10/02/2020

Maurizio Neri - O Comunitarismo de Jean Thiriart

por Maurizio Neri

(2005)



Uma reconstrução filosófico-política do comunitarismo não pode deixar de se concentrar na figura de Jean Thiriart, tanto pelo uso particular do termo em questão derivado de sua reflexão teórica e suas iniciativas políticas, quanto pelos reflexos que elas tiveram na parábola do próprio comunitarismo na Itália. Vamos começar com uma breve biografia do personagem.

1 – Biografia Ponderada

Jean-François Thiriart, nascido em Bruxelas em 1922, de uma família de cultura liberal, na juventude militou na Jeune Garde Socialiste Unifiée (Jovem Guarda Socialista Unificada) e na Union Socialiste Antifasciste (União Socialista Antifascista). Mas, a certa altura, uma evolução semelhante à que caracterizou vários expoentes da extrema esquerda desde o início da época da Grande Guerra (pensemos, apenas para nos limitar ao caso mais clamoroso, ao percurso de Mussolini). De fato, ele primeiro colaborou com o Fichte Bund (Liga Fichte), subsidiária do movimento nacional-bolchevique de Hamburgo, e depois se juntou à associação Amis du Grand Reich Allemand (Amigos do Grande Reich Alemão), favorável a uma aliança da Bélgica com a Alemanha nazista, tanto que em 1943 ele foi condenado à morte pela resistência belga. Após o colapso do Terceiro Reich, Thiriart passou vários anos na prisão. Em 1960, na época da descolonização, ele se colocou decididamente a favor do predomínio domínio dos brancos no Congo, em Katanga, na Rodésia, participando da fundação do Comitê de Ação e Defesa das Belgas d’África, que mais tarde se tornaria o Movimento da Ação Cívica. O controle da África lhe parecia necessário para a luta que a Europa teria que conduzir contra os imperialismos norte-americano e soviético. Dois anos depois, como representante desse movimento, se encontrou em Veneza com expoentes de outros grupos e nacional-revolucionários europeus. Saiu dali uma declaração na qual os participantes se comprometiam a dar vida a “um Partido Nacional Europeu, centrado na ideia de unidade europeia, que não aceita a satelitização da Europa Ocidental pelos EUA e não renuncia à reunificação dos territórios da Leste, da Polônia à Bulgária passando pela Hungria".

Mas o projeto, como tantos outros criados por Thiriart, não decolou. No entanto, ele não se resignou e decidiu fundar de forma independente um novo grupo, a Jeune Europe (Jovem Europa), que logo se estabeleceu em muitos países do velho continente: Bélgica, Holanda, França, Suíça, Áustria, Itália, Alemanha, Espanha, Portugal, Inglaterra. A organização ofereceu o apoio de suas redes na região metropolitana à OEA (Organisation del l’Armée Secrète)[Organização do Exército Secreto], uma formação política constituída por militares de extrema-direita ligados ao ambiente dos franceses da Argélia que se opunham à independência da colônia. Vários militantes, incluindo o próprio Thiriart, foram presos. A aliança foi motivada pelo fato de que, no caso da vitória da OAS, a Argélia e a própria França poderiam constituir "santuários" em vista de uma ação revolucionária na Europa.

No "Manifesto à Nação Européia", era possível identificar o núcleo essencial do pensamento político de Thiriart:

"Entre o bloco soviético e o bloco dos EUA, nossa tarefa é construir a Pátria Grande: uma Europa unida, poderosa e comunitária, de Brest a Bucareste"


A escolha era decididamente centralista, porque "a Europa federal ou a Europa das Pátrias são concepções que ocultam a falta de sinceridade e a senilidade daqueles que as defendem".

A nação europeia deveria adquirir uma força atômica própria, "se retirar do circo da ONU" e apoiar as lutas pela liberdade e independência da América Latina.

A atividade de Thiriart se fez a partir daquele momento febril. Ele fundou uma escola para treinamento de militantes (que de 1966 a 1968 publicou o mensal L'Europe Communautarie [A Europa Comunitária]), tentou criar um "Sindicato Comunitário Europeu" e, em 1967, uma associação universitária - "Universidade Europeia" - que se mostrou particularmente vivaz na Itália. Não surpreendentemente, tudo isso aconteceu em coincidência com os anos da contestação protesto ocidental. De 1963 a 1966, outra publicação saiu, primeiro semanalmente, depois quinzenalmente, em francês, intitulada Jeune Europe (enquanto na Itália foi impressa a afiliada "Europa Combattente"). De 1966 a 1968, foi lançado o La Nation Européenne, que na versão italiana "La Nazione Europea" continuou até 1969.

Esse grande movimento, embora envolvesse pequenos grupos de jovens, deu a Thiriart uma certa notoriedade, que em 1966 conseguiu um colóquio em Bucareste, através da mediação dos serviços secretos romenos, com o ministro de Relações Exteriores chinês Zhou Enlai, a quem ele pediu apoio financeiro para o estabelecimento de um aparato político-militar europeu capaz de lutar contra inimigos comuns. Nada resultou disso, devido à desconfiança imediata demonstrada pela diplomacia de Mao, e em 1967 Thiriart voltou seu interesse para a Argélia, onde ele presumiu poder formar "uma espécie de Reichswehr europeia, os quadros de uma futura força política - militares que, depois de terem servido no Mediterrâneo e no Oriente Próximo, poderão um dia lutar na Europa para acabar com os colaboradores de Washington".

Esvanescida até essa outra hipótese, Thiriart voltou sua atenção para a Palestina e, em geral, para o Oriente Médio. Aqui também ele foi inicialmente ouvido, porque em 1968 ele foi convidado pelos governos de Bagdá e Cairo, bem como pelo Partido Ba'ath, a fazer uma turnê.

O objetivo de sua jornada era, mais uma vez, encontrar apoio concreto para criar o que ele agora chamava de Brigadas Europeias. Eles teriam que participar de uma primeira fase da luta pela libertação da Palestina, depois teriam que desembarcar na Europa para formar um núcleo de um Exército de Libertação Europeu. O sonho desapareceu, mais uma vez, diante da seca rejeição dos governos iraquiano e egípcio, pressionados pelo soviético. Desanimado por mais um fracasso, agora sem recursos financeiros para realizar uma luta política com um mínimo de profundidade, Thiriart decidiu se retirar para a vida privada. Por cerca de doze anos, ele eclipsou, dedicando-se exclusivamente à sua atividade profissional e sindical no campo da optometria. Mas em 1982 ele conheceu Luc Michel, um militante entusiasmado que, dois anos depois, fundou na Bélgica um Parti Communautaire National-Européen (Partido Comunitário Nacional-Europeu), do qual Thiriart se tornou o ideólogo e conselheiro político. Tendo abandonado o antigo slogan dos anos sessenta "Nem Moscou nem Washington", a nova linha tornou-se "Com Moscou contra Washington":

"Uma Europa Ocidental agregada à URSS seria o fim do imperialismo americano. Os russos devem nos oferecer, em troca da dourada escravidão americana, a possibilidade de construir uma entidade política europeia. Se eles a temem, a melhor maneira de afastar o temor é se integrar a ela".

Após o colapso do Muro de Berlim e a desintegração da União Soviética, as últimas elaborações de Thiriart foram ouvidas nos círculos eurasianistas eslavos. A nova situação que surgiu após a partida de Gorbachev, com a "direita nacional-popular" e a "esquerda comunista" lutando na Rússia contra o inimigo comum - o imperialismo americano - trouxe de volta suas ideias. Em 1992, foi para sua viagem final a Moscou, onde conheceu Aleksandr Dugin, um dos expoentes mais famosos do ambiente dos geopolíticos, e também conversou com o secretário do Partido Comunista da Federação Russa. No final do mesmo ano, Thiriart morreu na Bélgica, derrotado por um ataque cardíaco.

2 – As Raízes do Comunitarismo de Thiriart

Além da facilidade com que Thiriart conduziu sua ação (afinal ele era um grande admirador de Maquiavel), deve-se ter em mente que sua elaboração política encontrava suas raízes nas ideias desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial por algumas figuras do colaboracionismo francófono. Emblemático o caso do escritor Drieu La Rochelle (1893-1945), que já em 1942 havia falado de um império europeu a caminho da reunificação sob a bandeira da cruz gamada:

"Trezentos milhões de homens cantam em um campo. Um único estandarte vermelho se encontra no cume dos Alpes".

Foi o próprio Drieu quem primeiro declarou a ideia eurasianista de um grande bloco se estendendo de Lisboa a Vladivostok. Quando o conflito estava caminhando para uma conclusão catastrófica para os exércitos do Eixo, o intelectual francês viu no Exército Vermelho o único instrumento histórico capaz de substituí-lo na construção da unidade continental. Entre suas últimas linhas alucinadas (março de 1944), pode-se ler:

"Saúdo com alegria o advento da Rússia e do comunismo. Será atroz, atrozmente devastador para nossa geração que perecerá por uma morte lenta ou súbita, mas é melhor que o retorno da velhice, do lixo anglossaxão, da recuperação burguesa, da democracia renovada".

E já alguns meses antes (setembro de 1943) ele teve a oportunidade de esclarecer:

"Além disso, meu ódio pela democracia me faz querer o triunfo do comunismo. Na ausência do fascismo, apenas o comunismo pode realmente colocar o Homem de costas contra a parede, forçando-o a admitir novamente, como ele não havia feito desde a Idade Média, que ele tem Mestres. Stálin mais do que Hitler é a expressão da lei suprema".

Após a derrota do fascismo e do nazismo, a autocracia soviética foi identificada como a única alternativa à democracia e ao individualismo produzido pela decadência, porque os russos tinham uma "forma" e o marxismo nada mais era do que "uma febre de crescimento em um corpo saudável":

"Desaparecerão assim todos os absurdos do Renascimento, da Reforma, da Revolução Americana e Francesa. Voltamos à Ásia: precisamos disso"(abril de 1943).

O mito da Europa imperial, o "horror" complementar pela democracia, a avaliação positiva da Rússia soviética para lutar contra as potências atlânticas, nascem, portanto, como uma herança teórica de ambientes bem identificáveis e catalogáveis. Thiriart apenas retomará essas ideias atualizando-as e adaptando-as à era pós-Segunda Guerra Mundial.

3 – Economia e Sociedade no Comunitarismo de Thiriart

É nessa estrutura, então, que devem ser colocadas as pistas econômicas e sociais do comunismo de matriz thiriartiana. Foi após a eliminação da "extrema-direita racista" exasperadamente anticomunista pela Jeune Europe, ocorrida entre 1964 e 1965, que dentro do grupo duas orientações se tornaram dominantes: por um lado, um antiamericanismo radical, por outro o comunitarismo entendido como teoria econômico-social que "superava" o marxismo (“A análise negativa de Marx está correta. Seu plano positivo é infantil, normativista e virtuosista”).

Na verdade, já no Manifesto Fundador da Jeune Europa foi esboçado um discurso de "alternativa" ao Sistema, proclamando a "superioridade do trabalhador sobre o capitalista e do homem sobre o formigueiro", auspiciando uma "comunidade dinâmica" que visse "a participação no trabalho de todos os homens que a compõem". À democracia parlamentar era contrastada uma representação orgânica reunida em um "Senado da Nação europeia formado pelas mais altas personalidades no campo da ciência, do trabalho, das artes, das letras" e em uma "Câmara Sindical que represente os interesses de todos os produtores da Europa livre da tirania financeira e da política estrangeiras".

Tratava-se, em essência, de uma transferência para o nível continental do corporativismo de matriz fascista. Em 1965, Thiriart definiu o comunitarismo como "socialismo nacional-europeu" e profetizou que "em meio século o comunismo se unirá, de bom ou mau grado, ao comunitarismo". Cerca de vinte anos depois, ele apontou que o comunitarismo era um "comunismo europeu desmarxizado". Daí seu interesse e aproximação cada vez maiores com os regimes que evoluíram no sentido do "nacional-comunismo", como a Iugoslávia de Tito e a Romênia de Nicolae Ceausescu.

Mas é necessário olhar além da cortina de fumaça dos termos frequentemente usados ambiguamente.

Para entender algo, a leitura de um documento redigido por Thiriart na década de 1980, intitulado Approche du Communitarisme (Chegada do Comunitarismo), acaba sendo significativa.

Ele descreve um modelo contraditório em que convivem elementos de ascendência socialista, com outros libertários:

“Devemos, portanto, responsabilizar as empresas coletivas. Atualmente, todas as desordens são encobertas pelo anonimato de ‘maiorias irresponsáveis’ e pagas pelo Estado. O comunitarismo tenderá a encorajar as sociedades cooperativas, mas simultaneamente as considerará como entidades responsáveis por si mesmas (autogestão).”

De modo podem andar juntas a livre concorrência e as “formas cooperativas” no comunitarismo? Isso não está especificado, mas permanece claro para Thiriart que a busca pelo lucro continuará sendo o elemento essencial na medida em que "para o comum dos mortais a motivação mais eficaz continua sendo o lucro. Pode-se deplorar isso no plano ético, mas é uma realidade”.

Ele vê um fator positivo na economia de mercado, porque a livre iniciativa e a concorrência geram "seleção". A hierarquia social subsistirá, baseada "essencialmente no trabalho". De fato, já na década de 1960, no livreto “A Grande Nação - 65 Tese sobre a Europa”, Thiriart havia esclarecido que seu comunitarismo em termos concretos era “um máximo de propriedade privada nos seguintes limites: não-exploração do trabalho alheio, não-interferência na política pela hipertrofia do poder econômico; não-cooperação com interesses estrangeiros à Europa". Somente a grande propriedade privada de indústrias estratégicas, que pode pôr em risco a soberania política, deve ser eliminada. Para isso, os setores de energia, armamentos e comunicações devem ser nacionalizados e estritamente controlados pelo Estado:

“Por exemplo, uma central hidrelétrica exige (...) a nacionalização. No sentido oposto, a produção e distribuição dos produtos agrícolas e avícolas exige a economia livre (...). O marxismo dogmático quer tudo nacionalizar, o liberalismo quer tudo privatizar, o comunitarismo quer conservar o controle político absoluto, permitindo ao mesmo tempo o máximo de liberdade econômica possível”.

Essas teorias encontram sua estrutura lógica se considerarmos que o interesse de Thiriart é inteiramente dedicado à criação de uma economia de poder (economia de puissance) no qual a "livre iniciativa" é um elemento muito positivo (est um facteur três positif), enquanto as oligarquias do dinheiro (les oligarchies d'argent) devem ser castradas politicamente, já que o capitalismo tem interesses conflitantes com os da nação. Como você pode ver, também neste caso, ressurgem elementos típicos de certas correntes fascistas e nacional-socialistas dos anos 30 e 40 do século XX. No mesmo clima cultural, eles lembram algumas considerações sobre a natureza do homem europeu que buscaria o desenvolvimento do Ser, em oposição ao homem americano interessado apenas no aumento do Ter... E se na antiguidade os persas e os cartagineses, exemplo daqueles que almejam apenas esta última dimensão, foram destruídos; portanto, em nossa era - sugere Thiriart - os americanos estarão destinados a se confrontar com a nação europeia. Esse caminho leva a outro aspecto essencial do comunitarismo thiriartiano: ele propõe um modelo autossuficiente sempre em escala continental, em vista do confronto final com os Estados Unidos:

"O nacionalismo econômico consiste especificamente em velar para que a Europa seja totalmente autônoma em matéria de armamento e totalmente autônoma no domínio do fornecimento de alimentos primários".

Os Estados Unidos poderiam tirar proveito do fato de que "os capitalistas europeus são menos dinâmicos, menos jovens que seus primos americanos". A nação europeia e o comunitarismo, como concebido por Thiriart, devem ser os dois fatores capazes de compensar a desvantagem da disparidade de forças.

4 – O Comunitarismo Italiano e Thiriart

Quem, na Itália, entre o final dos anos noventa e o início do novo século, tentou dar forma política ao comunitarismo, teve que aceitar o pesado legado da experiência thiriartiana. Em relação a ela, após uma fase de estudo e aprofundamento (outubro de 1999 - outubro de 2000), foram tomadas distâncias. De fato, cada vez mais evidente pela análise dos escritos do homem político belga e pelas escolhas dos seus epígonos, a instrumentalização do termo “comunitarismo” para justificar uma visão que tem no seu centro a evocação da guerra entre imperialismos opostos (americano e europeu) pelo domínio do mundo, sem propor algum modelo econômico-social realmente alternativo ao capitalista. A isto deve-se acrescentar - como dado negativo - a reproposição, no nível organizacional, de uma estrutura de tipo leninista, na qual, além disso, são enfatizados os aspectos hierárquicos e de liderança. Mas, ao final deste ensaio, se pode avançar uma explicação da história de Thiriart, dos seus precursores e dos seus seguidores, também de tipo psicossociológico, resumida na definição "encontro dos extremos". De fato, notamos uma proximidade de caráter entre "fascistas" e "stalinistas". Eles são "autoritários" e "ativos". A maneira de conceber o ato político é a mesma, vai além das diferenças ideológicas. O temperamento "autoritário/ativo" resulta em totalitarismo. Por outro lado, há uma convergência de temperamento entre liberais e esquerdistas, dada pela proximidade dessas correntes na fé em relação à democracia e ao cosmopolitismo (seja presente na forma do livre comércio ou do internacionalismo). As passagens entre essas duas correntes são frequentes da mesma maneira, se não mais. A maioria dos líderes esquerdistas do final dos anos sessenta do século XX são hoje bons burgueses integrados ao sistema.

Bibliografia

Moreno Marchi, I duri di Parigi. L’ ideologia, le riviste, i libri, Settimo Sigillo, 1997

Luc Michel, Da Jeune Europe alle Brigate Rosse, Società Editrice Barbarossa, 1992

Claudio Mutti, Drieu un solo stendardo rosso…, in Rinascita, 1 febbraio 2004

Jean Thiriart, La grande nazione. 65 Tesi sull’ Europa, Società Editrice Barbarossa, 1993

Jean Thiriart, Europa. Un impero di 400 milioni di uomini, Volpe, 2003

Jean Thiriart – Luc Michel, Le socialisme communautaire, PCN