05/05/2021

Gianluca Donati – Nem Esquerda, Nem Direita: Corto Maltese como o Anarca de Jünger

por Gianluca Donati

(2018) 


"Camarada Corto Maltese", este foi o título de um encontro cultural realizado em um círculo da CasaPound há alguns anos, desencadeando as mais desordenadas reações e indignações da família do autor das obras de Corto Maltese, o mestre Hugo Pratt. A perplexidade foi argumentada pelo fato de que historicamente, Maltese era considerado no imaginário coletivo como pertencente à "cultura da esquerda", por exemplo, Corto é filho de uma prostituta cigana, é um verdadeiro nômade (sem casa ou família), libertino de certa forma, portanto tendendo a ser "anárquico" ou "anarcoide" (e os dois termos não colidem). A intenção da discussão da CasaPound era, ao invés disso, analisar possíveis "atitudes fascistas", como o fato de que o marinheiro acreditava na camaradagem, é um anti-herói rabugento, individualista, mas pronto para ficar ao lado daqueles que sofreram injustiças, pronto para se lançar nas causas perdidas; além disso, Maltese é um amante romântico e aventureiro. Essas obras de "literatura desenhada" (como Pratt gostava de chamar), surgiram num período, o dos anos 70, em que a aventura era oposta pela política e pela crítica, porque era considerada, politicamente, "não engajada".

Naturalmente à tese de CasaPound, se respondeu apontando que Maltese (portanto Pratt) não era nacionalista, não acreditava em países, não era racista. Tudo verdade. Mas antes de afirmar que Pratt-Maltese é de "esquerda", eu convidaria a uma reflexão mais profunda, pois nos anos 70, nem todos no ambiente político-cultural de esquerda estavam tão convencidos da identidade progressista do personagem do mestre. O próprio Pratt declarou naqueles anos: "Eu tinha que limpar o pó de Marx e Engels, autores que eu tinha que frequentar e que imediatamente me entediavam. Visitei também Marcuse e alguns outros e voltei aos clássicos da aventura. Fui imediatamente acusado de infantilidade, hedonismo e fascismo". Mais tarde, Pratt foi demitido da revista para a qual trabalhava, porque a editora, politicamente próxima ao Partido Comunista Francês, o acusava de libertinagem. Portanto, as insinuações de um Pratt "não esquerdista" não são uma invenção recente da CasaPound. Que isso não significa "fascista" é outra questão. Deixemos de lado que Pratt lutou na 10ª Flottiglia MAS.

Já mais relevante parece ser a pista que o Giornale nos deu anos atrás, quando publicou uma dedicatória que Pratt teria feito a um de seus editores franceses, na qual, com sua inconfundível caligrafia, o mestre escreveu "De votre fasciste Hugo Pratt" (De seu fascista Hugo Pratt). E esta carta não é de 1944, mas de 1988. Todos ficaram chocados e tentaram ridicularizar a tese, mas ninguém foi capaz de dar uma explicação confiável. Mas independentemente dessas considerações, e além da conhecida paixão de Pratt por uniformes, decorações e códigos de honra, mais precisamente, devemos dizer, que se é verdade que o Maltese é principalmente um "anárquico", ele o é no sentido "individualista"; o Maltese é impaciente com o nacionalismo, mas também com o social-comunismo, o estatismo e o coletivismo de massa. Ele é um homem que acredita na honra e ama a ação aventureira e, sobretudo, a viagem, que para ele é uma forma de viajar dentro de si, em busca de sua Essência (e aqui se sente a pertença de Pratt à Maçonaria); ele é um anarco-individualista e, portanto, um anarquista de direita. Esta vertente do pensamento anárquico descende do filósofo Max Stirner, para quem, por trás do direito e da política não há lei ou consentimento, mas força e irracionalidade, chegando ao ponto de dizer: "Se tenho ou não um legítimo poder-direito, não me interessa nada, se sou poderoso, tenho a autoridade, não preciso de outra autorização e legitimação".

É uma concepção de vida que tem reminiscências vagamente nietzschianas. Mais do que anárquico - dizíamos acima - Maltese parece ser "anarcóide", ele se faz passar por anárquico por veleidade ou por pose, porque é um "esteta" que dá mais importância à forma do que ao conteúdo (ou forma coincide com conteúdo), e tende a ter atitudes rebeldes confusas, mesmo agarrando-se ao rótulo de anárquico. Individualista, mas não egoísta, ele decide intervir em defesa de alguém ou de uma causa, apenas seguindo sua consciência e não porque é forçado por uma lei ou por uma instituição. Isto, porém, requer uma superioridade de espírito que não é comum, e que apenas algumas poucas pessoas possuem. 

É por isso que Maltese se aproxima da figura "do Anarca" de Ernst Jünger, onde o conceito anárquico de liberdade está entrelaçado com o de uma espiritualidade aristocrática. E se o Anarca-rebelde jüngeriano, "se refugiava no bosque", Maltese busca e encontra seu equilíbrio entre liberdade e altruísmo, na imensidão do oceano onde as leis "sociais" são diferentes e não sujeitas à civilização organizada e alienante da modernidade industrial e urbanizada, da qual Maltese escapa através de viagens e aventuras. E o Anarca Maltese também recorda o Super-Homem de Nietzsche; na verdade, àqueles que, para demonstrar o antifascismo "esquerdista" de Maltese, recordam da famosa mesa em que o marinheiro dá um pontapé nas partes baixas de um squadrista, estranhamente ninguém salientou que na mesma aventura "Fábula de Veneza" Maltese também encontra um personagem que realmente existiu, o famoso poeta-soldado Gabriele d'Annunzio, que, ao contrário do squadrista, é representado positivamente.

O fato de D'Annunzio ser um "nacionalista de direita", um anarco-individualista e decadentista, e de ter flertado com o fascismo, apesar de polêmico, é bem conhecido. A banda desenhada em questão foi publicada em 1976, e esses foram os anos em que a exibição benevolente de D'Annunzio foi suficiente para ser marcada como fascista ou reacionária. Em conclusão: "Camarada Maltese" foi uma provocação típica dos doidos da CasaPound, uma forçação de barra, mas se eu tivesse que escolher entre colocar o personagem de Corto Maltese, à direita ou à esquerda, não teria dúvidas em colocá-lo à direita, uma direita anarcóide e libertária, e numa visão de "direita inclusiva e ampla", como eu a entendo, uma direita de síntese entre diferentes culturas, o marinheiro de orelha furada pode ser considerado parte dessa herança artístico-cultural, independentemente das reais crenças políticas do grande Pratt.