08/01/2015

Thierry Meyssan - Quem está por trás do atentado contra Charlie Hebdo?

por Thierry Meyssan



Em 7 de janeiro de 2015, um comando irrompe na sede parisiense do Charlie Hebdo e mata 12 pessoas. Outras 4 vítimas foram reportadas como estando em estado grave.

Nos vídeos se ouve os atacantes gritando "Allah Akbar!" e afirmar depois que "vingaram Maomé". Uma testemunha, a cartunista Coco, afirmou que os indivíduos diziam ser da Al-Qaeda. Isso bastou para que inúmeros franceses denunciam ao fato como um atentado islamista.

Mas essa hipótese é ilógica.

A missão do comando não coincide com a ideologia jihadista

Em efeito, os membros ou simpatizantes de grupos como a Irmandade Muçulmana, Al-Qaeda ou Emirado Islâmico não teriam se limitado a matar cartunistas ateus. Teriam começado destruindo os arquivos da publicação na presença das vítimas, como fizeram na totalidade das ações que perpetram no Magreb e no Levante. Para os jihadistas, o primordial é destruir os objetos que - segundo eles - ofendem a Deus, antes de castigar os "inimigos de Deus". 

E tampouco teriam se retirado de imediato, fugindo da polícia, sem completar sua missão. Pelo contrário, a teriam realizado até o fim ainda que isso custasse suas vidas.

Por outro lado, os vídeos e vários testemunhos mostram que os atacantes eram profissionais. Estão acostumados ao manejo de armas e só disparam quando é realmente necessário. Sua indumentária tampouco é a dos jihadistas senão mais exatamente a que caracteriza comandos militares.

Sua maneira de executar no chão um policial ferido, que não representava um perigo para eles, demonstra que sua missão não era "vingar Maomé" do humor não muito fino do Charlie Hebdo.

Objetivo da operação: favorecer o início de uma guerra civil

Os atacantes falam bem o idioma francês e é muito provável que sejam franceses, o que não justifica a conclusão de que seja tudo um incidente franco-francês. Pelo contrário, o fato de que se trata de profissionais nos obriga a separar estes executores dos que deram a ordem de realizar a operação. E nada demonstra que estes últimos sejam franceses.

É um reflexo normal, mas intelectualmente errôneo, acreditar que conhecemos nossos agressores no momento em que acabamos de sofrer a agressão. Isso é o mais lógico, tratando-se da criminalidade comum e corrente. Mas não é assim quando se trata de política internacional.

Quem deu as ordens que levaram à execução desse atentado sabia que estavam provocando uma ruptura entre franceses de religião muçulmana e os franceses não-muçulmanos. O semanário satírico francês Charlie Hebdo se havia especializado nas provocações anti-muçulmanas, das quais a maioria dos muçulmanos da França foram vítima direta ou indiretamente. Se bem os muçulmanos da França não deixaram certamente de condenar esse atentado, lhes será difícil sentir pelas vítimas tanta dor como os leitores da publicação. E não faltarão os que interpretem isso como uma forma de cumplicidade com os assassinos.

É por isso que, ao invés de considerar esse atentado extremamente sanguinário como uma vingança islamista contra o semanário que publicou na França as caricaturas sobre Maomé e dedicou reiteradamente seu primeiro plano a caricaturas anti-muçulmanas, seria mais lógico pensar que se trata do primeiro episódio de um processo tendente a criar uma situação de guerra civil.

A estratégia do "choque de civilizações" foi concebida em Tel-Aviv e Washington

A ideologia e estratégia da Irmandade Muçulmana, Al-Qaeda e Emirado Islâmico não prega provocar uma guerra civil no "Ocidente", senão pelo contrário, iniciar uma guerra civil no "Oriente" e separar a ambos mundos hermeticamente. Nem Sayyid Qutb, nem nenhum de seus sucessores convocaram a provocar enfrentamentos entre muçulmanos e não-muçulmanos no terreno destes.

Pelo contrário, quem formulou a estratégia do "choque de civilizações" foi Bernard Lewis e ele o fez a pedido do Conselho de Segurança Nacional dos EUA. Essa estratégia foi divulgada posteriormente por Samuel Huntington, apresentando-a não como uma estratégia de conquista senão como uma situação que podia chegar a se produzir. O objetivo era convencer aos povos dos países membros da OTAN de que era inevitável um enfrentamento, justificando assim o caráter preventivo do que seria a "guerra contra o terrorismo".

Não é em Cairo, em Riad nem em Cabul que se prega o "choque de civilizações", mas sim em Washington e em Tel-Aviv.

Os que deram a ordem que levou ao atentado contra o Charlie Hebdo não estavam interessados em agradar a jihadistas ou talibãs mas sim aos neoconservadores ou aos falcões liberais.

Não devemos esquecer os precedentes históricos

Temos que recordar que durante as últimas décadas temos visto os serviços especiais dos EUA e da OTAN:

-> Utilizar na França a população civil como "porquinhos da Índia" para experimentar os efeitos devastadores de certas drogas;

-> Respaldar às OAS para assassinar o presidente francês Charles De Gaulle;

-> Proceder à realização de atentados de "falsa bandeira" contra a população civil em vários países membro da OTAN.

Temos que recordar que, desde o desmembramento da Iugoslávia, o Estado-Maior americano experimentou e pôs em prática em vários países sua estratégia conhecida como "rinha de cães", que consiste em matar membros da comunidade majoritária e matar depois membros das minorias para conseguir que ambas as partes se acusem entre si e que cada uma delas creia que a outra está tentando exterminá-la. Foi assim que Washington provocou a guerra civil na Iugoslávia e, ultimamente, na Ucrânia.

Os franceses fariam bem em recordar igualmente que não foram eles que tomaram a iniciativa da luta contra os jihadistas que regressavam da Síria e do Iraque. De certo, nenhum desses indivíduos cometeu até agora nenhum atentado na França já que o caso de Mehdi Nemmouche não se pode catalogar como um fato perpetrado por um terrorista solitário senão por um agente encarregado de executar em Bruxelas 2 agentes do Mossad. Foi Washington que convocou, em 6 de fevereiro de 2014, os ministros do Interior da Alemanha, EUA, França (o senhor Valls enviou um representante), Itália, Polônia e Reino Unido para que inscrevessem o regresso dos jihadistas europeus como uma questão de segurança nacional. Foi apenas depois dessa reunião que a imprensa francesa abordou esse tema dado o fato de que as autoridades haviam começado a atuar.

Não sabemos quem ordenou esse ataque profissional contra o Charlie Hebdo mas sabemos sim que não devemos nos precipitar. Teríamos que ter em conta todas as hipóteses e admitir que, nesse momento, seu objetivo mais provável é nos dividir e que o mais provável é que quem deu as ordens esteja em Washington.