24/01/2025

Alberto Buela - O Cavalo no Martín Fierro

 por Alberto Buela

(2011)



O que já não foi dito sobre o nosso Poema Nacional que poderíamos dizer nós. Aqui, só nos ocuparemos de um detalhe: aquilo que Fierro diz sobre o cavalo. Claro está que não é um detalhe menor, pois não se pode pensar no gaucho sem o cavalo, a menos que estejamos falando dos gaúchos paraguaios, que como muito bem diz don Justo Pastor Benítez em seu belo "Solar Guaraní", eles são "gaúchos a pé", especialmente após a desastrosa Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870) que destruiu vidas e fazendas do Paraguai.

O cavalo está presente ao longo do poema, mas contrariamente ao que se poderia pensar, como tema é considerado apenas uma vez por Fierro, e ele o faz a propósito do tratamento na doma e do uso que o índio lhe dava, com uma menção esporádica à doma crioula. Esta última é relatada logo no início do poema, quando falando da vida bucólica do gaucho, período que vai desde os primeiros tempos de vaqueiradas até a época de Rosas, ele diz:


"Eu conheci esta terra,
onde o peão vivia
e tinha seu ranchinho
e seus filhos e mulher...
era uma delícia ver
como passava os dias."


E algumas estrofes mais adiante, ele relata o trabalho do domador dizendo:


O que era peão domador
endereçava o curral,
onde estava o animal
-bufando como o diabo... -
e, mais maldoso que sua sogra,
se encrespava o bagual.

E lá o gaúcho inteligente
assim que o potro encabrestou,
os arreios ajeitou,
e montou nele de imediato,
pois o homem mostra na vida
a astúcia que Deus lhe deu.

E nas praias corcoveando
em pedaços se fazia o cavalo
enquanto ele pelas espáduas
lhe jogava as rédeas
e ao som das selas
saía fazendo-lhe manobras.


Como podemos ver, isso é, mais ou menos, o que ainda é feito hoje no adestramento comum de potros. Embora haja algumas diferenças, já que, pelo menos nos pampas úmidos, a grande carona de couro, que era tão popular com o lomillo no século passado, não é mais usada. Hoje, o recado de bastos o substituiu, embora valha a pena observar que recentemente houve uma recuperação do lomillo, embora não no uso cotidiano, pelo menos nos centros tradicionalistas, e isso é lisonjeiro.

A primeira observação que Fierro faz sobre o tratamento dado pelo índio ao seu pingo é sobre o tipo de passo que ele usou.


Faz troteadas tremendas
do fundo do deserto
.........................
Marcha o índio em trote longo,
passo que rende e dura.


Isso permaneceu conosco sob o nome de “trote crioulo”, um passo usado para marchas longas e que adquire toda a sua força após o segundo suor, quando o animal consegue adaptar totalmente o corpo e a respiração ao ritmo desse passo.

Ele também descreve a maneira de montar:

Sempre cheios de receios
nos cavalos peludos
eles vêm seminus.
Dessa forma, cavalga com leveza
não cansa o mancarron;


E como eles cuidam dele e o vigiam até mesmo à noite:


Porque, velando por ele, não come,
nem ainda o sono concilia;
Somente nisso não há desídia;
se noite, lhes asseguro,
para mantê-lo seguro
a família o cerca.


Fierro exalta a bondade da carga aborígine, sua velocidade e destreza, em duas ocasiões, uma delas na fronteira, quando luta com o filho de um cacique:


Todo pampa anda valente
está sempre bem montado
Que frotas os bárbaros trazem!
como uma luz de ligeiros!


E o outro depois do duelo em defesa do cativo cujo filho pequeno foi morto:


Eu me sentei com o dos pampas,
era um escuro coberto
era um pingo como galgo
que sabia correr boleado.

 

Imediatamente após esse verso, localizado no canto X de La Vuelta, começa a longa exposição de onze linhas sobre o treinamento e a educação do cavalo pelo índio.

É interessante notar que Fierro não trata mais do assunto do cavalo, exceto por uma menção esporádica ocasional. Isso quer dizer que praticamente a partir da segunda metade do poema - La Vuelta tem trinta e três versos, enquanto a primeira parte de El Gaucho Martín Fierro tem apenas treze - o cavalo desaparece como tema.


O pampa educa o cavalo
como para um entrevero;
como raio é de ligeiro
assim que o índio o toca;
e, como pião, na boca
dá voltas sobre um couro

O embaralha na madrugada;
jamais falta nesse dever;
logo o ensina a correr
entre lamas e atoleiros;
assim esses animais
é quanto se pode ver!

No cavalo de um pampa
não há perigo de rolar,
arre! e pra disparar
é pingo que não se cansa;
com prodigalidade o amansa
sem deixá-lo corcovear.

Para tirar as cócegas
com cuidado o manuseia;
horas inteiras emprega,
e, enfim, só a deixa,
quando dobra as orelhas
e o potro nem coiceia.

Jamais o sacude um galope
porque trata o bagual
com paciência sem igual;
ao domá-lo não o pega,
até que, por fim, se entrega
já dócil o animal.

E eu sobre os bastos
sei como sacudir a poeira,
a esse costume me amoldo;
com paciência o manejam
e ao dia seguinte o deixam
rédea acima junto ao toldo.

Assim todo o que procure
ter um pingo modelo
Há de cuidá-lo com desvelo,
e deve impedir também
o que de golpes lhe deem
ou lancem no solo.

Muitos querem dominá-lo
com rigor e açoite,
e se virem o chafalote
que tem figura de mau,
o marcam em algum pau
o marcam em algum pau
até que se descogoteie.
 
 Todos se tornam prontos
e voltados para selá-lo:
dizem que é para quebrá-lo,
mas compreene qualquer tolo
que é por medo da corcova
e não querem confessá-lo.

O animal equino
(perdoe-me a advertência)
é de muita sapiência
e tem muito sentido;
é animal consentido:
o cativa a paciência.
 
Todos se tornam prontos
e voltados para selá-lo:
dizem que é para quebrá-lo,
mas compreene qualquer tolo
que é por medo da corcova
e não querem confessá-lo.

O animal equino
(perdoe-me a advertência)
é de muita sapiência
e tem muito sentido;
é animal consentido:
o cativa a paciência.

Sobressai aos demais
O que estas coisas entenda;
é bom que o homem aprenda,
pois há poucos domadores
e muitos apressados
que andam com focinheira e freio.

Da leitura atenta desses versos, depreendem-se três ou quatro ideias: destaca-se, em primeiro lugar, a paciência como regra na doma dos potros; depois, a regularidade das tarefas até criar-lhes um hábito; e, acima de tudo, a suavidade no manejo do animal. Como vemos, se há algo que Fierro desaconselha, é o uso de golpes e violência na educação do cavalo. Por isso, ele pode falar de "muitos frangoyadores", pois frangollón é o trapalhão, aquele que faz algo apressada e malfeito.

Fazer um animal completo como o "moro de número", ou seja, destacado e excepcional como aquele que Fierro levou à fronteira, implica muito tempo, e isso era um privilégio possível naquela época, quando "o tempo ainda era a demora do que está por vir", e não como agora, que se transformou em dinheiro: time is money, como querem nos inculcar os meios de comunicação de massa. Assim, podemos dizer que resgatar aquele tempo tão americano, entendido como "amadurecer com as coisas", é uma das tarefas mais exigentes da atualidade, porque, em última análise, trata-se de resgatar o aspecto existencial da vida crioula, que a intelligentsia nativa sempre associou à sesta, à vagância e à indolência, seja nativa ou gaúcha.

Quando são publicados trabalhos como o presente, oriundos de uma coleção de artigos editados em diferentes circunstâncias, corre-se o risco de que se transformem em uma coletânea de textos sem um fio condutor. Por isso, impõe-se uma breve explicação ao leitor desta obra.

Em primeiro lugar, publicamos este texto a pedido de vários amigos que viam essa série de reflexões se perder dispersa aqui e ali. E, em segundo lugar, porque consideramos que existe um fio condutor, pois acreditamos que todos esses trabalhos demonstram que o elemento grego é um aspecto substancial de nossa cosmovisão heleno-cristã, ambivalentemente chamada de judaico-cristã, que deve ser resgatada em todos os seus aspectos se pretendemos enfrentar com certo êxito esta globalização que se impõe e nos desnatura.

O elemento grego é, para nós, parte da tradição mais viva que o Ocidente nos legou. É por isso que pretendemos chamar a atenção para sua substituição pelo judaico, sobretudo no Ocidente anglo-saxão, a partir de uma leitura interessada, política e ideologicamente enviesada da natureza do ser ocidental. O judaico-cristianismo, como definição do Ocidente, é tão falso quanto o latino-americanismo como definição de Nossa América.

Resgatar os ensinamentos dos gregos em seus aspectos primordiais tem sido, e continua sendo, uma tarefa de todos os tempos, e que os pensadores desprovidos de aditivos ideológicos devem realizar, nem que seja por uma ascese da inteligência. E os artistas, como uma imersão na beleza em sua forma mais pura.