02/01/2025

Aleksandr Dugin - A Revolução Conservadora Russa

 por Aleksandr Dugin

(2004)


 

1. A Rússia conservadora-revolucionária


Os autores que estudavam a Revolução Conservadora alemã ou a Revolução Conservadora de modo geral (Armin Mohler, Alain de Benoist, Luc Pauwels, Robert Steuckers, etc.) sempre destacaram o papel da Rússia no desenvolvimento do pensamento conservador-revolucionário e até mesmo no uso original deste termo. -- Yuri Samarin “Revolutsionnyi conservatism”. Não se pode duvidar também da "Ostorientirung" e de certa russofilia quase obrigatória desse movimento intelectual dos jovens conservadores até os nacionais-bolcheviques alemães, passando pelos geopolíticos da escola de Haushofer. Nesse sentido, as célebres ideias radicais de Jean Thiriart sobre "o império euro-soviético de Vladivostok a Dublin" e o famoso aforismo de Alain de Benoist sobre a preferência pela boina do Exército Vermelho em vez do boné verde americano permanecem dentro dos quadros tradicionais da lógica conservadora-revolucionária mais estrita.

Mas um estudo sério e suficientemente documentado neste domínio ainda está por fazer para apreciar todo o valor intelectual e geopolítico do pensamento conservador-revolucionário dos próprios autores russos. Esta tarefa é extremamente difícil devido à falta de traduções dos escritos dos representantes do pensamento conservador-revolucionário russo para as línguas europeias. Por outro lado, este movimento permanece quase inteiramente ignorado até mesmo na própria Rússia, porque os comunistas de ontem consideravam oficialmente este movimento como "pequeno-burguês" e "nacionalista", e os democratas de hoje pensam que se trata de "chauvinistas", "patriotas" e "antissemíticos", ou até mesmo "nazistas". Apesar de tudo, o interesse pelos autores russos da tendência conservadora-revolucionária na Rússia está crescendo cada vez mais, e pode-se esperar que suas obras e ideias sejam redescobertas e repensadas pela intelligentsia russa, que começa a despertar de um longo sono ideológico. Já se pode notar que o processo intelectual de descoberta do patrimônio nacional no domínio da cultura ainda hoje possui na Rússia vários traços conservadores-revolucionários, embora muitas vezes isso ocorra de maneira espontânea, inconsciente e natural. Pode-se até ousar dizer que a Rússia em si, em sua essência, é naturalmente conservadora-revolucionária, abertamente ou secretamente conforme as circunstâncias externas.


2. Os precursores do movimento conservador-revolucionário na Rússia


a) Os maçons russos

Se observarmos a história do pensamento russo ao longo dos últimos séculos, constataremos sem dúvida que quase todos os escritores, filósofos e publicistas russos mais destacados possuem certos traços conservadores-revolucionários. A partir dos maçons russos do círculo de Novikov, Schwarz e Lopukhin, vemos nos movimentos intelectuais russos sempre a combinação de motivos conservadores com motivos revolucionários.

Os maçons russos, ou rosacruzes russos, como são mais frequentemente chamados, queriam na segunda metade do século XVIII contrabalançar as tendências puramente laicas e essencialmente ateias da corte russa, que se tornaram uma espécie de ideologia obrigatória sob a czarina Catarina, com pesquisas tradicionalistas, espirituais e "conservadoras" no sentido místico e teológico. Mas a religiosidade e o misticismo dos primeiros maçons russos tinham como contrapartida certos acentos colocados no lado da Justiça Social e certos traços vagos do socialismo. Se podemos falar aqui de certo "utopismo" que unia os maçons russos com seus "irmãos" europeus, eles eram, no entanto, muito diferentes deles em tudo o que dizia respeito à consciência das raízes nacionais, ao sentimento vivo da identidade russa e imperial. Seu utopismo era enraizado e identitário. Não é por acaso que os maçons russos estavam principalmente ligados às lojas-mãe alemãs onde, em contraste com a Inglaterra e a França, reinava o espírito nacionalista e imperial, excetuando-se os Iluminados da Baviera cuja pertença à maçonaria regular era, aliás, negada por autores tão sérios e qualificados como René Guénon. Seja como for, os escritos de Lopukhin e Novikov estão cheios de alusões aos valores místicos do povo e da alma russa entendida como realidade espiritual e enigmática. À semelhança da maçonaria prussiana e protestante da mesma época, a maçonaria russa do século XVIII tinha uma tendência "pró-cavaleiresca" e "pró-medieval" que a separava nitidamente da maçonaria francesa racionalista, enciclopedista e "modernista".


b) Os eslavófilos -- A.Khomyakov, P.Kirievsky, Aksakov, etc.

Mas os precursores mais diretos do conservadorismo revolucionário russo foram os eslavófilos do século XIX. Este movimento, que influenciou fortemente toda a vida intelectual russa dos dois últimos séculos, não era, como se pensa muitas vezes, um movimento unicamente conservador, patriarcal, arcaico e reacionário. Como quase sempre na história russa (e mesmo na história de todo o pensamento contrarrevolucionário, ouso dizer) os intelectuais mais radicais da Direita evoluíram até essa posição ideológica começando pelo polo oposto, o do modernismo, do progressismo, da revolução. Os primeiros eslavófilos (os da primeira geração, como se diz), como A.Khomyakov, P.Kirievsky, os irmãos Aksakov, etc., passaram todos pelo fascínio das ideias da Revolução Francesa, mas depois de perderem as ilusões da juventude, terminaram exaltando os valores radicalmente antirrevolucionários -- aqueles do solo, do povo compreendido como unidade orgânica, qualitativa, histórica, aqueles da identidade espiritual e geopolítica da Rússia, aqueles de sua identidade religiosa e imperial. Mas em todos os escritos dos primeiros eslavófilos encontramos traços do espírito "revolucionário" -- criticavam severamente a Monarquia russa a partir de Pedro, o Grande, a quem acusavam de ser o destruidor da síntese espiritual entre o povo russo e o Estado russo. Pedro, o Grande, era "o demônio" para os eslavófilos, e por essa razão sua atitude em relação à Monarquia dos Romanov era bastante ambígua. Também devemos destacar que os eslavófilos eram vigiados pela polícia czarista e vários de seus textos eram proibidos pela censura, apesar de sua "reacionariedade" evidente. Foram os eslavófilos (Y.Samarin) que empregaram o termo Revolução Conservadora.


c) Os "zapadniki" -- P.Chaadaiev

O oponente mais radical dos eslavófilos -- P.Chaadaiev, frequentemente apresentado como o primeiro autor da orientação "pró-ocidental" (a dos "zapadniki"), que significava "progressista", "racionalista" e "enciclopedista" -- também era marcado pelo espírito indubitável da Revolução Conservadora. Podemos mencionar pelo menos o fato de que ele foi discípulo direto de Joseph de Maistre, com quem mantinha relações de amizade. Chaadaiev opunha aos eslavófilos as ideias do "conservadorismo esclarecido" de estilo europeu. Ele negava a missão mística da Rússia como uma utopia inconsistente e sem sentido, ridicularizava o arcaísmo da Igreja Ortodoxa, considerava a história russa como absurda e bárbara, mas ao mesmo tempo queria restaurar a civilização teocrática, católica e antimoderna no espírito medieval. Portanto, ele era mais um contrarrevolucionário europeu do que um contrarrevolucionário russo. Seus escritos ("Cartas filosóficas") contêm muitas considerações geopolíticas que poderiam ser interpretadas no sentido "eurasiano". Perto do fim de sua vida, Chaadaiev tornou-se quase um russófilo. Quando observamos sua figura -- indubitavelmente dotada da inteligência mais clara e perspicaz de sua época -- não encontramos nela nada de "moderno", "progressista" ou "racionalista". Ele era mais um romântico isolado e inconformista.


d) Os "jovens eslavófilos" -- "os pochvennikis" e K.Leontiev, N.Danilevsky

Os eslavófilos da segunda e especialmente da terceira geração -- entre os mais célebres estão os filósofos K.Leontiev e N.Danilevsky (verdadeiro precursor das concepções de Oswald Spengler e Toynbee), o escritor Fiódor Dostoiévski, os filósofos A.Grigoriev, N.Strachov, etc. -- podem ser considerados conservadores revolucionários típicos. Eles passam "obrigatoriamente" pelos círculos socialistas e anarquistas para redescobrir, após experiências traumáticas, as verdades profundas da religião ortodoxa, da alma mística do povo russo, os mistérios do solo imperial, das leis qualitativas da geopolítica eurasiana.


e) Os anarquistas nacionalistas — M.Bakunin

Mesmo nos movimentos esquerdistas e revolucionários russos do século XIX e início do século XX, encontram-se facilmente formas que podem ser vistas como tendo certos traços da Revolução Conservadora. O próprio M. Bakunin, sendo o ideólogo e praticante do anarquismo revolucionário mais radical e ateu, expressava às vezes teses pouco reconciliáveis com o espírito internacionalista e claramente cosmopolita de seu movimento. Conhece-se seu ódio em relação aos judeus. Seu projeto de união de todos os povos eslavos, suas ideias de “socialismo eslavo e até mesmo pan-eslavista” podem ser vistos como formas prefigurativas de certos ramos da Revolução Conservadora do século XX, mais exatamente do nacional-bolchevismo alemão ou russo. A teoria de M. Bakunin (lembremo-nos que ele era amigo pessoal de Proudhon) contemplava a ideia de um novo tipo de revolucionário — ascético, espartano e quase sobre-humano — que foi compartilhada e desenvolvida posteriormente por G. Sorel, E. Niekisch e J. Thiriart.


f) Os “narodnikis” — de A.Herzen a V.Tchernov

Por razões ainda mais evidentes, pertenciam à Revolução Conservadora, os “narodnikis” (do russo “narod” — “povo”) e alguns “socialistas-revolucionários”  — movimentos políticos da extrema esquerda socialista e, às vezes, terrorista.

Os “narodnikis” podem ser considerados a forma paroxística do pensamento eslavófilo em combinação com a tendência de estabelecer a “Justiça” social. Apareceram na vida ideológica russa nas décadas de 1850-1860. Os “narodnikis” rejeitavam a doutrina marxista e suas construções teóricas. Acreditavam que o socialismo deveria ser concreto, com “rosto russo”, enraizado e “tradicionalista”. Sua ideia principal era a tese de que “o desenvolvimento social pelo caminho do capitalismo é o Mal Absoluto” (N. Michailovsky, P. Lavrov, e especialmente V. Voronzov e N. Danielson). Criticavam a Monarquia como a máscara do capitalismo orientado contra o povo e suas necessidades espirituais, econômicas e religiosas. Entre eles, a maioria era cristã ortodoxa. Exaltavam “os valores do solo”. Suas organizações mais famosas eram “Terra e Vontade” e “Vontade Popular”. Dos pais do movimento “narodniki” — A. Herzen e N. Tchernichevski — até a última geração — V. Tchernov e L. Chichko —, observa-se neles o motivo permanente da necessidade de desenvolvimento social, econômico e industrial em estrita conformidade com a particularidade nacional do povo e suas tradições. Os “narodnikis” eram atraídos pelo terrorismo individualista e pelo ideal de um tipo de “revolucionário absoluto”, um “super-homem a serviço do povo”. Alguns deles “foram ao povo” e professavam a concepção de “pequenos atos” e de “resistência pacífica”. A tendência dos “narodnikis” foi compartilhada pelo famoso escritor russo Lev Tolstoy.


g) Os socialistas revolucionários

Os socialistas revolucionários (especialmente aqueles denominados “de direita”) eram extremistas e terroristas antiburgueses e antimonarquistas que, em contraste com os bolcheviques, enfatizavam o papel dos camponeses no movimento revolucionário, e não o dos proletários. Seguiam a linha dos “narodnikis” — mais arcaicos e mais patriarcais do que eles mesmos —, mas sem sua Cristandade e sua abdicação da luta política direta.


h) Os bolcheviques antissemitas e os visionários bolcheviques patrióticos — S. Iessienin, Kliuev, etc.

Mesmo entre os próprios bolcheviques, podem-se identificar certos traços conservadores-revolucionários — pelo menos entre os representantes comuns do movimento comunista, que às vezes agiam como os reacionários da “Centúria Negra” — os pogroms antissemitas dos bolcheviques eram muito comuns durante os anos de 1904-1905 (a primeira revolução russa) e nos anos de 1917-1920. A quantidade de crimes cometidos contra os judeus, especialmente na Ucrânia, pelos soldados do Exército Vermelho era quase igual aos “pogroms” realizados pelos “brancos” e pelas bandas anarquistas. Entre os bolcheviques, encontram-se escritores, poetas e filósofos com uma tendência claramente conservadora-revolucionária — os romances de A. Platonov, a poesia de Serge Iessienin e de Kliuev (os místicos nacionalistas e patriotas), os escritos de V. Khlebnikov (visionário e poeta eurasianista, místico nacionalista, identitarista e futurista), etc.

Este breve exame nos mostra claramente que é possível descobrir os aspectos característicos da Revolução Conservadora na maioria das tendências intelectuais e políticas da Rússia da segunda metade do século XVIII ao início do século XX. É claro que o estudo aprofundado de cada um desses movimentos e dos autores mais característicos ainda precisa ser feito para precisar a história paradoxal e apaixonante da formação e da gênese do pensamento conservador-revolucionário russo.


3. A Revolução Conservadora do barão Ungern-Sternberg


A figura extraordinária do “barão louco” Roman Fedorovitch Ungern-Sternberg se encaixa bem nos moldes da Revolução Conservadora russa. Ele era um eurasianista radical e prático. Suas convicções políticas foram realizadas por sua luta heroica e desesperada. Ungern-Sternberg era odiado não apenas por seus inimigos bolcheviques, com quem lutava nas terras da Sibéria e da Mongólia. Os próprios brancos (por exemplo, o general Kolchak) rejeitavam o barão por seu extremismo e sua negação absoluta dos valores humanistas. Ungern, que foi durante um certo tempo o ditador da Mongólia, desprezava o Ocidente como a civilização decadente que havia perdido os valores de honra, heroísmo, valores masculinos e solares. Ele queria criar uma nova cavalaria a partir dos povos asiáticos mais tradicionais e espirituais do que os europeus, e graças a essa cavalaria, ele queria organizar a Cruzada do Oriente tradicional contra o Ocidente humanista. Para Ungern-Sternberg, o bolchevismo era a forma extrema da degeneração da civilização, que revelou toda a fraude que se escondia atrás das teses enciclopedistas, humanistas e capitalistas. Ele esperava que os povos asiáticos se mobilizassem diante da ameaça vermelha e organizassem a oposição planetária. Não se pode entender a lógica da vida e da luta desse “último cavaleiro da Eurásia” senão na ótica da ideologia da Terceira Via ou da Revolução Conservadora. Seu caso era a forma individual e paroxística da realização pessoal e heroica do projeto conservador-revolucionário. É muito característico que a figura do barão Ungern-Sternberg tenha atraído a atenção de Julius Evola e também de René Guénon.


4. “Smena Vekh” e os Eurasianistas


a) As ideologias da emigração branca

A Revolução Conservadora russa propriamente dita, no sentido mais estrito do termo, surgiu após a Revolução de Outubro nos meios da emigração russa — evidentemente branca. As tendências conservadoras-revolucionárias na Rússia bolchevique não tinham a possibilidade de se expressar diretamente na situação da ditadura ideológica marxista e internacionalista. Essas tendências existiam de fato e eram até bastante fortes, mas a reflexão tranquila e a formulação dos princípios da Revolução Conservadora russa eram privilégio dos imigrantes e antigos inimigos dos vermelhos.

É preciso lembrar que a primeira imigração russa era originalmente composta por duas famílias políticas de brancos bastante diferentes. Tratava-se dos monarquistas convictos, nostálgicos e arcaicos (que representavam, aliás, uma minoria política) e dos liberal-democratas de todas as vertentes, com certo nacionalismo vago e ódio contra os comunistas, considerados seus rivais políticos que venceram a batalha pelo poder. Entre os últimos encontravam-se os representantes da social-democracia não bolchevique ou pelo menos não leninista. Esses dois polos podem ser definidos como a Direita e a Esquerda clássicas e ordinárias. Ambos se recusavam a reconhecer a Revolução de Outubro como algo duradouro e importante, acreditando que se tratava de uma revolta popular e de uma crise passageira. Sua análise das raízes ideológicas do bolchevismo era superficial e insuficiente. Foi na polêmica com esses dois campos político-ideológicos que a Revolução Conservadora russa começou a se formar e definir suas posições ideológicas. Isso deu origem à Terceira Via russa, cristalizada em dois ramos ideológicos importantes: os “smenovekhistas” e os “eurasianistas”.


b) “Vekhi” e “Smena Vekh”

Para compreender o conceito ideológico de “Smena Vekh” (“a mudança das orientações”) — que foi o nome da coletânea de artigos publicada em julho de 1921, em Praga, e qualificada como o manifesto dos “nacional-bolcheviques” russos — é necessário recordar brevemente a história ideológica russa das primeiras décadas do século XX.

No alvorecer deste século, pensava-se que, para ser um filósofo “progressista” e da moda, era necessário ser marxista, internacionalista, esquerdista e “zapadnik” (“pró-ocidental”). Mas a situação mudou após o fracasso da primeira revolução russa (1905), com o surgimento, em 1909, da coletânea de artigos do grupo de intelectuais da moda — evidentemente marxistas, esquerdistas e “zapadniks” — que negou sua “doença de juventude” e que afirmou seu novo rumo — nacionalista, patriarcal, tradicionalista, religioso e eslavófilo. A coletânea foi chamada “As Orientações” — “Vekhi” em russo. (Entre os autores mais famosos estavam N. Berdiaev, S. Bulgakov, P. Struve, S. Frank, etc.) Foi o momento em que os intelectuais de direita, idealistas e nacionalistas, entraram na moda. Mas essa tendência de “Vekhi” não pode ser qualificada como a Revolução Conservaodra, apesar de ter inegavelmente certos traços bastante próximos. “Vekhi” era “as orientações” dos intelectuais de direita e não da Terceira Via propriamente dita. Nesse contexto, o nome “Smena Vekh” — (“A Mudança das Orientações” literalmente) entre os nacional-bolcheviques brancos significava a ruptura com o pensamento conservador, utópico e idealista, que operava com categorias muito vagas e muito abstratas (“universalidade absoluta do Bem absoluto”, “imperativo moral da criação do estado teocrático” etc.) e a transição para categorias geopolíticas, geoeconômicas, étnicas e sociais.

Os nacional-bolcheviques de “Smena Vekh”, cujo líder era o professor N.V. Ustrialov, acusaram a direita e os liberal-democratas de serem “sonhadores”, “utopistas” e “traidores do povo russo e da história russa”. (Cf. N. Ustrialov “Patriotica” em “Smena Vekh” etc.) Eles viam no bolchevismo a insurreição das energias russas, populares e tradicionais que se revoltaram contra as tendências capitalistas antinaturais e a Monarquia fraca e inconsistente, resolutamente incapaz de proteger seu povo da ameaça capitalista que destruía sua alma coletiva e imperial. Contra os liberais da imigração, os nacional-bolcheviques defendiam o totalitarismo socialista e imperial, que era, segundo eles, mais natural para os russos do que o liberalismo econômico, a desigualdade material e o individualismo que dele decorre. Contra a direita e, sobretudo, contra os antissemitas, eles afirmavam a tese (Y. Kluchnikov, S. Lukianov, etc.) de que a revolução de outubro era russa, apesar da participação gigantesca dos judeus e de representantes de outras nações (os letões, os checos, etc.). Rejeitando o marxismo como ideologia utópica e abstrata, os autores de “Smena Vekh” reconheciam o caráter russo, racial, geopolítico e imperial do jovem Estado soviético, no qual viam a continuação legítima do Estado russo orgânico e natural. Os nacional-bolcheviques também exaltavam o tipo humano do revolucionário, dedicado à sua causa sem hesitação e com devoção absoluta, em contraste com a luta indecisa, tímida e incerta do Exército Branco, que não possuía nenhuma ideia-força, nenhuma ideologia coerente, nenhuma doutrina patriótica séria social, econômica e ética. Os autores de “Smena Vekh” influenciaram muito a imigração e certos círculos na própria Rússia soviética. Os dirigentes comunistas acolheram muito bem esse movimento ideológico, e o professor Ustrialov retornou a Moscou em 1926. Stálin criticava um pouco o “chauvinismo excessivo” dos nacional-bolcheviques, e apenas o russofóbico radical Bukharin os qualificava como “cesaristas sob máscara revolucionária”.

Não é possível deixar de colocar aqui a questão: os nacional-bolcheviques alemães — Otto Winnig, Arthur Moeller van den Bruck e, sobretudo, Ernst Niekisch — conheceram as ideias de “Smena Vekh”? Essa questão é extremamente importante porque as teses dos nacional-bolcheviques alemães parecem quase idênticas em todos os aspectos às teses de “Smena Vekh” e dos nacional-bolcheviques russos. Deve-se também ter em mente que os nacional-bolcheviques russos passaram pela experiência traumática da guerra civil contra os bolcheviques, e sua “mudança de orientações” foi uma escolha pesada e difícil. Talvez, com base na experiência dos “smenovekhistas” de Praga, os nacional-bolcheviques alemães tenham tirado essa certeza inabalável do caráter russo da revolução de outubro e do estado soviético. Mas isso permanece uma hipótese que não posso nem provar nem rejeitar sem informações suficientes e documentação histórica.


c) os eurasianistas

Entre todas as formas da Revolução Conservadora russa, a escola dos eurasianistas permanece a mais conservadora-revolucionária, a tal ponto que se poderia identificar a Revolução Conservadora russa com o movimento eurasianista. Como no caso da Alemanha, onde os jovens conservadores, os nacional-revolucionários e os nacional-bolcheviques dos anos 20-30 do século XX forneceram o paradigma mais completo e acabado da ideologia da Revolução Conservadora em geral, a partir do qual se poderia doravante definir os precedentes retrospectivos ou as ideologias mais ou menos próximas, pode-se dizer o mesmo dos eurasianistas russos, que eram os expoentes mais puros da Revolução Conservadora russa tanto no sentido histórico quanto no sentido ideológico. É possível, na minha opinião, considerar os termos “a Revolução Conservadora” e “a doutrina eurasianista” como concepções sinônimas (pelo menos é assim no contexto russo).

O caso dos eurasianistas é um pouco mais conhecido do que o dos “smenovekhistas”. Aqui, pode-se estabelecer o vínculo indubitável entre suas ideias e o meio conservador-revolucionário, especialmente no que diz respeito à escola geopolítica de Karl Haushofer. (Uma das revistas dos eurasianistas, “A Crônica Eurasiana”, era editada em Berlim). Na análise do pensamento dos eurasianistas, encontramos nas primeiras edições da famosa revista de Haushofer “Zeitschrift für Geopolitik”. Além disso, vários eurasianistas colaboraram com os conservadores-revolucionários alemães, e alguns até ingressaram na SS sob o regime nacional-socialista. A influência recíproca e profunda entre os eurasianistas russos e os representantes da Revolução Conservadora alemã é, portanto, indiscutível.

O movimento eurasianista começou no mesmo ano que o movimento dos “smenovekhistas” — 1921. Nesse ano, o grupo de emigrados brancos publicou em Sófia a coletânea de artigos “Êxodo para o Oriente”, com o subtítulo “O Manifesto dos Eurasianistas”. Esse foi o ponto de partida para o desenvolvimento de toda a ideologia da Terceira Via russa de uma maneira bem fundamentada, profunda e acabada. É bastante característico que os emigrados liberais os tenham apelidado de “fascistas”, os monarquistas e de direita — “comunistas”, mas seu epíteto mais comum era “eslavófilos futuristas”. Após “Êxodo para o Oriente” apareceram as revistas “Vremennik Eurasiano” e “Crônica Eurasiana”, editadas em Berlim, Paris e Praga.

A essência da concepção dos eurasianistas, em linhas gerais, era a seguinte:


  1. Seguindo a tese de Mackinder, eles acreditavam que o desenvolvimento econômico e cultural da nação é definido pelas fronteiras geopolíticas e pela qualidade do espaço controlado. Eles falavam em termos de “grande espaço”. Mas insistiram na necessidade da autarquia geo-econômica do continente eurasiático em relação às potências marítimas. Assim, para os eurasianistas, toda a questão econômica, cultural, militar, estratégica e até psicológica deveria ser considerada única e prioritariamente na perspectiva continental. Eles propuseram uma tese radicalmente diferente da do conde Coudenhove-Kalergi, que queria unificar a Europa contra a Ásia. A ideia dos eurasianistas era unificar o continente eurasiático contra o Ocidente, contra as potências talassocráticas e portadoras da cultura materialista, liberal e não orgânica.
  2. A questão da Revolução de Outubro, de suas raízes e de seu significado era de fundamental importância para os eurasianistas. Eles não aceitaram a revolução, com exceção de alguns casos pessoais e apesar do acordo ideológico concluído com os nacional-bolcheviques da “Smena Vekh”. No entanto, viam a raiz principal da tragédia russa, “da queda da Rússia da Europa” (segundo a expressão do líder desta escola, o conde N. Trubetskoy), na estrutura não orgânica da Rússia “europeizada e capitalizada” após as reformas de Pedro, o Grande. Eles questionaram a qualidade dos valores religiosos, estatais, nacionais, econômicos e sociais da Rússia dos últimos três séculos, acusando a dinastia dos Romanov de ter traído as esperanças místicas e sociais do povo russo (eurasiático) e, sobretudo, sua civilização única, extremamente rica no nível espiritual e destinada a preservar sua identidade diante do Ocidente materialista, ateu, artificial e capitalista. Essa atitude provocou uma apreciação ambivalente da Revolução de Outubro: por um lado, os eurasianistas viam nela a revolta anticapitalista da alma russa, vinda das profundezas da civilização eurasiática; por outro lado, reconheciam que o utopismo marxista e comunista era uma fraude ideológica que propôs ao povo, que rejeitava instintivamente o modelo capitalista e ocidental de desenvolvimento, outro modelo igualmente ocidental e também antinacional e antitradicional. Os eurasianistas viam claramente os aspectos “nacionalistas” e “identitaristas” da Revolução de Outubro, mas não concordavam em aceitar o comunismo por razões patrióticas. No entanto, a direita branca os acusava de serem comunistas, sobretudo porque os eurasianistas se recusavam a ver nos judeus “os bodes expiatórios” da Revolução e a considerar a Monarquia pré-revolucionária como o modelo ideal e irrepreensível. O slogan dos eurasianistas era “nem brancos, nem vermelhos” (I. Stepanov).
  3. A doutrina dos eurasianistas enfatizava a importância da economia, ou melhor, da geoeconomia. Foi o único movimento alternativo (em relação ao comunismo) que tratou seriamente das questões econômicas e que propôs o modelo de autarquia continental (“autarquia dos grandes espaços”) não capitalista e não marxista. Os eurasianistas elaboraram o modelo de exploração dos recursos naturais da Rússia que poderia ser suficiente para sustentar a economia telurocrática em escala continental.
  4. Em questões religiosas, os eurasianistas eram partidários da “revolução conservadora” dentro da Igreja Ortodoxa, que queriam purificar do humanismo e moralismo decadentes ocidentais, assim como do arcaísmo e das superstições das classes populares. Eles rejeitavam as especulações abstratas e fantasiosas dos intelectuais “acadêmicos” como S. Soloviev, S. Bulgakov, P. Florensky e, em contrapartida, propunham um retorno à teologia bizantina estrita, mas interiorizada e, por isso, criativa. Não é por acaso que o teólogo cristão ortodoxo russo mais profundo e brilhante dos últimos séculos — o padre George Florovsky — participou do movimento eurasianista e até foi um de seus inspiradores (junto com o conde Trubetskoy). Notemos, a propósito, que este excelente autor, quase o único representante confiável do tradicionalismo ortodoxo russo, permanece ignorado no Ocidente, o que é uma injustiça imperdoável e inexplicável.
  5. A questão étnica era resolvida pelos eurasianistas de uma maneira muito interessante. Eles questionaram a verdade até então inquestionável entre os eslavófilos sobre a nocividade da invasão tártara e da dominação mongol sobre a Rússia. Os eurasianistas reconheceram a missão telurocrática da expansão geopolítica dos povos turcos e mongóis. Para eles, Genghis Khan era “o primeiro dos eurasianistas” e os turcos eram considerados como a etnia, ou melhor, a raça eurasiática jovem e cheia de poder criativo e imperial. Mas foi em combinação com o gênio eslavo (portanto indo-europeu, ariano) que a raça turca conseguiu estabelecer o equilíbrio eurasiático. Para os eurasianistas, os russos representavam a raça particular eslavo-turca dotada de duas qualidades principais — a energia de expansão sobre grandes espaços própria dos turcos (“horizontal”) e a energia de concentração, metafísica e “vertical”, própria dos eslavos. Essa síntese racial era para os eurasianistas a chave da história cultural da Rússia. A raça europeia era vista por eles como uma raça velha, impotente e com a consciência geopolítica da população dos “rimlands”, portanto incapaz dos superesforços necessários para organizar o Império, “o grande espaço autônomo”.
  6. No nível político, os eurasianistas propunham o sistema do Estado centralizado poliétnico de tipo imperial. Alguns deles eram a favor da Monarquia resacralizada e retornada às suas fontes místicas; outros (G. Vernadsky, N. Alexeev, etc.) compartilhavam a tese do “socialismo eurasianista”. O conde N. Trubetskoy elaborou a teoria da “ideocracia”, ou seja, do poder político concentrado nas mãos da elite tradicional, intelectual e religiosa, colocada à frente do “partido eurasianista”, uma espécie de Ordem.

O movimento eurasianista esteve em vigor desde 1921 até os anos 30, quando a impossibilidade de influenciar a vida política da emigração russa, e ainda mais fortemente na Rússia Soviética, fez surgir entre os eurasianistas um sentimento de desespero. Alguns chegaram a colaborar com a K.G.B. por nostalgia e ódio aos países democráticos onde foram obrigados a viver (P. Savitsky). Outros, como o padre G. Florovsky e o conde N. Trubetskoy, se dedicaram a pesquisas religiosas e históricas. Outros ainda se uniram ao movimento nacional-socialista alemão com alguns aristocratas russos da extrema-direita, como o general Biskupsky, Avalov-Bermont, Talberg, von der Goltz, Skoropadsky, Schwarz-Bostunich e outros representantes da Loja ultramonarquista e aristocrática "Baltikum" (mais tarde chamada "Consul").

Os eurasianistas elaboraram a base da doutrina do Revolução Conservadora russa, mas foram esquecidos porque seu país estava nas garras ideológicas do utopismo marxista e os intelectuais da Europa não mostraram nenhum interesse pelo pensamento dos emigrados da Rússia distante e bárbara, assim como por todas as suas esperanças messiânicas e escatológicas e todos os seus sonhos de vingança asiática.

De qualquer forma, o movimento eurasianistas, suas previsões e doutrinas ainda precisam ser descobertos e recuperam sua atualidade quando se começa a buscar em todo o mundo o Novo Caminho de desenvolvimento planetário geopolítico e cultural.

5. A missão eurasianista e a Rússia Soviética — Stálin e Brezhnev


A ideia eurasianista, intelectualmente e politicamente marginal, foi, no entanto, parcialmente realizada sob o regime comunista e especialmente a partir da era do stalinismo. Os próprios eurasianistas, especialmente George Vernadsky (autor do célebre "História da Rússia" traduzida para línguas europeias), viam no imperialismo stalinista uma forma de desenvolvimento natural do Estado russo, acompanhada pela industrialização, centralização e expansão necessárias para a entrada da Rússia na nova fase do desenvolvimento geopolítico e geoeconômico. Desde a segunda metade dos anos 30 e especialmente após 1937, o regime stalinista adquiriu muitos dos aspectos nacionais, patrióticos e imperialistas que faltavam no período pós-revolucionário. Stálin aniquilou todos os representantes da ortodoxia marxista-leninista, internacionalista e utopista (em sua maioria judeus). O anarquismo e o amoralismo revolucionário foram resolutamente trocados pela primazia da Ordem e da moral criativa e ascética. Não é por acaso que até o líder dos "fascistas russos" de Harbin, Rodzaevsky, acabou por reconhecer a missão "fascista" (de fato) de Stálin, como o Volksführer russo.

Outro passo no sentido conservador-revolucionário foi dado, segundo alguns historiadores russos (como A. Dikiy, etc.), logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Às vezes se fala até mesmo de uma "revolução invisível do marechal Zhukov". Os militares russos receberam certas energias geopolíticas e ideológicas de seus inimigos, e a guerra também despertou forças interiores de nacionalismo e uma consciência mais clara dos interesses continentais. A própria estética dos anos 40 na URSS — nacionalista, russófila, às vezes até chauvinista e xenófoba — é muito mais próxima ao estilo do Terceiro Reich do que às formas vanguardistas, internacionalistas e "proletárias" dos anos 20. Durante a era do stalinismo, era o motivo estatista, imperialista, nacionalista e anti-burguês que dominava, e não a escolástica abstrata dos marxistas puros. Mas o nacionalismo soviético de Stálin não era russo no sentido étnico, era antes "imperial", eurasiano, continental, o que fazia dele um modelo bastante próximo ao que os próprios eurasianos propunham. No final dos anos 40, Stálin interrompeu a propaganda agressiva anti-cristã e demonstrou aos líderes da Igreja Ortodoxa Russa, se não uma simpatia aberta, ao menos tolerância e compreensão. A organização dos "ateus militantes" (sob o patrocínio de um judeu nefasto, Emelyan Yaroslavsky, também conhecido como Gubelman) foi dissolvida, e seu líder foi enviado ao Gulag. As tendências conservadoras-revolucionárias foram interrompidas com a morte de Stálin, no momento em que seu imperialismo, eurasianismo e antissemitismo atingiam seu extremo. (Ele estava prestes a enviar todos os judeus para a República Autônoma Judaica de Birobidzhan, no extremo leste da Sibéria, para realizar um apartheid em relação aos judeus, mais radical do que o que Hitler pretendia fazer.) Não se pode deixar de reconhecer que as tendências mencionadas acima são muito pouco compatíveis tanto com a teoria marxista em seu estado virginal, quanto com o pathos revolucionário de 1917 e dos anos 20.

Khrushchov abalou a construção gigantesca de Stálin com a denúncia do "culto da personalidade", que lançou uma sombra de dúvida sobre toda a sua obra histórica. Sob Khrushchov, as tendências de retorno ao "marxismo pervertido pelo stalinismo" começaram nos círculos da intelligentsia soviética. Khrushchov renovou os ataques contra a Igreja, reanimou o espírito internacionalista. As tendências eurasianistas em sua época foram as menores de toda a história soviética. Ele estava muito mais interessado na geopolítica "oceânica" — Cuba, América Latina, África estavam no centro da atenção do Estado khrushchoviano. Foi durante o reinado de Khrushchov que o primeiro núcleo (núcleo) da dissidência pro-ocidentalista e quase inteiramente "atlantista" foi formado.

Brezhnev retornou ao modelo stalinista (portanto, virtualmente eurasiano), mas em sua forma senil, ritualizada e entrópica. A participação da URSS brezhneviana nos conflitos eurasianistas (Vietnã, Oriente Médio, etc.) e, sobretudo, a guerra continental no Afeganistão foram sinais eloquentes da consciência geopolítica. O marxismo da era brezhneviana era completamente "ritualista", "nominal" e extremamente superficial. Podia-se distinguir claramente por trás do brezhnevismo a inércia ideológica e geopolítica do "stalinismo eurasianista".

Os elementos que poderiam ser rigorosamente qualificados como "eurasianistas" e, portanto, em certo sentido "conservador-revolucionários" existiam sempre na história soviética desde a Revolução de Outubro até a perestroika, mas o tempo de Stálin é mais característico e mais rico em seus sinais evidentes do que todos os outros períodos. No entanto, deve-se sempre ter em mente que se tratava de fenômenos factuais que não encontraram nenhuma cristalização intelectual, ideológica ou filosófica. As grandes revoluções geopolíticas e até ideológicas que ocorriam nos bastidores do Kremlin se manifestavam externamente por nuances infinitesimais dos acentos colocados em tal ou tal evento histórico ou em tal ou tal hipótese científica. A "kremlinologia" era a verdadeira ciência conspiratória baseada em detalhes e sintomas quase invisíveis. Por essa razão, pode-se reconstituir a história do desenvolvimento das tendências "conservadoras-revolucionárias" na URSS apenas por meio do estudo complexo e difícil da vida ideológica secreta dos líderes do último Império Eurasiático, que foi até as recentes transformações a URSS. Portanto, só podemos falar aqui de tendências "conservadoras-revolucionárias" factuais, sem nenhuma formulação teórica. Mas, de qualquer forma, essas tendências eram muito reais e muito importantes, porque diziam respeito à ideologia (paralela) dos grupos dirigentes soviéticos, cujo poder político era internamente quase absoluto e externamente extremamente grande.

Pode-se acrescentar que as doutrinas estratégicas militares da URSS sempre tiveram um caráter eurasiano, porque o principal inimigo ideológico dos soviéticos eram os Estados Unidos, ou seja, o poder talassocrático e oceânico por excelência. O próprio Pacto de Varsóvia tinha características nitidamente continentais e eurasianas em contraste com a OTAN, centrada nas potências marítimas -- EUA e Inglaterra. Mais do que isso, foram os países anglo-saxões que representavam o exemplo mais puro e forte do capitalismo, e foi precisamente contra o capitalismo que todas as formas da Revolução Conservadora se orientaram, e a Revolução Conservadora russa não foi uma exceção.

6.  O movimento neoeurasianista -- os escritores “neopotchvennikis”, L. Gumilev.


Nos anos 70 na URSS, alguns aspectos da Revolução Conservadora se manifestaram de maneira mais aberta, embora ainda velada. Foi a época da formação de uma nova geração de escritores soviéticos que gravitavam em torno de M. Cholokhov, o autor do famoso romance “O Don Tranquilo”. Esses escritores -- cujos mais conhecidos são V. Raspútin, V. Belov, V. Astafiev, etc. -- defendiam teses nacionalistas, ecológicas e eslavófilas. Eles exaltavam o campesinato russo, seus costumes e suas crenças. Seus escritos também tinham um caráter evidentemente ecológico. Sua ideologia pode ser aproximadamente qualificada como nacional-bolchevismo ou nacional-leninismo, mas isso reflete mais o seu conformismo do que uma declaração de convicções ideológicas pensadas. (Hoje, quando se pode expressar com mais liberdade, a maioria deles se tornou monarquista, cristã ortodoxa e de direita convencional -- o que demonstra que seu nacional-bolchevismo era apenas uma máscara conformista e nada mais). Casos em que os escritores “neopotchvennikis” estavam conscientes de sua afinidade ideológica com os eurasianistas ou “smenovekhistas” eram bastante raros, mas suas ideias eram, no entanto, muito semelhantes.

Os “neo-potchvennikis” dos anos 70-80 criaram um meio intelectual patriótico, nacionalista e objetivamente eurasianista, que se manifestou plenamente em certo renascimento nacionalista na época da perestroika como uma tendência alternativa ao curso ocidentalista, “atlantista” e nitidamente capitalista do lobby democrático -- Gorbachev, Yakovlev, Ieltsin, Shevardnadze, etc. Mas aqui deve-se constatar um detalhe ideológico extremamente importante: as concepções dos escritores “neo-potchvennikis” na época de Brezhnev estavam formalmente muito mais próximas do espírito e da terminologia da Revolução Conservadora do que as teses das mesmas pessoas e de seus discípulos, que eles propõem hoje. Sob Brezhnev, os “neopotchvennikis” eram obrigados, por razões de conformismo, a adicionar os temas do socialismo, do anticapitalismo, do leninismo, etc. às suas ideias nacionalistas e identitaristas (às vezes abertamente antissemitas). Portanto, suas teses tinham um caráter “terceirista” apesar de si mesmos. Quando essa necessidade desapareceu, os “neopotchvennikis” abandonaram o lado “socialista” e “anticapitalista” de suas doutrinas e se converteram em representantes tradicionais da direita comum, arcaica, monarquista, judeofóbica e nostálgica. Assim, o pathos da Revolução Conservadora e do eurasianismo tornou-se confuso para eles.

Como o único eurasianista consequente e consciente entre os autores soviéticos dos anos 70-80, deve-se mencionar o historiador Lev Gumilev, filho do poeta aristocrático N. Gumilev, fuzilado pelos vermelhos, e da famosa poetisa Anna Akhmatova. L. Gumilev escreveu algumas obras históricas brilhantes sobre a história dos povos eurasiáticos -- turcos, mongóis, hunos, etc. Sua obra capital -- “A Etnogênese e a Biosfera” foi colocada na época de Brezhnev no setor fechado da Biblioteca de Ciências Sociais de Moscou porque foi considerada “ideologicamente perigosa”. Neste livro, o autor desenvolveu a doutrina orgânica da etnogênese e formulou a concepção da “desigualdade dinâmica das etnias”, destacando as leis cíclicas que governam a existência histórica e biológica de cada etnia. L. Gumilev defendia a tese de que os povos eurasiáticos -- especialmente os russos e os turcos -- são povos jovens cujo ciclo acaba de passar seu ápice. Por isso, Gumilev afirma que a civilização mais normal e saudável hoje seria a civilização eurasiática de tipo imperial. Gumilev criou um termo especial para designar o fator mais importante e mais orgânico do desenvolvimento da etnia -- “a passionaridade”, entendida como a concentração de energia criativa, biológica e psicológica ao mesmo tempo, que poderia caracterizar povos inteiros, assim como indivíduos separados. “A passionaridade”, no nível humano, é segundo L. Gumilev “a capacidade de transcender o instinto de sobrevivência”, “a superação da entropia biológica”, “o impulso criativo” (sobretudo imperial). As teses de L. Gumilev têm muito em comum com as concepções de Lorenz, de H. Günther, de Gobineau, dos geopolitólogos da escola de Haushofer e, sobretudo, com as ideias da Nova Direita francesa. Sua atitude em relação à história é essencialmente pagã. Sua concepção das “etnias-quimeras” -- isto é, das etnias muito antigas e degeneradas que perderam completamente sua “passionaridade” -- é universalmente conhecida na Rússia. Alguns antissemitas elaboraram a partir dessa concepção das “etnias-quimeras” toda uma teoria judeofóbica, mas isso é mais uma aberração e uma limitação excessiva de seu pensamento. Gumilev, sendo sempre um autor não-conformista, foi pouco tocado pela perestroika e suas teses eurasianas, biologicamente realistas e conservadoras-revolucionárias em muitos aspectos, permanecem as mesmas. Apesar de sua idade muito avançada, ele continua trabalhando até hoje.

Finalmente, alguns comunistas de ontem, de estrita observância, que não mudaram suas opiniões ideológicas -- em contraste com a maioria dos ex-comunistas que se tornaram democratas, “atlantistas” e “pro-capitalistas” por neoconformismo -- em troca da adoração do mercado livre e da glorificação do modelo americano, e que hoje formam uma espécie de oposição de direita (estatista e nacionalista), começaram com a perestroika a revisar os fundamentos de sua doutrina comunista formal, e muitos deles descobriram o pensamento conservador-revolucionário -- aquele dos eurasianos e dos “smenovekhistas” -- reconhecendo aí a continuidade ideológica real de seu patriotismo soviético e seu nacionalismo anticapitalista. Esses representam a cristalização intelectual das tendências da Revolução Conservadora que sempre existiram sob o sovietismo em estado virtual, latente e semiconsciente. Por uma lógica estranha, essa tomada de consciência é acompanhada pelo desaparecimento da política interna e externa soviética dos últimos resquícios anticapitalistas e antiatlantistas, portanto, eurasianistas e tipologicamente conservadoras-revolucionárias.

7. A conclusão


O pensamento conservador-revolucionário é redescoberto hoje na Alemanha, onde se torna extremamente atual graças às grandiosas mudanças que estão acontecendo nesse país, que, aliás, é naturalmente conservador-revolucionário, assim como a Rússia. A França, a Bélgica, a Itália, a Espanha, e a Europa como um todo, reencontram, graças aos enormes esforços dos intelectuais da Nova Direita, essa parte inestimável de seu patrimônio ideológico de grande valor. Mais do que isso, as ideias da Revolução Conservadora são hoje a única alternativa ao pesadelo capitalista e à expansão "atlantista" americana. O slogan "nem comunismo, nem capitalismo" perde seu sentido com o desaparecimento do comunismo (existiu ele realmente?). É a Revolução Conservadora em todas as suas formas que permanece a única possibilidade operativa e realista para afirmar-se contra a invasão do outro continente — física e ideológica. A Revolução Conservadora torna-se o Segundo Caminho, o único Caminho Alternativo. Portanto, é tempo de descobrir todos os ramos da Revolução Conservadora, estudá-los, repensá-los, reatualizá-los e revivê-los. Nesse contexto, precisamos voltar nossos olhares para o Continente-Rússia, para essa terra enigmática que ocupa a posição central dessa ilha gigantesca que é a Eurásia, nossa Pátria universal, nossa terra abençoada, nosso patrimônio imperial mais precioso. Desta vez, todos juntos — incluindo os próprios russos — devemos descobrir não o continente distante, a colônia marítima, o deserto espiritual que é a América, mas o berço dos povos indo-europeus, nossos ancestrais, os grandes criadores de valores heroicos e sobre-humanos — o Continente-Rússia. Essa descoberta deve ser, antes de tudo, uma descoberta espiritual, intelectual, ideológica — das valores russas, do Caminho Russo, da Ideologia Russa, que não pode ser nada além da Ideologia da Revolução Conservadora Absoluta.