por Alain de Benoist
A idéia de progresso parece ser uma das pressuposições teóricas da modernidade. Pode-se até mesmo considerá-la, não sem razão, como a verdadeira "religião da civilização ocidental". Historicamente, essa idéia foi formulada mais cedo do que geralmente pensa-se, por volta de 1680, durante a querela entre os Antigos e os Modernos, na qual Terrasson, Charles Perrault, o Abade de Saint-Pierre, e Fontenelle participaram. Ela foi então desenvolvida à iniciativa de uma segunda geração, incluindo principalmente Turgot, Condorcet, e Louis Sebastien Mercier.
O progresso pode ser definido como um processo cumulativo no qual o estágio mais recente é sempre considerado preferível e melhor, ou seja, qualitativamente superior, ao que precedeu-o. Essa definição contém um elemento descritivo (a mudança ocorre em uma certa direção) e um elemento axiológico (essa progressão é interpretada como uma melhoria). Assim ela refere-se a mudança que é orientada (para o melhor), necessária (não pode-se parar o progresso), e irreversível (nenhum retorno geral ao passado é possível). A melhora sendo inescapável, segue-se que o amanhã sempre será melhor que o hoje.
Os teóricos do progresso diferem na direção do progresso, o ritmo e a natureza das mudanças que acompanham-no, e mesmo seus principais agentes. Não obstante, todos aderem a três idéias-chave: (1) uma concepção linear do tempo e a idéia de que a história possui um sentido, orientaod para o futuro; (2) a idéia de uma unidade fundamental da humanidade, toda ela chamada a evoluir na mesma direção junta; e (3) a idéia de que o mundo pode e deve ser transformado, o que implica que o homem afirma-se como mestre soberano da natureza.
Essas três idéias originam-se do Cristianismo. Mas com a ascensão da ciência e da tecnologia no século XVII, elas foram reformuladas em termos seculares.
Para os gregos, apenas a Eternidade era real. O Ser autêntico é imutável: moção circular, que garante o eterno retorno do mesmo em uma série de ciclos sucessivos, é a expressão mais perfeita do divino. Se há ascensões e quedas, progresso e declínio, é dentro de um ciclo inevitavelmente seguido por outro (a teoria de Hesíodo da sucessão das eras, o retorno à idade dourada de Virgílio). Em adição, o principal fator determinante vem do passado, não do futuro: o termo arche refere-se acima de tudo a uma origem ("arcaica") como uma autoridade ("archonte", "monarca").
Com a Bíblia, a história torna-se um fenômeno objetivamente cognoscível, uma dinâmica de progresso que caminha, do ponto de vista messiânico, na direção do advento de um mundo melhor. O Genesis assigna ao homem a missão de "dominar a Terra". A temporalidade é o vetor em termo do qual o melhor deve progressivamente revelar-se no mundo. Como resultado, um evento histórico pode ter um papel salvífico: Deus aparece historicamente. A temporalidade, ademais, é dirigida para o futuro, da Criação à Segunda Vinda, do Jardim do Éden ao Juízo Final. A idade dourada não mais reside no passado, mas no fim dos tempos: a história acabará, e acabará bem, pelo menos para os escolhidos.
Essa temporalidade linear exclui qualquer eterno retorno, qualquer concepção cíclica da história baseada na sucessão das eras e estações. Desde Adão e Eva, a história da salvação precede segundo uma necessidade fixa por toda a eternidade, começando com a Velha Aliança e, no Cristianismo, culminando em uma Encarnação que não pode ser repetida. Santo Agostinho foi o primeiro a derivar dessa concepção uma filosofia da história universal aplicável a toda a humanidade, que é chamada a progredir de era a era na direção de uma melhor.
A teoria do progresso seculariza essa concepção linear da história, da qual todos os historicismos modernos surgem. A principal diferença é que o pós-vida é reconcebido como o futuro, e a felicidade substitui a salvação. De fato, no Cristianismo, o progresso permanece mais escatológico que histórico no sentido próprio. O homem deve buscar a salvação aqui embaixo, mas com as vistas para o outro mundo. Pois ele não possui controle sobre o divino. O Cristianismo também condena o desejo insaciável e, como o Estoicismo, sustenta que a sabedoria moral está mais na limitação do que na multiplicação de desejos. Apenas a corrente milenialista no Cristianismo, inspirada pelo Apocalipse, visualiza um reino terrestre de mil anos precedendo o Juízo Final. Secularizando a visão de Agostinho, o milenialismo inspirou Joachim de Flora e seus descendentes espirituais. Mas a teoria do progresso precisava de elementos adicionais para chegar a sua forma moderna. Esses elementos primeiro apareceram na Renascença e frutificaram no século XVII.
A ascensão da ciência e da tecnologia, bem como o descobrimento do Novo Mundo, nutriram otimismo enquanto pareciam abrir um campo para infinitas melhoras possíveis. Francis Bacon, que foi o primeiro a usar a palavra "progresso" em um sentido temporal, ao invés de espacial, afirmou que o papel do homem é controlar a natureza pelo conhecimento de suas leis. René Descartes, de maneira similar, propôs que o homem fizesse de si mesmo mestre e possuidor da natureza. A natureza, concebida na "linguagem matemática" de Galileu, torna-se então muda e inanimada. O cosmo não mais possui qualquer sentido em si. Não é nada além de uma máquina que deve ser desmontada para ser conhecida e manipulada. O mundo torna-se um objeto puro do sujeito humano. Graças a essa razão, o homem sente que ele pode confiar apenas em si mesmo.
O cosmo dos Antigos assim abre caminho para um novo mundo: geométrico, homogêneo, e (provavelmente) infinito, governado por leis de causa e efeito. O modelo desse mundo é a máquina, especificamente o relógio. O tempo mesmo torna-se homogêneo, mensurável: o "tempo do mercador" substitui o "tempo do camponês" (Jacques Le Goff). A mentalidade tecnológica emerge desse novo espírito científico. O principal propósito da tecnologia é maximiar a utilidade, ou seja, ajudar a produzir coisas úteis.
Havia uma convergência óbvia entre esse otimismo científico e as aspirações de uma classe burguesa assumindo o comando dos mercados nacionais, que foram criados em colaboração com reinos territoriais. A mentalidade burguesa tende a considerar apenas quantidades calculáveis, ou seja, valores comerciais, como valiosos, e efetivamente reais. Georges Sorel depois viu a teoria do progresso como uma "doutrina burguesa."
No século XVIII, os economistas clássicos (Adam Smith, Bernard Mandeville, David Hume) reabilitaram o desejo insaciável: Segundo eles, as necessidades do homem sempre podem ser ampliadas. Então por sua própria natureza, o homem sempre quer mais e age de acordo, constantemente buscando maximizar seu melhor interesse. Junto com o otimismo imperante, essa linha de argumento tende a relativizar ou apagar o tema do pecado original.
O caráter cumulativo do conhecimento científico foi enfatizado com insistência particular. O progresso, concluiu-se, é necessário: sempre saber-se-á mais, e assim tudo sempre ficará melhor. Considerando que uma boam ente é "formada por tudo que precede-a", os Modernos são obviamente superiores: "Nós somos anões trepados nos ombros de gigantes", disse Fontenelle, citando Bernard de Clairvaux. Assim os Antigos estão desprovidos de autoridade. A tradição, de fato, é vista inerentemente como um obstáculo no caminho da razão. A comparação entre presente e passado - sempre para a desvantagem desse - também permite-se vislumbrar o curso do futuro. A comparação então torna-se previsão: progresso, inicialmente afirmado como o efeito de uma evolução, é daí em diante tomado como sua causa.
Uma concepção relacionada, já formulada por Santo Agostinho, é da humanidade como um organismo unitário que gradualmente deixa a infância das "primeiras eras" para entrar na "maturidade". Portanto, segundo Turgot, "a humanidade, considerada desde sua incepção...aparece aos olhos do filósofo como um todo imenso que tem, como cada indivíduo, uma infância e um desenvolvimento". A metáfora mecânica rende-se aqui a uma orgânica, mas esse organicismo é paradoxal, já que ele não contempla nem a velhice, nem a morte. Essa idéia de um organismo coletivo tornando-se perpetuamente "mais adulto" causou o surgimento da idéia contemporânea de "desenvolvimento" entendido como crescimento indefinido. No século XVIII, um certo desprezo pela infância tomou conta, acompanha com um desprezo pelas origens e pelos primórdios, que são sempre consideradas como inferiores.
O conceito de progresso implica uma idolatria do novum: cada inovação é a priori melhor simplesmente porque é nova. Essa sede pela novidade - sistematicamente equiparada com o melhor - rapidamente tornou-se uma das obsessões da modernidade. Na arte, ela levou ao conceito do avant-garde (que também tem suas contrapartes na política).
Daí em diante, a teoria do progresso possuía todos os seus componentes. Turgot, em 1750, depois Condorcet, formularam-na simplesmente, como a convicção de que: "A humanidade como um todo está sempre tornando-se mais perfeita". Assim a história da humanidade foi vista como definitivamente unitária. Isso preservou a idéia cristã de uma futura perfeição da humanidade e a certeza de que a humanidade está movendo-se na direção de um fim único. Mas a Providência foi abandonada e substituída pela razão humana. Daí em diante, o universalismo foi baseado na razão concebida como "una e inteira em cada indivíduo", independentemente de contexto e particularidade.
O homem do mesmo jeito foi concebido não apenas como um ser de desejos e necessidades incessantemente renovadas, mas também como um ser infinitamente perfectível. Uma nova antropologia torna o homem uma tabula rasa, um papel em branco no nascimento, atribui ao homem uma "natureza" abstrata inteiramente dissociada de sua existência concreta. A diversidade humana, quer individual ou coletiva, é considerada como contingente e completamente maleável pela educação e pelo "meio". O conceito de artifício torna-se central para e sinônimo com cultura refinada. O homem cumpre sua humanidade - "civiliza" a si mesmo - apenas opondo-se à natureza e libertando-se dela.
Assim a humanidade tem que ser libertada de tudo que possa bloquear a irresistível marcha adiante do progresso: "preconceitos", "superstições", o "peso do passado". Isso toca, indiretamente, na justificativa do Terror durante a Revolução Francesa: se o progresso é o objetivo necessário da humanidade, quem oponha-se ao progresso pode justificadamente ser morto; quem opõe-se ao progresso da humanidade pode justificadamente ser situado fora da humanidade e declarado um "inimigo da humanidade" (daí a dificuldade em reconciliar as duas afirmações kantianas de dignidade igual e progresso humano). Os totalitarismos modernos (comunismo soviético, nacional-socialismo) generalizaram essa idéia de que há "homens em excesso" cuja própria existência previne o advento de um mundo melhor.
Essa rejeição da "natureza" e do "passado" é frequentamente apresentada como sinônimo com liberação de todo determinismo. Mas na verdade, a determinação pelo passado é substituída pela determinação pelo futuro: é o "sentido da história".
O otimismo inerente na teoria do progresso é prontamente estendida a todos os domínios: à sociedade e ao homem. O reino supostamente levará a uma sociedade que é tanto transparente quanto pacífica. Supostamente vantajoso para todas as partes, o "comércio gentil" deve supostamente eliminar gradualmente as causas "irracionais" de conflito e substituí-las por trocas comerciais. Daí o abade de Saint-Pierre anunciar, bem antes de Kant, um "projeto de paz perpétua", que Rousseau criticou duramente. Condorcet propôs melhorar racionalmente a linguagem e a ortografia. A própria moralidade deveria demonstrar as características de uma ciência. A educação objetivava acostumar as crianças a livrarem-se de "preconceitos", a fonte de todos os males sociais, e a usarem a própria razão.
Assim a marcha da humanidade na direção da felicidade foi interpretada como a culminação da felicidade moral. Os homens do Iluminismo acreditavam que, já que o homem no futuro agirá de modo sempre mais "iluminado", a razão continuamente melhorará, e a humanidade tornar-se-á moralmente melhor. Assim o progresso, longe de afetar apenas a estrutura externa da existência, transformará o próprio homem. O progresso em um domínio reflete-se necessariamente em todos os outros. O progresso material leva ao progresso moral.
No plano político, a teoria do progresso foi rapidamente associada com um ânimo anti-político. Não obstante, os teóricos do progresso possuem uma visão ambígua do Estado. Por um lado, o Estado limita a autonomia da economia, considerada como a esfera de "liberdade" e da ação racional par excellence: William Godwin diz que os governos por sua natureza criam obstáculos para a propensão natural do homem de ir adiante. Por outro lado, na tradição contratualista inaugurada por Hobbes, o Estado permite ao homem escapar das limitações específicas ao "estado de natureza". Assim o Estado é simultaneamente um obstáculo e um motor do progresso.
A visão mais comum é de que a própria política deve tornar-se racional. A ação política deve cessar de ser uma arte, governada pelo princípio da prudência, e deve tornar-se uma ciência, governada pelo princípio da razão. Como com o universo, a sociedade pode ser vista como uma m´quina, na qual os indivíduos são as engrenagens. Assim ela deve ser administrada racionalmente, segundo certos princípios tão regulares quanto os observados na física. O soberano deve ser um mecânico supervisionando a evolução da "física social" na direção da "maior utilidade pública". Essa concepção inspirou a tecnocracia e a concepção administrativa e gerencial da política de um Saint-Simon ou um Comte.
Uma questão particularmente importante é se o progresso é indefinido ou leva a um estágio final. Esse terminus seria ou uma inovação absoluta ou uma restitução mais "perfeita" de um estado original: síntese hegeliana, a restauração do comunismo primitivo por uma sociedade sem classes (Marx), o fim da história (Francis Fukuyama), etc. Deve-se também perguntar se o objetivo final - assumindo que há um - pode ser conhecido com antecedência. A que fim leva o progresso, na medida em que ele leva a algo diferente de si mesmo?
Liberais tendem a acreditar em progresso indefinido, um melhoramento sem fim da condição humana, enquanto socialistas designam para o homem um final feliz bem definido. Essa segunda atitude mistura progressivismo e utopianismo: mudança perpétua leva a um estado estacionário; movimento histórico é concebido apenas como um meio para chegar a seu fim. A atitude liberal não é, porém, mais realista. Pois, por outro lado, se o homem move-se na direção da perfeição, então, na medida em que ele alcança-a, ele deve parar de aperfeiçoar-se. Se, por outro lado, não há qualquer fim reconhecível para o progresso, como pode-se falar de algum jeito de progresso? Apenas pelo reconhecimento de um objetivo dado podemos falar que um novo estado representa um avanço por sobre um anterior.
Outra questão igualmente importante: O progresso é uma força incontrolada que age por ocnta própria, ou devem os homens intervir para acelerá-lo ou remover impedimentos? É o progresso, ademais, regular e contínuo, ou ele implica saltos e rupturas qualitativas abruptas? Pode-se acelerar o progresso enquanto intervem-se em seu curso, ou, fazendo isso, arrisca-se atrasar sua completude? Aqui novamente os liberais, acreditando na "mão invisível" e no "laissez-faire", diferem dos socialistas, que são mais voluntaristas, senão revolucionários.
No século XIX, a teoria do progresso alcançou seu apogeu no Ocidente. Ela foi, porém, reformulada em um clima diferente, marcado pela modernização industrial, positivismo científico, evolucionismo, e o aparecimento de grandes teorias historicistas.
A ênfase foi daí em diante colocada mais na ciência do que na razão, no sentido filosófico do termo. A esperança por uma organização "científica" da humanidade, e pelo controle científico de todos os fenômenos sociais tornou-se difundido. Esse tema foi incansavelmente revisitado por Fourier, com seu Falanstério; por Saint-Simon, com seus princípios tecnocráticos; por Auguste Comte, com sua Catequese Positivista e sua "religião do progresso".
Ao mesmo tempo, os termos "progresso" e "civilização" vieram a tornar-se sinônimos. A idéia de progresso era usada para legitimar a colonização, supostamente para difundir os benefícios da "civilização" por todo o mundo.
O conceito de progresso também foi reformulado à luz do evolucionismo darwiniano. A evolução da vida em si foi reinterpretado em termos de progresso, particularmente por Herbert Spencer, que definiu o progresso como a evolução do simples para o complexo, do homogêneo para o heterogêneo. De fato, o caráter do progresso mudou consideravelmente. A partir de então, o modelo mecânico do Iluminismo foi combinado com um organicismo biológico, conforme seu pacifismo exaltado deu lugar a uma defesa da "luta pela vida". O progresso resultava da seleção dos "mais aptos" ("os melhores"), em uma visão generalizada de competição. Essa reinterpretação reforçou o imperialismo ocidental: porque era "mais evoluída", a civilização do Ocidente também era necessariamente a melhor.
Assim a civilização Ocidental era o ponto alto da evolução social. A história da humanidade foi dividida em "estágios" sucessivos, marcando seus vários passos no "progresso". A dispersão de várias culturas no espaço foi transposta no tempo: sociedades "primitivas" deram aos ocidentais uma imagem de seu próprio passado (eles eram "ancestrais contemporâneos"), enquanto o Ocidente dar-lhes-ia uma imagem de seu futuro. Condorcet já havia afirmado que a humanidade havia passado através de tem estágios sucessivos. Hegel, Comte, Marx, Freud, etc, propuseram esquemas análogos, indo da "fé supersticiosa", para a "ciência", da era "teológica" para a "científica", da mentalidade "primitiva" ou "mágica" para a mentalidade "civilziada" e o reino universal da razão.
Combinado com o positivismo científico, que infundiu completamente a antropologia e nutriu a ilusão de que poder-se-ia medir o valor das culturas com precisão, essa teoria deu origem ao racismo, que percebia as civilizações tradicionais como ou permanentemente inferiores ou temporariamente atrás do Ocidente (a "missão civilizatória" das potências coloniais consistia em fazer com que eles alcançassem-nos), e postulava um critério universal, um paradigma abarcador, que fez possível classificar culturas e povos em uma hierarquia. O racismo foi então diretamente ligado ao universalismo do progresso, o qual já ocultava um etnocentrismo inconsciente ou mascarado.
Eu não abordarei aqui com a crítica da idéia de progresso, que, em tempos modernos, começa com Rousseau, ou com as inúmeras teorias de declínio e decadência que poder-se-iam opor a ela. Eu notarei apenas que estas últimas muitas vezes (mas não sempre) representam o duplo negativo, a imagem-espelho, da teoria do progresso. A idéia de um movimento necessário da história é preservado, mas de um ponto-de-vista reverso: a história é interpretada não como progresso constante mas como regressão inevitável (específica ou generalizada). De fato, uma tendência para o declínio ou decadência aparece tão inverificável como uma para o progresso.
Por pelo menos vinte anos, livros sobre as desiluões do progresso tem proliferado. Certos autores tem ido tão longe quanto dizer que o progresso não é mais que uma "idéia morta" (William Pfaff). A realidade indubitavelmente possui mais nuances. A teoria do progresso é seriamente questionada hoje, mas não há dúvida de que ela vive de várias formas.
Os totalitarismos do século XX e as duas Guerras Mundiais obviamente sabotaram o otimismo dos dois séculos anteriores. As próprias desiluões que impulsionaram esperanças revolucionárias tem nutrido a idéia de que a sociedade contemporânea - espiritualmente pobre e insignificante que seja - é não obstante a única possível: a vida social está cada vez mais infundida com fatalismo. O futuro, que agora parece imprevisível, inspira mais medos que esperanças. Uma crise cada vez mais profunda parece mais provável que um "amanhã melhor".
A idéia de progresso unitário está abalada e quebrada. Ninguém acredita mais que progresso material torna o homem melhor, ou que progresso registrado em um domínio é automaticamente refletido nos outros. Na "sociedade de risco" (Ulrich Beck), o progresso material ele mesmo parece ambivalente. É garantido que, junto com suas desvantagens, há custos. É bastante evidente que a urganização desregulada multiplica patologias sociais e que a modernização industrial resulta em uma degradação sem precedentes da estrutura natural da vida. A destruição massiva do meio-ambiente deu causa ao surgimento de movimentos ecológicos, que estiveram entre os primeiros a denunciar as "ilusões do progresso". O desenvolvimento da tecnociência também necessariamente desperta a questão de propósito. O desenvolvimento da ciência não é mais percebida como necessariamente contribuindo para a felicidade da humanidade: o conhecimento em si, como vê-se no debate sobre biotecnologias, é considerado como potencialmente ameaçador. Seções cada vez maiores da população agora entendem que "mais" não é sinônimo com "melhor". Nós distinguimos entre ter e ser, felicidade material e felicidade em geral.
O tema do progresso não obstante permanece fecundo, ainda que como símbolo. A classe política continua arregimentar "forças do progresso" contra os "homens do passado" e a trovejar contra o "obscurantismo medieval" (ou os "modos de outras eras"). No discurso público, a palavra "progresso" ainda retém uma ressonância majoritariamente positiva.
A orientação para o futuro também permanece dominante. Ainda que admita-se que o futuro está cheio de incertezas ameaçadoras, nós ainda esperamos que, logicamente, as coisas devem melhorar em geral. Arrastadas pelo surgimento de tecnologias de ponta e por modas criadas pela mídia, o culto da novidade permanece mais forte do que nunca. As pessoas também continuam a acreditar que a "liberdade" do homem aumenta na medida em que ele é desenraizado de seus laços orgânicos e tradições herdadas. O individualismo reinante, junto com o etnocentrismo ocidental - que legitima-se com a ideologia dos direitos humanos - destroem a família, dissolve os laços sociais, e desacredita as sociedades tradicionais do Terceiro Mundo, nas quais a economia ainda encontra-se integrada na sociedade e os indivíduos e comunidades ainda são interdependentes.
Mas acima de tudo, a teoria do progresso persiste em sua versão produtivista. Ela nutre a idéia de que o crescimento indefinido é tanto normal quanto desejável, e que um futuro melhor depende de um volume cada vez maior de bens produzidos, uma idéia que favorece a globalização do comércio. Essa idéia também inspira a ideologia do "desenvolvimentismo", que ainda vê as sociedades do Terceiro Mundo como ainda estão (economicamente) para trás do Ocidente e exalta o modelo ocidental de produção e consumo como o destino de toda a humanidade. Essa ideologia do desenvolvimento foi formulada perfeitamente em 1960 por Walt Rostow, que enumerou as "fases" que cada sociedade no plano deve atravessar para alcançar a era do consumismo e do capitalismo comercial. Como Serge Latouche, Gilbert Rist, e outros demonstram, a teoria do desenvolvimento é essencialmente apenas uma fé. Enquanto essa fé persistir, também persistirá a ideologia do progresso.