"Receber juros por um empréstimo monetário é injusto em si mesmo, porque implica a venda do que não existe, com o que manifestamente se produz uma desigualdade que é contrária à justiça. Para sua evidência, deve se recordar que há certos objetos cujo uso consiste em seu próprio consumo; assim consumimos o vinho utilizando-o para a bebida e o trigo ao empregá-lo para a comida. Daí que nesses casos não devam se computar separadamente o uso da coisa e a coisa mesma, posto que a todo aquele a quem se concede o uso, se concede também a coisa mesma. Daí que, tratando-se de tais objetos, o empréstimo transfere a propriedade dos mesmos. Logo, se alguém quisesse vender por um lado o vinho e de outro o uso do vinho, venderia duas vezes a mesma coisa ou venderia o que não existe; e por essa razão cometeria manifestamente um pecado de injustiça. Por igual motivo comete uma injustiça o que empresta vinho ou trigo e exige dois pagamentos: um, a restituição do equivalente da coisa, e outro, o preço de seu uso, de onde vem o nome de usura.
Há, pelo contrário, outros objetos cujo uso não implica seu próprio consumo; assim, a utilização de uma casa é habitar nela, não destruí-la, e, por conseguinte, tratando-se dessa classe de coisas, se podem conceder por separado ambos elementos, como quando se cede a outra pessoa a propriedade de uma casa, reservando-se para si o uso durante um certo tempo; ou ao contrário, quando se concede o uso da casa, reservando-se para si seu domínio. Daí que se possa licitamente receber um pagamento pelo uso de um imóvel e reclamar depois a devolução do edifício emprestado, como ocorre no aluguel e arrendamento de casas.
Mas o dinheiro, segundo o Filósofo (*Aristóteles), em V Ethic. e en I Polit., foi inventado principalmente para realizar trocas; e assim, o uso próprio e principal do dinheiro é seu consumo ou investimento, posto que se gasta nas transações. Por conseguinte, é em si mesmo ilícito receber um preço pelo uso do dinheiro emprestado, que é o que se denomina a usura. E do mesmo modo que o homem há de restituir as demais coisas injustamente adquiridas, também há de fazê-lo com o dinheiro que recebeu en qualidade de juros."
(São Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-IIae, q.78, a.1)