25/08/2011

Sobre a questão de Classe

Por Ernst Niekisch


Somente as massas trabalhadoras são as verdadeiras criadoras da História, e o verdadeiro socialismo somente pode ser construído pelo trabalho criador de milhões de trabalhadores”.

O conceito de Classe possui um sentido duplo. Por um lado expressa a constatação de um fato: A sociedade se divide em dois grandes grupos, dos que possuem os meios de produção e o grupo dos que não possuem nenhuma porção destes meios de produção e que, por isso, caem na dependência dos primeiros. O primeiro grupo está conformado pela classe dos proprietários, os burgueses, e a segunda é a classe trabalhadora, os proletários. Por outro lado, a Classe é a parte politicamente ativa da classe trabalhadora, que é consciente de sua situação e que está determinada a transformá-la.

A formação do conceito de Classe exige uma especial consciência, do mesmo modo que, em seu momento, o exigiu a formação de uma consciência estamental (na sociedade feudal), ou de cidadania (nas democracias burguesas). Não é certo que o trabalhador industrial, simplesmente por sua condição social, forma automaticamente parte do coletivo politicamente ativo da classe proletária. São necessários conhecimentos e, sobretudo a vontade resoluta de incluir-se na classe do proletariado. Somente se pertence à classe trabalhadora, em um sentido de luta, quando se quer pertencer a ela. Somente uma limitada porção dos proletários está, neste sentido, capacitado, sabe o que quer. Um se eleva sobre a massa quando toma consciência de classe, torna-se então advogado dos interesses proletários e, caso seja necessário, em revolucionário profissional, funcionário ou dirigente. Os trabalhadores com consciência de classe se convertem nos eleitos, a elite de uma vanguarda de combatentes da causa da classe trabalhadora. Somente eles sabem o que necessita o proletariado, suas carências, e somente eles estão em situação de compreender e tomar conta de seus interesses com êxito e resultados. É assim como a idéia de classe se converte também em principio forjador de uma nova elite (elite que superará as elites aristocráticas da sociedade feudal e as elites burguesas das democracias capitalistas – uma nova elite de, e para a classe trabalhadora. Uma elite, além disso, baseada na Técnica).

A perspectiva de classe contém um propósito agressivo. Para a burguesia, o sentido da idéia de Nação foi de ocultar que as diferenças entre proprietários e despossuídos tivessem significado algum; a democracia parlamentar também caminha para um encobrimento do mesmo tipo. É o axioma do estado burguês, que as diferenças econômicas são questão da esfera privada, e nunca uma questão a ser considerada no público e político.

A perspectiva de classe aponta, sem contemplações, contra as distintas tendências encobridoras burguesas. Ele não só leva à luz o duro significado destas diferenças, mas enfatiza também seu papel decisivo e central. Enquanto pôde-se esconder seu peso, pôde o proprietário burguês, mediante sua útil afirmação de igualdade, manter-se na crença de que não existiam diferenças importantes entre eles, a classe dirigente, e os despossuídos, a classe explorada. A perspectiva de classe rompe com esta crença nas mentes dos despossuídos, um acontecimento que sacode os fundamentos da ordem burguesa. A perspectiva de classe fundamenta a solidariedade entre os despossuídos frente aos possuidores. O burguês tem como conseqüência todos os motivos para odiá-la profundamente. É compreensível o quão repelente é, para o burguês, quando ouve falar da “classe burguesa”; é a fala do “proletariado incitado” que, para sua desgraça, se esclareceu sobre eles.

Existem identificações sociais de todo o tipo que, no passado, foram de grande efetividade. O que para os aristocratas feudais o foi Deus, para a burguesia o foi o “Povo” (ou a cidadania). Isto é, as massas para os trabalhadores com consciência de classe.

O destino das elites está tão ligado aos princípios que as legitimam que ela existe e morre com eles. Isto é particularmente válido quando este princípio é descoberto e submetido à especulação. As especulações podem ser alienantes ou desalienantes; isto depende se a mente especuladora pensa para elite, ou contra ela. No primeiro caso, converte-se este princípio em portador de todos os valores positivos, é a promessa e base de toda realização; no segundo, em troca, é fonte de todas as desgraças. A mesma posição que se tenha frente à elite na prática toma-se, também, como principio no teórico.

A elite da classe trabalhadora, aqueles que alcançaram a consciência de si mesmos e de sua própria situação, que se reuniram ao redor do estandarte da consciência de classe, especulam, em conseqüência, sobre a “massa”. Escuta o pulsar da massa, se dobra ante sua vontade. O trabalhador com consciência de classe se desvanece na massa, deseja somente cumprir sua vontade, ser arrastado por ela. Não ousa dar nenhum passo por sua própria conta e responsabilidade, qualquer movimento deve ser aprovado pela massa.

A Nação já não pode seguir com sua ordem de camadas sociais; estas já foram liquidadas, a burguesia não teve escrúpulo algum com os aristocratas. Nenhuma elite deveria existir mais além da Nação; qualquer um que estivesse à margem de suas noções, foi qualificado de antinatural e foi desenterrado, perdeu seu direito de existir. Não menos intolerante deve ser a Classe Trabalhadora. Nenhuma outra elite deve existir paralelamente a ela. Somente quando se consiga liquidar os últimos restos da elite anterior, se poderá alcançar a sociedade sem classes. Esta carecerá de classes porque a classe do proletariado terá abarcado a totalidade, e sua exigência por ser o único órgão da massa não deverá voltar a ser posta em questão por nenhum poder social.

Cada elite tem suas armas particulares para impor-se. O antigo regime (feudal-estamental) confiou na espada. Com ela, derrotava a todos que ousassem levantar-se contra sua ordem e procurava-se o respeito e a distância que lhe eram tão necessários. O Estado burguês confiou em seu dinheiro. A possessão, que determinava o nível de privilégios e oferecia os meios de se financiar uma existência melhor, assim como a compra da servidão e da submissão, com a qual os proletários acabavam sendo os que carregavam todo o peso social. A classe trabalhadora fundamenta seu futuro no poder da Técnica. Embora os estados burgueses já haviam compreendido e desenvolvido o poder da técnica sobre sua tutela, isto só foi feito desde a perspectiva da rentabilidade; se não era rentável, não se desenvolvia. Além disso, este interesse na técnica centrou-se nas energias da Natureza; dominar as forças da natureza foi a meta da técnica para eles. A sociedade poderia abandonar-se a si mesma. Somente a desgosto, e obedecendo a força das circunstâncias, começou-se a organizar ela também na Técnica. A classe, em troca, quer a totalidade da capacidade da Técnica; quer mobilizar tanto as energias naturais, quanto as sociais dela. Ela calcula o imenso poder que possui a Técnica. A sociedade, em seu conjunto, será uma grande maquinaria e aquele que tenha suas mãos nas alavancas e botões será seu condutor na totalidade. A classe trabalhadora sente-se chamada pela História a manejar estas alavancas e botões decisivos.