"No fundo nos sobrepomos a todo o demais, posto que nascemos para uma existência subterrânea e combativa; uma e outra vez saímos à luz, uma e outra vez experimentamos a hora áurea do triunfo - e nesse momento aparecemos tal como nascemos, inquebrantáveis, tensos, dispostos a conquistar algo novo, algo mais difícil, algo mais distante todavia, como um arco a quem as privações só conseguem tornar mais rígido. Porém de vez em quanto - e supondo que existam protetores celestiais, situados mais além do bem e do mal - condedam-me um olhar, um único olhar tão somente a algo perfeito, a algo totalmente realizado, feliz, poderoso, vitorioso, no qual todavia haja algo a temer! Um olhar a um homem que justifique ao homem, um olhar a um caso afortunado que complemente e redima ao homem, por razão do qual me seja lícito conservar a fé no homem!... Pois assim estão as coisas: o encolhimento e a nivelação do homem encerram nosso máximo perigo, já que essa visão cansa... Hoje não vemos nada que aspire a ser maior, descemos cada vez mais baixo, mais baixo, na direção de algo débil, mais manso, mais prudente, mais plácido, mais medíocre, mais indiferente, mais cristão - o homem, não há dúvida, se torna cada vez 'melhor'... Justo nisso reside a fatalidade da modernidade, ao perder o medo ao homem perdemos também o amor a ele, o respeito por ele, a esperança nele, mais ainda, a vontade dele. Atualmente a visão do homem cansa - quê é hoje o niilismo senão isso?... Estamos cansados do homem."
(Friedrich Nietzsche, Trecho de "Genealogia da Moral")