Não existe nenhuma definição verdadeiramente satisfatória do erotismo, essa qualidade propriamente humana que leva ao desejo sexual pela via da mútua invenção. O erotismo não é o contrário do pudor, o qual possui sentido somente na medida em que promove o desejo. Tampouco é o contrário da pornografia, que é sugestiva (sua grande vantagem) quando, mostrando absolutamente tudo revela, por isso mesmo, que não havia nada de essencial ali para se ver. D.H, Lawrance, por certo, já havia dito tudo quando denunciava a hipocrisia de uma sociedade que condena a pornografia ao mesmo tempo em que se mantém cega ante sua própria obscenidade. Qualquer discurso publicitário, qualquer discurso pertencente à lógica do mercado é, hoje, sem dúvidas, infinitamente mais obsceno do que uma vagina aberta e exposta em primeiro plano fotográfico.
Durante séculos, o erotismo foi denunciado como sendo o contrário dos “bons costumes” porque, ao excitar as paixões sensuais, contradizia a uma moral baseada na desvalorização da carne. Contrariamente a outras religiões, o cristianismo sempre foi incapaz de elaborar uma teoria do erotismo: não por haver ignorado ao sexo, mas, ao contrário, por tê-lo convertido em uma obsessão negativa. Passado o tempo dos mártires, a abstinência converteu-se em marca da vida devora e a sexualidade no campo privilegiado do pecado. A atividade sexual, considerada como um mal menor, somente foi admitida no campo da conjugalidade. A igreja condenava uma sexualidade desvinculada de finalidade procriadora, ao mesmo tempo em que cultivava o ideal virginal de uma procriação sem sexualidade. Por este motivo, sem duvidas, o discurso sobre o sexo se manteve circunscrito durante tanto tempo no âmbito literário, médico ou simplesmente vulgar, embora seja revelador que, em todos os tempos, o nu serviu como base para o ensino das belas artes, ao ser considerado como a mais idônea exemplificação da categoria de belo.
A modernidade nascente empreendeu seguidamente um vasto trabalho de dessimbolização cuja vítima foi o erotismo. Ao basear-se na idéia do ser humano como individuo auto-suficiente, era impossível pensar em uma diferença sexual que, por definição, implica no incompleto e no complementário. O caráter pejorativo atribuído às paixões e às emoções – supostas geradoras de “preconceitos” – correu casais, por outro lado, com o auge da força do individuo a favor do racionalismo cientificista. Viu-se então desvalorizada a inteligência sensível – do corpo –, seja como portadora de pulsões “arcaicas” ou, como proveniente de uma “natureza” da qual o homem, por fazer-se propriamente humano, estava chamado a emancipar-se. A modernidade, por último, converteu sistematicamente o interesse em necessidade e a necessidade em desejo. Sem ver que o desejo não se reduz precisamente ao interesse.
Autor de uma bela Antologia histórica das leituras eróticas, Jean-Jacques Pauvert considera que, “no ano 2000, apesar das aparências, o erotismo quase já desapareceu, se é que não desapareceu completamente”. Pode parecer surpreendente esta declaração de um especialista. Na realidade, não faz senão constatar que o erotismo, ontem amarrado por uma censura que o condenava à clandestinidade e à proibição, encontra-se, hoje em dia, ameaçado exatamente pelo contrário. Assim como a onipresença da imagem impede a vista, de forma que a grande cidade constitui, na realidade, um deserto; assim também, o sexo ensurdecedor converte-se em inaudível. A onipresença das representações sexuais priva a sexualidade de toda sua carga. Contrariamente ao que imaginam os reacionários pornofóbicos, herdeiros da nova ordem moral reagana-papista, a pornografia mata o erotismo por excesso, em lugar de ameaçá-la por sua falta. Trata-se também de um efeito da modernidade. O processo moderno de individualização conduziu, em primeiro lugar, de fato, à constituição da intimidade e, logo, em nome de um ideal de transparência, à transformação dialética da intimidade em exibição. Este passo da intimidade ao exibicionismo (tomado como “testemunho” e, por tanto, como critério de verdade) fica perfeitamente ilustrado pela emissão Loft Store, concentrada especular (e crepuscular) da sociedade atual, que é somente caricaturesca para melhor ilustrar seus traços distintos: mísero voyeurismo e estupidez consentida; espaço fechado, programado pela lei do dinheiro; exclusão interativa sobre a base de uma insignificância absoluta. Não é de se surpreender que as massas estejam fascinadas por este espelho que lhes tende: vêm em pequeno o que, cada dia, vivem no grande.
O sexo é hoje incitado a ser como o diapasão do espírito dos tempos: humanitário, higienista e técnico. A normalização sexual encontra novas formas que já não tentam reprimir o sexo, mas converter-lo em uma mercadoria como as demais. A sedução, muito complicada, converte-se em uma perda de tempo. O consumo sexual tem de ser prático e imediato. Objeto maquinal, corpo-máquina, mecânica sexual: a sexualidade já não é mais um assunto de receitas ao serviço de uma pulsão escópica da quantidade. No mundo da comunicação, o sexo tem deixar de ser o que sempre foi: um esboço de comunicação tão mais deleitoso conforme se localiza sobre um fundo de incomunicabilidade. Em um mundo alérgico às diferenças, que desde muitos pontos de vista reconstruiu social e culturalmente a relação entre os sexos desde o horizonte de um dimorfismo sexual atenuado, e que teima em ver nas mulheres “homens como os demais” quando, na realidade, elas são o outro do homem; pretende-se que o sexo deixe de “alienar” quando, na realidade, é um jogo de alienações voluntárias. O erotismo é morto pelo desejo politicamente correto de suprimir a correlação de forças que se estabelece ora a favor de um sexo e ora a favor de outro, em uma mutua conversão. O mata porque nenhuma relação amorosa pode ser implantada em plena igualdade, mas tão somente em um conflito, em uma instável desigualdade que permita dar a volta em todas as situações. O sexo não é, senão, descriminação e paixão, atração ou repudio igualmente excessivos, igualmente arbitrários, igualmente injustos. Em tal sentido, não é exagerado dizer que o verdadeiro erotismo – selvagem ou refinado, bárbaro ou lúdico – segue sendo, mais do que nunca, um tabu.
A vontade de suprimir a transgressão mata, por sua vez, ao erotismo. Porque há muitas normas em matéria sexual, assim como as há em tudo. O erro consiste em crer que são normas morais. O outro erro é o de imaginar-se que qualquer comportamento pode erigir-se em norma, ou que a existência de uma deslegitima, por sua mera existência, tudo o que está fora das normas. O erotismo implica na transgressão, com a condição de que tal transgressão, contudo, seja possível sem deixar de ser transgressão; isto é, sem ser instituída como norma.
Entre os “jovens dos subúrbios” (para os quais as mulheres não são mais do que uns buracos rodeados de carne), as idiotas profissionais de formas siliconadas e as revistas femininas convertidas em manuais de sexologia pubo-pélvica, o erotismo se apresenta hermeticamente bloqueado em toda a parte. Os jovens, em particular, têm de fazer frente a uma sociedade que é, por sua vez, muito mais permissiva e muito menos tolerante que no passado. Assim como a dominação conduz à desapropriação, a também pretensa libertação sexual conduziu somente, no fim, a novas formas de alienação. Mas o sexo, por ser algo que pertence, antes de tudo, ao reino do incerto e do turvo, sempre se esgueira ante a transparência. O exibicionismo é algo ainda mais opaco do que a censura, pois a este desejo de transparência responde sempre com a metáfora. Quando se tenta iluminá-lo com projetores, o mundo do sexo opõe-se afortunadamente a tal iluminação, fato que André Breton denominava seu “inquebrantável núcleo noturno”.
____
[Revista Eléments nº 102, setembro de 2001, Robert de Herte (pseudônimo de Alain de Benoist)]