por Giacomo Maria Arrigo
(2019)
“Por que você quer escrever um livro sobre mim?” Esta é a pergunta feita a Emmanuel Carrère por parte de Eduard Veniaminovich Savenko, melhor conhecido como Limonov. Eis como Carrère, hoje considerado um dos maiores escritores franceses vivos, descreve a sua reação àquela pergunta:
“Fui pego de surpresa mas respondo, com sinceridade: porque você tem – ou teve, não me lembro mais o tempo que usei – uma vida apaixonante. Uma vida romancesca, perigosa, uma vida que aceitou o risco de descer na história”.
E assim nasce o livro “Limonov”, uma biografia romanceada daquele Eduard Savenko que tantiu viu do alto dos seus atuais 76 anos: delinquente na União Soviética, poeta na França, primeiro mendigo e depois empregado doméstico nos Estados Unidos, combatente nos Bálcãs, fundador, junto a Aleksandr Dugin, do Partido Nacional-Bolchevique na Rússia pós-soviética, prisioneiro nos cárceres de segurança máxima.
Ele foi – é verdade – um pequeno delinquente nas ruas de Kharkiv, na Ucrânia, onde cresceu. Seu pai era membro da NKVD, antecessora da KGB, mas o caminho de Limonov era destinado a não se misturar ao dos seus pais. E assim, entre um furto e uma briga, Limonov encontrava tempo para escrever e recitar poesia. Em breve está em Moscou, onde começa a frequentar um grupo de literatos underground, forçados à clandestinidade pelo duro regime soviético. Até aqui, se poderia dizer, uma vida pouco movimentada, certamente já sui generis, mas não ainda digna de ser contada.
Com a companheira da época, Tanja, se transfere a Nova Iorque. É 1975. Deles dois, Limonov e Tanja, circula nas redes uma foto que os retrata em uma pose singular, ele de pé, ela aos seus pés, nua e graciosa. Escreve Carrère:
“Aquela foto permaneceu sempre conservada por Eduard (...) ele a levou consigo para todo lado, e a prendeu como um ícone à parede de todos os seus alojamentos. Aquela foto é o seu talismã. Aquela foto diz que, o que quer que aconteça, o quão baixo ele possa cair, um dia ele foi aquele homem. E teve aquela mulher”.
Em Nova Iorque, porém, depois dos primeiros tempos de euforia os dois se separam, Limonov não alcança a notoriedade que esperava, ao inferno com o sonho americano! Cai em desgraça, começa a vagabundear e a ter algumas experiências homossexuais em busca de um pouco de afeto. Se torna empregado doméstico de um rico empreendedor, depois consegue publicar um livro. Cá estamos nós, é o momento! O livro é “Ja, Edicka” (“Sou eu, Eddie”). O escândalo é profícuo, obtém o resultado esperado. Se fala dele.
Vai a Paris em 1980, a essa altura já sendo famoso. Se torna escritor do L’Idiot International, que se pode considerar um antecessor do Charlie Hebdo, irreverente ao ponto da vulgaridade, conflituoso e politicamente incorreto. Não pode deixar de se sentir confortável naquele ambiente de redatores encrenqueiros, licenciosos, inescrupulosos e dissolutos. Ainda Carrère:
“Começava a beber vodka às dez da manhã e para no alvorescer do dia seguinte. [...] Na vida, pensava Eduard, é preciso ter um grupo, e em Paris não havia um mais animado”.
Mas naqueles anos acontece também uma outra coisa: Mikhail Gorbachev se torna secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, presidente do Soviete Supremo da URSS. É mais suave com o Ocidente, promove aberturas, se torna presidente da URSS em 1990, guia o país rumo a mudanças drástica, até a dissolução da própria URSS. Limonov é livre pra voltar pra casa.
Emmanuel Carrère relata em seu livro o encontro de Limonov com um diretor teatral francês em Moscou.
“Em cada visita [na URSS, depois Rússia] (...) se reencontra pensando que aqui está a vida verdadeira: séria, adulta, com todo seu peso. As faces, diz, são faces verdadeiras, escavadas, afiadas, enquanto no Ocidente se veem apenas rostos de crianças. No Ocidente, tudo é permitido e nada é importante, aqui por outro lado é o oposto: nada é permitido, tudo é importante”.
Este é exatamente o próprio pensamento de Limonov, que desaprova as mudanças de curso em seu país natal, queria que os russos ainda causassem medo aos ocidentais, mas constata que mesmo esse medo está passando e se entristece.
A sua necessidade de pertencer a um grupo se torna premente também na nova Rússia. Sim, é um poeta, um romancista, um literato, mas quer mais, não se contenta com uma vida assim. E é assim que uma tarde conhece Aleksandr Dugin, um personagem singular, um homenzarrão todo barba e filosofia, um pensador que ainda hoje – na verdade, sobretudo hoje – faz falar de si até na Itália. Eis como Carrère fala de Dugin:
“Dugin declara sem hesitação que ele é fascista, mas Eduard nunca havia conhecido um fascista como ele. Aqueles que ele conheceu eram dândis parisienses que haviam lido um pouco de Drieu la Rochelle e eram fascistas porque consideravam isso algo elegante e decadente, ou indivíduos grosseiros como o organizador daquele jantar, cujos discursos eram tão cheios de paranoia e piadas antissemitas que era necessário verdadeiramente fazer um esforço para continuar ouvindo. Eduard ignora que entre os pequenos idiotas afetados e os grandes idiotas grotescos havia uma terceira categoria, uma variedade de fascistas dos quais na juventude conheci alguns exemplares: os fascistas intelectuais, rapazes de uma vivacidade habitual, pálidos, estranhos, muito eruditos, que com suas grandes pastas sob o braço frequentam pequenas bibliotecas esotéricas e desenvolvem mirabolantes teorias sobre templários, a Eurásia e os rosacruzes, e não raramente acabam se convertendo ao Islã. Dugin pertence a tal categoria, com a diferença de que não é um rapaz gracioso e esquisito, mas um ogro”.
Juntos, Limonov e Dugin fundam o Partido Nacional-Bolchevique, quase uma provocação mas decididamente um projeto sério que os dois levam adiante com perseverança. Daquele momento em diante Limonov se dedica à política. “Limonka” se torna o órgão oficial do partido, um jornal fundamentalmente de sátira política, irreverente como o “L’Idiot International”, a verdadeira contracultura na Rússia pós-soviética.
As referências culturais são múltiplas, de Yukio Mishima a Che Guevara, sem esquecer Ernst Jünger, Julius Evola, Lao-Tsé, Lênin, Mussolini e Hitler, Rosa de Luxemburgo, Guy Debord, Jim Morrison e até Charles Manson. O partido, porém, é ilegalizado em 2005, não antes de Dugin abandonar sua própria criação por divergências de caráter e, em parte, também ideológicas.
No meio tempo, Limonov participa de diversos conflitos nos Bálcãs, especialmente na guerra da Bósnia, se colocando ao lado dos sérvios. Célebre, até mesmo famigerado, o vídeo em que dispara com uma metralhadora contra a cidade de Sarajevo, tudo registrado por câmeras durante a filmagem de um documentário. Era 1992. Estava disparando no ar e não contra alvos civis, disse depois Limonov. Carrère escreve:
“[Aquele vídeo] me congelou ao ponto de ter abandonado este livro por mais de um ano. Não tanto porque se via meu personagem cometer um delito – na verdade, não se vê nada do tipo – mas porque Eduard se faz uma figura ridícula. Um rapazinho que se faz de durão em uma festa de aldeia”.
O fato é que entre 2001 e 2003 Limonov é preso pelo governo russo, detido em prisões de segurança máxima. Terrorismo, subversão, tentativas de desestabilização, e tudo mais que se conseguisse incriminar. Na prisão aprende a ocupar o seu lugar, amadurece psicologicamente, intelectualmente e espiritualmente, como ele mesmo declarou depois. Aquele lugar, a prisão,
“Se tornou para ele acolhedor como o convento para um monge. Os três apelos quotidianos eram as suas funções, a meditação a sua pregação, e o céu estava aberto para ele [...] uma libertação autêntica, eterna”.
Limonov. Heroi? Depende da situação. Criminoso? Ocasionalmente. Mas nunca vil, nunca desprezível, nunca desonesto. Por trás do ar duro, que é tudo menos uma pose, se esconde uma índole gentil, a vontade de estar sempre do lado dos fracos, dos derrotados, dos últimos. Prossegue Carrère:
“Pensei que a sua vita romancesca e ousada descrevesse algo, não apenas dele, Limonov, não apenas da Rússia, mas da história de todos nós após o fim da Segunda Guerra Mundial”.
O romance “Limonov” foi editado na Itália pela Adelphi e continua a vender bem, demonstrando o fato de que sim, a história pessoal de um homem singular, herói ou vagabundo que seja, diz algo da nossa época com todas as suas contradições.
“Limonov” de Emmanuel Carrère é uma verdadeira aventura contemporânea, mas calcada no modelo dos romances clássicos, aqueles do passado, onde o herói vive uma aventura depois da outra e aprende sempre algo da experiência precedente. Seria talvez exagerado falar em romance de formação: de formação há pouco, Limonov comete frequentemente ações reprováveis. E ainda assim ele parece permanecer em equilíbrio à beira do abismo sem nunca entrar nele, mas sempre perto de cair. Este equilíbrio precário é aquilo que atrai o leitor, que o mantém preso às páginas, que o convence a prosseguir a leitura, e uma vez conclusa, a buscar no Google a continuação, os anos que vão de 2009 a hoje, para saber como prossegue o romance que não é mais romance, mas crônica, fofoca, em suma, vida vivida.
Punk, fascista, comunista, nacional-bolchevique, sempre na oposição e nunca no poder. Limonov é tudo e o contrário de tudo, uma figura hermética e fascinante, chefe carismático e homem de ação, heterossexual e algumas vezes também homossexual, entusiasta da vida em todas as suas facetas. Este livro fala dele e também de nós, de nosso tempo. Carrère oferece a Limonov e a nós leitores um romance maravilhosamente denso e envolvente, um verdadeiro retrato à semelhança dos quadros dos nobres ou aristocratas de tempos passados, onde porém a profundidade psicológica é levada ao extremo e onde também os escândalos e as vergonhas do objeto do estudo vêm à tona em todo seu desconforto, sem dissimular nada. Um clássico contemporâneo.
E hoje? Eduard Limonov é líder do partido político A Outra Rússia, herdeiro direto do Partido Nacional-Bolchevique. A Outra Rússia foi fundada em 2010, mas nunca foi reconhecido oficialmente pela autoridade. Limonov permanece um escritor prolífico. Vale a pena assinalar a publicação recente na Itália de “Zona Industrial” (Sandro Teti Editore, 2018), onde se atravessa os acontecimentos mais importantes da sua vida a partir da prisão em 2003 até hoje – uma espécie de continuação do romance de Carrère.
Vale a pena concluir este breve escrito com as próprias palavras de Carrère, a última página do livro. Que final para uma figura como Limonov? Que conclusão para aquela vida? Só podemos imaginar, claro, Limonov ainda está entre nós, mas eis que Carrère faz aquela pergunta ao personagem em questão: “Como você imagina o seu fim?”
“Você conhece a Ásia Central? (...) De todos os lugares do mundo – continua Eduard – a Ásia Central é aquele onde seria melhor. Em uma cidade como Samarcanda ou Barnaul. Cidades devastadas pelo sol, poeirentas, lentas, violentas. Lá, à sombra das mesquitas, sob as altas muralhas ameadas, há mendigos. Um monte de mendigos. São velhos emaciados, com as faces cozidas pelo sol, desdentados, às vezes sem olhos. Levam uma túnica e um turbante enegrecidos pela sujeira, aos seus pés está estendido um pedaço de tecido no qual esperam que alguém jogue qualquer moedinha, e quando alguma moedinha cai não agradecem. Não se sabe qual foi sua vida, mas se sabe que terminarão na vala comum. Não possuem idade, nem bens, se é que já tiveram algum – já é muito se ainda tiverem um nome. Se livraram de todas as amarras. São destroços. São reis. É disso que eles gostam”.