25/01/2023

Javier Portella - As Elites e o Povo

 por Javier Portella

(2023)


Insidiosamente, sem sequer nos darmos conta, o ar predominante, o espírito dos tempos, infiltra-se até mesmo naqueles de nós que mais ardentemente se opõem a ele.

A questão do populismo é, sem dúvida, o exemplo mais claro disso. Devemos ser populistas, é verdade, não há outra maneira; mas também devemos ser elitistas, ou seja, anti-igualitários, convencidos de que, como disse Aristóteles, é injusto tratar os desiguais como iguais, e estes como desiguais.

Vamos dar uma olhada mais de perto.

Ao assumirmos a visão populista, todas as nossas abordagens partem do mesmo pressuposto... que curiosamente compartilhamos com nossos adversários de esquerda. Com os da esquerda vermelha, quero dizer; os outros, os progressistas da esquerda rosa (ou "fúcsia", como Diego Fusaro lhe chama), esses se colocaram desavergonhadamente do lado da oligarquia.

O que ambos aspiramos é nos fazermos, embora por motivos e com orçamentos diferentes, com a vontade popular. Só na medida em que a maioria das pessoas tome consciência das condições degradantes em que vivem; somente na medida em que a maioria das massas populares tenha consciência da exploração social e econômica —dizem— a que estão submetidas, ou da degradação cultural e civilizacional —dizemos— a que estamos submetidos; só assim será possível pôr fim a tal degradação.

O raciocínio, em ambos os casos, está totalmente correto (embora incompleto). Sejamos claros: o mundo que desejamos, esse mundo ordenado em torno do que é bom, do que é belo e do que é verdadeiro, implica também —se tem que ser justo e bom— que as condições materiais de vida da maioria das pessoas são substancialmente aprimorados, ao mesmo tempo em que se acaba com a ganância desenfreada com que as oligarquias devastam o mundo; nada disso significa que eles estejam sonhando com a tolice de aspirar à igualdade geral, buscando abolir a propriedade e eliminar o mercado.

Para alcançar uma ordem das coisas baseada no bom, no belo e no verdadeiro, é essencial criar uma espécie de consenso geral que tome consciência de que o mau, o feio e o falso é o que caracteriza, pelo contrário, a desordem imperante hoje. Mas esse consenso —e é aí que o populismo está errado— tem que ser, precisamente, geral. Não apenas popular. Também as elites, em outras palavras, devem ser envolvidas no esforço.

A luta de classes não pode, portanto, ser o princípio orientador do combate. Ou deve limitar-se a uma luta em que a esmagadora maioria da sociedade – classes altas e classes baixas juntas – enfrenta a extrema minoria da plutocracia dominante.

Tudo isto por uma razão simples: porque sem o envolvimento das elites, na medida e da forma que for, nada se conseguirá. Como disse recentemente o pensador e político francês Jean-Yves Le Gallou, "é obrigatório afirmar que as grandes transformações históricas raramente foram promovidas e dirigidas pelo povo. Querendo ou não, nossa ação política tem que contar com as elites, pois sem elas há poucas chances de vitória final".

As elites?...


Como nossas elites atuais, degeneradas, poderiam estar pouco ou muito envolvidas na regeneração do mundo? Eles não são precisamente o fundo do problema? Eles o constituem, é claro que o fazem. Mas além de não serem os únicos a constituí-la, além de o povo também respirar o ar do tempo e aderir, a seu modo, à ordem vigente, trata-se justamente de que ambos um e o outro parem de obedecer a essa ordem.

Nossas elites podem se tornar capazes disso? Essas pessoas têm absolutamente tudo. Não há nada, materialmente falando, que eles possam desejar, não há nada a que possam aspirar. Exceto por uma coisa: o sentido da vida. Isso é o que lhes falta completamente: aquele senso  que as elites de outros tempos, os cavaleiros e aristocratas movidos por ideais de grandeza e heroísmo, de nobreza e beleza, tinham mais do que suficientes.

E isso, um sugestivo projeto de vida comum, é o que nós, a Direita identitária —vamos usar o adjetivo para nos diferenciarmos da Direita liberal que em tudo se opõe a nós— podemos e devemos oferecer-lhes. Sem que nada, é claro, possa nos garantir de antemão que nossas elites não querem continuar empenhadas em cometer suicídio. E ao cometer suicídio.

Mas isso, a incerteza quanto ao resultado, é, por definição, a natureza de qualquer empreendimento histórico. Especialmente quando o que está em jogo são coisas tão decisivas quanto nosso próprio futuro como europeus. Um fato simples tornará isso mais claro: 41% dos nascidos na França - o próprio Jean-Yves Le Gallou lembrava no artigo acima - eram de origem não europeia em 2019 (o último ano de estatísticas confiáveis).