundo é "um vale de lágrimas"; para os judeus entre deus e a criação há um vazio.
Para os pagãos a consciência humana pertence ao mundo, pelo que encontra-se dissociada da substância de Deus.
Para o cristão não há curiosidade por nada após ter encontrado a Jesus Cristo.
O pagão não põe limites em sua espiritualidade.
Em resumo, o mártir monoteísta é o extremo oposto do herói pagão. O monoteísta não pode ser orgulhoso, deve ser humilde e rogar por um espaço no céu, enquanto que o pagão é orgulhoso e irrompe no mais além reclamando seu pedaço de "céu".
A idéia de que um ser humano possa converter-se após a morte em alguém semelhante a um Deus era corrente na antiguidade e assim demonstram-o grande número de inscrições sobre pedras sepulcrais das épocas helenística e romana. O paganismo de hoje propõe ao homem, no curso de sua vida, a superação sobre si mesmo e a participar assim da substância divina. O homem, se foi criado, deverá ultrapassar seu criador da maneira que os filhos ultrapassam seus pais.
Caim foi um homem da revolução neolítica, agricultor enraizado à terra que Jeová amaldiçoou poro causa de Adão. Como seu pai Adão, Caim faz prova de orgulho e é por essa razão que é condenado. Não é a morte de Abel, senão o rechaço de Caim por humilhar-se e arrepender-se. Caim foi pois homem civilizador por excelência; dizer-se filho de Caim é dizer-se homem de cultura e civilização.
O paganismo não pode menos que reagir contra o tema cristão da depravação do homem pelo pecado original. Pelo contrário, o homem pode conferir um sentido a sua vida, que não tem que ser lavado de um pecado original hereditário pela mediação de um redentor. O homem, segundo o pensamento pagão, deve assim conhecer a possibilidade de uma união consubstancial com o divino.
Não trata-se pois de pôr o homem no lugar de Deus. O homem não é Deus. O homem não deve ambicionar converter-se em Deus, senão, imitando aos Deuses, tornar-se como os Deuses.
A intolerância dos povos semíticos é a consequência necessária de seu monoteísmo. Os povos indo-europeus, antes de sua conversão às idéias semíticas, não haviam tomado jamais sua religião como a verdade absoluta, senão como uma espécie de herança de família ou de casta, estranha ao proselitismo.
O paganismo, ao contrário do monoteísmo, é tolerante por natureza e sempre induz à comparação. Enquanto que na época antiga a luta do monoteísmo contra a idolatria autoriza o assassinato (Deut. 13, 7-10).
Conclusão
Na medida em que tudo que é grande e forte era concebido como sobre-humano, como estranho ao homem, o homem reduzia-se e repartia entre duas esferas seus aspectos: um detestável e débil, outro forte e surpreendente. À primeira esfera chama-se homem, e à segunda chama-se Deus (Nietzsche).
Sejamos livres!
Sejamos selvagens!
Sejamos pagãos!