por Alberto Buela
(2011)
O que já não foi dito sobre o nosso Poema Nacional que poderíamos dizer nós. Aqui, só nos ocuparemos de um detalhe: aquilo que Fierro diz sobre o cavalo. Claro está que não é um detalhe menor, pois não se pode pensar no gaucho sem o cavalo, a menos que estejamos falando dos gaúchos paraguaios, que como muito bem diz don Justo Pastor Benítez em seu belo "Solar Guaraní", eles são "gaúchos a pé", especialmente após a desastrosa Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870) que destruiu vidas e fazendas do Paraguai.
O cavalo está presente ao longo do poema, mas contrariamente ao que se poderia pensar, como tema é considerado apenas uma vez por Fierro, e ele o faz a propósito do tratamento na doma e do uso que o índio lhe dava, com uma menção esporádica à doma crioula. Esta última é relatada logo no início do poema, quando falando da vida bucólica do gaucho, período que vai desde os primeiros tempos de vaqueiradas até a época de Rosas, ele diz:
"Eu conheci esta terra,
onde o peão vivia
e tinha seu ranchinho
e seus filhos e mulher...
era uma delícia ver
como passava os dias."
E algumas estrofes mais adiante, ele relata o trabalho do domador dizendo:
O que era peão domador
endereçava o curral,
onde estava o animal
-bufando como o diabo... -
e, mais maldoso que sua sogra,
se encrespava o bagual.E lá o gaúcho inteligenteassim que o potro encabrestou,os arreios ajeitou,e montou nele de imediato,pois o homem mostra na vidaa astúcia que Deus lhe deu.E nas praias corcoveandoem pedaços se fazia o cavaloenquanto ele pelas espáduaslhe jogava as rédease ao som das selassaía fazendo-lhe manobras.
Faz troteadas tremendasdo fundo do deserto.........................Marcha o índio em trote longo,passo que rende e dura.
Sempre cheios de receiosnos cavalos peludoseles vêm seminus.Dessa forma, cavalga com levezanão cansa o mancarron;
Porque, velando por ele, não come,nem ainda o sono concilia;Somente nisso não há desídia;se noite, lhes asseguro,para mantê-lo seguroa família o cerca.
Todo pampa anda valenteestá sempre bem montadoQue frotas os bárbaros trazem!como uma luz de ligeiros!
Eu me sentei com o dos pampas,era um escuro cobertoera um pingo como galgoque sabia correr boleado.
O pampa educa o cavalocomo para um entrevero;como raio é de ligeiroassim que o índio o toca;e, como pião, na bocadá voltas sobre um couroO embaralha na madrugada;
jamais falta nesse dever;
logo o ensina a correr
entre lamas e atoleiros;
assim esses animais
é quanto se pode ver!No cavalo de um pampa
não há perigo de rolar,
arre! e pra disparar
é pingo que não se cansa;
com prodigalidade o amansa
sem deixá-lo corcovear.Para tirar as cócegascom cuidado o manuseia;horas inteiras emprega,e, enfim, só a deixa,quando dobra as orelhase o potro nem coiceia.Jamais o sacude um galopeporque trata o bagualcom paciência sem igual;ao domá-lo não o pega,até que, por fim, se entregajá dócil o animal.E eu sobre os bastossei como sacudir a poeira,a esse costume me amoldo;com paciência o manejame ao dia seguinte o deixamrédea acima junto ao toldo.Assim todo o que procureter um pingo modeloHá de cuidá-lo com desvelo,e deve impedir tambémo que de golpes lhe deemou lancem no solo.Muitos querem dominá-locom rigor e açoite,e se virem o chafaloteque tem figura de mau,o marcam em algum pauo marcam em algum pauaté que se descogoteie.Todos se tornam prontos
e voltados para selá-lo:
dizem que é para quebrá-lo,
mas compreene qualquer tolo
que é por medo da corcova
e não querem confessá-lo.
O animal equino
(perdoe-me a advertência)
é de muita sapiência
e tem muito sentido;
é animal consentido:
o cativa a paciência.Todos se tornam prontos
e voltados para selá-lo:
dizem que é para quebrá-lo,
mas compreene qualquer tolo
que é por medo da corcova
e não querem confessá-lo.
O animal equino
(perdoe-me a advertência)
é de muita sapiência
e tem muito sentido;
é animal consentido:
o cativa a paciência.
Sobressai aos demais
O que estas coisas entenda;
é bom que o homem aprenda,
pois há poucos domadores
e muitos apressados
que andam com focinheira e freio.
Da leitura atenta desses versos, depreendem-se três ou quatro ideias: destaca-se, em primeiro lugar, a paciência como regra na doma dos potros; depois, a regularidade das tarefas até criar-lhes um hábito; e, acima de tudo, a suavidade no manejo do animal. Como vemos, se há algo que Fierro desaconselha, é o uso de golpes e violência na educação do cavalo. Por isso, ele pode falar de "muitos frangoyadores", pois frangollón é o trapalhão, aquele que faz algo apressada e malfeito.
Fazer um animal completo como o "moro de número", ou seja, destacado e excepcional como aquele que Fierro levou à fronteira, implica muito tempo, e isso era um privilégio possível naquela época, quando "o tempo ainda era a demora do que está por vir", e não como agora, que se transformou em dinheiro: time is money, como querem nos inculcar os meios de comunicação de massa. Assim, podemos dizer que resgatar aquele tempo tão americano, entendido como "amadurecer com as coisas", é uma das tarefas mais exigentes da atualidade, porque, em última análise, trata-se de resgatar o aspecto existencial da vida crioula, que a intelligentsia nativa sempre associou à sesta, à vagância e à indolência, seja nativa ou gaúcha.
Quando são publicados trabalhos como o presente, oriundos de uma coleção de artigos editados em diferentes circunstâncias, corre-se o risco de que se transformem em uma coletânea de textos sem um fio condutor. Por isso, impõe-se uma breve explicação ao leitor desta obra.
Em primeiro lugar, publicamos este texto a pedido de vários amigos que viam essa série de reflexões se perder dispersa aqui e ali. E, em segundo lugar, porque consideramos que existe um fio condutor, pois acreditamos que todos esses trabalhos demonstram que o elemento grego é um aspecto substancial de nossa cosmovisão heleno-cristã, ambivalentemente chamada de judaico-cristã, que deve ser resgatada em todos os seus aspectos se pretendemos enfrentar com certo êxito esta globalização que se impõe e nos desnatura.
O elemento grego é, para nós, parte da tradição mais viva que o Ocidente nos legou. É por isso que pretendemos chamar a atenção para sua substituição pelo judaico, sobretudo no Ocidente anglo-saxão, a partir de uma leitura interessada, política e ideologicamente enviesada da natureza do ser ocidental. O judaico-cristianismo, como definição do Ocidente, é tão falso quanto o latino-americanismo como definição de Nossa América.
Resgatar os ensinamentos dos gregos em seus aspectos primordiais tem sido, e continua sendo, uma tarefa de todos os tempos, e que os pensadores desprovidos de aditivos ideológicos devem realizar, nem que seja por uma ascese da inteligência. E os artistas, como uma imersão na beleza em sua forma mais pura.