por Javier Portella
(2023)
Insidiosamente, sem sequer nos darmos conta, o ar predominante, o espírito dos tempos, infiltra-se até mesmo naqueles de nós que mais ardentemente se opõem a ele.
A questão do populismo é, sem dúvida, o exemplo mais claro disso. Devemos ser populistas, é verdade, não há outra maneira; mas também devemos ser elitistas, ou seja, anti-igualitários, convencidos de que, como disse Aristóteles, é injusto tratar os desiguais como iguais, e estes como desiguais.
Vamos dar uma olhada mais de perto.
Ao assumirmos a visão populista, todas as nossas abordagens partem do mesmo pressuposto... que curiosamente compartilhamos com nossos adversários de esquerda. Com os da esquerda vermelha, quero dizer; os outros, os progressistas da esquerda rosa (ou "fúcsia", como Diego Fusaro lhe chama), esses se colocaram desavergonhadamente do lado da oligarquia.
O que ambos aspiramos é nos fazermos, embora por motivos e com orçamentos diferentes, com a vontade popular. Só na medida em que a maioria das pessoas tome consciência das condições degradantes em que vivem; somente na medida em que a maioria das massas populares tenha consciência da exploração social e econômica —dizem— a que estão submetidas, ou da degradação cultural e civilizacional —dizemos— a que estamos submetidos; só assim será possível pôr fim a tal degradação.
O raciocínio, em ambos os casos, está totalmente correto (embora incompleto). Sejamos claros: o mundo que desejamos, esse mundo ordenado em torno do que é bom, do que é belo e do que é verdadeiro, implica também —se tem que ser justo e bom— que as condições materiais de vida da maioria das pessoas são substancialmente aprimorados, ao mesmo tempo em que se acaba com a ganância desenfreada com que as oligarquias devastam o mundo; nada disso significa que eles estejam sonhando com a tolice de aspirar à igualdade geral, buscando abolir a propriedade e eliminar o mercado.
Para alcançar uma ordem das coisas baseada no bom, no belo e no verdadeiro, é essencial criar uma espécie de consenso geral que tome consciência de que o mau, o feio e o falso é o que caracteriza, pelo contrário, a desordem imperante hoje. Mas esse consenso —e é aí que o populismo está errado— tem que ser, precisamente, geral. Não apenas popular. Também as elites, em outras palavras, devem ser envolvidas no esforço.
A luta de classes não pode, portanto, ser o princípio orientador do combate. Ou deve limitar-se a uma luta em que a esmagadora maioria da sociedade – classes altas e classes baixas juntas – enfrenta a extrema minoria da plutocracia dominante.
Tudo isto por uma razão simples: porque sem o envolvimento das elites, na medida e da forma que for, nada se conseguirá. Como disse recentemente o pensador e político francês Jean-Yves Le Gallou, "é obrigatório afirmar que as grandes transformações históricas raramente foram promovidas e dirigidas pelo povo. Querendo ou não, nossa ação política tem que contar com as elites, pois sem elas há poucas chances de vitória final".