09/01/2015

Christopher Pankhurst - "Je Ne Suis Pas Charlie"

por Christopher Pankhurst



Assim como praticamente todo mundo que está comentando sobre o massacre no Charlie Hebdo eu não sabia praticamente nada sobre essa publicação salvo pela publicidade que ela recebeu subsequentemente. Do que eu pude ver ela parecer se especializar em charges satíricas de uma variedade grosseira e não muito engraçada. Apesar do fato de que eu me oporia à maioria de suas perspectivas editoriais eu ainda acho que o que aconteceu no dia 7 de janeiro em Paris é bastante triste. Mas então já havia alguma coisa triste sobre uma revista publicada por esquerdistas idosos que se percebiam como parte da vanguarda do radicalismo político.

Outro cartunista do sistema com ilusões similares de um status de dissidente é Steve Bell do The Guardian. Sua resposta ao massacre foi desenhar os assassinos vestindo roupas bobas e perguntando, "Por que os idiotas ainda riem de nós?". Ninguém está rindo, Steve. Eu suponho que isso possa provocar uns risos de uma criança de cinco anos que ainda ache palhaços engraçados, mas o fato é que não há nada especialmente digno ou elogiável sobre esse tipo de caricatura em particular. Se ele deixa de ser engraçado, então começa a ser um exercício em uma triste frustração.

Talvez eu não esteja entendendo muito bem as coisas. Eu até gosto de Calvin & Hobbes, e minha exposição enquanto criança à obra de Charles Schultz me deu uma profundidade de compreensão filosófica que eu jamais fui capaz de recapturar quando adulto. Desenhos que escarrancham o vácuo entre a inocência e a experiência podem evocar um senso blakeano do paraíso perdido da infância, e momentaneamente fornecer alívio do stress da vida quotidiana. Os cartoons do Charlie Hebdo, em contraste, parecem incorporar os piores aspectos da infância, sendo pueris, ofensivos e ressentidos. 

É claro, muitos levantarão a objeção de que meu gosto pessoal em cartoons é irrelevante; que o importante é que devemos todos nos solidarizar com o Charlie Hebdo diante desse ataque brutal a nossas liberdades. Mas eu considero essa posição como profundamente falha. Primeiramente, eu questionaria a natureza da "liberdade" que está sendo defendida. Como outros já apontaram, não há absolutamente nenhuma liberdade de expressão na Europa para aqueles que querem dizer algo radicalmente divergente da narrativa multicultural dominante. Isso é verdadeiro tanto para muçulmanos quanto para a direita radical. A liberdade de expressão que aqueles que adotaram o slogan "Je suis Charlie" advogam é a liberdade para um milieu esquerdista amplo que apoia o multiculturalismo, e não para as opiniões dissidentes.

Em segundo lugar, eu discordo da visão de mundo proposta pelo Charlie Hebdo e sua gente. Alguns poderiam ver isso como sendo de pouca visão diante da verdadeiramente real ameaça islâmica. Mas eu diria que é a construção de falsas alianças que é de visão curta. A equipe do Charlie Hebdo e o milieu esquerdista geral jamais apoiaram ninguém da direita dissidente que tenha sido preso por suas opiniões e eles não começarão a apoiá-los agora. Essa não é uma discordância menor dentro de uma igreja ampla. Eu discordava da política do Charlie Hebdo antes de 7 de janeiro, e eu ainda discordo dela agora. Eu não vou alterar minha visão de mundo em resposta aos assassinatos.

Em terceiro lugar, eu não apoio a publicação de material criado deliberadamente para ofender as sensibilidades religiosas das pessoas. Talvez eu deva acrescentar rapidamente que eu não apoio a censura desse material, nem o assassinato dos responsáveis por ele. Mas também não posso aceitar a elevação desse tipo de material à epitome da civilização ocidental. Ouvindo nossos políticos falando dá até para pensar que a provocação crua da parte mais íntima da religião islâmica é a culminação para a qual a cultura ocidental tem evoluído por dois milênios. Vamos ignorar o fato de que Nick Griffin foi julgado, e completamente condenado por todos os políticos do sistema, por dizer coisas relativamente singelas em comparação ao que era publicado pelo Charlie Hebdo. A hipocrisia é notável, mas não muito surpreendente. Mas essa é a diferença entre a liberdade de expressão de esquerda e a liberdade de expressão de direita. Eles nunca farão uma distinção explícita, mas ela está lá para quem procurar por ela.

Alguns sugeriram que os cartunistas do Charlie Hebdo deveriam ser admirados por sua coragem e eu concordaria com isso. Suas ações parecem ter sido pensadas para provocar os muçulmanos e eles sabiam que esse era um caminho perigoso. Eles certamente mostraram coragem nesse sentido. Mas a qualidade mais admirável é a coragem combinada com sabedoria, e o Charlie Hebdo certamente carecia dessa qualidade. Seu senso de radicalismo consistia em um "foda-se" vazio dirigido a um sistema que já se havia degenerado logo após o 68. É o radicalismo da geração Monty Python, eternamente dando tapinhas nas próprias costas por uma iconoclastia que já estava ultrapassada há uns anos.

Os esquerdistas e multiculturalistas que estão agora tão determinados em proteger valores burgueses como a "liberdade de ofender" viraram suas costas à juventude trabalhadora da Europa há muito tempo atrás. Suas prioridades são claras. Ao invés de confrontarem a difícil tarefa de construir um futuro para sua juventude eles preferem jogar jogos tolos e irresponsáveis, lançando para todo lado a única citação de Voltaire que conhecem em um pique de narcisismo prepotente. Tudo isso tem menos que ver com idéias nobres de liberdade do que com a auto-indulgência de uma elite entediada. A juventude trabalhadora da Europa tem questões mais urgentes para lidar, como o caso de Rotherham (só para dar um exemplo) demonstrou.

Eu não posso me unir ao clamor de afirmar "je suis Charlie" porque eu penso que tal posição é esquizofrênica. Os apoiadores da liberdade de expressão apoiam esse direito para aqueles que defendem o multiculturalismo, mas eles apoiam prisão e censura para aqueles que se opõem. E em busca dessa falsa liberdade de expressão se espera que todos apoiemos a rudeza pueril dirigida àqueles cuja integração dentro do multiculturalismo está se provando a mais difícil. É como se os multiculturalistas na verdade, lá no fundo, não acreditassem na própria retórica, e desejassem solapar seu próprio projeto por meio de um ato petulante, ainda que reprimido, de provocação infantil. Isso é literalmente insano. Je ne suis pas Charlie.